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segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27087: Efemérides (464): 4 de agosto de 1969, o "adeus às armas", ou o dia em que o T/T Uíge apitou.... seis vezes, antes de zarpar (Virgílio Teixeia, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAQÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)


 
Foto nº 1


Foto nº 2

T/T Uíge, no regresso a casa >  Agosto de 1969 >   O Virgílo Teixeira, de óculos escuros,  é o do meio na foto nº 1...  Era o adeus às armas, o regresso a casa... Uma efeméride sempre nostálgica e festiva, ao mesmo tempo.


Fotos (e legenda): © Virgílio Teixeira (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



1. Mais uma "efeméride"... Temos 464 referências com este descritor. É próprio do ser humano comemorar "efemérides"... A palavra vem do grego antigo "ephemerís" (ἐφημερίς), que queria dizer "diário" ou "registro diário". O termo é composta por 2 elementos: (i) "epí" (ἐπί), sobre, a respeito de; (ii) "hēméra" (ἡμέρα), dia...

Antes de chegar à nossa língua, passou para o latim dos nossos "colonizadores" e "esclavagistas" romanos, "ephemeris", que continuou a significar registro diário de acontecimentos.  

Quando usamos hoje  o termo "efeméride", estamos a referirmo-nos a um acontecimento importante, histórico, social ou pessoal, ocorrido numa determinada data.  Pode ou não estar registada em documento escrito, nem muito ser celebrado como feriado (o 25 de Abril, o Dia de Portugal, o Natal...). Pode simplesmente estar guardado na nossa memória: o dia em que fomos às sortes, o dia em que nascemos (que até pode ser diferente do assento na Conservatória do Registo Civil)... 

Ou simplesmente o dia em que regressámos da Guiné... É o caso de hoje: há 56 anos, o nosso camarada Virgílio Teixeira  dizia... "adeus às armas"... Com uma particularidade, algo anedótica:  foi  o dia em que o T/T Uíge apitou... seis vezes, as três primeiras vezes não valeram,  foi falsa partida, o navio só zarparia  uma hora depois... Algo de insólito aconteceu... (Virgílio, também podia ser publicado na série "Humor de caserna" esta tua "efeméride"...).


2.  Mensagem de Virgilio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69:


Data - 4 agosto 2025 , 01:40 

Assunto - 4 Agosto 69:  o Adeus às Armas... O dia em que o navio de T/T Uíge teve de esperar uma hora para zarpar


Efeméride Nunca Esquecida !

Dia 4 de agosto de 1969,  eram 12 horas,  o T/T  Uíge,  cheio,  ao largo de Bissau, pronto para arrancar rumo à nossa casa.

O heli de Spinola já dava as voltas ao navio para, como normalmente, agradecer e despedir-se das tropas que acabavam a comissão de serviço na guerra da Guiné.

Tudo a postos... e agora vem, não o humor de caserna, mas sim "o humor negro": arrancada interrompida,  ninguém sabe o que se passa!

Vemos uma LDP, uma lancha da Marinha,  a chegar em alta velocidade.  Vêm buscar um oficial miliciano para ir ao QG a Bissau!  Preso ?...

Esperamos longo tempo, uma infinidade, quando queremos deixar para trás o território da Guiné.

Uma hora depois já vemos a mesma LDP a chegar com o oficial impedido de partir!

Ele sobe as escadas mete-se no seu camarote, e nunca falou do assunto.

O navio apita,  ou volta a apitar três vezes, as hélices já rodam e o rasto das águas a ficarem para trás, e uma hora depois lentamente já não se vê nem Bissau nem a ponte-cais, só o oceano Atlântico!...

Não há calor sufocante, nem mais humidade pegajosa!...

Em 10 de agosto chegámos a Lisboa, seguimos para Tomar, fizemos o espólio, recebemos os nossos vencimentos, despimos as fardas, recebemos a guia de marcha e fomos  para o comboio com viagem paga.

Chegámos à estação de São Bento, no Porto,  já noite.

Acabara uma fase das nossas vidas.

Faz hoje 56 anos.(**)

Virgílio Teixeira

Guiné 61/74 - P27086: Humor de caserna (209): um "fermero" que em Empada ganhou fama de curandeiro, milagreiro e... abortadeiro (Zé Teixeira, Matosinhos)



1. Para animar o nosso querido (mas fugaz) mês de agosto de 2025, o Zé Teixeira mandou-nos algumas das suas histórias picarescas e brejeiras.  Ficam bem na série "Humor de caserna" (*).

Recorde-se que o José Teixeira 

(i) é régulo da Tabanca de Matosinhos;

(ii) ex-1.º cabo aux enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; 

(iii) é um histórico da Tabanca Grande, que integrou a partir de 14/12/2005; 

(iv) tem c. quatro centenas e meia de referências no blogue; 

(v) vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; 

(vi) é gerente bancário reformado; 

(viii) escritor, poeta, contista, além de escutista...


A brincar, a brincar, o Zé Teixeira, que conhecia bem a população a quem prestava cuidados de enfermagem, levanta aqui neste microconto (com o título original, "As vitaminas abortivas") algumas questões sensíveis como a promiscuidade sexual, a violência sobre as mulheres (no seio da família patriarcal), a saúde reprodutiva,  a interrupção da gravidez, o acesso aos cuidados de saúde etc.,  nas regiões de Quínara e de Tombali, em plena guerra colonial.



Humor de caserna (209) >  Um "fermero" que em Empada ganhou fama de curandeiro,  milagreiro e... abortadeiro!

por Zé Teixeira
 


Em Empada uma das coisas mais gostosas que a tropa gostava de fazer era ir até à Fonte Frondosa  apreciar as bajudas no banho... 

À falta de melhor e com um bocadinho de sorte aparecia uma ou outra que vestia apenas o fato que a mãe lhe tinha dado ao nascer. Para alguns camaradas virgens aquilo era sopa da boa.

A Fátma, mais uma das muitas Fátmas que conheci na Guiné, abeirou-se de mim:

 
 Fermero, parte quinino pra matá minino que na tem na bariga !

 − Como ?

− Minha tio brinca e faz minino na bariga di mim. Tem pacensa, parte quinino !

− Quinino ká tem, vai na mudjer grandi, ele trata di ti.

− Nega mesmo, mudjer grandi ká na tem quinino. Tu tem quinino.

