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sexta-feira, 11 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27004: Efemérides (461): Foi inaugurado no passado dia 6 de Julho de 2025 um Memorial dedicado aos antigos Combatentes da guerra do ultramar da freguesia de Areias de Vilar, concelho de Barcelos (José Morgado, ex-Soldado CAR)

1. No seguimento desta mensagem enviada em 8 de Julho de 2025, ao Blogue, através do Formulário de Contacto, por José Morgado:

Não sei se há enquadramento e interesse em divulgar a inauguração de mais um Memorial para memória futura, dedicado a todos os ex-Combatentes da minha Freguesia de Areias de Vilar em Barcelos. O tempo exige que se registe os quantos passaram por Angola Guiné Moçambique, para que os mais novos saibam mais sobre a história da sua localidade.
Tenho imagens do memorial e da cerimónia que foi presidida pelo Núcleo da Liga dos Combatentes do qual faço parte, e demais entidades.

Cumprimentos,
José Morgado


Recebemos nova mensagem em 10 de Julho, do nosso camarada José Joaquim Martins Morgado, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da 2.ª CART/BART 6521/72 (, 1972/74):

Viva Amigo, Carlos Vinhal.
Sim, sou um Camarada de armas em tempo na Guiné, como Soldado Condutor nos anos 72-74 do BART 6521, localizado no Pelundo, e da 2.ª Companhia à qual pertencia, destacada na região de Có.
No decorrer do tempo como missão, houve vários ataques ao quartel e à estrada, das quais, numa delas houve baixas das nossas tropas, da parte da Milícia um morto e sete feridos graves. Das nossas tropas, um oficial, um sargento, um 1.º cabo e dois soldados feridos e evacuados para Bissau. Da população que viajava na coluna militar, houve 10 mortes e 13 feridos em estado grave.

No mesmo ano de 73, fomos mais uma vez atacados ferozmente à estrada, onde nos esperava o IN para atacar o grupo de Marcelino da Mata. Circulava apenas uma viatura entre Có e Bula sendo eu o condutor, onde sofremos uma baixa mortal do Grupo do Marcelino e 3 feridos evacuados para Bissau do aeródromo de Bula.

Foi um mau tempo no ano 73, durante seis meses com bastantes movimentações de patrulhamento quer apeados quer de carro, durante a noite. Patrulhamento destinado aos treinos de formação do Grupo Alferes Marcelino da Mata, por todos sobejamente conhecido.


Falando agora do Memorial inaugurado no dia 6 de Julho de 2025, ele foi erigido a meu pedido, em nome de todos os Camaradas ex-Combatentes nas várias colónias ultramarinas, concretamente Angola, Guiné e Moçambique, desta freguesia.
Em fim de mandato e na hora certa, propus ao atual presidente da União de Freguesias de Areias de Vilar e Encourados, a edificação de algo que preservasse no tempo e na memória de quem com tanto sacrifício se debateu por uma causa, que hoje passados 51 anos do nosso regresso, morre no esquecimento das atuais gerações e de sucessivos governos! mas que não morra nos locais, nas famílias que com tanto sofrimento nos viram sair e que muitos já não voltaram mais.

Assim, o Presidente da Junta de Freguesia, José António Coelho, delegou-me para que construísse o projeto assim como o local a implantar.

Sendo eu formado com uma licenciatura e mestrado na área de Design Industrial, reuni objetivos para a construção com três pontos fundamentais. O primeiro em que não faltasse o nome de ninguém na inscrição que tenha ido ao ultramar, o segundo a recriação como prece das Mães à Sra. do Socorro, lugar onde foi edificado, porque era o local onde as Mães acorriam aos domingos rezando o terço. E em terceiro lugar na face central do Memorial a demonstração daquilo que fomos… o esboço de um soldado com uma arma.

Como sócio da Liga dos Combatentes e de outras, recorri a esta para a aquisição do brasão, que me foi oferecido, assim como todo o apoio necessário se fizesse falta.

Requeri para a inauguração a presença de uma força militar do Regimento de Cavalaria de Braga, e a presença do Liga dos Combatentes do núcleo de Braga, que não falta da força militar por razões evocadas não foi possível estarem presentes sendo assim a inauguração foi presidida pelo Excelentíssimo presidente da Liga de Braga Coronel António Manuel Estudante Mendes de Oliveira acompanhado por mais 2 oficiais, o Presidente da Freguesia Sr. José António Coelho e membros da assembleia da união de freguesias da UAV.

A cerimónia iniciou-se às 16h00 com Missa pela comunidade e por todos os ex-Combatentes já falecidos presidida pelo nosso Pároco Reverendo Walter Torres, onde esteve presente a comunidade das duas freguesias Areias de Vilar e Encourados.

Inauguração às 17h00 onde se aguardava a presença anunciada do Presidente da Câmara de Barcelos Dr. Mário Constantino, o que não veio a acontecer.

Num âmbito pessoal e geral, fico satisfeito por ter levado ao fim esta minha pretensão da edificação deste Memorial, por estarmos na Guiné praticamente ao mesmo tempo dois irmãos, sendo eu mais novo.

Algum pormenor que faça falta, é só dizer que estarei à disposição!
Com elevada estima, subscrevo-me,
Abraço,
José Morgado

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Nota do editor

Último post da série de 30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26970: Efemérides (460): Rescaldo da cerimónia de inauguração do Memorial em homenagem aos Combatentes de Leça da Palmeira caídos em campanha na guerra do ultramar

Guiné 61/74 - P27003: Notas de leitura (1818): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 2 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
No meu livro "Guiné, Bilhete de Identidade, A Presença Portuguesa na Senegâmbia", que se publicou em 2024, procurei no texto da contracapa resumir os primórdios da nossa presença na região, deste modo:
"Tudo começa por um conjunto de navegações: dobrado o Cabo Bojador, descoberta a Angra dos Ruivos, o Rio do Ouro, a Pedra da Galé, o Cabo Branco e Arguim, Nuno Tristão chega à Terra dos Negros, ultrapassa a Terra dos Pardos, reclama-se que chegámos à Etiópia Menor - não estávamos longe do Níger (pensava-se). Anos depois, talvez em 1446, Álvaro Fernandes chega à enseada de Varela (curiosamente uma praia na fronteira norte da Guiné-Bissau). Não se assentam arraiais, pois não há condições de ocupação. Vai começar o comércio e um conjunto de viagens que permitirão conhecer a complexidade daquele mosaico étnico, predominantemente entre o Cabo Verde (hoje Senegal) e a Serra Leoa, região que passará a ser designada por Senegâmbia. Os navegantes exploram rios, como o Gâmbia, o Senegal, o Geba, o Grande de Bolola. O comércio circunscreve-se às rias e rios, começa a surgir uma comunidade luso-africana que colaborará neste comércio de homens e mercadorias, comércio feito com as chefaturas africanas.".
Achei por bem pesquisar obras de incontestável valor historiográfico para melhor se entender o como da nossa presença na região, ninguém como Vitorino Magalhães Godinho podia servir para primeiro guia. Recomendo a quem se interessa por este estudo o seu livro que está atualmente a ser comercializado com o título "A Expansão Quatrocentista Portuguesa", Publicações Dom Quixote.

