Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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quarta-feira, 20 de agosto de 2025
Guiné 61/74 - P27136: Felizmente ainda há verão em 2025 (19): Tradicional reunião de família na região duriense (Joaquim Costa, ex-Fur Mil API)
1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Costa, ex-Fur Mil Armas Pesadas de Inf da CCAV 8351/72 - "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74), com data de 19 de Agosto de 2025:
Bom dia Luís,
Aqui vai a minha prova de vida … e de férias.
Cumprindo religiosamente uma tradição que todos os anos se renova, toda a família se reúne no mês de agosto no maravilhoso Douro, recarregando as baterias para mais um ano de trabalho (ou descanso, no meu caso).
O local escolhido este ano permitiu-me contemplar (com paragem obrigatória), a muito citada neste blogue QUINTA DE CANDOZ.
Estive quase tentado a entrar e quem sabe provar um bom verde branco com um naco de presunto e broa de milho. Fica para a próxima.
Boas férias e um grande abraço.
Joaquim Costa
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Nota do editor
Último post da série de 17 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27127: Felizmente ainda há verão em 2025 (18): Libanesas de olhos verdes, nunca tínhamos visto... (Valdemar Queiroz, 1945-2025)
Guiné 61/74 - P27135: Humor de caserna (210): Fugir com o cu (ou melhor, com o pé) à seringa (José Teixeira, "fermero", que "firma"na Tabanca de Matosinhos)
1. Mais uma história. bem humorada, do nosso "fermero" Zé Teixeira (que hoje "firma" na Tabanca de Matosinhos, mas que noutra incarnação foi 1º cabo aux enf, CCAÇ CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)...
Estamos em agosto de 2025... Um mês que há muito deixou de ser "o nosso querido mês de agosto": é cada vez mais trágico, com a banalização dos incêndios, da morte e da devastação do interior do nosso Portugal...
O Zé Teixeira, que apesar de tudo não se deixa abater com o desolador espetáculo que o mundo à volta nos oferece, mandou-nos, para animar o blogue, mais uma das suas histórias pícaras. Agora reeditadas (*).
Humor de caserna (21o) > O balanta que fugiu com o cu (o melhor, com o pé) à seringa
por José Teixeira
Em Mampatá Forreá (na região de Quínara, entre Buba e Aldeia Formosa), os dois únicos balantas que lá conheci (a população era Fula, Futa-fula e Mandinga) eram lenhadores, contratados pela tropa a troco de uma marmita de comida diária para cortarem lenha para a cozinha militar.
Um deles tinha tanta força como de ingenuidade. Um dia peguei numa faca e disse-lhe que o ia matar. Desatou a correr e eu atrás dele, a rir-me às gargalhadas, correndo os dois a tabanca toda.
Ninguém sabia o que se passava nem entendia porque quando eu parava, atrás de uma morança, ele parava e, se eu começasse a correr, ele fugia por entre as moranças, a rir-se, mas sempre longe de mim.
(*) Último poste da série : 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27086: Humor de caserna (209): um "fermero" que em Empada ganhou fama de curandeiro, milagreiro e... abortadeiro (Zé Teixeira, Matosinhos)
Um deles tinha tanta força como de ingenuidade. Um dia peguei numa faca e disse-lhe que o ia matar. Desatou a correr e eu atrás dele, a rir-me às gargalhadas, correndo os dois a tabanca toda.
Ninguém sabia o que se passava nem entendia porque quando eu parava, atrás de uma morança, ele parava e, se eu começasse a correr, ele fugia por entre as moranças, a rir-se, mas sempre longe de mim.
Enfim, um bom espectáculo para um fim de tarde de alguém que, como eu, apenas precisava de queimar o tempo (e ainda faltava tanto!)...
Só parámos, quando deitei a faca ao chão. Depois demos um abraço e fizemos as pazes.
Só parámos, quando deitei a faca ao chão. Depois demos um abraço e fizemos as pazes.
Certo dia acertou com o machado num pé. cortando profundamente um dedo. Por pouco não traçava o osso por inteiro.
Dirigiu-se à enfermaria, ao ar livre, isto é, ao cantinho onde todos os dias eu montava o meu engenho de enfermaria.
O meu dilema era completar a obra do machado e sacar o dedo ou tentar suturá-lo, na esperança de o osso solidificar. Ou, então, aguardar dois dias pela avioneta do correio e mandar o "embrulho" para Bissau.
Optei pela sutura, lavei muito bem o pé (que talvez nunca tivesse sido lavado na vida...) , e preparei a seringa para a anestesia local. Ele baixa a amostra de calções mais negros que a sua pele, convencido que ia tomar uma injecção. Quando se apercebe que ia ser picado no pé, começa a gesticular que não.
Dirigiu-se à enfermaria, ao ar livre, isto é, ao cantinho onde todos os dias eu montava o meu engenho de enfermaria.
O meu dilema era completar a obra do machado e sacar o dedo ou tentar suturá-lo, na esperança de o osso solidificar. Ou, então, aguardar dois dias pela avioneta do correio e mandar o "embrulho" para Bissau.
Optei pela sutura, lavei muito bem o pé (que talvez nunca tivesse sido lavado na vida...) , e preparei a seringa para a anestesia local. Ele baixa a amostra de calções mais negros que a sua pele, convencido que ia tomar uma injecção. Quando se apercebe que ia ser picado no pé, começa a gesticular que não.
No pé, é que não!!!...
Claro que eu não sabia balanta, e ele não sabia crioulo, nem português. Assim não nos entendíamos, mas ele encontrou a solução: desata a correr pela aldeia fora com o dedo dependurado e a sangrar.
Pica no pé, nunca, só no traseiro!!!...
Passado algum tempo lá voltou. Com a ajuda do companheiro, conseguimos entendermo-nos melhor. Fiz de novo a higienização da ferida, suturei como pude e, passados uns dias, com a ajuda de umas picas de penicilina lá se curou e voltou ao trabalho de lenhador para ter direito a comer (os nossos restos).
Passado algum tempo lá voltou. Com a ajuda do companheiro, conseguimos entendermo-nos melhor. Fiz de novo a higienização da ferida, suturei como pude e, passados uns dias, com a ajuda de umas picas de penicilina lá se curou e voltou ao trabalho de lenhador para ter direito a comer (os nossos restos).
José Teixeira
(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor:
Guiné 61/74 - P27134: Historiografia da presença portuguesa em África (494): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1938 (49) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2025:
Queridos amigos,
Peço a todos que leiam o texto anexo do princípio ao fim. Carvalho Viegas tem sido dado como um governador que impulsionou a vida da colónia, introduziu rigor e moralidade na administração. Quanto a rigor e moralidade na sua vida, quero só recordar o que dele escreveu o chefe da delegação do BNU em Bissau e com o envio para a administração em Lisboa, onde pontificavam homens poderosos do regime, caso de Vieira Machado, denunciava o governador levar ao hospital de Bolama uma senhora para abortar, houvera para ali uma discussão canalha, com recusa médica. Pretendi, depois de ler de fio a pavio este ano de 1938, focar-me nas medidas disciplinares. Landerset Simões, chefe de posto nos Bijagós, recebera, por parte do Conselho Disciplinar, a pena de demissão, mandara aplicar castigos corporais a homens entre os 60 e 80 anos, que se tinham recusado a trabalho compulsivo. Custou-me a acreditar o que Carvalho Viegas escreveu depois do recurso de Landerset Simões ao ministro das Colónias. Tenho para mim que o seu despacho é um texto abominável.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1938 (49)
Mário Beja Santos
Não se pode negar ao governador Carvalho Viegas o esforço organizativo, projetos de desenvolvimento e procura de rigor no funcionamento da administração. Continua a azáfama na transferência para Bissau dos serviços até agora em Bolama, vai entrar em funcionamento a censura, organiza-se o aeródromo marítimo de Bolama. Iremos fixar-nos no rigor administrativo. Logo em 7 de fevereiro temos o caso de Landerset Simões, o autor da Babel Negra, obra marcante para o conhecimento etnográfico, simples, mas muito bem elaborado. O chefe de posto Armando de Landerset Simões tinha como comprovadas no seu processo várias acusações: recrutar trabalhadores indígenas usando meios violentos e compulsivos, para serviço de um particular; forçara e coagira esses mesmos indígenas a venderem a esse mesmo particular azeite de palma e coconote provenientes de trabalho compelido; fizeram aplicar, pelos sipaios, castigos corporais a indígenas, alguns entre 60 e 80 anos de idade, por se negarem a vender aqueles produtos ao aludido particular; invocara o nome do governador para impor o cumprimento dessa ordem. Ele era chefe de posto de Canhabaque. No texto da acusação dizia-se que não possuía a intuição e noção perfeitas de qual deve ser a ação colonizadora e de soberania. Era dado como demitido e enviada ao Ministério Público a respetiva participação acompanhada de cópias das peças do processo disciplinar. O documento vem da Repartição Central dos Serviços da Administração Civil, o Conselho Disciplinar homologou a decisão.