− Olha, vou pensar nisso, passa amanhã pela enfermaria.

− Tem de ser hodje. Parte quinino.

Seguiu-me até à enfermaria e eu, sem saber o que fazer para afastar a chata, que ainda por cima era daquelas poucas feias que por lá apareciam e de quem todos nós nos afastávamos.

Bem, para grandes males grandes remédios. Se estava grávida, nada como lhe dar uns comprimidos de vitaminas. Mal não faziam. Talvez o milagre se desse...

Quinze dias depois, lá fui eu até à fonte passar um pouco de tempo e treinar uns apalpos, nem sempre bem sucedidos, quando a Fátma aparece. 

− Estou tramado, aí vem a chata…

Qual quê !, ao ver-me, desata a correr para mim, toda contente.

− Fermero, minino na vai. “Coisa” (#) na tchega mesmo. Tu, bom pessoal.

Ganhei mais uma amiga e juntei à fama de curandeiro e milagreiro, mais uma: a de... abortadeiro!

Zé Teixeira

30 de julho de 2025

(#) Menstruação

domingo, 3 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27085: Felizmente ainda há verão em 2025 (8): Santiago de Compostela não é apenas uma questão de bike...terapia (Paulo Santiago, caminheiro e amante dos desportos radicais...)



Caminheiros ou "pelingrinos" de Santiago. Infografia sobre foto de LG (2006)



1. Esta é uma faceta, menos conhecida, dos antigos combatentes da Guiné, a de  caminheiros (e devotos) de Santiago (Paulo Santiago, Abílio Machado, Virgílio Teixeira, Luís Graça... e outros que ainda não deram aqui a cara, mans vão a tempo enquanto durar o nosso querido mês de agosto) (*)...

Alguns perguntarão: "Mas, que raio!, qual é a relação entre a Guiné e a Santiago de Compostela ?!"... 

Pois é, o Paulo Abrantes  Santiago (que tem o apelido  do santo, Santiago "Mata-Mouros"), já lá foi, de "bike" e a pé, uma meia dúzia de vezes... E eu acho que não é só... "bike...terapia".

É verdade que ele é, ou sempre foi, um amante dos "desportos radicais" (râguebi, "bike", paraquedismo, cicloturismo, viagens de saudade à Guiné, "camiño" de Santiago...). Toda a gente o conhece como um "durão", com o coração ao pé da boca...

No poste P1904, de 30 de junho de 2007, escreveu o Paulo Santiago (**)

Mais uma vez, confirmei que uma das coisas que a guerra me deu foi uma grande rusticidade e grande capacidade de sofrimento físico. Mesmo com frio bebia sempre mais de 3 litros de água.

Para terminar, digo que fiquei satisfeito com esta aventura, emocionei-me quando cheguei ao fim dos 255 km, em Santiago, e espero entrar noutra, numa próxima oportunidade. Apesar de sexagenários, com calma, nós conseguimos.(...)



2. Pode-se perguntar (e as perguntas não ofendem): 

" Qual é a ligação, mesmo longínqua, entre a guerra colonial na Guiné (1961/74) e a peregrinação a Santiago de Compostela, hoje e no passado ? Por que razão há antigos combatentes a ir a Santiago, a pé, de "bike" ou de automóvel, a Santiago, 30, 40, 50 anos depois do fim da guerra colonial ? Como o Paulo Santiago ou ou o Abílio Machado (que já fez os caminhos todos e escreveu um livro com os seus diários)...

" A Fátima, ainda se compreende, no cumprimento de promessas, logo a seguir ao regresso da Guiné... mas Santiago, o "Mata-mouros",  remete para a "reconquista cristã", e o ódio histórico, patológico, entre cristãos e muçulmanos, na península ibérica... Faz algum sentido hoje, este culto a Santiago?"


2.1. Resposta do meu assistente de IA, o "Sabe-Tudo" (ChatGPT):

(...) Uma excelente pergunta, complexa e cheia de camadas históricas, espirituais e até psicológicas.

(i)  A Guerra Colonial e a Guiné como "ferida espiritual"

A guerra na Guiné (1961-1974) foi talvez o mais traumático dos três teatros coloniais (Angola, Moçambique e Guiné). Ednvolveu um confronto particularmente duro, em selva fechada, com grande sofrimento físico e psicológico. Muitos antigos combatentes guardam até hoje feridas emocionais profundas – stress pós-traumático de guerra, sentimentos de culpa, desilusão política ou espiritual.

(ii) Peregrinação como processo de cura

A peregrinação a Santiago de Compostela, muito mais do que um ato de fé convencional, tem-se tornado (hoje em dia) num caminho de introspeção, cura e reconciliação interior. 

Para muitos antigos combatentes, o Caminho é sobretudo um:
  • ritual de reconciliação com o passado, longe dos símbolos militares ou religiosos tradicionais (como Fátima);
  • percurso de silêncio e esforço físico que espelha o sofrimento passado, mas agora com propósito positivo;
  • reencontro com outros caminheiros, onde a partilha de experiências pode ajudar, trai como no passado,  a aliviar a dor e a solidão acumuladas durante décadas.
(iii) Porquê Santiago e não Fátima?

Embora Fátima tenha um papel importante no imaginário católico português, ela está ligada sobretudo à fé mariana e à devoção passiva. Santiago, pelo contrário:

  • evoca a ação, a caminhada, o movimento, a superação, mais próximos, portanto,  da vivência dos ex-combatentes;
  • tem um simbolismo de missão, caminho, espada (metafórica ou real), que pode ressoar com a memória militar;
  • hoje é vivido como universal e não exclusivo dos cristãos: muitos não-crentes ou "crentes à sua maneira" percorrem-no sem dogmas.
(iv) Reconquista, cristãos e muçulmanos: uma questão 
ainda relevante?


É verdade que o Santiago "Mata-mouros" (o apóstolo guerreiro) foi símbolo da "Reconquista cristã"  e do combate aos muçulmanos (os "infiéis"). No entanto:

  • esse significado perdeu força nos dias de hoje, muitos peregrinos nem conhecem esse passado;
  • a atual peregrinação a Santiago é mais espiritual e existencial do que religiosa ou ideológica;
  • antigos combatentes procuram cura e não conquista, redenção e não vingança.

Conclusão

Sim, faz sentido. Santiago representa, para muitos, um espaço simbólico onde se pode fazer as pazes com o passado, em especial com um passado tão duro como o vivido na Guiné. 