Abraços do
Mário



Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 2

Mário Beja Santos

Escrevi um dia que a Guiné foi a primeira colónia do mundo moderno. Pura mentira, prova do que eu ignorava quanto à natureza dos primórdios da nossa presença naquela região da Costa Ocidental Africana. Afinal, andámos pelas rias e rios, um tanto pela orla marítima, a ocupação de território era ficção, pagávamos tributo às chefaturas para ali fazer trato comercial. Foi Vitorino Magalhães Godinho quem, de modo claro e inequívoco, numa obra que teve a sua 1.ª edição em 1962, intitulada A Expansão Quatrocentista Portuguesa, e agora reeditada em Publicações Dom Quixote, revelou como fazíamos comércio, nesta região que dava pelo nome de Senegâmbia, desde o rio Senegal até ao rio Geba, como vimos no texto anterior.

Retiramos da mesma obra um texto subsequente (páginas 338, 339 e 340), denominado Os Resgates ao Sul do Geba e na Serra Leoa, transcrição integral:
“Passados os rios Nalus, dos Pescadores e Pichel onde parece que não houve tráfico de grande importância, para o Sul, chega-se ao rio de Nuno. Aqui e nesse mesmo período, carregavam os portugueses muito marfim; também adquiriam escravos, mas em pequeno número. Em todo o litoral desde o Geba ao Cabo da Verga os negros vendiam algum ouro, mas principalmente muitos escravos; ficavam, em paga, com alaquecas, contas, estanho, lenços, manilhas de latão, panos vermelhos, e bacias como as de barbeiro.

A costa desde o Cabo da Verga até à Serra Leoa era de pouco trato. O único local onde atingia certa importância era o rio de Case (atual Skarcies). Aqui havia ouro muito fino, embora em pequena soma, e os indígenas vendiam escravos e colares de marfim, resgatando estas mercadorias por bacias de latão, alaquecas, panos vermelhos e lenços, que os cristãos lhes levavam.

No reinado de D. João II tentou-se estabelecer o comércio no rio de Bintombo, junto ao extremo ocidental da Serra Leoa. Chegou a edificar-se uma fortaleza na margem do rio a cinco léguas da foz, mas depois foi mandada derribar.

Não temos informações sobre as datas do início do trato com a Costa da Guiné desde o Geba até o começo da Serra Leoa. Mas esta Costa não foi descoberta antes de 1486 – então o ponto mais meridional atingido era o Biguba (correspondente ao Rio Grande de Buba) precisamente – e é provável que o tenha sido em 1460, pois Duarte Pacheco que até à morte de D. Henrique se descobrira até à Serra Leoa. Antes de 1469 já este trecho do litoral era bem conhecido e já deviam efetuar-se transações com os indígenas; na verdade, nessa data é incluído na concessão a Fernão Gomes.

A costa da Serra Leoa, que começa no cabo Ledo e acaba na mata de Santa Maria, foi descoberta por Pedro de Sintra e Soeiro da Costa, nos anos de 1461 e 1462. Segundo o Conde de Ficalho, em cuja esteira seguiram Fontoura da Costa e Damião Peres, ainda em 1469 seria mal conhecida – e por isso não daria lugar, por maioria de razão, a relações mercantis regulares – porquanto no contrato com Fernão Gomes é marcada a Serra Leoa como o termo dos descobrimentos de Pedro de Sintra e Soeiro da Costa. Mas a ilação talvez não seja fundada: pode o diploma (que aliás só conhecemos pela exposição que dele fez João de Barros) referir-se ao extremo oriental da Serra e não ao de Oeste, ao ter deixado à concorrência privada o trecho da Serra Leoa precisamente.

Desde que se iniciou o trato com os Bolões da Serra, que habitavam ao longo do mar, os portugueses compravam-lhes ouro – assaz fino, pois de quase 23 quilates, talvez o melhor de toda a terra da Guiné. Os Bolões obtinham ouro do sertão a troco de sala, recebendo em paga, dos cristãos, manilhas de latão, bacias como as de barbeiro, lenços, panos vermelhos, alaquecas, panos de algodão, etc. Nesta região da Serra Leoa, também há muita algália e marfim, alguma malagueta – de esplêndida qualidade – e papagaios pardos. Vejamos agora alguns dos resgates que os portugueses estabeleceram.

Navios pequenos subiam o rio das Gamboas, que desagua na Furna de Sant’Ana, até à povoação Harhaorche; aqui resgatava-se algum ouro e escravos por alaquecas, manilhas de latão, panos vermelhos, lenços e bacias de latão. Mais importante era o tráfico no rio das Palmas; também aqui os navios subiam o rio, passando por sete aldeias, até à grande povoação de Quinamo. Com as mercadorias que já enumerámos, podiam os portugueses carregar por ano 1500 dobras e mais de ouro e alguns escravos; os indígenas compravam o estanho por bom preço. Em compensação no rio das Galinhas não se comerciava.

Os Cobales da região de Cóia, à qual se chega subindo o curso do rio dos Manos (repare-se que temos vindo ao longo do mar de Noroeste para Sudeste), é que eram os grandes produtores do metal amarelo nesta área da Serra Leoa. Vendiam-no contra sal e estanho principalmente, embora aceitassem também as mercadorias de que tanta vez temos falado.

O trato da Serra Leoa andou arrendado anteriormente a 1502: num ano teve-o Pêro de Évora por 600 000 reais; noutro ano o arrendatário foi António Fernandes; de outra vez arrematação fez-se por 640 000 reais. De 1510 a 1513 os rendeiros foram Joham de Lila e Joham de Castro, que pagavam anualmente 535 000 reais; da vintena do comércio de 513 quintais de pau vermelho nos três anos entregaram ainda à Coroa 25 quintais, 2 arrobas, 19 arráteis e quarta. Logo a seguir aparece-nos o trato da Serra Leoa arrendado a uma parçaria capitaneada por Cristóvão de Haram, a qual pagou 1 817 000 reais por três anos, ao que parece.