Voltamos a uma Portaria do Conselho Disciplinar publicada no Boletim Oficial n.º 9, de 28 de fevereiro. Desta vez é o Administrador da Circunscrição Civil de Fulacunda, Ernesto Lima Wahnon, e o encarregado da mesma circunscrição, Eduardo Lencastre de Laboreiro Fiúza. O primeiro não dera entrada nos cofres de uma quantia superior a 6 mil escudos proveniente da percentagem adicional sobre direitos de importação; que recebera a importância de perto de 43 contos tendo entrado nos cofres apenas cerca de 35, entre outras faltas. O arguido revelara grande falta de zelo profissional, denunciara um completo desconhecimento das disposições legais reguladoras dos serviços a seu cargo, tinha como atenuantes 27 anos de serviço, recebeu uma pena com perda vencimentos e Laboreiro Fiúza foi demitido.
No Boletim Oficial n.º 14, de 4 de abril, temos o anúncio dos estatutos do Sporting Club de Bafatá, à semelhança de outras já aqui referidas, os seus fins eram de promover e praticar todos os jogos desportivos e recreativos adaptáveis ao meio e promover passeios e festas para distração dos sócios.
No Boletim Oficial n.º 23, de 6 de junho, volta a funcionar a palmatória da justiça, matéria tratada no Conselho Superior de Disciplina das Colónias. Fizera-se sindicância aos atos do Secretário da Câmara Municipal de Bolama, Joaquim Afonso Gonçalves Ferreiro, e ao amanuense Vitorino da Silva Ferreira, aplicara-se uma pena, o Secretário recorreu, o processo de recurso subiu ao Ministério. A arguição para este castigo vinha resumida num relatório da comissão municipal, o Secretário apoderara-se abusiva e ilegalmente de cerca de 16 contos e meio. O Secretário no recurso afirmou que quando exercia as funções de tesoureiro dera pela existência de uma falha, procurou averiguar as suas causas, etc., etc., etc. Houvera reposições feitas pelo recorrente e a sua promessa de pagar o mais que faltou no cofre municipal; o recorrente reconhece que andou mal. A decisão do Conselho Superior foi a de não dar provimento ao recurso. Manteve-se a pena.
E voltamos, de novo, ao processo de Landerset Simões, como consta do Boletim Oficial n.º 48, de 28 de novembro. Trata-se de um despacho oriundo do gabinete do governador. De novo se referem as violências exercidas sobre os indígenas, extorsões em benefício de um particular; que relevara pouca humanidade mandando aplicar castigos corporais. Landerset Simões recorrera ao Ministro das Colónias. Carvalho Viegas começa por aflorar a legislação que se prende com a mão-de-obra indígena nas colónias, “um repositório de preceitos de lei inspirados por um sentimento de humanidade que marca sem sofismas um período de transição do trabalho indígena escravizado para a livre estipulação para prestação de serviços. Este último objetivo altruísta do legislador não conseguiu na prática a sua eficiente consagração, porquanto numa colónia como a Guiné, em que há uma infinita variedade de raças, não é tarefa fácil criar-lhes necessidades determinadas pelo influxo da civilização, para desta feita procurarem pelo trabalho, espontaneamente oferecido, os meios necessários à sua subsistência e ao cumprimento dos deveres impostos sob o Estado soberano. Dos povos da Guiné, o mais indolente e avesso à independência que o homem conquista pelo trabalho, vivendo apenas do que a natureza oferece quando não é da mulher, sua eterna escrava, é o indígena da tribo Bijagó. Rebelde, refratário a tudo a que respira civilização, considera o trabalho um castigo e a ociosidade um prémio. Com uma raça deste jaez, que faz da mulher a única base produtora de tudo que ao consumo do homem se torna necessário, como se conseguiria fazer a exploração do arquipélago dos Bijagós, rico em matérias-primas, sem que a mão-de-obra seja fornecida por via de imposição da autoridade? Responda com consciência quem souber e conhecer a colónia da Guiné. Sendo, contundo, pouco regular a linha de conduta do recorrente quanto à maneira como procedeu com certos indígenas dos Bijagós, apesar de em parte poder considerar-se justificada, de uma maneira geral, a sua ação, porque ninguém ignora, como já foi dito, que os indígenas daquele arquipélago vivem indolentes e refratários ao trabalho, só pelo grande esforço das autoridades podem ser levados a produzir alguma coisa de útil; mas tendo algumas vezes o recorrente levianamente exagerado a sua ação, como chefe de posto, molestando indígenas de avançada idade e produzindo-lhe ferimentos de certa gravidade, como se verifica pelos autos; considerando que contra o recorrente há no processo factos que representam indesculpável advertência…” e em vez de demissão foi-lhe aliviada a pena.
Tenho para mim que este despacho do Governador Carvalho Viegas é um dos mais demolidores textos quanto à natureza pérfida da justiça colonial e à manipulação dos argumentos.
Pioneira nos princípios do matriarcado, Okinka Pampa, ou Okinca Pampa, rainha do povo Bijagó, arquipélago da Guiné-Bissau, entre 1910 e 1930, deixou um legado na defesa dos direitos humanos. A rainha foi encarregue de manter as tradições da ilha, portanto, resistiu às campanhas coloniais de ocupação do território por Portugal até conseguir assinar um tratado de paz, o que pôs fim ao regime de escravidão. Imagem de espetáculo de recriação da história da rainha.
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Nota do editor
Último post da série de 13 de agosto de 2025 >Guiné 61/74 - P27117: Historiografia da presença portuguesa em África (493): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1937 (48) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Peço a todos que leiam o texto anexo do princípio ao fim. Carvalho Viegas tem sido dado como um governador que impulsionou a vida da colónia, introduziu rigor e moralidade na administração. Quanto a rigor e moralidade na sua vida, quero só recordar o que dele escreveu o chefe da delegação do BNU em Bissau e com o envio para a administração em Lisboa, onde pontificavam homens poderosos do regime, caso de Vieira Machado, denunciava o governador levar ao hospital de Bolama uma senhora para abortar, houvera para ali uma discussão canalha, com recusa médica. Pretendi, depois de ler de fio a pavio este ano de 1938, focar-me nas medidas disciplinares. Landerset Simões, chefe de posto nos Bijagós, recebera, por parte do Conselho Disciplinar, a pena de demissão, mandara aplicar castigos corporais a homens entre os 60 e 80 anos, que se tinham recusado a trabalho compulsivo. Custou-me a acreditar o que Carvalho Viegas escreveu depois do recurso de Landerset Simões ao ministro das Colónias. Tenho para mim que o seu despacho é um texto abominável.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1938 (49)
Mário Beja Santos
Não se pode negar ao governador Carvalho Viegas o esforço organizativo, projetos de desenvolvimento e procura de rigor no funcionamento da administração. Continua a azáfama na transferência para Bissau dos serviços até agora em Bolama, vai entrar em funcionamento a censura, organiza-se o aeródromo marítimo de Bolama. Iremos fixar-nos no rigor administrativo. Logo em 7 de fevereiro temos o caso de Landerset Simões, o autor da Babel Negra, obra marcante para o conhecimento etnográfico, simples, mas muito bem elaborado. O chefe de posto Armando de Landerset Simões tinha como comprovadas no seu processo várias acusações: recrutar trabalhadores indígenas usando meios violentos e compulsivos, para serviço de um particular; forçara e coagira esses mesmos indígenas a venderem a esse mesmo particular azeite de palma e coconote provenientes de trabalho compelido; fizeram aplicar, pelos sipaios, castigos corporais a indígenas, alguns entre 60 e 80 anos de idade, por se negarem a vender aqueles produtos ao aludido particular; invocara o nome do governador para impor o cumprimento dessa ordem. Ele era chefe de posto de Canhabaque. No texto da acusação dizia-se que não possuía a intuição e noção perfeitas de qual deve ser a ação colonizadora e de soberania. Era dado como demitido e enviada ao Ministério Público a respetiva participação acompanhada de cópias das peças do processo disciplinar. O documento vem da Repartição Central dos Serviços da Administração Civil, o Conselho Disciplinar homologou a decisão.