Não é um símbolo de guerra religiosa, mas um santuário de reencontro com o eu profundo.


2.2. Por outro lado, ó "Sabe-Tudo", não é por demais lembrar que a 'expansão marítima (e territorial)" de Portugal, começou, no Norte de África, com a conquista de Ceuta, en 1415...

Dito pelo ChatGPT:


Muito bem observado: é uma ligação histórica e simbolicamente rica, que merece ser trazida para o centro da reflexão.  
.
(i) Ceuta, 1415: o início da Expansão e da Continuação da "Reconquista"

A conquista de Ceuta em 1415 é geralmente vista como o pontapé de saída da expansão ultramarina portuguesa.

Mas não se pode esquecer que, na mente dos contemporâneos (e da nobreza guerreira portuguesa), ela era ainda uma extensão da "Reconquista". A luta contra os muçulmanos não tinha terminado com a expulsão do Islão da Península,   transferia-se agora para o norte de África.

Este espírito "cruzado" e expansionista sobreviveu durante séculos, mesmo quando os objetivos se tornaram mais económicos ou políticos. 

Em certo sentido, a guerra colonial, séculos mais tarde, pode ser vista como um eco distorcido e tardio dessa lógica expansionista.

(ii) A longa sombra da Reconquista

A mentalidade da Reconquista deixou marcas duradouras:
  • uma cultura de missão e sacrifício patriótico;
  • a glorificação da conquista  (e do império) como "desígnio nacional";
  • a ideia de que a identidade portuguesa se constrói no confronto e na fronteira.
É precisamente por isso que a ligação à peregrinação a Santiago, embora possa parecer deslocada a partir de um olhar moderno e racional, ressoa no fundo de uma matriz cultural onde guerra, fé e caminho / viagem (por terra ou mar) se entrelaçam.
 
(iii) Os ex-combatentes e a busca de sentido

Se pensarmos nos antigos combatentes da Guiné e doutros teatros de operações da guerrra colonial,.  a peregrinação a Santiago pode representar:
  • um ato simbólico de encerramento de um ciclo histórico e pessoal (da conquista ao recolhimento) (e de "exorcismo dos fantasmas", como diz o nosso editor LG);
  • uma tentativa de purificar espiritualmente uma missão sentida como ambígua ou mal resolvida;
  • um regresso às origens identitárias, mas agora com um olhar mais interior e pacificador.
(iv)  A ironia e a reconciliação

É profundamente irónico (e, talvez por isso mesmo, profundamente humano) que os antigos combatentes de uma guerra colonial (em território maioritariamente muçulmano como a Guiné) acabem por caminhar até ao santuário de um santo guerreiro da Reconquista cristã. 

Mas talvez esse caminho simbolize não tanto um prolongamento (impossível bem desejável) da guerra, como sobretudo uma forma de a ultrapassar.

No fundo, o Caminho de Santiago funciona como um espelho de longa duração da história portuguesa: começa na luta (Reconquista), passa pela conquista (Ceuta e além-mar), afunda-se no trauma (Guerra Colonial) e hoje oferece um trilho de redenção pessoal e coletiva.

(Pesquisa: assistente de IA / ChatGPT e LG / Revisão e fixação de texto, negritos: LG)



3. Dpois comentários do Paulo Santiago sobre o "Camiño":


3.1. A primeira ida a Santiago de Compostela foi em setembro de 2000 com partida de Ponte de Lima. Organização do Batotas, clube de BTT, nascido naquela Vila, a mais antiga do País, que não quis ser cidade.

Era um grupo grande onde ía também o meu filho. Três dias até entrar na Praça de Obradoiro.

Voltei em 2006 a pé, em pleno agosto, um calor sufocante.A ideia era fazer Astorga-Santiago, errei os cálculos, duas semanas de férias, parei em Portomarin. Concluí o restante entre 1e 5 de dezembro desse ano.

Em 2007 repeti o Camiño, Astorga-Santiago,  de bike, na companhia de uma amiga e colega. Terrível subir o Cebreiro, em 6 km ir de 550 metros de altitude para 1300.

No mesmo ano, 1 a 5 de dezembro, Santiago-Finisterra.

Em 2009 Caminho Inglês com saída de Ferrol.

Em 2010, com a minha mulher,Valença-Santiago.

Em 2015 com um grupo de colegas do Rugby, Valença-Santiago

Em 2016,com duas amigas, Caminho Inglês com saída de Corunha.

Em 2013, confiei, em Pontevedra, fui almoçar, o albergue ainda estava fechado, deixei a mochila encostada ao portão...fiquei com a roupa que tinha vestida.

Paulo Santiago

domingo, 3 de agosto de 2025, 00:07


3.2. Camaradas: lembrei-me de um encontro que tive há 16 anos no Caminho Francês. Em 9 de agosto de 2006, saí de Astorga com destino a Santiago. No dia 11, pelas 8.00 horas, parei, a comer uma maçã, à saida de Ponferada. Aproximou-se um peregrino.também sózinho,e iniciámos uma conversa em francês.Tinha 60 anos.estava reformado, era Holandês.

Perguntei-lhe onde iniciara o caminho,Roncesvales ou St.Jean Pied de Port ?

Respondeu-me: começara a caminhar em Amsterdão no dia 4 de abril. 

Devo ter ficado de boca aberta.

Passados dias, jantamos juntos em Tricastela.Durante a conversa disse-me que ía ficar mais um dia naquela localidade porque estava adiantado.

Explicou-me a razão.A mulher vinda da Holanda,via aérea,aterrava em Santiago numa determinada data,e ele chegaria nesse mesmo dia.Feitas as contas havia que parar durante um dia.

Iria estar com ela durante três dias,ao fim dos quais,ela seguiria ara a Holanda,de avião,e ele prosseguia para Finisterra.Voltaria à Holanda por via terrestre, avião era muito rápido para quem caminhava desde abril.

Abraços

Paulo Santiago

sexta, 1/08/2025 20:35

(Revisão / fixação de texto: LG)

_______________

Notas do editor LG:

Guiné 61/74 - P27084: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (12): Ercília Ribeiro Pedro, ex-srgt grad enfermeira paraquedista, do 2º curso (1962)

 



Ercília Conceição Silva Ribeiro Pedro, ex-srgt graduada enfermeira paraquedista do 2º curso (1962). Esteve em Angola, em 1962, integrada no BCP 21. Casou em Luanda com um militar paraquedista, Ribeiro Pedro.