Da costa da Guiné desde o rio Senegal até o extremo oriental da Serra Leoa os portugueses importavam anualmente, durante o período de prosperidade deste comércio, o total de pelo menos 3500 escravos, consoante nos informa o Esmeraldo. Este número é bastante plausível, se nos lembrarmos de que havia pelo menos 14 resgates principais, e que só do Senegal provinham uns 400. Mas entre 1505 e 1520 já este tráfico não era tão volumoso, a aceitarmos a tendência para a diminuição indicada pela mesma fonte.

Não conhecemos a média anual do ouro proveniente da mesma totalidade da costa. Conquanto cada resgate de per si não fosse geralmente de grande volume, deviam totalizar soma considerável, pois só do Gâmbia vinham para Portugal por ano 5 a 6000 dobras; dos restantes pontos do trato devia vir bem mais de outro tanto.

Eram estas duas as principais mercadorias que os portugueses adquiriam do Senegal à mata de Santa Maria. Em segundo plano aparecem o marfim, a algália, o algodão. De menor importância, a malagueta (por ser em pequena quantidade) e os papagaios.”
.

Deixamos para próximo texto o regime do comércio da Terra dos Negros. No seguimento desta obra de Vitorino Magalhães Godinho iremos a outro livro deste grande historiador, que tem o título Documentos Sobre a Expansão Portuguesa, editado em 1943 para transcrever um documento de Duarte Pacheco e outro de João de Barros.


Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011)

(Continua)
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Notas do editor:

Vd. post anterior de 4 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26984: Notas de leitura (1816): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 1 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 7 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26992: Notas de leitura (1817): “Os Caminhos da Morte”, por Manuel da Costa; Nimba Edições, 2023 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27002: Facebook...ando (88): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte VI: Passando por Bambadinca, Bambadincazinho...






Foto nº 1, 1A  e 1B > Mercado de Bambadinca que se estende ao longo da antiga estrada que atravessava a localidade e o aquartelamento (seguindo para sul: Mansambo, Xitole, Saltinho)... Era uma estrada coberta de poilões, onde se situava, de um lado e do outro o reordenamento de Bambadincazinho e a antiga missão do sono onde as NT todas as noites faziam segurança próxima ao aquartelamento (que distava menos de 1 km deste local). 

São visíveis na foto, do lado direito, pelo menos três  moranças com telhado de zinco que pertenciam ao antigo reordenamento do tempo do BCAÇ 2852 (1968/70) e da CCAÇ 12 (1969/71).




Foto nº 2 e 2A  > Bambadinca: mercado e do lado direito vêr-se a antena retransmissora que ficava no centro do antigo quartel das NT (e que continua a ser quartel, agora das Forças Armadas da Guiné-Bissau)... 

Por outro lado, são bem visíveis, no lado esquerdo, os postes de eletricidade e as antenas parabólicas... Bambadinca foi pioneira, na eletrificação, com a construção de uma central solar híbrida...

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Maio de 2025 > Fotos do álbum do João Melo (com a devida autorização do autor e vénia do editor LG...)

Fotos (e legendas): © João de Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Melo (ou João Reis de Melo), ex-1º cabo op cripto, 
CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74):


(i) é profissional de seguros, vive em Alquerubim, Albergaria-a-Velha;

 (ii) viaja regularmente, desde 2017, para a Guiné-Bissau, em "turismo de saudade e de solidariedade" (em que distribui material pelas escolas de Cumbijã, e apoia também, mais recentemente, o clube de futebol local); 

(iii) regressou há pouco tempo da sua viagem deste ano de 2025; 

(iv) fez uma visita demorada à Amura e ao atual Museu Militar. em plena zona histórica (Bissau Velho); 

(v) tem página no Facebook (João Reis Melo)

(vi) tem cerca de duass dezenas e meia de referências no nosso blogue para o qual entrou em 1 de março de 2009.


1.  Na sua viagem, em maio passado,  de Bissau a Cumbijã,  no sul, na região de Tombali, o nosso grão-tabanqueiro João Melo passou por Bambadinca e teve a gentileza de tirar fotos, que agradecemos... Bambadinca era a porta do Leste.

Já publicámos três fotos anteriormente (*), temos agora mais duas, que ajudam a perceber como a atual vila se expandiu sobretudo para sul / sudeste, a partir da antiga pista de aviação e do reordenamento de Bambadincazinho. (**)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Cresceu imenso em 50 anos, e nomeadamente ao longo da estrada que segue para o sul (Xitole, Saltinho, Quebo...), numa extensão de 3 quilómetros. À esquerda, ao alto, uma curva do rio Geba. No mapa vem assinalada a igreja católica de Bambadinca, no coração do antigo quartel (que ficava num pequeno planalto) (ao lado da igreja, ficava a secretaria da CCAÇ 12, 1969/71, e por detrás a antena de telecomunicações)... À direita, a grande bolanha de Bambadinca. À esquerda e a norte ficava o rio Geba Estreito. É visível também a central solar híbrida que deu vida a Bambadinca.

Fonte: Cortesia do  ©2025 Google Maps



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá : Setor L1 (Bambadinca ) > Carta de Bambadina (1955) > Escala dr 1/50 mil > Pormenor >    Já em 1955, Bambadinca era uma importante povoação do leste, posto administrativo da circunscrição (concelho) de Bafatá, com campo de aviação, posto sanitário, correio, telégrafo e telefone, escola pública, casas comerciais (incluindoo a Gouveia) e porto fluvial... Ficava no regulado de Badora, e tinha importantes núcleos populacionais de fulas, balantas e mandingas.

A 12 km do Xime (que ficava a sudoeste), Bambadinca era o principal porto do Rio Geba Estreito. Era também um importante nó rodoviário, placa giratória para o coração do leste (Bafatá, Nova Lamego e fronteira com o Senegal e com a Guiné-Conacri, na altura - em 1955 - ainda não indepedentes, sendo "chão de francês"...). 