Voltamos a uma Portaria do Conselho Disciplinar publicada no Boletim Oficial n.º 9, de 28 de fevereiro. Desta vez é o Administrador da Circunscrição Civil de Fulacunda, Ernesto Lima Wahnon, e o encarregado da mesma circunscrição, Eduardo Lencastre de Laboreiro Fiúza. O primeiro não dera entrada nos cofres de uma quantia superior a 6 mil escudos proveniente da percentagem adicional sobre direitos de importação; que recebera a importância de perto de 43 contos tendo entrado nos cofres apenas cerca de 35, entre outras faltas. O arguido revelara grande falta de zelo profissional, denunciara um completo desconhecimento das disposições legais reguladoras dos serviços a seu cargo, tinha como atenuantes 27 anos de serviço, recebeu uma pena com perda vencimentos e Laboreiro Fiúza foi demitido.
No Boletim Oficial n.º 14, de 4 de abril, temos o anúncio dos estatutos do Sporting Club de Bafatá, à semelhança de outras já aqui referidas, os seus fins eram de promover e praticar todos os jogos desportivos e recreativos adaptáveis ao meio e promover passeios e festas para distração dos sócios.
No Boletim Oficial n.º 23, de 6 de junho, volta a funcionar a palmatória da justiça, matéria tratada no Conselho Superior de Disciplina das Colónias. Fizera-se sindicância aos atos do Secretário da Câmara Municipal de Bolama, Joaquim Afonso Gonçalves Ferreiro, e ao amanuense Vitorino da Silva Ferreira, aplicara-se uma pena, o Secretário recorreu, o processo de recurso subiu ao Ministério. A arguição para este castigo vinha resumida num relatório da comissão municipal, o Secretário apoderara-se abusiva e ilegalmente de cerca de 16 contos e meio. O Secretário no recurso afirmou que quando exercia as funções de tesoureiro dera pela existência de uma falha, procurou averiguar as suas causas, etc., etc., etc. Houvera reposições feitas pelo recorrente e a sua promessa de pagar o mais que faltou no cofre municipal; o recorrente reconhece que andou mal. A decisão do Conselho Superior foi a de não dar provimento ao recurso. Manteve-se a pena.
E voltamos, de novo, ao processo de Landerset Simões, como consta do Boletim Oficial n.º 48, de 28 de novembro. Trata-se de um despacho oriundo do gabinete do governador. De novo se referem as violências exercidas sobre os indígenas, extorsões em benefício de um particular; que relevara pouca humanidade mandando aplicar castigos corporais. Landerset Simões recorrera ao Ministro das Colónias. Carvalho Viegas começa por aflorar a legislação que se prende com a mão-de-obra indígena nas colónias, “um repositório de preceitos de lei inspirados por um sentimento de humanidade que marca sem sofismas um período de transição do trabalho indígena escravizado para a livre estipulação para prestação de serviços. Este último objetivo altruísta do legislador não conseguiu na prática a sua eficiente consagração, porquanto numa colónia como a Guiné, em que há uma infinita variedade de raças, não é tarefa fácil criar-lhes necessidades determinadas pelo influxo da civilização, para desta feita procurarem pelo trabalho, espontaneamente oferecido, os meios necessários à sua subsistência e ao cumprimento dos deveres impostos sob o Estado soberano. Dos povos da Guiné, o mais indolente e avesso à independência que o homem conquista pelo trabalho, vivendo apenas do que a natureza oferece quando não é da mulher, sua eterna escrava, é o indígena da tribo Bijagó. Rebelde, refratário a tudo a que respira civilização, considera o trabalho um castigo e a ociosidade um prémio. Com uma raça deste jaez, que faz da mulher a única base produtora de tudo que ao consumo do homem se torna necessário, como se conseguiria fazer a exploração do arquipélago dos Bijagós, rico em matérias-primas, sem que a mão-de-obra seja fornecida por via de imposição da autoridade? Responda com consciência quem souber e conhecer a colónia da Guiné. Sendo, contundo, pouco regular a linha de conduta do recorrente quanto à maneira como procedeu com certos indígenas dos Bijagós, apesar de em parte poder considerar-se justificada, de uma maneira geral, a sua ação, porque ninguém ignora, como já foi dito, que os indígenas daquele arquipélago vivem indolentes e refratários ao trabalho, só pelo grande esforço das autoridades podem ser levados a produzir alguma coisa de útil; mas tendo algumas vezes o recorrente levianamente exagerado a sua ação, como chefe de posto, molestando indígenas de avançada idade e produzindo-lhe ferimentos de certa gravidade, como se verifica pelos autos; considerando que contra o recorrente há no processo factos que representam indesculpável advertência…” e em vez de demissão foi-lhe aliviada a pena.
Tenho para mim que este despacho do Governador Carvalho Viegas é um dos mais demolidores textos quanto à natureza pérfida da justiça colonial e à manipulação dos argumentos.
Um dos documentos mais espantosos que li sobre a paranoia anticomunista do Estado Novo
Não há em toda a Guiné monumento tão espantoso como este, um maciço de pedra que nenhuma dinamite abalou. Talvez o mais impressionante monumento Arte Deco em toda a África Ocidental, é uma homenagem aos aviadores italianos falecidos num desastre aéreo à saída de Bolama, a tragédia ocorreu no início de 1931Pioneira nos princípios do matriarcado, Okinka Pampa, ou Okinca Pampa, rainha do povo Bijagó, arquipélago da Guiné-Bissau, entre 1910 e 1930, deixou um legado na defesa dos direitos humanos. A rainha foi encarregue de manter as tradições da ilha, portanto, resistiu às campanhas coloniais de ocupação do território por Portugal até conseguir assinar um tratado de paz, o que pôs fim ao regime de escravidão. Imagem de espetáculo de recriação da história da rainha.
Bilhete-postal de 1930
Livro de bilhetes-postais publicados em 1946, nas comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné
(continua)_____________
Nota do editor
Último post da série de 13 de agosto de 2025 >Guiné 61/74 - P27117: Historiografia da presença portuguesa em África (493): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1937 (48) (Mário Beja Santos)
terça-feira, 19 de agosto de 2025
Guiné 61/74 - P27133: Efemérides (465): 21 de Julho, Dia da Arma de Cavalaria, comemorado em 1970, em Nova Sintra, com rabanadas (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

O 21 de JULHO – DIA DA ARMA DE CAVALARIA e as RABANADAS, têm algo em comum?
Aparentemente não, mas será conveniente ler o texto que se segue.
Prestei serviço militar na Guiné de 01 de Março de 1969 a 22 de Dezembro de 1970, integrado numa Companhia de Cavalaria, a 2483, denominada por Cavaleiros de Nova Sintra, que pertencia ao BCAV 2867, sediado em Tite.
O dia 21 de Julho de 1970 foi passado no mato, em Nova Sintra, dia esse que esteve efetivamente ligado às rabanadas. Isto porque no reabastecimento mensal de géneros frescos, os tais que só davam para três dias, sobraram algumas dúzias de ovos, poucas, que não davam sequer para meio ovo por militar numa refeição. Para que os ovos fossem repartidos igualmente por todos (uma companhia tem mais ou menos 160 homens), resolvi mandar fazer rabanadas e desta forma comemorar a data festiva do Dia da Cavalaria, tanto mais que eu fazia nesse dia 24 anos.
O padeiro, o José Manuel Bicho teve um trabalho extra ao fazer o pão, tipo cacete e os homens da cozinha o Gonçalves e o Gonzaga, auxiliados pelos seus ajudantes deram início à “Operação Rabanada”. As fatias de pão estiveram de molho em vinho tinto, como convém e depois for embebidas em ovo batido. Na cozinha ao ar livre, iniciou-se a fritura das ditas.
Deviam ser umas três da tarde e o pessoal juntou-se à volta das fritadeiras e não arredou pé, lambendo os lábios com o cheiro da iguaria.
Mas de repente tudo mudou. Os rapazes do PAIGC vieram participar na festa, dando inicío a uma flagelação ao quartel, a uma hora não muito habitual, porque era no final do dia que costumavam visitar-nos. Ouvidos os primeiros tiros da célebre arma automática, por todos conhecida por “costureirinha”, pois tinha um matraquear parecido com uma máquina de costura, bem como o som caractrístico da saída das granades de morteito e do canhão sem recuo, disparadas longe do arame farpado, os esfomeados bateram em retirada procurando refúgio nos abrigos e nas valas onde, por vezes, resultava equimoses na cabeça e uns arranhões nos braços.
Na ânsia da fuga, o pessoal bateu com as pernas nas compridas pegas das fritadeiras, tombando-as, originando que o petisco caísse no pó do chão de terra da cozinha. Durante a flagelação ouviam-se as granadas das armas pesadas do PAIGC a silvar o céu, cruzando o aquartelamento, indo cair e rebentar com estrondo lá para os lados da bolanha. Contrariamente a outras flagelações desta vez não acertaram no alvo. Foi um susto que durou perto de dez minutos, não tendo havido feridos ou danos materiais.