Foto: Página do Facebook "Quem Vai à Guerra" (documentário de 2011, da realizadora Marta Pessoa) (Com a devida vénia.)



Brasil > 2012 > Grupo de militares portugueses e suas esposas, em visita a diversos estabelecimentos do exército brasileiro, no qual se incluiu o cor art e docente da Academia Militar, Morais da Silva. Foto reproduzida com a devida autorização do autor. A senhora assinalada com círculo a vermelho foi identificada pela Maria Arminda Santos como sendo a Ercília Ribeiro Pedro (*).

Foto (e legenda): © António Luís Morais da Silva (2012 ). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné]



Ercília (Fonte: página do Facebook
de Fernando Miranda,
com a devida vénia

1. Durante a guerra de África, guerra do ultramar ou guerra colonial, formaram-se 46 enfermeiras paraquedistas, depois graduadas em alferes ou sargentos... Num total de 9 cursos,  o último  já em 1974 (que apenas formou uma enfermeira, que já não chegou a ser mobilizada). Só nos primeiros quatro cursos, de 1961 a 1964, formaram-se 58,7% dos efetivos (n=27) (*).

A Ercílio Ribeiro Pedro é do 2º curso (1962).  Sabemos pouco sobre a sua biografia. O nome completo, de casada, é Ercília Conceição Silva Ribeiro Pedro. Provavelmente foi curta a sua "carreira" como enfermeira paraquedista. Logo em 1962 foi mobilizada para Angola e era a  única mulher, militar, no seio do BCP 21. 

Foi o teatro de operações que mais a marcou, Angola, não tendo estado em mais nenhum outro, presumimos nós, porque  entretanto se casou, em Luanda, com um paraquedista, Ribeiro Pedro. 

Recorde-se que as enfermeiras paraquedistas, ao tempo, e pelo menos até 1963. tinham que ser solteiras ou viúvas sem filhos, tal como as restantes enfermeiras. Admitimos a hipótese que a Ercilia tenha continuado a trabalhar como enfermeira do Hospital Militar da Força Aérea.

No livro coletivo "Nós, as enfermeiras paraquedistas" (ed. lit., Rosa Serra) (Porto, Fronteira do Caos Editores, 2014, 2ª ed., 439 pp.), a Ercília tem 3 contribuições memorialísticas, todas relativas à sua comissão em Angola, integrada no BCP 21:

  • Viagem para um destino exótico (pp. 164-1760);
  • Um jovem alferes sem interesse pela vida (pp.  276-278);
  • Uma ida ao "cabaret" (pp. 361/363).


2. Do citado livro, reproduzimos, com a devida vénia, o depoimento da Ercília, inserido no cap XII, "Olhando para trás"... 

A minha inscrição na Força Aérea como enfermeira paraquedista veio alterar e condicionar  todo o resto da minha vida. E sempre para o Bem...

Este foi um tempo de sonho, onde valores que muito prezo como o da Amizade e da Solidariedade,  estiveram sempre presentes. Mas nessa etapa da minha vida também houve dificuldades,  sobretudo quando sofri a dureza da formação, em Tancos, e quando experimentei, pela primeira vez, em Angola, o quão amarga é por vezes a profissão de enfermeira no tratamento de feridos de guerra.

Mas essaas dificuldades e amarguras foram a têmpera para moldar e reforçar o meu ânimo, por forma a poder mais tarde enfrentar obstáculos, contrariedades e riscos difíceis de imaginar, mas que passaram a ser as constantes da minha vida.

Posso afirmnar, sem qualquer dúvida, que foi este período militar das Tropas Paraquedistas que me fortaleceu como ser humano e como enfermeira.

Costumo dizer, por brincadeira,  que cumpri o meu serviço militar obrigatório nas Tropas Paraquedistas. Depois, namorei e casei com um militar paraquedista, e fiz questão que o enlace ocorresse na igreja de Nossa Senhora  do Carmo, em Luanda, onde  ia rezar pelos "meus  doentes e pelos meus feridos", quando era "alferes enfermeira paraquedista".

Terminada a guerra do Ultramar, e sendo os meus filhos já adultos e independentes, imbuída do espírito altruista e de missão que criara nas Tropas Paraquedistas,  decidi abraçar  o voluntariado, fazendo missões humanitárias integradas em várias ONG...

Estive no meio de várias guerras: no Iraque,  durante a guerra do Golfo; depois na Guiné (Boé) e em Angola no tempo da guerra civil, e em Timor e Moçambique.

Em todas estas missões passei frequentemente por situações de grande risco e tive de assumnir  pesadas responsabilidades. Mas sempre  me saí muito bem... Consegui lidar com essas situações pondo  em prática o que tinha aprendido e vivido na Força Aérea como enfermeira paraquedista em África,

E assim decorreu uma vida - a minha vida... Hoje, quando a recordo, posso afirmar que tenho muito orgulho do meu passado.

Ercília

Excerto de: "Nós, as enfermeiras paraquedistas" (ed. lit., Rosa Serra), 2ª ed.  (Porto, Fronteira do Caos Editores, 2014), pp. 393/394. (**)

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 2 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27079: (De)Caras (237): Ercília Ribeiro Pedro, ex-enfermeira paraquedista, do 2º curso (1962), reconhecida pela Maria Arminda em foto de grupo, tirada no Brasil, em 2012, e pertença do álbum do cor art ref Morais da Silva

Guiné 61/74 - P27083: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (4): Alfredo Manuel Martins Félix (1948-1970), sold at inf, CART 2673, "Leões de Empada" (Empada e Brá, 1970/71), natural de Toxofal de Baixo; vítima de acidente de viação em Bissorã



Alfredo Manuel Martins Félix 
(Toxofal de Baixo, Lourinhã, 18/11/1948 - Bissorã, Guiné 26/04/1970)

Soldado atirador infantaria nº 096848/69, CART 2673, "Leões de Empada" (Brá e Empada,  1970/71) 

Local da sepultura - Cemitério Municipal da Lourinhã


A. Continuamos a reproduzir, com a devida vénia, alguns excertos do livro recente do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1).