Para o sul, partia a estrada que ia até ao limite sul da região de Bafatá, o Saltinho, na margem direita do Rio Corubal). Do outro lado, já era a região de Quínara e depois a região de Tombali... Antes da guerra, tinha havia a estrada que vinha de Bissau a Bambadinca, através de Porto Gole. Já no final da guerra, havia uma estrada alcatroada, quase pronta, ligando, Bissau a Bambadinca, via Jugudul, e que seguia para o sul (em 2008, fiz este percurso até Quebo, a caminho de Guileje... o alcatrão acabava em Mampatá / Quebo)..

Em 1969, tinha duas companhias (CCS/BCAÇ 2852, CCAÇ 12), 1 Pel Mort (-), 1 Pel Rec Daimler, 1 Pel Caç Nat, 1 Pel Int... ou seja, mais de 400 homens em armas. Para uma população de 2 mil habitantes (núcleo urbano). 

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27001: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/69) (4): A carta de condução, tirada na Escola de Condução Angélica da Conceição Racha


Crachá da CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 , "Brutos" (Tite e Fulacunda, 1968/69),
grão-tabanqueiro nº 905, ex-fur mil at inf CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69) (*)


Joaquim Caldeira, ex-fir mil at inf,  CCACÇ 2314, "Brutos", TIte e Fulacunda, 19689/609; nosso grão-tabanqueiro nº 905, ex-fur mil at inf CCAÇ 2314 

Fotos (e legendas: ©  Joaquim Caldeira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


A CARTA DE CONDUÇÃO

por Joaquim Caldeira (*)


Decorria o verão de 1969 e a situação política não alterara em nada a situação militar.

Era muito difícil sair dos buracos que nos estavam reservados. Só com uma forte justificação tal era consentido.

Mas forte justificação tinha eu quando solicitei autorização para me deslocar a Bissau a fim de fazer exame de condução, o qual tinha sido requerido havia mais de seis meses.

Deferido. Só faltava transporte para a cidade e marcar a data do exame, depois de ter alugado viaturas para tal.

E lá fui, desta vez não me lembro de que meio de transporte nem como decorreu. Sei que marquei o exame para o dia seguinte –
tinha prioridade por ser bicho de mato – e só faltava alugar a viatura. 

Desloquei-me à Escola de Condução Angélica da Conceição Racha (**), onde era instrutor um antigo soldado condutor que passara por Fulacunda e com quem eu fizera amizade.

Aluguei um camião com atrelado e uma mota para o exame das duas modalidades.
À hora marcada, o Paulo, o tal condutor, estava com as viaturas preparadas eis que chega o alferes examinador.

Comecei pelo código, a que respondi muito satisfatoriamente, depois das lições que o Durão me deu e que complementei com uma leitura rápida do livro e, passado nesta fase, passei à prática, obtida sem consentimento do Fernando Almeida.

– Um apito é para fazer dois oitos para a esquerda. Dois apitos são para fazer dois oitos para a direita. Três apitos são para regressar a este local e acabar o exame. 
Depois, passamos ao exame do camião   disse o alferes.

E lá vou eu, fazendo tudo muito certinho, regressando ao local de partida aos três apitos. Aí, quis brilhar. Lembrei-me de passar uma rasteira ao alferes e, quando quis travar para parar, a mota não parou. Entrou pela escola dentro.

– Azar, nosso furriel. Depois de uma prova tão boa não o posso passar. Deu muito nas vistas.

Fiquei vacinado e nunca mais pensei na mota. Fiquei-me pela carta de tractor com reboque.

Era assim. Agora, um pouco diferente. Vejam como circular nas rotundas.

Joaquim Caldeira


(**) Segundo a Wikipedia, citando a agência Lusa, em 2013 seria a escola de condução mais antiga da Guiné-Bissau.

Adaptou-se aos novos tempos, e depois independência da ex-colónia portuguesa, passou a denominar-se também por Escola de Condução 3 de Agosto. 

Dá ainda aulas em viaturas da época colonial. O parque automóvel é constituído essencialmente por viaturas bastante antigas

A escola já pertenceu a um português, migrado na ex-colónica portuguesa, de seu nome Telesfório Américo Racha. Tendo mais tarde pertencido a Augusto Soares, entretanto falecido. Actualmente o proprietário é João Augusto Soares, de 59 anos, irmão do anterior dono e conhecido em Bissau como “mestre Joãozinho”.

Guiné 61/74 - P27000: S(C)em Comentários (74): o telegrama fatal: (...) Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho (...) ocorrido dia (...) Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências" (...)


João Carlos Vieira Martinho, natural de Sobreiro Curvo, A-dos-CVunhados, Torres Vedras, ex-fur mil cav,  EREC 8740/3, Bula, morto em combate em 25/5/1973.


Fotos (e legendas): © Eduardo Jorge Ferreira  (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Exemplo, acima,  de um telegrama enviado à família de um militar,  morto em 25/5/1973, no CTIG, o fur mil cav João Carlos Vieira Martinho, natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras, com data de 26 de maio de 1973, às 12h32, assinado pelo Comandante do Depósito Geral de Adidos, Ajuda, Lisboa. 

"Nº 602787. Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho furriel miliciano João Carlos Oliveira 
[lapso, Vieira ] Martinho ocorrido dia 25 corrente Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências

"Comandante Depósito Geral de Adidos,
Lisboa".

Era o fatal telegrama (*)... Todos temíamos que um dia pudesse chegar também a nossa casa um de igual teor.... Como chegou à casa do José António Canoa Nogueira, do José Henriques Mateus, do João   Carlos Vieira Martinho e de tantos outros nossos camaradas mortos durante a guerra colonial.



Arsénio Marques Bonifácio da Silva (1951 - 1972), sold at inf, CCS/BCAÇ 12 (Angola, 1972).
Morreu ao fim de 3 meses, vítima de uma mina A/P, em 4/9/1972


2. O outro telegrama que a família do morto (neste caso o lourinhanense Arsénio Marques Bonifácio da Silva)  recebia, a seguir,  era do mesmo teor, frio, seco, impessoal, burocrático, desumano (**):

"Nº 604830.  Renovando condolências solicito V Exa informar-nos via telegrama máxima urgência se deseja transladação militar falecido por conta Estado caso afirmativo caberá V Exa adquirir local para depósito corpo indicando cemitério destino segue ofício elucidativo. Comando Depósito Gerak Adidos Lisboa"



Fotos (e legendas): © Jaime Bonifácio Marques da Silva  (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


3. O Jaime Bonifácio Marques da Silva já aqui reconstituiu os trâmites burocráticos da morte, incluindo a comunicação da morte (ou do desaparecimento)  de um militar,  durante a sua Comissão no Ultramar (*):

