1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Junho de 2017:
Queridos amigos,
O que aqui se regista corresponde a um período de grande instabilidade na administração e nas atividades militares. É de um número impressionante as rebeliões, o rasgar de tratados, a presença da régulos poderosos que vêm até do exterior devassar a província. Momento há em que parece que Bissau vai colapsar, o Geba parece intransitável, a ocupação de Cacine é difícil, em Lisboa os políticos não sabem que destino hão de dar à Guiné, é bem provável que este estado de desorientação esteja associado às sequelas do Ultimato e da gravíssima crise financeira que atravessou a vida do país, neste período.
Vão aparecer ideias para criar companhias do tipo majestático, cairá tudo por água. Ainda irá aparecer um distinto general, Dias de Carvalho, que a pedido de um marquês italiano estudará as potencialidades económicas da província, o general produzirá um documento importantíssimo, nem sempre apreciado pelos investigadores, paciência.
Um abraço do
Mário
A presença portuguesa na Guiné: história política e militar 1878-1926,
Por Armando Tavares da Silva (3)
Beja Santos
Dentre os mais importantes trabalhos historiográficos referentes à Guiné, é da mais elementar justiça pedir a atenção de todos os interessados para uma investigação de grande fôlego:
“a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016.
Continuo a insistir que o leitor se previna: são mais de 960 páginas, uma belíssima apresentação gráfica, poder-se-á mesmo adjetivar que é inexcedível, um bom acervo fotográfico e um conjunto de mapas que facilitam a leitura de tão avultado miolo. O investigador escolheu aquele período peculiar que vai das primícias da autonomização da Guiné face a Cabo Verde até à chegada da Ditadura Nacional, correspondente na colónia a uma fase que prometia arranque económico, num quadro de uma certa pacificação, em que a administração colonial se estava a disseminar por pontos importantes no território.
O governo de
Gonçalves dos Santos é contemporâneo do ultimato inglês e de uma crise monetária que assola o país. Vai melhorar ligeiramente o efetivo de meios navais e prosseguem incidentes um pouco por toda a parte: Mamede-Paté é um régulo que escraviza gente; morre Mamadi-Paté-Bolola, um sério responsável por parte do despovoamento do Forreá, segue-se um período de inquietação na região Sul; Mussá Moló continua a agir como um salteador; no presídio de Geba, o Tenente Sebastião Casqueiro vive rodeado de régulos hostis. O governador pergunta a Lisboa se não se devia abandonar o presídio, transferi-lo para S. Belchior, na margem direita do Geba, vive-se a inquietação permanente receando os ataques de Mussá Moló.
Chega a Geba um oficial experiente, Zacharias de Souza Lage, comunica ao governador o perigo que se corre com Mali Boiá que tinha adquirido grandes forças de Mussá Moló e de Mamadi-Paté-Coiada, prevê-se um grande ataque, o governador reage: suspende as garantias no território de Geba; determina que as forças militares destacadas em Geba e Sambel Nhantá se juntem às operações, concentram-se forças que embarcam com destino a Geba. Souza Lage começa a atacar tabancas rebeldes, irão prolongar-se; também os balantas de Nhacra e Cumeré se manifestam sublevados. No ano de 1891 Bissau entra novamente em tormenta, o autor descreve-os com largueza. Gonçalves dos Santos escreve para Lisboa e deixa claro de que não há domínio algum fora as muralhas da praça, a justiça é inoperante e deixa o seguinte alerta:
“O gentio branco e mulato estão mancomunados com os gentios e grumetes para nos desrespeitarem e desacatarem a autoridade: e os estrangeiros colaboram neste vil procedimento".
E conclui ser forçoso acabar com este estado em Bissau, reduzindo a ilha à obediência. Bissau vive uma insubordinação prolongada, teme-se mesmo um desastre, sai uma coluna em direção aos revoltosos, é atacada. O governador telegrafa ao ministro informando a perda de quatro oficiais e de que o inimigo é calculado em 6 mil combatentes e está bem armado.