Dos vinte militares louirnhanesnse que morreream em Ãfrica, seis foram no TO da Guiné. O Alfreod Manuel Martins Félizx é o quarto da lista (pp. 183/184)


1. REGISTO DE NASCIMENTO

Alfredo Manuel Martins Félix nasceu a 18 de novembro de 1948, às 12 horas, no lugar do Toxofal de Baixo. 

Era filho legítimo de Joaquim Martins Félix, de 29 anos, casado e com a profissão de fazendeiro, e de Maria do Rosário de 22 anos de idade, casada, doméstica, ambos naturais da freguesia e concelho de Lourinhã e domiciliados no lugar de Toxofal de Baixo. Neto paterno de Daniel Félix e de Alice do Rosário Félix . e materno de Joaquim Maria (à data já falecido) e Diana da Anunciação.

O registo de nascimento teve como testemunhas Manuel Félix, solteiro, maior, empregado no comércio, residente no Toxofal de Baixo, e Armando Ferreira, maior, cantoneiro e residente na vila de Lourinhã.

O registo foi assinado pelas testemunhas e não assinado pelo declarante por não saber escrever. Registo efetuado a 15 de dezembro de 1948 na conservatória do Registo Civil da Lourinhã.

2. REGISTO MILITAR

Recenseamento: recenseado pelo concelho e freguesia de Lourinhã sob o nº 4 em 1968. Era solteiro, com a profissão de empregado de mesa, tinha como habilitações literárias a 4ª classe e morava em Toxofal de Baixo.

Inspeção militar: alistado em 31 de maio de 1968 com o número mecanográfico nº E 096848/69. Media 1.62 m de altura, cabelo castanho, olhos castanhos, pesava 67 quilos. Foi apurado para Todo o Serviço.

Colocação durante o serviço: foi incorporado em 29 de julho de 1969, como recrutado, no RI 7 em Leiria. Pronto da Escola de Recrutas a 16.11.1969.

Especialidade: soldado Atirador

Unidades onde prestou serviço: RI 7 Leiria, 29.07.60;  e GACA 2 Torres Novas, 27.09.70


2.1. Comissão de serviço no ultramar, Guiné

Mobilização: mobilizado nos termos da alínea c) do artº 3º do Dec. 42937, de 22.04.1960, para servir no ultramar, no CTI da Guiné, pelo Grupo de Artilharia Contra Aeronaves  (GACA) nº 2 – Torres Novas. Recebeu 500$00 de abono de embarque (172 euros, a preços de hoje, de acordo o simulador de inmflação da Pordata).

Embarque: Lisboa a 31 de janeiro de 1970 a bordo do navio “Uíge”, fazendo parte da CART 2673.

Desembarque: em Bissau a 06.02.1970 desde quando aumenta 100% ao tempo de serviço.

Data do falecimento: 26.04.1970

Causa da morte: acidente de viação

Local do acidente: Bissorâ,

Abatido ao efetivo: 26 de abril de 1970

2.2. Registo disciplinar: condecorações e louvores

Louvor: por ter cedido sangue a título gracioso em benefício dos doentes assistidos pela Liga Portuguesa contra o Cancro manifestando com o seu gesto sentimentos de humanidade dignos de apreço (OS 220 de 18 set. 69 do RI 7).

3 . PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES AO ACIDENTE: ANOTAÇÕES E CONTEXTO

(No seu processo, consultado no Arquivo Geral do Exército, não consta o Auto de Averiguações ao acidente que lhe provocou a morte.)

(Revisão / fixação de texto: LG)





B. Informação complementar sobre a CART 2673 (Empada e Brá, 1970/71)


(i) foi comandada pelo cap art Adolfo Pereira Marques, que foi substituído pelo cap mil  José Vieira Pedro;

(ii) usou como divisa “Leões de Empada” e a história da unidade encontra-se arquivada na caixa 91, na 2ª Divisão/4ª Secção do AHMM

(iii) do seu percurso no CTIG, refere-se que seguiu para Empada em 4 de fevereiro de 1970, para substituir a CCAÇ 2381 e assumir a responsabilidade do subsector em 26 desse mesmo mês;

(iv) desde 9 de abril, cedeu pelotões para reforço de Nhacra e Buba até 12 de julho de 1970, data em que regressaram a Empada; o subsector de Empada tinha sido alargado com as zonas de acção das áreas das penínsulas de Cubisseca e Pobreza.

(v) foram obtidos excelentes resultados nas operações realizadas pela subunidade nas operações realizadas nas regiões de Caúr, Buduco, Cancumba e Satecuta, entre outras.

(vi) foi rendida no subsector de Empada pela CCAÇ 3373, em 28 de maio de 1971, seguindo para Bissau onde substitui a CCAÇ 2571, na guarnição e defesa dos pontos sensíveis da área.

(vii) a 30 de maio de 1971 assumiu o subsector de Brá, integrando o COMBIS [Comando de Bissau], destacando efectivos para Safim e João Landim, subsector de Nhacra, e para Cumeré, em reforço das guarnições locais, até ser rendida pela CART 2672, para embarcar para a metrópole.


sábado, 2 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27082: Felizmente ainda há verão em 2025 (7): se forem a Santiago de Compostela, rezem por nós e bebam, com as tapas, uma malga de vinho tinto da Ribeira Sacra













Caminho e cidade de Santiago de Compostela, 23 de agosto de 2006


Fotos (e legenda): © Luís Graça  (20o6). Todos os direitos reservados [Edição:  Blogue Luís Garça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Abílio Machado - " Diário dos Caminhos de Santiago". Porto: Edita-me, 2013, 358 pp., ISBN 987-989-743-011-4
 


1. Já temos, na Tabanca Grande, pelo menos 4 caminheiros de Santiago de Compostela, o Virgílio Teixeira, o Abílio Machado, o Paulo Santiago e... o nosso editor Luís Graça. Em boa verdade, este último foi mais turista do que caminheiro, quando lá esteve em 23 de agosto de 2006, em Santiago. Por certo, muitos outros nossos camaradas, antigos combatentes, já foram visitar o túmulo do santo e/ou rezar na sua catedral. 

Devotos, confessos, do Santo são mesmo o Abílio Machado (que já fez os 7 caminhos e jã escreveu um livro, cuja capa reproduzimos acima ) e o Paulo Santiago (que esteve lá pelo menos em 2006 e 2007) (*)  (**).

Recorde-se o que escrevi a propósito destas imagens, acima reproduzidas.