O comandante da unidade ou subunidade a que pertencia o militar em questão, comnunicava  via rádio as circunstâncias da ocorrência ao superior hierárquico; por sua vez, encaminhava o "assunto" para o departamento responsável, o Depósito Geral de Adidos (DGA), na Ajuda, em Lisboa:

A partir desse momento todas as formalidades eram da competência do DGA, a quem incumbia:

(i) informar todos os departamentos governamentais e das Forças Armadas com responsabilidades na condução da guerra;

(ii) enviar um "telegrama à família", via CTT, a dar a notícia ("nunca as Forças Armadas de Portugal enfrentaram diretamente as famílias para lhes darem essa notícia, escudaram-se nos carteiros, mas isso é outra história!");

(iii) realizar o funeral na respetiva Província onde ocorreu o acidente (por vezes, sobretudo nos primeiros anos da guerra, os militares eram sepultados nos cemitérios locais);

(iv)  mandar transladar o caixão chumbado com o corpo do militar para Portugal e realizar o funeral no cemitério da sua freguesia (até 1968 as famílias dos militares tinham que pagar ao Estado as despesas da transladação);

(v) tratar de enviar à família a mala com o seu espólio (quase sempre, era o melhor amigo que realizava esta "operação"); e,

(vi) tratar da documentação a enviar à família para que esta pudesse receber a "pensão de de preço de sangue", quando tinha direito (nem todas as famílias, apesar da morte dos filhos no Ultramar, tiveram direito a essa "pensão").

Em relação ao telegrama enviado aos pais do Arsénio Marques Bonifácio Marques da Silva, seu primo duplo (os pais de um e outro eram irmãos), a irmã mais nova do Jaime, então com 18 anos em 1972, a Esmeralda, disse-nos que foi ela quem recebeu o telegrama diretamente da mão do carteiro, na via pública, à porta do estabelecimento dos tios, no lugar do Seixal, Lourinhã.  O carteiro nem sequer entrou no estabelecimento, evitando desse modo o "odioso" de ser o mensageiro da desgraçada, numa terra em que toda a gente se conhecia.
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(**) Último poste da série > 8 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26994: S(C)em Comentários (73): Filhos do vento, náufragos do império: e tudo o vento levou... (Domingos Robalo / Luís Graça)

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26999: Historiografia da presença portuguesa em África (489): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1927 e 1928, por inteiro (43) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
Há que reconhecer que o inquérito sobre as raças da Guiné elaborado pela Direção dos Serviços e Negócios Indígenas e aprovado pelo governador Leite Magalhães, e enviado às autoridades administrativas preponderantes com obrigação de resposta é uma peça de bastante interesse, abre caminho a sucessivos inquéritos que irão envolver governadores como Ricardo Vaz Monteiro e Sarmento Rodrigues, já na década de 1940. Terão seguramente estes inquéritos exigido às autoridades em causa a obrigação de olhar as populações na sua identidade socioeconómica e cultural. Agora, que acabo de ler integralmente o Boletim Oficial de 1928, só encontrei a resposta do administrador da Costa de Baixo e não me recordo de ter lido nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa outros elementos. Inquérito que dava muito trabalho, são múltiplas as questões levantadas pelo questionário, havia que ouvir os régulos e perceber a natureza das chefaturas, ouvir os comerciantes, conversar com os sipaios, os milícias, os chefes de posto, os professores, organizar convenientemente a resposta aos quesitos. Não era só o governador que ganhava informação e passava a deter conhecimento, a recolha de informação ajudava implicitamente a melhorar as relações humanas entre o colonizador e o colonizado. Ponto curioso, não conheço qualquer estudo que se debruce quanto à natureza destes inquéritos e as suas respostas.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1927 e 1928, por inteiro (43)


Mário Beja Santos

O major António Leite Magalhães, através de portaria publicada em 12 de abril de 1927, determina aos administradores de concelho e circunscrições que efetuem um inquérito sobre as raças da Guiné de acordo com um questionário que fora elaborado pelo diretor dos Serviços e Negócios Indígenas. Alega, nos considerandos, que é um dos primeiros deveres das autoridades administrativas o de procurar conhecer o meio social indígena, sem esse conhecimento nenhum administrador de circunscrição se poderá julgar competente para o desempenho profícuo da sua missão. Além do mais, uma das funções mais importantes dessas autoridades é a administração da justiça dentro dos usos e direito consuetudinário quanto não ofenda os nossos direitos de soberania. É também uma das obrigações dos administradores promover o bem-estar económico dos povos, o que exige o conhecimento prévio e perfeito da sua organização económica, etc., etc.

O inquérito solicita aos respondentes que caracterizem os tipos diferentes de população, a sua origem segundo a tradição, as relações de simpatia ou hostilidade com os vizinhos e até as guerras e formas de combate praticadas; passando para as características morfológicas, pede informações sobre a estatura dos homens, a cor mais recorrente de pele, a conformação da cabeça (não esquecer que ainda estávamos numa época em que prevaleciam doutrinas raciais e a cabeça ser redonda ou alongada assumia grande importância), a cor e a inclinação dos olhos e dos cabelos, a forma e o comprimento do nariz, passava-se depois para a vida material (alimentação, habitação, vestuário, meios de existência), era bem pormenorizado o questionário sobre a organização familiar; e os últimos quesitos prendiam-se com a organização socioeconómica, a chamada vida psíquica (lazeres, artes, religião e ciência); e, por fim, competia aos administradores traduzir em todas as línguas um conjunto de palavras referindo os dez primeiros números, seguindo-se Deus, homem, mulher, pai e mãe, e acabando em alimentos correntes.

Posso informar o leitor que as únicas respostas que chegaram a ser publicadas no Boletim Oficial no ano de 1925 tem a ver com a circunscrição da Costa de Baixo, que, em termos muito reduzidos dá informações do seguinte tipo: a sede da circunscrição é Canchungo, as etnias predominantes são os Manjacos e os Brames ou Mancanhas, mas há também outras etnias com menos peso como Balantas, Fulas, Mandingas, Papéis, Fulas do Toro ou Turancas, Soninqués e Felupes. Habitam fundamentalmente entre os rios Cacheu e o Mansoa; são bastantes os regulados existentes, por exemplo: Costa de Baixo, Pelundo, Calequisse, Bassarel, as ilhas de Pecixe e Jata.