O governador é exonerado, é um período tremendo em que também há insubordinação entre as forças dentro de Bissau, depois de várias conversações com os revoltosos de Intim e Antula chega-se à paz. O novo governador é o Tenente-Coronel
Luiz Vasconcelos e Sá, vem à procura de paz em Bissau onde está interrompida a atividade comercial. É nesta altura que os Papéis e Grumetes de Bissau procedem a uma petição em que confessam publicamente a fidelidade e obediência ao governo, requerendo um pedido formal de perdão. Vale a pena ler este texto:
“Senhor!
Os povos Papéis e Grumetes de Bissau, que em Fevereiro do ano corrente foram considerados rebeldes, com suspensão de garantias, por haverem ousado pegarem armas contra a Mãe-Pátria, compenetrados hoje da sua impotência, conhecendo o poder das mãos de Vossa Majestade, e reconhecendo o erro em que haviam caído, vêm com o devido respeito, implorar a Vossa Majestade o perdão de suas culpas.
Real senhor!
Os suplicantes, confinados no amor paternal que a clemência, abraçada com a justiça de Vossa Majestade, sempre prodigalizou aos povos da Guiné Portuguesa, principalmente aos Papéis e Grumetes de Bissau, vêm hoje depor aos pés do mui digno delegado de Vossa Majestade nesta província as duas peças Krupp que ficaram no campo, no último ataque, pedindo ao mesmo Excelentíssimo Senhor se digna recebê-las como garantia da obediência e submissão dos suplicantes às leis de Portugal, a fim de ele conseguir que Vossa Majestade, usando da faculdade que confere a Carta Constitucional, concede aos suplicantes a amnistia de que carecem, para seu sossego, para honra e glória de Portugal, e para o completo restabelecimento da Ordem em Bissau”.
Há insubordinação militar em Geba; Musá Moló continua irrequieto em Farim, atacando os povos daquela circunscrição, o coordenador está indeciso em fazer guerra, a turbulência em Geba parece não ter fim. Souza Lage passa a Comandante-Militar e Administrador de Bissau, é o tempo em que se procede a obras de fortificação, o que não impede a continuação de incidentes à volta, este governador bem não queria mas está por resolver a instabilidade em Geba, as tropelias de Mussá Moló. É nesta altura que a Guiné passa a ser distrito militar autónomo.
Em 1893 põe-se de novo a questão da ocupação de Cacine e Bissau está novamente sobre aliança. O assunto de Bissau é de extrema, esboça-se uma nova operação mas é notória a falta de meios, era preciso pôr cobro ao estado insustentável de Bissau, o que vai dar origem a uma nova operação na ilha de Bissau em 1894. Em Lisboa, os políticos não sabem que destino dar para haver algum desenvolvimento na província. É uma fase em que se idealiza a concessão do território a uma possível companhia majestática. Um ministro faz publicar um decreto concedendo a Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio e ao Conde Valle Flor terrenos incultos e desocupados para explorações agrícola, mineiras, comerciais e industriais. Exigia-se a constituição legal de uma companhia, havia uma disposição que permitiria que os territórios da Guiné voltassem a fazer parte integrante de Cabo Verde. A conceção nunca virá a efetivar-se.
Aproveitando transporte marítimo, Vasconcelos e Sá segue para Geba, é bem acolhido pelos régulos, irá escrever para Lisboa informando como veio aquela área sempre em rebelião, sujeita a razias e a guerras étnicas. Estamos em 1895, temos novo governador, é o Capitão-Tenente
Eduardo João da Costa Oliveira. O seu primeiro ofício enviado ao governo traça um quadro absolutamente desolador do estado da província, as coisas correm mal no Forreá, em operação ir-se-á ocupar Contabane e é neste período que regressa Pedro Ignacio de Gouveia como governador.
(Continua)
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Nota do editor
Vd. postes anteriores:
3 de julho de 2017 >
Guiné 61/74 - P17536: Notas de leitura (974): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (2) (Mário Beja Santos)
30 de junho de 2017 >
Guiné 61/74 - P17526: Notas de leitura (973): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (1) (Mário Beja Santos)