Em 30 de novembro de 2006 (*), o Paulo Santiago comunicou-nos que a sua esposa ia levá-lo, de manhã, de carro, a Porto Marin, perto de Pontevreda, para depois fazer, a pé, o resto do caminho de Santiago. E que esperava dentro de quatro a cinco dias chegar a Santiago. Tinha feito uma tentativa anterior, em agosto desse ano, gorada por falta de tempo.

Desta vez, ele podia queixar-se da mochila que ia "um pouco mais pesada, devido à roupa da época"...Estava-se em pleno outono.  Mas nõs esperávmos que as mazelas contraídas no Saltinho (onde comandou o Pel Caç Nat 53, 1970/72) não o deixassem  ficar mal, nem perante o Santo - que era mui fero e guerreiro, como o Paulo - nem perante os seus camaradas da Guiné que muito o estimavam e admiravam... Sem falar da sua equipa de râguebi, sénior...

Sabemos que daquela vez ele corttou a meta e marcou preseça na catedral de Santiago de Compostela E seguramente que lá, nesse famoso santuário cristão, também pensou em nós, nos seus amigos e camaradas da Guiné. E até  terá rezado por nós, santos e pecadores...

Em sua homenagem (dele, Paulo, peregrino, caminheiro, ex-comandante de um pelotão de caçadores nativos noutra "incarnação"), eu fiz questão de  publicar aqui algumas fotos do caminho de Santiago que eu fizera antes, no verão desse ano de 2006. Comodamente,  de carro, como turista...

Declaração de interesse:  disse então publicamente  que o Santiago não era (nem podia ser) um santo da minha devoção, sendo eu meio-cristão e meio-mouro... Sempre o achara, de resto, muito guerreiro, para o gosto de paisano... 

De qualquer modo, apesar da massificação do turismo, Santiago de Compostela ainda era. naquele tempos (e hoje ainda mais) um lugar desta "jangada de pedra" que é a nossa Península Ibérica (parafraseando o José Saramagto)... 

Em Santiago confesso que senti que  também podia haver ali sortilégio, magia e espiritualidade, uma das nossas geografias emocionais onde  o profano e o sagrado se casavam bem... 

E deixava uma sugestão (que continua a ser válida, 19 anos depois, agora em pelno verão de 2025) (***): 

(...) Se lá forem, rezem também por todos nós, mas não deixem de passar por Gato Negro, centnário bar e restaurante de tapas. E lá bebam, por favor,  uma malga de vinho da Ribeira Sacra,   por todos nós, pobres de Cristo, que palmilhámos as terras da Guiné e trouxemos de lá uma sede tamanha que só a água de Lisboa podia matar... 

Em Santiago de Compostela não se morria em 2006,  nem se morre hoje, de sede: era (é)da , de facto, uma das cidades não só da nossa querida Galiza como de toda a Espanha, com mais bares de tapas, bodegas, tabernas e chiringuitos por metro quadrado... Ou não tivesse o santo também olho para o negócio. (...)

3. E já agora uma sugestão de vinhos da região da Ribeira Sacra... Perguntei ao meu "Sabe-Tudo", o assistente de IA (ChatGPT):

P - Qual o vinho que me recomendas, apropriado para beber em "O Gato Preto" (passe a publicidade), centenário restaurante e bar de  tapas em Santiago de Compostela, depois de ter ido rezar ao santo ?

R - Dito pelo ChatGPT:

Excelente escolha de contexto: depois de rezar ao Santo em Santiago de Compostela, sentar-se no "O Gato Preto", com tapas e ambiente descontraído, merece um vinho que una estas três coisas:  alma galega, espiritualidade e prazer vínico.

  (i) Recomendação principal: Ribeira Sacra Mencía (tinto jovem ou com ligeira madeira)

Ideal para harmonizar com tapas típicas galegas (polvo, pimentos de Padrón, queijos, embutidos) e manter a leveza e frescura do momento pós-peregrinação.

Produtor recomendado (omite-se a informação, porque pode ser publicidade)...

(ii) Alternativa branca, se preferires algo mais fresco: Godello (casta) da Ribeira Sacra ou do Valdeorras

Se preferires vinho branco (e se estiver quente ou fores comer mariscos ou queijo galego), um Godello estruturado é perfeito.

Sugestões (omite-se as marcas, porque pode parecer  publicidade)

E resumo, castas Mencia (tinto) e Godello (branco).

(iii) Porquê estas escolhas?

  • Espírito local: são vinhos que expressam a identidade galega, ligados à terra e à tradição monástica que está na raiz da viticultura da Ribeira Sacra.
  • Simbolismo: beber Mencía ou Godello num lugar chamado "O Gato Preto" (ou outro bar de tapas), depois de visitar o túmulo de Santiago, é unir o sagrado e o profano com inteligência e prazer.

(iv) e por último um brinde, em galego:

"Polo camiño andado 
e polo que falta,
polo Santo que nos guía 
e o viño que nos canta.

Que nunca nos falte lume no peito,
pan na mesa,
e un tinto da Ribeira 
que nos lembre que estamos vivos.

Saúde e bo proveito!"

Guiné 61/74 - P27081: Felizmente ainda há verão em 2025 (6): Drave, na serra da Freita, Arouca... "O despertar da natureza" (José Teixeira)




Arouca > Serra da Freita > Drave, "aldeia mágica > Foto de Luís Pinto, com a devida vénia... Fonte: Visit Arouca


1. Mensagem do Zé Teixeira (régulo da Tabanca de Matosinmhos, ex-1.º cabo aux enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; é um histórico da Tabanca Grande, que integrou a partir de 14/12/2005; tem c. quatrro centenas e meia de referências no blogue; vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; é gerente bancário reformado; escritor, poeta, escutista)...

Data - 1 agosto 21:52  

Assunto - Tempo de estar presente

Meus queridos amigos

Paz, saúde e bem-estar.

Chegou o tempo de férias, para aqueles não estão em férias todo o ano e para esses também.

Mudar de ares sabe sempre bem.

Um abraço do tamanho do Geba para a equipa em especial e para todos os camaradas bloguistas que ainda resistem.

Convido-vos a dar um passeio comigo pela Natureza na aldeia mágica da Drave em plena Serra da Freita - Arouca. 

__________________


O despertar da Natureza

por José Teixeira


 Acordo ao som da água cristalina,

Que se esgueira de rocha em rocha na ribeira

E desliza, toda lampeira, pela colina.