O administrador disserta com detalhe sobre as lendas existentes, isto com base numa relação amorosa entre um Mandinga e uma Fula de nome Bula; quanto à origem da etnia aventa a hipótese de ser um povo aborígene do Sudão. Considera que o Brame está destituído de espírito guerreiro, defende-se por necessidade, é singularmente indolente e guloso por bebidas; quanto ao aspeto étnico observa que os habitantes das ilhas de Pecixe e Jata devem ter conservado o primitivo tipo da etnia; não esquece de se falar das guerras dizendo que Manjacos, Brames e Papéis não se guerreiam entre si, já houve guerras entre Brames e Balantas, a última guerra datava de 1911.

A estatura média destes homens variava entre 1,60 m e 1,70 m; a cor da pele é preta, brilhante ou pardacenta; crânio pequeno, levemente alongado com um pronunciado achatamento nos temporais; olhos pretos ou castanhos; faces ossudas, de maçãs salientes pela dilatação dos côndilos maxilares que definem o traço facial; os rapazes têm muito orgulho nos seus trabalhosos penteados; a alimentação destas etnias é predominantemente vegetal: arroz, milhinho cozinhados com azeite de palma; cozinha-se em potes de barro e os alimentos são servidos em cabaços; constroem as suas casas de forma redonda.

Depois de dissertar sobre a dispersão das povoações, vai responder ao inquérito dizendo que o vestuário dos homens é uma tira de pele de cabra a tapar os órgãos genitais. É vulgar o uso de tatuagens, especialmente as mulheres e explica a natureza das mesmas: pequenas incisões à navalha localizadas no ventre, peito e braços, operadas as incisões são cobertas de uma mistura de cinza e azeite de palma que provoca nelas uma cicatrização em relevo.

Detalha-se sobre a circuncisão, passa para a agricultura e para as produções mais importantes: arroz, feijão, milhinho e o fundo; criam vacas e cabras, são muito habilidosos na indústria da tecelagem, tecem em tiras medindo 20 cm de largura, as quais, depois, cosidas umas às outras, formam os panos ricos de grande apreço.

Manjacos e Brames são polígamos e também se alonga a explicar a organização familiar, refere a dissolução do casamento, a gravidez, o parto, compete ao homem escolher o nome da criança, havia a curiosidade de escolherem nomes cristãos como Vicente, Ambrósio, Luís ou João Bico. O régulo principal tem o nome de Baticã, que significa Deus teve dó de mim. Trata-se de uma resposta ao questionário com imenso pormenor, tem praticamente resposta para tudo, quando não sabe e as perguntas que fez a seus colaboradores não lhe merecem confiança, prefere não responder. Irá até ao fim, tem referências sobre a educação dos filhos, sobre o direito sucessoral, enfatiza o respeito pelos velhos e loucos e os ritos funerários. Detalha a organização económica e dá resposta a questões sobre a religião, cultura e lazer, fala dos feiticeiros, jogos, danças, das manifestações da religião fetichista e da importância do Irã. Estima que o modo de contar dos Manjacos e Brames é muito rudimentar e termina com uma lista dos vocábulos tidos como essenciais.

O ano de 1928 merece necessariamente destaque. A Ditadura Nacional não encontrara solução para minorar a crise da dívida, negou-se a aceitar os termos do empréstimo que exigiam a presença de uma entidade vigilante em Portugal. Lançou-se desesperadamente a desempregar, a baixar ordenados e pensões, a encerrar instituições. Verificando os falhanços, mandaram um conjunto de políticos a Coimbra, pedir a Salazar para formar Governo. Encontramos no Boletim Oficial referências ao sufoco de sublevações e à prisão de republicanos, as deportações podiam ir dos Açores a Timor. Ainda estamos longe de 1931, haverá uma insurreição que começa nos Açores e chega à Guiné, haverá mesmo a destituição e o envio de Leite Magalhães para a metrópole. Mas vamos falar primeiro de 1929 e 1930.

Porto de Bissau, 1930
Decreto em que a Ditadura Nacional conforma a ação missionário do Império como missão civilizadora com Portugal na vanguarda
Movimento revolucionário dominado pela Ditadura Nacional
Leite Magalhães nomeado governador da Guiné
Resposta ao inquérito sobre as raças da Guiné e seus caracteres étnicos, dada pelo administrador da circunscrição civil da Costa de Baixo, Vítor Hugo de Menezes
Chegada de Salazar ao poder
Começam as prisões dos democratas

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 2 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26976: Historiografia da presença portuguesa em África (488): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1927, o novo governador é o major Leite de Magalhães (42) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26998: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (2): José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/1966) - II (e última) Parte: testemunhos de camaradas


 Lourinhã > Areia Branca > 11 de maio de 2014 > A terra homenageou o seu herói, o  José Henriques Mateus (1944-1966).  Painel de azulejos, pintado à mão, e que faz parte do monumento, inaugurado no centro da povoação. Na parte superior do painel, ao centro está desenhado e pintado o guião da CCAV 1484, a que pertencia o Mateus.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/66)



Guiné > Região de Tombali (?) > Catió (?) > s/l> s/d> CCAV 1484 (1483,  Nhacra e Catió, 1964/66)> O José Henriques Mateus. Foto gentilmente cedido pelo irmão mais novo, Abel Mateus, ao Jaime Bonifácio Marques da Silva.  O Zé Henriques era o "sustento da família" , o mais velho, o braço direito da mãe, viúva.

Foto (e legenda): © Jaime Silva (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Continuamos a reproduzir, com a devida vénia,  alguns excertos  do livro recente  do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 173/178. 


II (e última) parte  relativa às circunstâncias em que morreu, no CTIG, o lourinhanense José Henriques Mateus, o segundo em termos cronológicos, depois do José António Canoa Nogueira (*)

(...) Certidão de óbito

No seu livro, o Jaime Silva transcreveu integralmente o teor da certidão de óbito nº 594/967,  passada em janeiro de 1967,  pela Conservatória do Registo Civil da Comarca de Bissau, onde consta “morte em combate”, apesar do corpo do militar nunca ter aparecido, o que se justifica pelo facto de ser necessário para a família poder receber a pensão de preço de sangue.

Neste postes, limitamo-nos a reproduzir um excerto da parte final dessa certidão:

(...) "A declaração de óbito foi feita de conformidade com o ofício número sessenta e quatro/ sessenta e sete, processo número sete/sessenta e sete do Tribunal Judicial da Comarca da Guiné que acompanhou a certidão de sentença proferida pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz, em Bissau, digo em vinte e três de janeiro de mil novecentos e sessenta e sete. 