Passda a tempestade veio a bonança com a malta a regressar ao local do crime (junto das fritadeiras). Só que rabanadas limpas e comestívéis havia poucas, porque a grande maioria ficou polvilhada de pó de terra, parecendo canela e até esmagadas devido à debandada. Mas ainda assim os mais gulosos e corajosos pegaram as rabanadas do chão e com todo o cuidado tiraram a terra envolvente e com meio dúzia de sopradelas, passaram a ter um petisco delicioso, sempre acompanhado por uma ou mais garrafas de cerveja de 0,66.
Terminada a festa foi tempo de tomar banho e aguardar as cinco da tarde para o jantar. Findo este, o pessoal ficou na conversa, próximos dos abrigos, prontos para o que desse e viesse, por vezes sob o magnífico luar africano, contando anedotas e discutindo os jogos de futebol, ou escrevendo à família, aos amigos, à namorada ou madrinha de guerra. Também, por vezes, ansiosos aguardavam o regresso dos camaradas que haviam saído para um patrulhamento.
Como curiosidade refiro que o Dia da Cavalaria, a nível de Batalhão foi celebrado em Jabadá, onde se encontravam os camaradas da CCAV 2484, os Dragões de Jabadá.
Aníbal Silva
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Nota do editor
Último post da série de 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27087: Efemérides (464): 4 de agosto de 1969, o "adeus às armas", ou o dia em que o T/T Uíge apitou.... seis vezes, antes de zarpar (Virgílio Teixeia, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAQÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)
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Guiné 61/74 - P27132: (De) Caras (238): Rosa Serra, no "postal do dia" de Luís Osório (Comentários de Luís Graça e Jaime Silva)
Rosa Serra, ex-ten grad enf paraquedista, (Guiné, Angola e Moçambique, 1969/73). Fotos do seu álbum / Fonte: Página do Facebook "Quem Vai à Guerra" (com a devida vénia...)
1. Achámos uma delícia este "postal do dia" do Luís Osório, conhecido escritor, jornalista e radialista,sobre a nossa querida Rosa Serra (tem cerca de 7 dezenas de referências no nosso blogue; é membro da Tabanca Grande desde 25/5/2010.
Só Entre Nós > A paraquedista secreta da Força Aérea Portuguesa
(Nota de LG: No espaço de uma semana teve mais de 500 comentários e cerca de mil partilhas, o que é absolutamente notável...
Sobre o autor: (i) Luís Osório (nascido em 1971) tem onze livros publicados, o mais recente dos quais A Última Lição de Manuel Sobrinho Simões (Contraponto, 2024):
(ii) é cronista diário na Antena 1, onde assina o Postal do Dia:
(iii) escreve todos os dias nas redes sociais, onde tem muitos milhares de seguidores;
(iv) foi diretor de jornais e de uma estação de rádio;
(v) ganhou prémios como criativo e autor de programas de televisão;
(vi) é consultor político e empresarial;
(vii) a partir do livro Ficheiros Secretos – Histórias Nunca Contadas da Política e da Sociedade Portuguesas, que transpôs para palco com um monólogo de grande sucesso, percorreu o país e esgotou salas emblemáticas, como o Teatro Tivoli, em Lisboa, e a Casa da Música, no Porto. (Fonte: Wook).
Muitos foram os homens que se apaixonaram por Rosa Serra. Era tempo de guerra, não havia espaço para avanços amorosos, mas os militares quando a viam “aterrar” com o seu paraquedas na selva da Guiné, Angola ou Moçambique, ficavam de boca à banda.
Rosa foi uma das mais respeitáveis enfermeiras da Força Aérea Portuguesa. Em meados da década de 1960, pouco tempo antes de se finar, Salazar dera, após insistência de alguns generais, autorização para que as mulheres pudessem vestir farda. Crescia o número de feridos por evacuar, todos os esforços eram poucos.
Rosa desejava conhecer Lisboa. Nascera em Famalicão e foi essa vontade, mais do que outra coisa, que a levou a inscrever-se no curso de paraquedistas em Tancos.
Antes de ir para a Guiné tratou de cegos e estropiados em Angra do Heroísmo, lugar de recuo.
Raramente vacilava e não tremia em terra, no ar, a amputar pernas e braços ou a desembaraçar-se de tiros cruzados.
Evacuou soldados nos lugares mais difíceis e, quando passava, não havia quem conseguisse deixar de olhar. Recebeu dois louvores que nunca foram anunciados – as mulheres não podiam ter relevância em trabalhos de homem. Por isso, foi esquecida.
Ela e várias outras paraquedistas. Durante o Estado Novo poucos sabiam da sua existência. Na democracia a ninguém interessava que se soubesse. Só vários anos depois a sua história foi contada, só há poucos dias a Câmara de Famalicão, e muito bem, lhe ofereceu a mais alta distinção da cidade. Valeu a pena, Rosa.
LO
Rosa foi uma das mais respeitáveis enfermeiras da Força Aérea Portuguesa. Em meados da década de 1960, pouco tempo antes de se finar, Salazar dera, após insistência de alguns generais, autorização para que as mulheres pudessem vestir farda. Crescia o número de feridos por evacuar, todos os esforços eram poucos.
Rosa desejava conhecer Lisboa. Nascera em Famalicão e foi essa vontade, mais do que outra coisa, que a levou a inscrever-se no curso de paraquedistas em Tancos.
Antes de ir para a Guiné tratou de cegos e estropiados em Angra do Heroísmo, lugar de recuo.
Raramente vacilava e não tremia em terra, no ar, a amputar pernas e braços ou a desembaraçar-se de tiros cruzados.
Evacuou soldados nos lugares mais difíceis e, quando passava, não havia quem conseguisse deixar de olhar. Recebeu dois louvores que nunca foram anunciados – as mulheres não podiam ter relevância em trabalhos de homem. Por isso, foi esquecida.
Ela e várias outras paraquedistas. Durante o Estado Novo poucos sabiam da sua existência. Na democracia a ninguém interessava que se soubesse. Só vários anos depois a sua história foi contada, só há poucos dias a Câmara de Famalicão, e muito bem, lhe ofereceu a mais alta distinção da cidade. Valeu a pena, Rosa.
LO
Crónica publicada hoje no Jornal de Notícias | Todos os dias úteis no JN
(Reproduzido no blogue com a devida vénia | Revisão /fixação de texto, títiulo, LG)
Rosa Serra: foto do seu álbum
2. Comentário do nosso editor LG:
O postal do Luís Osório pode estar a romantizar um pouco a atuação das nossas enfermeiras paraquedistas... É verdade que, sendo as únicas mulheres nossas camaradas, e para mais brancas (não havia negras...) , causava sempre alguma "turvação" á sua chegada aos quartéis do mato... Sobretudo, quando faziam uma pausa no seu trabalho sanitário. Fui testemunha disso em Bambadinca.
É verdade, partiram corações (sobretudo da malta da FAP, a começar pelos nossos bravos paraquedistas, com quem algumas depois viriam a casar...). Mas as enfermeiras no mato, em Angola, Guiné e Moçambique, não "aterravam de paraquedas"... Faziam evacuações de helicóptero. Desde 1961, o ano em que "os anjos que vinham do céu" apareceram. Em Angola. Em meados de 1961.
A Rosa não tremia em terra, nem no ar, é verdade. Mas não era seguramente a amputar pernas e braços. Na Guiné, levava os feridos graves, no helicóptero Alouette III, direitinho ao HM 241. Aí, sim, competia aos cirurgiões militares amputar pernas e braços que não se podiam "salvar". A missão da Rosa e das demais enfermeiras paraquedistas era salvar vidas, levar camaradas nossos ( mas também civis), muitas vezes politraumatizados, até ao "heliporto de salvação", que era o do hospital. Neste caso, o HM 241, em Bissau.
O Luís Osório, que felizmente não fez a guerra (nem tinha idade para isso), não pode saber tudo... Um abraço para ele e para as nossas antigas camaradas de armas (as únicas que tivemos).
3. Comentário de Jaime Bonifácio da Silva
Caro Luís Osório, para que a memória de quem serviu a “nossa Pátria” em tempos de “uma guerra sem sentido”, como disse o Presidente da República, general Ramalho , estou-lhe reconhecido e grato pelo facto de trazer à nossa memória o exemplo de um grupo de jovens mulheres, as enfermeiras paraquedistas, que serviram a nossa pátria em tempo de guerra, no teatro de operações.