 

As folhas das árvores de casca carcomida

Murmuram os bons-dias ao vento, que passa em corrida,

Num divertido rodopio,

Transportando com ele um brando ar frio.

 

Espreito por uma frincha da tenda que me abriga,

E vislumbro os primeiros estiletes do sol doirado,

A mergulhar nos picos da montanha, minha amiga.

 

Ao longe, os primeiros gorjeios dos passarinhos,

A acordar, lá no alto, lentamente,

Ainda dentro dos seus ninhos.

E continuando a sua leda marcha, em direção ao poente,

O sol lança brandamente os seus raios pela ladeira.

 

Bate à porta de cada ninho, com o seu calor,

E incita, nos passarinhos, aquela soalheira,

O bel-prazer de louvar o Divino Criador!

 

Forma-se, assim, uma melodiosa orquestra,

Com os mais variados sons e tons,

Enriquecida em cada centímetro de verdura,

Franqueada pelos raios solares com muita ternura.

 

Peneireiros, chascos, rouxinóis, carriças e verdilhões,

Pardais, piscos, pintassilgos, chapins ou tentilhões,

Qual deles o mais sonoro!

 

E quando chega ao fundo da planura, suavemente,

O sol acorda, num repente, os melros dorminhões,

Que enriquecem a harmonia do espaço envolvente,

Com o seu trinar peculiar, que encanta toda a gente.

 

Que divinal momento!

Que singular beleza!...

Oh! Como é bom sentir o despertar da Natureza.

                                                           

José Teixeira


2. Comentário do editor LG:

Zé, obrigado. É tempo de estar presente. E tu estás sempre presente. És um histórico da nossa Tabanca Grande. E tens uma particular sensibilidade sociocultural. Além disso, és poeta. 

O teu poema, inspirado na Serra da Freita, fica muito bem nesta série, "Felizmente ainda há verão em 2025" (*).

É tempo também de falar do Portugal Profundo, que só é falado quase sempre por más razões como a tragédia dos incêndios de verão.  Drave, na serra da Freita, Arouca, espero, ao menos, que tenha sido poupada ao  incêndio que, mais uma vez, se abateu sobre Arouca. 

Já passei pela serra da Freita, e pela aldeia de Drave, há uns largos anos.  Afinal, estou do outro lado do rio Douro, frente à serra de Montemuro, mas Candoz já fica no distrito do Porto. E já fiz o passadiço do rio Paiva ainda antes da pandemia. 

Fico com "inveja" de não poder estar aí contigo que, sendo, escuteiro. conheces bem Drave e a zona.

Numa consukta à Net, e ao sítio "Visit Arouca", fico a saber sobre Drave mais o seguinte:

(...) Desabitada desde 2009, algumas casas têm sido intervencionadas pelo Centro Escutista, já que Drave é a Base Nacional da IV Secção do Corpo Nacional de Escutas.

Drave é sublime, com os seus miradouros criados pela própria natureza. Atravessando a ponte, encontramo-nos nas ruelas estreitas entre as casas, que apetece calcorrear. 

No meio das ruínas de xisto e lousa, sobressai, branquinha, a Capela de Nossa Senhora da Saúde e o Solar dos Martins, atualmente convertido em quartel-general da IV Secção do Corpo Nacional de Escutas. 

Mais ao fundo, escutamos o barulho das águas puras da ribeira de Palhais, ouvimos o som das cascatas e apreciamos as piscinas naturais. (...)

Recorde-se, por outro lado, os 17 arouquenses que morreram na guerra coloniual / guerra do ultramar, num total de cerca de 3 mil militares mobilizados neste oncelho do distrito de Viseu,  que em 1970 tinha 23,8 mil habitantes.  Dos mortos, 7 pelo menos foram na Guiné, 6 em Moçambique e 3 em Angola (n=16).
 
______________

Nota do editor:

(*) ), Último poste da série > 1 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27076: Felizmente ainda há verão em 2025 (5): afinal, Vila do Conde é um dos pontos-chave do Caminho Português da Costa que leva a "pelingrina" italiana a Santiago... (Virgílio Teixeira)

Vd. postes anteriores:

31 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27074: Felizmente ainda há verão em 2025 (4): alzheimareados com a canícula...

30 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27072: Felizmente ainda há verão em 2025 (3): recordando o meu esforçado, voluntarioso, amável , efémero e... clandestino professor de pilotagem do DO-27, o "Pombinho", que veio expressamente do Brasil para assistir ao lançamento do nosso livro "Nós, as enfermeiras paraquedistas", em 26/11/2014, no Estado Maior da Força Aérea, em Alfragide (Maria Arminda Santos, Setúbal)

29 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27067: Felizmente ainda há verão em 2025 (2): E na próxima segunda-feira, dia 4 de agosto, às 19h30, os mordomos da Festa do Emigrante na Ventosa do Mar, Lourinhã, vão armar a "manjedouro do povo" para a monumental batatada de peixe seco!... Sigamos a "arraia", que o cherne está pela hora da morte!

Guiné 61/74 - P27080: Os nossos seres, saberes e lazeres (694): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (215): Casal de S. Bernardo, Alcainça, gratas lembranças do Filipe de Sousa – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Junho 2025:

Queridos amigos,
Havia que completar o quadro da visita à casa que o maestro e compositor Filipe de Sousa sonhou pôr de pé durante tantos anos, para ela transferiu belíssimas obras de arte, uma opulenta biblioteca, a decoração continua a ser assombrosa, tudo se conjuga bem desde o património dos séculos XVIII e XIX até à arte contemporânea, é um diálogo perfeito neste ponto de Alcainça onde eu não vinha há mais de vinte anos, sempre com uma ranchada de amigos do Filipe, aqui se repetia o espírito da tertúlia que ele instituíra em pleno Chiado, na tal Mandíbula d'Aço, de saudosa memória. Na viagem de regresso dei comigo a pensar quais as funcionalidades que se podem dar às casas-museu, para elas se manterem vivas, mas bem conservadas, sem serem alvo de danos e depredações, mas concomitantemente receberem em residência artistas e cientistas de diversa ordem. Uma casa-museu pode ser um bom bico de obra, em segurança e conservação, e até com poucos visitantes. É um daqueles problemas, perdoe-se-me a presunção, para a qual não tenho resposta satisfatória.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (215):
Casal de S. Bernardo, Alcainça, gratas lembranças do Filipe de Sousa – 2


