
Queridos amigos,
Graças ao nosso confrade António Pereira da Costa tive acesso às descrições laudatórias de um funcionário colonial que é quase apresentado como Alexandre, o Grande.
Nunca ouvira falar no Conselheiro Almeida, apetece reflectir na total instabilidade que era o viver na Guiné já a caminho do século XX.
Que os historiadores, por favor, tomem em conta estas considerações épicas, à cautela era mesmo o Almeida quem fazia os relatórios, suficientemente sugestivos, prontos para receber louvores.
Já naquele tempo…
Um abraço do
Mário
O Conselheiro José Joaquim d’Almeida e as questões do Casamansa
Beja Santos
Foi o nosso confrade António José Pereira da Costa, Director da Biblioteca do Exército, que me chamou a atenção para a personagem e a sua actividade na Guiné. O livro intitula-se “Dezoito anos em África, notas e documentos para a biografia do conselheiro José d’Almeida”, Lisboa, 1898. Quem organizou estes documentos foi o escritor Trindade Coelho mais um quarteto de admiradores do funcionário colonial que andou por Angola, Guiné e Moçambique cerca de dezoito anos.

Em Novembro de 1880, é nomeado secretário da Junta de Fazenda Pública da Guiné. Escreve quem lhe tece louvores: “De peito leve e com aquela vontade de ferro que é o seu timbre”. Em 1881 está de volta, recebe um louvor em Bolama e as pessoas afamadas da capital (negociantes, proprietários, militares e religiosos, entre outros) fazem constar da imprensa que lamentam e sentem o ter de separar-se deste empregado superior de fazenda que tão sabiamente, como com toda a honestidade, imparcialidade e prudência, geriu os negócios públicos dela.
O crucial deste episódio é que o vapor em que Almeida seguia para a metrópole trazia a sua nomeação para Secretário-Geral da província. Começa um tempo épico de acordo com o que vem nestas notas e documentos. Em 1883, vai a Nhacra com o fim de obter dos balantas uma embarcação e prisioneiros. Para que tudo constasse direitinho, é o próprio Almeida quem faz o relatório ao senhor Governador. Partiu na lancha a vapor Cacine, de Bissau seguiu para o Impernal. Viagem difícil, o inimigo levantou no rio uma estacada solidamente tecida para estorvar a passagem de qualquer embarcação. Almeida exigiu falar com régulo Safim. Uma trovoada inclemente molhou a tropa mas os soldados estavam alegres e satisfeitos. O rei de Safim não havia meio de chegar, tinha medo da guerra. Houve conversações com ministros deste rei e depois implorou-se ao governo português a paz e o perdão. Almeida exigiu que o rei fosse a Bissau e ali assinasse o termo de paz e vassalagem. E ficou no ar a ameaça: que se não fosse cumprida esta exigência a coluna voltaria na estação seca e meteria a ferro e fogo todo o país, abandonando-o somente depois de se ter incendiado a última casa e exterminado o último inimigo. Os balantas não estiveram para os ajustes, pediram a paz.
A seguir ao episódio de Nhacra, Almeida viaja até Sindon e Zeguinchor, vai na pequena canhoneira “Guiné”. Estamos num tempo de graves tensões com as autoridades francesas. Um francês que desembarcou em Sindon arvorou a bandeira francesa, as autoridades trocaram-se de razões, houve mesmo a ameaça de pesado diferendo diplomático. A autoridade portuguesa de Zeguinchor prendeu o francês que arvorara no mastro português o pavilhão tricolor. As autoridades de Zeguinchor acabaram por ser repreendidas, se há coisa que o governo de Lisboa não queria era um incidente diplomático nas vésperas da conferência de Berlim. Aliás, o governador em Bolama escreve ao Almeida: “Deve expor que a ocupação de territórios e limites no Casamansa e todos os da Guiné portuguesa e francesa são assuntos dos gabinetes das duas nações, que não pode ser resolvido pelo facto de içar-se ou arrear-se uma bandeira”. Ficamos a saber igualmente que Sidon era um território comprado por Isabel Afonso e Paula Gomes Afonso, herdeiras de Gregório José Domingues.
Mas há mais provas de Almeida deixou impresso o cunho da sua individualidade, fez amizades com as autoridades francesas, passaram a corresponder-se com cortesia e provas de estima. O governador Pedro Inácio de Gouveia louva Almeida pelo modo cordato, activo e digno com que desempenhou a missão a Sindon e Zeguinchor.