Tive a felicidade (infelizmente em tempo de guerra) de conviver diariamente com a enfermeira alferes paraquedista Rosa Serra no Batalhão de Caçadores Paraquedistas (BCP 21) em Angola.
Dela , e de mais duas camaradas enfermeiras, guardo a memória de uma dedicação e entrega sem paralelo.
Em 6 de abril de 2016 a Câmara Municipal de Fafe, no âmbito da efeméride Fafe - Terra Justa, fez uma merecida homenagem às enfermeiras paraquedistas.
Por favor, consultem a bibliografia disponível sobre a sua história, nomeadamente o livro " Nós, as enfermeiras paraquedistas" (2a, ed, 2014), coordenado pela tenente graduada enfermeira paraquedista Rosa Serra, sobre a origem e percurso deste grupo de mulheres em tempo de guerra (e que, como elas dizem, "fomos gente que cuidámos de gente"!).
Obrigado, Luís Osório. Jaime Silva.
(Revisão / fixação de texto, link: LG)
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Nota do editor LG:
Último poste da série > 2 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27079: (De)Caras (237): Ercília Ribeiro Pedro, ex-enfermeira paraquedista, do 2º curso (1962), reconhecida pela Maria Arminda em foto de grupo, tirada no Brasil, em 2012, e pertença do álbum do cor art ref Morais da Silva
Guiné 61/74 - P27131: Parabéns a você (2407): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)
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Nota do editor
Último post da série de 18 de Agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27129: Parabéns a você (2406): Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso Editor Luís Graça
Nota do editor
Último post da série de 18 de Agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27129: Parabéns a você (2406): Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso Editor Luís Graça
segunda-feira, 18 de agosto de 2025
Guiné 61/74 - P27130: Notas de leitura (1830): "África Contemporânea", por Castro Carvalho, editado em S. Paulo - Brasil, 1962 (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Suscitou-me a curiosidade este livro brasileiro intitulado "África Contemporânea", editado em S. Paulo em 1962, por um investigador amador, que não esconde o seu deslumbramento pelo despertar de África para a autodeterminação, resolve fazer uma obra que enumera os Estados africanos enquanto Repúblicas, Enclaves, Protetorados, Monarquias (Líbia e Etiópia), Federações, um sultanato (Zanzibar) e três províncias ultramarinas portuguesas (Guiné, Angola e Moçambique, não há qualquer referência a Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe). É uma obra puramente de divulgação, o autor terá ingenuamente tirado nalguma documentação de propaganda que se permitiu falar em mais de 3000 km de estradas que substituíam vantajosamente os caminhos de mato, numa exuberância de fauna e flora onde não faltavam chimpanzés e ruínas de Cacheu e o Forte de S. José de Bissau a atestar os tempos heróicos das Descobertas. Castro Carvalho não previra que no segundo semestre da publicação do seu livro de divulgação iria começar a sublevação do Sul da Guiné, a tal autodeterminação que tanto o entusiasmava, dava os seus primeiros passos.
Um abraço do
Mário
A Guiné Portuguesa num livro brasileiro de 1962
Mário Beja Santos
Numa loja solidária, numa aldeia perto de Óbidos, encontrei uma obra em estado lastimável, mas que me acicatou a curiosidade por ter sido editada no Brasil em 1962 e falar da Guiné Portuguesa. O seu autor, Castro Carvalho, foi médico e farmacêutico, ex-deputado estadual e capitão médico do Exército Brasileiro, apresenta bibliografia como a sua tese de doutoramento sobre moléstias infeciosas, escreveu mesmo em francês um romance realista de sexologia. Explica o que o atraiu a escrever esta obra sobre uma África em que a ignorância sobre ela é quase total. “O Brasil acompanha com simpatia a evolução rápida que os países recém-criados possuem no conceito geral das nações”, lembra a independência do Gana e como em menos de dez anos 22 novas nações alcançaram a sua autodeterminação. Escreveu este livro para se avaliar o grande desenvolvimento no rumo certo da real independência socioeconómica e política destes nossos Estados. E daí esta síntese que envolve geografia, história, mosaico étnico, distinções culturais, pan-africanismo. Lembra-se ao leitor que em 1960 o Brasil despertara para uma nova realidade política. Um quase obscuro Jânio Quadros ganhara as eleições presidenciais com farta maioria e João Goulart, também com farta maioria, fora eleito vice-presidente dos Estados Unidos do Brasil.
O Brasil virara à esquerda, houvera mesmo a condecoração de Che Guevara, deu escândalo. O país recebia oposicionistas de diferentes cartilhas, por ali andou Humberto Delgado, ali vai regressar Henrique Galvão depois de sequestro do paquete Santa Maria.
O médico e farmacêutico Castro Carvalho procura dar um resumo histórico do continente, como está a organizar a nova África, não deixa de mencionar as expedições dos exploradores do século XIX e dirige-se para aquilo que ele denomina como o drama da libertação: um continente cheio de recursos, com mais de 90% da população analfabeta, uma libertação conquistada por vezes com sangue, enumera alguns dos líderes africanos com proeminência na altura, as tentativas de neocolonialismo, os esforços de alguns novos Estados para fazerem federações, tudo com maus resultados, as potencialidades turísticas, o quadro da presença islâmica no continente. Postos estes resumos, pretende dar-nos uma imagem de quem é quem em África: o Sudoeste Africano, Alto Volta, Angola, Argélia, Camarões, República Centro Africana, Chade, Congo Brazzaville, ex-Congo Belga, Costa do Marfim, Daomé, Egito, Etiópia, Enclaves Britânicos (Suazilândia e outros), Enclaves Espanhóis, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Portuguesa, Libéria, Líbua, Republica Malgaxe, Mali, Mauritânia, Moçambique, Níger, Nigéria, Quénia, Rodésia, Rolanda, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanganica, Togo, Tunísia, Uganda, África do Sul (então União Sul Africana) e Zanzibar. Não há qualquer menção a Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. Vejamos como ele nos apresenta a Guiné Portuguesa.
Menção da chegada de Nuno Tristão em 1446 à Costa da Guiné, início das expedições de penetração no interior, “A Guiné Portuguesa desempenhou desde o século XV ao século XIX um papel predominante do povoamento e na economia do Arquipélago de Cabo Verde, a que esteve estritamente ligada até 1869, data em que adquiriu autonomia administrativa. No começo do século XX, esse pequeno território português estava empobrecido, desorganizado e rebelde. Criou-se, então, um conselho em Bolama e comandos militares nas povoações de Buba, Geba, Cacheu e Bissau (não foi exatamente assim, mas adiante); a centralização dos serviços públicos principais, em Bolama, atraíra à vila o grosso da população portuguesa.”
E continua:
“A completa pacificação da Guiné foi realizada pelo Chefe do Estado-Maior, João Teixeira Pinto, sem o concurso do exército metropolitano, utilizando-se, apenas, dos recursos militares locais (também não foi assim, Abdul Indjai não era recurso local, era o chefe de mercenários, oriundo dos povos Jalofos). Foi só depois de 1886, época em que ficaram marcadas as fronteiras da Guiné Portuguesa, que esse território começou a progredir sendo isso hoje uma realidade incontestável.
Para atingir essa finalidade, muito esforço foi despendido, pois essa terra era olhada como inferno de vida e de morte. No decorrer dos anos, porém, pacificou-se o indígena, fizeram-se obras de saneamento e criou-se uma estrutura sanitária eficaz e completa (longe de ser verdade, mas faz de conta).
Nasceram aglomerados urbanos, cimentou-se uma cultura, rasgaram-se mais de 3000 quilómetros de estradas que substituindo vantajosamente os tortuosos e inumeráveis caminhos do mato, permitiram a ocupação efetiva da Província. Em consequência, abriram-se grandes perspetivas na valorização das terras. E assim é que hoje a Guiné Portuguesa segue pela estrada reta do soalheiro.”
Castro Carvalho pontua pela localização, os limites e fronteiras, a superfície, a população, os dados religiosos, os recursos económicos, as potencialidades turísticas e os meios de comunicação. Uma palavra sobre este último tópico. É referida a TAGP (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa) que estabelecia ligações entre as principais localidades da província e entre Bissau e Varela. Um elevado número de veículos e barcos a motor faziam a ligação regular dos portos marítimos (Bissau, Bubaque, Catió e Cacheu) com o interior, através de uma vasta rede fluvial a cerca de 1800 km; como referido atrás, a rede rodoviária atingia mais de 3000 km. Com o exterior, e principalmente com a Europa, as comunicações eram feitas através de Dacar, a TAGP mantinha contacto duas vezes por semana com a capital do Senegal. A Sociedade Geral de Transportes mantinha duas carreiras marítimas por mês, entre Lisboa e Bissau. A rede rodoviária da Guiné ligava-se através de Cacine e de Pitche com a República da Guiné; de Pirada com a Gâmbia; de Colina do Norte (Cuntima) com Sedhio e Kolda, com o Senegal.