"Depois deste registo ser lido e conferido com o seu extrato vai ser assinado por mim, Carlos Dinis de Figueiredo Júnior, conservador do Registo Civil. Conservatória do Registo Civil da Comarca da Guiné em Bissau, aos trinta dias do mês de janeiro de mil novecentos e sessenta e sete. "(...)



5. NOTAS À MARGEM DO PROCESSO: testemunhos

Testemunhos de camaradas que conviveram com José Henriques Mateus:

1º Testemunho: 

Transcrevo o que Benito Neves (2007) [1] relatou sobre o acidente ao Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. O texto foi extraído da história da Companhia, da qual foi encarregue de escrever. Realça:


“Relatório da Operação Pirilampo - 10 de setembro de 1966:

 “Esta operação foi realizada pelas CCAV 1484, reforçada com 1 Gr Comb Pel  Mil 13 e CCAÇ 763, com a finalidade de bater a mata de Cabolol de modo a detetar e a destruir o acampamento IN localizado em (1510.1120.A2).

 Foi efetuada uma minuciosa batida à mata de Cabolol no sentido E-W. Pelas 14h30, não obstante as dificuldades que surgiram pela densidade da vegetação, foi detetado o acampamento IN em (1510.1120A3.15), composto por 16 casas, que foi destruído com fraca resistência do IN.

 Foram capturados documentos diversos e munições para espingarda Mauser. O IN, que deveria ter detetado as NT, havia evacuado grande parte do seu material para fora do acampamento.

Em continuação da ação, as NT seguiram em direção a Cabolol Balanta. Quando queimavam o seu primeiro núcleo de casas mais a sul, o IN, instalado na orla da mata, reagiu em força com fogo de morteiro, lança granadas-foguetes, metralhadora pesada, pistolas metralhadora e espingardas, causando 6 feridos ligeiros às NT. Após reação destas, o IN furtou-se ao contacto, sendo ainda queimados mais 3 núcleos de casas.

Pelas 17h00 as NT iniciaram o regresso, tendo sido flageladas com fogo de morteiro.

Quando as NT atravessavam o rio Tompar [afluente do Rio Cumbijã, a sudoeste de Bedanda], afogou-se o soldado nº 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1484, não tendo sido possível recuperar o seu corpo, apesar de todas as buscas efetuadas. 

Pelas 22h30 as NT chegaram ao aquartelamento de Cufar, depois de uma marcha fatigante em terreno pantanoso. O que acima se transcreve é o que consta do relatório da operação, extraído da história da Companhia, de que fui encarregue de escrever.”

2º Testemunho: 

O José Francisco Couto, soldado nº 699/65 – SPM 3008, natural da freguesia da Roliça (Baracais), concelho do Bombarral, foi camarada de pelotão do Mateus e seu amigo. Participou com ele na Op Pirilampo, assistindo ao desaparecimento do Mateus quando ambos atravessavam o rio Tompar.

Durante a consulta ao espólio do Mateus, juntamente com o seu irmão, encontrei entre a sua correspondência dois aerogramas enviados à mãe do Mateus pelo soldado Couto. Neles, ele lamentava as circunstâncias da morte do filho e afirmava que a iria visitar logo que regressasse da Guiné, uma vez que eram naturais de concelhos vizinhos.

Transcrevo, ainda, parte do segundo aerograma, endereçado à mãe do Mateus, em 08.11.1966, a parte do texto em que lamenta a tragédia que roubou a vida ao amigo, como repete as circunstâncias do acidente:

 “Prezada Senhora: É com os olhos rasos de lágrimas que novamente me encontro a escrever-lhe sendo ao mesmo tempo a desejar-lhe uma feliz saúde a si e aos seus filhos que eu cá vou indo na graça de Deus. 

Sei senhora Rosa que ao receber esta minha notícia mais se recorda da tragédia que lhe roubou o seu querido filho, pois é com mágoas no coração que lhe respondo a tudo quanto me pergunta e peço a Deus que não a vá magoar mais com tudo o que lhe possa dizer. Pois compreendo que além da minha dor ser enorme a sua não tem palavras, pois o destino foi traiçoeiro. 

Sim (…), a Senhora pede-me que lhe explique como tudo se passou. Pois sou a dizer-lhe tudo o que sei. Foi uma das saídas que nós tivemos, durante o dia tudo se passou da melhor maneira na graça de Deus e nós nos sentíamos satisfeitos, mas no regresso tivemos que atravessar um rio e a corrente era enorme, como enorme era o peso que trazíamos, e que ele ao passar a corda se partiu e foi quando ele foi parar ao fundo sem mais ninguém o ver. Pois quatro camaradas nossos, mal pressentiram o que se estava a passar, atiram-se à água e mergulharam ao fundo para ver se o encontravam correndo o rio de cima para baixo e vice versa mas o resultado foi o que Senhora já sabe. 

(…) Esta é apenas a verdade que podem contar à Senhora e aos seus filhos. Sim, também me diz que apareceu alguma coisa dele e é certo, mas não o que a Senhora me diz. Apareceu sim o que lhe vou contar. Passados alguns dias nós voltámos a passar por lá, e foi nessa altura que um dos alferes encontrou uma parte da camisa e a carteira no bolso, pois a parte da camisa era só da frente e tinha o bolso onde estava a carteira, que o alferes tem para lhe enviar tudo junto que resta do seu querido filho. E a Senhora não precisa de tratar nada pois a companhia já tratou de tudo, pois também tratou dos papéis para a Senhora ficar a receber algum dinheiro que bastante falta lhe fará e assim, minha Senhora, não quero alongar mais as minhas notícias pois elas só lhe levam mágoas. 

Sem mais me despeço com muitas saudades para os seus filhos um aperto de mão para todos para a Senhora também deste que chora também a sua dor. José Francisco Couto."

Consegui o contacto com o José Francisco Couto, convidei-o para participar na cerimónia que a AVECO (Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã) e a população da sua terra natal – lugar da Areia Branca – lhe prestou em 11 de maio de 2014. Após o serviço militar, o José Couto emigrou para o Canadá, onde vive atualmente e na troca de correspondência que efetuou comigo, em 3 de fevereiro de 2014, escreveu:

“Eu, José Francisco Couto estou-lhe respondendo à sua carta que recebi aqui há dias. Fiquei bastante surpreendido que ao fim de tantos anos verifiquei que afinal o José Henriques nunca foi esquecido (…).