Em Maio de 1884 temos mais uma prova nos sentimentos ardorosos de Almeida. A bordo da canhoneira “Bengo”, vai a Bimbo e Caió a fim de procurar submeter a autoridade portuguesa o gentio, castigando-o pelos seus roubos e latrocínios. O régulo não quis conversar com ele, em ambas as margens do rio homens armados fizeram fogo sobre as autoridades portuguesas. Os canhões de bordo convenceram os revoltosos a acabar com o tiroteio a partir dos mangues. Como o régulo não estivesse disposto a sujeitar-se, a embarcação entrou no rio de Biombo e a metralhadora varreu a tabanca, a tropa entrou por ali a dentro, os revoltosos resistiram até ao limite. Novo louvor do governador, o Almeida mostrara zelo, excessiva energia e valor pela forma porque desempenhou a comissão. Por último bateu o gentio de Cacanda e mais tarde resistiu em Bolama a uma incursão de Beafadas revoltosos. Foi assim que Barjona de Freitas, ministro dos negócios do reino o tornou comendador da ordem de Cristo. Terminava assim a comissão de José Joaquim d’Almeida na Guiné. A seguir vai para Gaza, em Moçambique.
Estes acontecimentos superam o nível da curiosidade: dão conta da fluidez das fronteiras, da completa insegurança e do estado de permanente revolta em que viviam as populações da Guiné. Convém não esquecer que estamos nos anos 80 do século XIX. Aliás, a pacificação no território continental só chegará em 1915 e nos Bijagós em 1936. Os funcionários coloniais daquele tempo tinham que saber de coisas de alfândega, de intendência, de diplomacia e das artes da guerra.
2. Comentário do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74):
Camaradas
Creio que é bom que estes textos sejam divulgados.
É assim que se prova que ali, a soberania nacional, sempre foi reconhecida e nunca discutida, naquela "portuguesíssima terra de 400 anos" (ou mais)...
Aqui levanta-se a questão de saber o que era ali e o que foi depois o portuguesismo. E, se "aquilo era nosso" (de quem?) dos guineenses?, dos metropolitanos? dos angolanos?, dos açorianos?
A estas duas não sei responder.
Não duvidemos deste texto que foi escrito para louvar. Ou seja: se peca é por defeito. O inimigo pode estar inflacionado, (a bem de heroicidade e do prestígio) mas a acção das NT foi aquela e não há motivo para que se diminua ou aumente, pois, nessa altura as questões de "propaganda" não se punham. Se calhar, uma boa reprimenda "aos nativos" até se aceitava.
Paralelamente podemos ir colhendo elementos sobre a logística do tempo, as unidades presentes, o enquadramento, o apoio que as autoridades recebiam das populações e de quais. Enfim, um sem número de elementos que permitem cavar nas raízes do conflito que eclodirá mais tarde
.
Reparem na acção das autoridades portuguesas do tempo e do seu relacionamento com as autoridades francesas. A sua acção era ditada pelo campo político que tivessem livre e não creio que fosse muito largo.
Era o tempo em que a África, "recém-descoberta" iria ser dividida "com a golpes de podão". Alguém já imaginou como se viveria na Guiné após a descoberta? E no Séc. XVIII? E como seria a vida em Bolama, capital naquele tempo? E no interior: Madina do Boé, Pirada ou Bafatá? Façam uma tentativa para se centrarem. Valeu?
O valor deste género de textos reside mais naquilo que se entrelê do que no que se lê.
Peço desculpa aos camarigos "da direita", mas eu cá, hoje tenho mais dúvidas do que certezas, sobre o sucedido antes e durante.
O depois, não me diz respeito. Máxima liberdade, máxima responsabilidade. Preocupa-me apenas, enquanto homem velho, civilizado e próximo de quem sofre. Sinceramente fico preocupado com o gigantesco equívoco em que toda a África se tornou, embora não consiga visualizar uma solução alternativa a aplicar naquele tempo... ou hoje.
A História (com H grande) é o que é ou foi o que foi e tapar o Sol com a peneira é sempre mau.
Um Abraço a todos os camarigos,
António Pereira da Costa
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8756: Notas de leitura (272): Comunicação da escritora Joana Ruas na 8.ª Bienal Internacional do Livro do Ceará (Joana Ruas / Mário Beja Santos)