Segundo Castro Carvalho, Bissau contava então com 20 mil habitantes, era um porto de mar bastante movimentado, e os principais aglomerados eram Bafatá, Bolama, Cacheu e Farim. É o que cumpre dizer de um livrinho redigido por um investigador amador sobre o tal continente ignorado, estávamos no início da década de 1960 e o Brasil abria-se declaradamente aos ideais da autodeterminação. Tudo vai mudar com a chegada da ditadura militar, em 1964.
Uma das mais belas fotografias tiradas ao icónico monumento de Bolama. Imagem de Francisco Nogueira, com a devida vénia, este monumento é considerado o mais impressionante monumento Arte Deco da África Ocidental
Bissau, José Luís de Braun, 1780. Propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino
Fotografia tirada numa picada da Guiné, por Andrea Wurzenberger, com a devida vénia
_____________Nota do editor
Último post da série de 15 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27122: Notas de leitura (1829): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 6 (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P27129: Parabéns a você (2406): Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso Editor Luís Graça
_____________
Nota do editor
Último post da série de 17 de Agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27125: Parabéns a você (2405): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Buba, 1968/70)
Nota do editor
Último post da série de 17 de Agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27125: Parabéns a você (2405): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Buba, 1968/70)
domingo, 17 de agosto de 2025
Guiné 61/74 - P27128: A nossa guerra em números (34): Colonos - Parte I: os sírio-libaneses
Guné > Região de Gabu > Nova Lamego > Pel Mort 4574 (1972/74) > Eram tapetes, de estilo oriental, com motivos exóticos (como a fauna e a flora africanas), que os militares compravam aos comerciantes libaneses. Eles também aproveitaram a "economia de guerra"... Foto do álbum de Joaquim Cardoso [, ex-sold trms, Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74].
Foto (e legenda): © Joaquim Cardoso (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Caamaradas da Guiné]
Guiné > 1951 > Anúncio comercial da casa Fouad Faur > Tinha sede em Bafatá e "feitorias" em Piche, Paunca, Bajocunda e Bambadinca.
Fonte: edição do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951 (e não 1961, como vem escrito por lapso na página da Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa, a quem agradecemos a cortesia). É uma raridade bibliográfica: o suplemento dedicado ao Ultramar tem 218 páginas (22 dedicadas à Guiné, pp. 45-66). Disponível aqui em formato digital.

Guiné > 1956 > Amostra de anúncios de casas comerciais, pertencentes a sírio-libaneses ou seus descendentes. Foram publicados em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2.
Havia, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá, em 1956, de acordo estes anúncios:
(i) Jamil Heneni, com grandes plantações de arroz em Jabadá [e não Janbanda], na região de Quínara [mais um imperdoável gralha!];
(ii) Toufic Mohamed [ou não seria Taufic ? Muitos dos anúncios vêm gralhados: por ex, Bambadinga, em vez de Bambadinca, Bajicunda em vez de Bajocunda; o que quer dizer a toponímica da Guiné era "estranha demais" aos nossos jornalistas e tipógrafos...];
(iii) Rachid Said
(iv) Salim Hassan ElAwar e irmão (com sede em Bafatá e filial em Cacine, e não Canine, como aparece no anúncio: mais uma gralha tipográfica a juntar-se a muitas outras desta edição especial da revista de Turismo...); há um membro da família, presume-se, Mamud ElAwar, que era um conceituado comerciante de Bissau;
(v) Fouad Faur, com lojas também em Piche (grafado "Pitche"), Paunca, Bajocunda (grafado "Bajicunda") e Bambadinca.
Tinham peso económico e social... Por exemplo, Mamud ElAwar, tal como Aly. Souleiman e Michel Ajouz, era então um dos mais conhecidos comerciantes da Guiné, de origem libanesa.
O Salim Hassan ElAwar devia ser seu irmão (ou membro da família):tinha lojas em Bafatá e Cacine. E quem não conhecia o Tauffik Saad, uma das melhores lojas de Bissau (onde havia de tudo de relógios a máquinas fotográficas) ?!.
Não sabemos se o Mamud ElAwar era muçulmano (provavelmente era, pelo nome e apelido). Já o Michel Ajouz devia ser cristão maronita, por celebrar o natal cristão e ter uísque em casa para oferecer aos militares de Bissorã, como foi o caso do nosso camarada Manuel Joaquim, que passou com ele o natal de 1965.
Recorde-se que os cristãos maronitas são cerca de de 3,2 milhões em todo o mundo, obedecem ao Papa da Igreja Católica, mas têm uma liturgia própria; no Líbano, serão um pouco mais de 1 milhão, constituindo cerca de 20% do total da população).
Guiné > Região de Bafatá > Bafatá : A zona da "Mãe de Água" ou "Sintra de Bafatá" > c. 1969/70 > Um piquenique
Guia e especialista de Bafatá dos anos 1968/70, o arquiteto Fernando Gouveia ( que lá viveu como alferes miliciano, com a sua esposa, a saudosa Regina Gouveia ), descreve esta zona num dos seus postes do roteiro de Bafatá como sendo a "Mãe d'Água" ou a "Sintra de Bafatá", local aprazível e romântico onde havia umas mesas para piqueniques e que, de vez em quando, a esposa do comandante do Esquadrão organizava uns almoços dançantes em que eram convidados, além dos alferes, e alguns furriéis, "todas as meninas casadoiras de Bafatá, libanesas e não só"...
O esquadrão acima referido deveria ser o Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71, cujo comandante era o cap cav Fernando da Costa Monteiro Vouga (reformou-se como coronel, e é autor de diversos livros sob o nome de Costa Monteiro).
Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Pormenor de "A rapariga com brinco de pérola" (c. 1665)... Uma das obras primas da pintura ocidental, da autoria do pintor holandês (ou neerlandês) Johannes Vermeer (1632-1675). Óleo sobre tela (44,5 cm x 39 cm). Localização atual: Galeria Mauritshuis, Haia. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025) (Vd. poste P27127)
1. Os colonos na África Portuguesa não eram só cidadãos portugueses da metrópole (*), mas também das ilhas atlânticas (Madeiras, Açores e Cabo Verde) e igualmente estrangeiros como os libaneses, ou sírio-libaneses, sem esquecer os luso-indianos de Goa, Damão e Diu, e até os macaenses. Pode-se falar de um mosaico de povos para classificar a diversidade humana da colonização da África Portuguesa, de Cabo Verde a Timor.
É uma afirmação historicamente correta e de grande pertinência: a população de "colonos" na África sob domínio português não era composta exclusivamente por cidadãos da metrópole. Pelo contrário, estes territórios acolheram uma diversidade de gentes oriundas de várias partes do Império Português e de outras regiões, formando uma sociedade colonial complexa e multifacetada.
Entre estes grupos, destacam-se os libaneses (ou sírio-libaneses), os cabo-verdianos, os luso-indianos de Goa, Damão e Diu, e os chineses de Macau, cada um com as suas próprias idiossincrasias e só sobretudo razões para migrar, e com papéis distintos na estrutura social e económica das colónias.
Hoje damos, mais uma vez, no nosso blogue, o devido destaque aos libaneses (ou sírio-libaneses, oriundos do império otomano a que a I Grande Guerra pôs fim), comerciantes e empreendedores.
A presença de comunidades sírio-libanesas, cristãos mas também muçulmanos, tornou-se notável em Angola e Moçambique a partir do final do século XIX e início do século XX. E sobretudo na Guiné (no tempo da I República).
A Presença Libanesa na Guiné: Um Século de Comércio
A presença de comerciantes libaneses, e mais amplamente sírio-libaneses, na Guiné é um facto histórico bem documentado, que remonta à transição do século XIX para o século XX. Estes imigrantes desempenharam um papel fundamental e duradouro na estrutura comercial do território, hoje Guiné-Bissau.
A chegada destes levantinos enquadra-se num movimento migratório mais vasto, que os levou a estabelecerem-se na Amércia do Suil (com destaque para o Brasil) e em vários pontos da África Ocidental (com destauqe para a Costa do Marfim: maior comunidade libanesa na África Ocidental; muito presentes em Abidjan e no setor comercial).
O termo “sírio-libaneses” refere-se sobretudo à emigração anterior a 1920, quando a Síria e e o Líbano ainda eram parte do Império Otomano e depois do Mandato francês-
O Papel dos Comerciantes Sírio-Libaneses:
Esta comunidade, embora não numerosa em termos absolutos (umas escassas centenas., concentrados hoje em Bissau), teve um impacto desproporcional na vida económica e social da Guiné.