"Eu gostava imenso de estar aí presente nesse dia para prestar a minha homenagem e ditar tudo o que se passou, mas como estou longe e por agora, não posso fazer planos, mas vou-lhes contar aquilo que se passou.

“O Batalhão ia fazer uma emboscada na qual o José Henriques estava incluído. Éramos bastante amigos. O alferes ia com uma corda atada à cintura para atar a uma árvore para nós podermos passar um a um. A corda atravessa o rio de um lado a outro. Ele agarrou-se à corda a seguir ao alferes. Quando o alferes já tinha passado para o outro lado, ele agarrou-se e a seguir ia eu e eu ouvi ele gritar e não o vi. Eu recuei para trás. Começaram as emboscadas por terra e por rio e nunca ninguém o viu mais. 

"Ao fim de quinze dias passámos ao rio e vimos a camisa dele pendurado numa árvore toda rota. Ele, umas semanas antes, tinha-me desafiado para nós fugirmos para os turras. Por isso, nunca pensei que ele tivesse morrido no rio e que ele se tivesse passado para algum lado porque ele sabia muito bem nadar. E pronto, é tudo o que sei para contar. De resto não sei mais nada. Não sei se foi comido por algum bicho do rio ou o que se passou mais. Quando cheguei a Portugal fui mandar dizer uma missa por ele. (…)”

3º Testemunho que me foi prestado pelo ex- fur mil  Estêvão Alexandre Henriques em 23.04.2014. 

O Estevão é natural de Fonte Lima, Stª Bárbara, e vive no Seixal. Com a especialidade de Radiomontador, embarcou para a Guiné, a 18 de agosto de 1965, a bordo do navio Niassa, chegando a Bissau a 24. Fez parte da Companhia  nº 1423, CCS que pertenceu ao BCAÇ 1858. 

Quando o Mateus chegou à Guiné o Furriel Estevão conseguiu o seu destacamento para a Messe de Sargentos, através do cozinheiro Santos, seu amigo e natural das Matas (Lourinhã). 

Na altura do acidente o Estevão não estava em Catió. Soube do acidente três dias depois, quando regressou de Empada onde tinha ido fazer reparações nos rádios. Pensa que se estivesse em Catió na altura da operação, seguramente o Mateus não teria sido nomeado para a mesma, uma vez que, no seu entender, ele já não era operacional. 

O que soube em pormenor do acidente foi-lhe contado pelo cozinheiro António José dos Santos, entretanto falecido. O furriel Henriques afirma que as Nossas Tropas só voltaram ao local do acidente uma semana depois, altura em que encontraram, então, a camisa ou um pedaço (farrapo) da camisa pendurada (presa) numa árvore. Não sabe quem a encontrou e nunca viu a camisa. No bolso da camisa estava uma carteira em forma de ferradura contendo uma medalha da Nossa Senhora, uma moeda portuguesa furada e um amuleto de cabedal. Foi o Estevão que entregou a carteira à mãe do Mateus. 

No final da Comissão o comandante do Batalhão 1858, cujo nome não se lembra, chamou-o e pediu-lhe expressamente que entregasse a carteira à mãe e lhe apresentasse as suas condolências e do pessoal do Batalhão pela morte do filho. O comandante nunca lhe falou das circunstâncias do desaparecimento do Mateus.

Diz, ainda, que foi sempre tudo um segredo bem guardado e nunca conseguiu que algum dos camaradas que participaram na operação lhe dissesse o que quer que fosse sobre o acidente. Afirma, ainda, que o Mateus nunca lhe falou em fugir.

O furriel Estevão regressou da Guiné em 9 de maio de 1967 e só em junho teve a coragem de entregar a carteira à mãe do Mateus. Lembra-se que nesse momento estava presente a irmã do Mateus.

Hipótese colocadas por seus camaradas acerca do seu desaparecimento:

Alguns camaradas do Mateus colocaram a hipótese de ele ter desertado ou ter sido preso pelo PAIGC, vindo a ser libertado na Operação Mar Verde. Entre eles, encontra-se José Francisco Couto, como referi anteriormente.

Essa hipótese não se confirmou, de acordo com o testemunho de alguns dos seus camaradas:

i) Benito Neves (CCAV 1484, Nhacra e Catió 1965/67) escreve:

 “Relativamente a reservas que ainda hoje tenho sobre esta morte, na medida em que se levantou a hipótese de ter sido capturado e libertado mais tarde no decurso da operação Mar Verde [Conacri, 22 de novembro de 1970]. Porém, oficialmente, conforme documento anexo, foi considerado “morto em combate”. (Luís Graça & Camaradas da Guiné, Post1676).

ii) Benito Neves e Hugo Moura Ferreira juntam cópia do Ofício do Arquivo Geral do Exército, nº 112/STAG, Proc. 6.2, de 23 de maio de 2007, em resposta a um requerimento do nosso camarada Hugo Moura Ferreira, de 16 de abril de 2007, pedindo informações do Soldado José Henriques Mateus. Cópia facultada pelo Benito Neves. Em traços largos, o teor do ofício é o seguinte: 

1. O José Henriques Mateus foi dado como morto em combate, “conforme a História da sua unidade (CCAV 1484)"

2. Segundo o Arquivo Histórico Militar, há uma relação de militares falecidos e desaparecidos, do CTIG/QG/1ª Repartição, datada de 21 de maio de 1974, donde consta o nome do José Henriques Mateus,  “dado como desaparecido em combate na região de Catió, em 10 de setembro de 1966 e que mais tarde foi considerado morto, juntamente com outros militares, nos termos do n.º 3 do art 1º do Decreto 350/71, e 12 de agosto de 1971”.

3. Não faz parte dos militares resgatados através da Operação Mar Verde [em que foram libertados 26 prisioneiros portugueses, em Conacri];

4.Também não consta da base de dados referente à lei dos ex-combatentes (Lei nº 9/2002).

(Vd. poste de 9 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2821: Aqueles que nem no caixão regressaram: o caso do José Henriques Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves / Hugo Moura Ferreira).

(Revisão/ fixação de texto: LG)
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Nota do autor, JBMS:

[1] In: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, quinta-feira, 19 de abril de 2007. Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves). https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/04/guin-6374-p1676-vivo-
-ou-morto-procura.htm
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Nota do editor LG:


Vde. postes anteriores:

30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26968: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942- 1965) (sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/ 1966) - Parte II: o Manuel Luís Lomba estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965