Mário Beja Santos

Na suposição de que o leitor não andou aqui pelo blogue no passado sábado, uma curta explicação. Foi graças a um grande amigo, Carlos Miguel de Araújo, que recebi um dia um convite do maestro e compositor Filipe de Sousa para ir almoçar à Mandibula d’Aço, a única tertúlia que naqueles anos 1990 funcionava no Chiado. Filipe de Sousa herdara de um tio uma empresa altamente prestigiada, a Casa Souza, na Rua Garrett, em frente ao estabelecimento, num 4.º andar, funcionavam os escritórios, o refeitório dos trabalhadores e criara-se um espaço de sala de jantar onde o proprietário acolhia amigos, era esta a Mandibula d’Aço. Assim se foi constituindo a nossa amizade, guardo recordações inesquecíveis de alguns desses almoços com escritores, compositores, intérpretes do bel canto, entre outros. Um dia em 1994, fomos em romagem até Alcainça, seguia-se pela velha estrada em direção a Mafra, havia um desvio e dava-se com duas entradas, uma era a casa do gravador David Almeida, a outra o Casal de S. Bernardo, a casa do Filipe, que ele mandara construir de raiz, assombrou-me a decoração. O Filipe de Sousa faleceu em 2006, não voltei a Alcainça. O meu professor de ginástica de manutenção vive em S. Pedro da Cadeira, concelho de Mafra, todos os anos organiza um almoço para três turmas, um grupo dos seus alunos, onde me incluo, prepara uma pequena viagem cultural, antes de atacarmos o bacalhau, o pato e a doçaria. Este ano ninguém sugeria um itinerário, lembrei-me de contactar a Fundação Jorge Álvares, a quem o Filipe de Sousa ofereceu o seu património, deu-se a visita e foi muito tocante para mim encontrar a governanta da casa, D. Maria do Rosário, que conheci nesses anos 1990 e 2000 a trabalhar na Mandibula d’Aço.
O que aqui se mostra são imagens complementares às que se publicaram no passado sábado, a Fundação mantém o espírito da casa, no início da visita entreguei à D. Maria do Rosário a fotografia em que estou com Carlos Miguel de Araújo e Filipe de Sousa. Vamos então continuar a visita.

Filipe de Sousa, Carlos Miguel de Araújo e eu, havia sempre novidades no património do Filipe e ele gostava de partilhar impressões com os seus amigos. Era um homem profundamente generoso, recordo que depois de um almoço na Mandibula d’Aço, ele fez questão de me deixar na Praça do Saldanha, onde eu trabalhava, antes de irmos engravatara-se, fiz-lhe um comentário de elogio à gravata, "pois se gosta muito, é sua”.
Aqui me demorei para desfrutar desta singeleza, a harmonia das formas de um requintado armário sobrepujado por arte oriental e um fundo de arte contemporânea.
Lembranças dos clássicos na sala de jantar, recordei instantaneamente aquela terrina Vista Alegre, fiquei com a sensação que estivera aqui na véspera.
Fez-se agora uma pausa, a Maria do Rosário abriu as portas viradas para o jardim, veio mostrar-nos os seus trabalhos de jardinagem e como se aplica a fundo a tratar o melhor possível os hectares da propriedade. Já não me recordo do nome que tinha esta escultura, parece ser a de um santo, a envolvente vegetal do Casal de S. Bernardo é muito repousante.
Outra excecional gravura de David Almeida. O David Almeida foi testamenteiro do Filipe, era uma admiração recíproca, não surpreende ver imensas obras deste gravador que para mim foi o mais importante da segunda metade do século XX, depois de Bartolomeu Cid dos Santos.
Uma tapeçaria de Cruzeiro Seixas. Sempre que visitei Alcainça passava uns bons minutos em êxtase diante desta beleza.
Trata-se de uma serigrafia de um dos mais geniais artistas de todo o século XX, Francis Bacon, o que me empolga é como este prodigioso artista de origem irlandesa torce e retorce as formas permitindo-nos, contudo, percecionar o conteúdo reformulado. Estive vaivém para deitar fora esta imagem, apareço descaradamente a tirar a fotografia, mas não tenho outra do Francis Bacon em casa do Filipe de Sousa, e a obra é de tirar o chapéu.
O piano do maestro e compositor, e sempre estantes de livros
Beneficiei da generosidade do Filipe quando se passou do vinil para o CD, uma vez combinámos ir à Gulbenkian ir ouvir um intérprete de génio ao piano, então o jovem Evgeny Kissin, no final do concerto o Filipe disse-me que ia pôr em casa pois havia ali um saco muito pesado para mim. À porta de casa entregou-me um saco com uns bons quilos de boa música clássica, mas eu também me estava a despedir do vinil… A coleção do Filipe em CDs era de nos deixar de boca aberta, desde o barroco ao dodecafonismo serial não faltava nada, o que se vê é uma pálida amostra.
Fiquei petrificado, não me lembrava absolutamente nada desta tapeçaria do Carlos Botelho, nada destas formas tinha a ver com aquela cidade poliédrica que foi construído ao longo de décadas, em que o Terreiro do Paço anda de paredes meias com a Igreja de S. Miguel de Alfama, e aqui parece que o grande pintor pretendeu mostrar-nos que sabia ir muito mais longe do que aquela arte figurativa com que marcou presença na sua contemporaneidade.
Mais um recanto com bela decoração e uma associação primorosa entre a pintura, a escultura e ornamento.
Os jardins mantêm-se primorosamente tratados, é D. Maria do Rosário quem responde pela jardinagem.
É a despedida, já estamos todos a caminho do carro, voltei atrás, imaginei que estas esculturas me estavam a dizer adeus, agradecendo a visita, toda esta construção idealizada pelo Filipe de Sousa, um sonho que ele concretizou, aqui está mantido e tive o privilégio de aqui regressar cerca de vinte anos depois.
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Notas do editor:

Vd. post da 26 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27056: Os nossos seres, saberes e lazeres (691): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (214): Casal de S. Bernardo, Alcainça, gratas lembranças do Filipe de Sousa – 1 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 1 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27077: Os nossos seres, saberes e lazeres (693): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte XIII: Visita de um delegação militar portuguesa, chefiada pelo general da FAP., Conceição e Silva (1933-2021)