(**) Vd. poste de 29 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18962: Antropologia (28): Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926; Dissertação de Mestrado em Antropologia Social por Olívia Gonçalves Janequine (Mário Beja Santos)
Estes imigrantes dedicaram-se principalmente ao comércio, estabelecendo redes de distribuição que iam dos centros urbanos às zonas mais recônditas do interior.
Eram conhecidos pela sua capacidade de iniciativa e pelo seu papel no comércio de retalho, vendendo tecidos, utensílios e outros bens de consumo. A sua posição era frequentemente a de intermediários económicos entre as grandes companhias europeias (portuguesas e francesas) e a população africana.
A Presença Libanesa na Guiné: Um Século de Comércio
A presença de comerciantes libaneses, e mais amplamente sírio-libaneses, na Guiné é um facto histórico bem documentado, que remonta à transição do século XIX para o século XX. Estes imigrantes desempenharam um papel fundamental e duradouro na estrutura comercial do território, hoje Guiné-Bissau.
A chegada destes levantinos enquadra-se num movimento migratório mais vasto, que os levou a estabelecerem-se na Amércia do Suil (com destaque para o Brasil) e em vários pontos da África Ocidental (com destauqe para a Costa do Marfim: maior comunidade libanesa na África Ocidental; muito presentes em Abidjan e no setor comercial).
Na então Guiné Portuguesa, encontraram um nicho económico, posicionando-se como intermediários cruciais no circuito comercial. A sua principal atividade consistia em fazer a ponte entre as grandes casas comerciais europeias e a população local.
O termo “sírio-libaneses” refere-se sobretudo à emigração anterior a 1920, quando a Síria e e o Líbano ainda eram parte do Império Otomano e depois do Mandato francês-
O Papel dos Comerciantes Sírio-Libaneses:
- Comércio de Proximidade: ao contrário das grandes companhias portuguesas (como a Casa Giouveia ou a Ultramarin), que se focavam na exportação de produtos como a mancarra (amendoim) e o coconote, os sírio-libaneses especializaram-se no comércio a retalho; montaram lojas e estabelecimentos nos principais centros urbanos e vilas do interior, como Bissau, Bolama, Bafatá, Teixeira Pinto, Bissorã, Farim, Geba, Bambadinca, Xitole, Jabadá, Catió, Cacine, Gadamael, etc.
- Rede de Distribuição: forneciam às populações locais bens de consumo importados da Europa, como tecidos, utensílios domésticos, e outros produtos manufaturados, a sua mobilidade e capacidade de se fixarem no interior permitiu-lhes criar uma rede capilar que penetrava profundamente no território;
- Impacto Económico: o seu sucesso foi notável; de acordo com registos da época, em meados do século XX, as firmas pertencentes a sírio-libaneses representavam uma fatia muito significativa, por vezes perto de metade, dos estabelecimentos comerciais em importantes centros de trocas do interior da colónia.
Esta comunidade, embora não numerosa em termos absolutos (umas escassas centenas., concentrados hoje em Bissau), teve um impacto desproporcional na vida económica e social da Guiné.
Tornaram-se uma figura familiar e indispensável no quotidiano de muitas regiões, consolidando a sua presença ao longo de todo o século XX e mantendo a sua relevância até à atualidade. A sua história é um testemunho da complexa teia de relações comerciais e migratórias que moldaram a África Ocidental na era colonial.
No nosso blogue temos cerca de meia centena de referências aos libaneses.
Os sírio-libaneses, que se começaram a radicar no território a partir de 1910, alguns acabaram por ligar-se, pelo casamento, a famílias portuguesas... Inicialmente não eram, porém, bem vistos pela concorrência nem até pelas autoridades locais.
Os sírio-libaneses, que se começaram a radicar no território a partir de 1910, alguns acabaram por ligar-se, pelo casamento, a famílias portuguesas... Inicialmente não eram, porém, bem vistos pela concorrência nem até pelas autoridades locais.
Por outro lado, em 1974, todos já teriam a nacionalidade portuguesa...Mas parte desta comunidade optou por ficar no novo país lusófono, a Guiné-Bissau. Mas não se deram bem com o regime de Luís Cabral...
Fontes...
Segue uma lista de fontes académicas e publicações que corroboram e aprofundam a informação sobre a presença de comerciantes sírio-libaneses na Guiné desde o início do século XX. Estas fontes são essenciais para quem deseja estudar o tema com rigor académico.
Fontes Académicas Específicas:
Janequine, Olívia Gonçalves. Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926. Dissertação de Mestrado em História, Universidade de Évora, 2011.(*)
Resumo: Este é talvez o trabalho académico em língua portuguesa mais focado e detalhado sobre o início da presença sírio-libanesa na Guiné. A autora analisa a sua chegada, o estabelecimento das suas redes comerciais e a sua relação com a administração colonial e com as populações locais no período crucial de 1910 a 1926. É uma fonte primária.
Forrest, Joshua B. Lineages of State Fragility: Rural Civil Society in Guinea-Bissau. Ohio University Press, 2003.
Resumo: Embora o foco seja a sociedade civil e a formação do Estado, este proeminente historiador da Guiné-Bissau dedica várias passagens à estrutura económica da colónia. Ele descreve o papel fundamental dos comerciantes sírio-libaneses como intermediários económicos, destacando como eles preencheram um vácuo deixado pelas grandes companhias portuguesas, especialmente no interior.
Galli, Rosemary E. & Jones, Jocelyn. Guinea-Bissau: Politics, Economics and Society. Frances Pinter Publishers, 1987.
Resumo: Um estudo clássico sobre a Guiné-Bissau que, ao analisar a economia colonial, faz referência explícita à importância das comunidades de comerciantes estrangeiros, nomeadamente os sírio-libaneses, na estrutura do comércio a retalho.
Fontes sobre a Diáspora e Contexto Regional:
Leite, Joana Pereira. "Comerciantes sírio-libaneses em Moçambique: perfis e percursos de uma minoria." Revista de História da Sociedade e da Cultura, vol. 18, 2018, pp. 245-266.
Resumo: Apesar de o foco ser Moçambique, este artigo é útil porque contextualiza o fenómeno da migração sírio-libanesa para as colónias portuguesas em geral. Explica os padrões de migração, as redes familiares e os modelos de negócio que eram comuns a estas comunidades em toda a África Lusófona, incluindo a Guiné.
Boumedouha, Said. "Change and continuity in the relationship between the Lebanese in Senegal and the Mouride brotherhood." In The Lebanese in the World: A Century of Emigration, editado por Albert Hourani e Nadim Shehadi, I.B. Tauris, 1992.
Resumo: Este livro é uma obra de referência sobre a diáspora libanesa a nível mundial. O capítulo sobre o Senegal é particularmente relevante porque a Guiné-Bissau partilha muitas dinâmicas históricas e comerciais com a sua vizinhança na África Ocidental. Descreve o modelo de negócio dos comerciantes libaneses na região, que é perfeitamente aplicável ao caso da Guiné.
Estas fontes demonstram que a presença e a importância dos comerciantes libaneses e sírio-libaneses na Guiné-Bissau não são apenas um facto conhecido, mas também um objeto de estudo académico consolidado. A dissertação de Olívia Janequine (**), em particular, é a referência mais direta e aprofundada sobre o tema.
Fontes...
Segue uma lista de fontes académicas e publicações que corroboram e aprofundam a informação sobre a presença de comerciantes sírio-libaneses na Guiné desde o início do século XX. Estas fontes são essenciais para quem deseja estudar o tema com rigor académico.
Fontes Académicas Específicas:
Janequine, Olívia Gonçalves. Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926. Dissertação de Mestrado em História, Universidade de Évora, 2011.(*)
Resumo: Este é talvez o trabalho académico em língua portuguesa mais focado e detalhado sobre o início da presença sírio-libanesa na Guiné. A autora analisa a sua chegada, o estabelecimento das suas redes comerciais e a sua relação com a administração colonial e com as populações locais no período crucial de 1910 a 1926. É uma fonte primária.
Forrest, Joshua B. Lineages of State Fragility: Rural Civil Society in Guinea-Bissau. Ohio University Press, 2003.
Resumo: Embora o foco seja a sociedade civil e a formação do Estado, este proeminente historiador da Guiné-Bissau dedica várias passagens à estrutura económica da colónia. Ele descreve o papel fundamental dos comerciantes sírio-libaneses como intermediários económicos, destacando como eles preencheram um vácuo deixado pelas grandes companhias portuguesas, especialmente no interior.
Galli, Rosemary E. & Jones, Jocelyn. Guinea-Bissau: Politics, Economics and Society. Frances Pinter Publishers, 1987.
Resumo: Um estudo clássico sobre a Guiné-Bissau que, ao analisar a economia colonial, faz referência explícita à importância das comunidades de comerciantes estrangeiros, nomeadamente os sírio-libaneses, na estrutura do comércio a retalho.
Fontes sobre a Diáspora e Contexto Regional:
Leite, Joana Pereira. "Comerciantes sírio-libaneses em Moçambique: perfis e percursos de uma minoria." Revista de História da Sociedade e da Cultura, vol. 18, 2018, pp. 245-266.
Resumo: Apesar de o foco ser Moçambique, este artigo é útil porque contextualiza o fenómeno da migração sírio-libanesa para as colónias portuguesas em geral. Explica os padrões de migração, as redes familiares e os modelos de negócio que eram comuns a estas comunidades em toda a África Lusófona, incluindo a Guiné.
Boumedouha, Said. "Change and continuity in the relationship between the Lebanese in Senegal and the Mouride brotherhood." In The Lebanese in the World: A Century of Emigration, editado por Albert Hourani e Nadim Shehadi, I.B. Tauris, 1992.
Resumo: Este livro é uma obra de referência sobre a diáspora libanesa a nível mundial. O capítulo sobre o Senegal é particularmente relevante porque a Guiné-Bissau partilha muitas dinâmicas históricas e comerciais com a sua vizinhança na África Ocidental. Descreve o modelo de negócio dos comerciantes libaneses na região, que é perfeitamente aplicável ao caso da Guiné.
Estas fontes demonstram que a presença e a importância dos comerciantes libaneses e sírio-libaneses na Guiné-Bissau não são apenas um facto conhecido, mas também um objeto de estudo académico consolidado. A dissertação de Olívia Janequine (**), em particular, é a referência mais direta e aprofundada sobre o tema.
Face à indepenmdência, os comerciantes sírio-libaneses dividiram-se: uns partiram para Portugal e outras paragens; outrros acrediataram nas promessas d0 PAIGC e ficaram. O regime de partido único e de economia planificada (1974/91) dei cabo deles, com a inesperadda ajuda dos suecos (***).
(Pesquida: IA / Gemini / ChatGPT / LG | Revisão / fixação de texto, negritos, itálicos: LG)
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Notas do editor LG:
(*) Último poste da série > 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27119: A nossa guerra em números (33): colonos, administradores coloniais e colonos de ocasião
(***) Vd. poste de 28 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20913: Da Suécia com saudade (69): Eu destrui um país [em sueco, "Jag har förstört ett helt land"], por Patrik Engellau... (José Belo)
O comércio entre os produtores e o porto de Bissau estava nas mãos dos libaneses. Estes usavam carrinhas de marca Peugeot, em estradas lamacentas e com pouca manutenção, para transportarem para o interior produtos importados (artigos de plástico, tecidos e outros), consumidos pelas populações, e no regresso a Bissau voltavam carregados com arroz e amendoim.
O governo não estava nada satisfeito com este sistema por considerar que os libaneses ganhavam demasiado com estes negócios de verdadeira exploração dos produtores locais. Considerava também que as pequenas quantidades transportadas não eram economicamente viáveis na perspetica da exportação em grande escala.
Ambos os problemas foram resolvidos com um plano que previa a nacionalização do comércio por grosso e a retalho e o transporte das mercadorias a realizar por camiões modernos.
Claro está que foi a Suécia quem, a meu pedido, veio a fornecer umas dúzias de moderníssimos camiões Volvo, desembarcados em Bissau em poucos meses.
Estes camiões último modelo,com ar condicionado, rádio estereofónico e confortável cabine para o condutor dormir, eram naves espaciais aos olhos da populção, e depressa se tornaram num instrumento de "engate" das belezas locais nas ruas de Bissau.
Durante uns tempos era mais importante esta "mercadoria" do que os tradicionais produtos de plástico e tecidos a serem transportados para o interior.
Se o problema tivesse sido só esse, as coisas näo teriam sido tão graves. Mas...quando os camionistas mais consciencios finalmente se puseram a caminho do interior (o que não deveriam ter feito!), concluiu-se que as estradas existentes ["picadas",] não foram feitas para estes mastodontes ma sim para as carrinhas Peugeot.
Todos os tipos imagináveis de problemas surgiram, acabando por liquidar este tipo de transporte. Em menos de seis meses todos os camiões Volvo estavam parados.
Sendo as marcas de camiões Volvo e Scania as mais vendidas mundialmente, e utilizadas nas condições mais extremas, foi enviada a Bissau uma equipa de mecâncios para estudar o problema surgido.
Chegou-se à conclusão de que, para além dos problemas quanto ao peso que as estradas não suportavam, ambém tinham surgido pequenos problemas de manutenção das viaturas, do tipo: esqueceram-se de mudar o óleo, houve componentes dos motores que desaparecera, etc.
Com a falta de intermediários tradicionais, como os comerciantes libaneses, os camponeses não conseguiam escoar a sua produção, pelo que se voltaram a concentrar-se na produção para consumo local.
O arroz passou a não chegar para alimentar a população de Bissau. Aí a coisa tornou-se grave!
O governo não estava nada satisfeito com este sistema por considerar que os libaneses ganhavam demasiado com estes negócios de verdadeira exploração dos produtores locais. Considerava também que as pequenas quantidades transportadas não eram economicamente viáveis na perspetica da exportação em grande escala.
Ambos os problemas foram resolvidos com um plano que previa a nacionalização do comércio por grosso e a retalho e o transporte das mercadorias a realizar por camiões modernos.
Claro está que foi a Suécia quem, a meu pedido, veio a fornecer umas dúzias de moderníssimos camiões Volvo, desembarcados em Bissau em poucos meses.
Estes camiões último modelo,com ar condicionado, rádio estereofónico e confortável cabine para o condutor dormir, eram naves espaciais aos olhos da populção, e depressa se tornaram num instrumento de "engate" das belezas locais nas ruas de Bissau.
Durante uns tempos era mais importante esta "mercadoria" do que os tradicionais produtos de plástico e tecidos a serem transportados para o interior.
Se o problema tivesse sido só esse, as coisas näo teriam sido tão graves. Mas...quando os camionistas mais consciencios finalmente se puseram a caminho do interior (o que não deveriam ter feito!), concluiu-se que as estradas existentes ["picadas",] não foram feitas para estes mastodontes ma sim para as carrinhas Peugeot.
Todos os tipos imagináveis de problemas surgiram, acabando por liquidar este tipo de transporte. Em menos de seis meses todos os camiões Volvo estavam parados.
Sendo as marcas de camiões Volvo e Scania as mais vendidas mundialmente, e utilizadas nas condições mais extremas, foi enviada a Bissau uma equipa de mecâncios para estudar o problema surgido.
Chegou-se à conclusão de que, para além dos problemas quanto ao peso que as estradas não suportavam, ambém tinham surgido pequenos problemas de manutenção das viaturas, do tipo: esqueceram-se de mudar o óleo, houve componentes dos motores que desaparecera, etc.
Com a falta de intermediários tradicionais, como os comerciantes libaneses, os camponeses não conseguiam escoar a sua produção, pelo que se voltaram a concentrar-se na produção para consumo local.
O arroz passou a não chegar para alimentar a população de Bissau. Aí a coisa tornou-se grave!
O Presidente [Luís Cabral,] justificou perante mim, que as coisas tinham-se agravado por razões climatéricas que teriam acarretado doenças para as plantas. Devido a isto, perguntou-me de imediato se seria possível um aumento da ajuda económica estipulada para estas situações de emegência.
Telegrafei de imediato para os escritórios centrais da SIDA (que são as iniciais ou o acrónimo da Agência Estatal Sueca para a ajuda aos países em vias de desenvolvimento) e, em muito curto espaço de tempo, tínhamos em Bissau um barco fretado, chinês, que transportava 3 mil toneladas de arroz para que a população não morresse de fome.
Estou a simplicar mas as coisas passaram-se basicamente assim.
Telegrafei de imediato para os escritórios centrais da SIDA (que são as iniciais ou o acrónimo da Agência Estatal Sueca para a ajuda aos países em vias de desenvolvimento) e, em muito curto espaço de tempo, tínhamos em Bissau um barco fretado, chinês, que transportava 3 mil toneladas de arroz para que a população não morresse de fome.
Estou a simplicar mas as coisas passaram-se basicamente assim.
História semelhante poderia ser aqui contada quanto ao enorme apoio económico sueco à indústria da pesca local" (...)
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