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quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27163: Felizmente ainda há verão em 2025 (26): O Meu Poema Azul (Versão do fim da tarde) (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)



O MEU POEMA AZUL
(Versão do fim da tarde)

Não sei colher uma rosa
nem é grande a pena minha
não sei descer à cidade cantando
nem aprender sequer a pintar o tempo
à medida que a vida foi andando.
Não sei comer do prato dos outros
nem quero
não sinto inveja à beira da fartura
nem ouço o que a ausência tem para dizer
nas entrelinhas da secura.
Nunca sei parar o fluir dos dias e das noites
nem quebrar os ramos tortos da memória
trazendo às mãos tudo aquilo que não tive
e aos olhos tudo aquilo que não fui.
Dizem que no fim do dia ainda há um suspiro azul
quando a tarde se deita no colo da montanha
e o sol se dissolve no mar
onde repousam os que amaram sem medida
acreditando que as lágrimas eram vida.
Para além das sílabas e dos versos
sempre procurei a voz poderosa mais vizinha do silêncio…
o meu poema azul…
o suspiro de Outono onde a brisa se aninha
no suave perfume que o adivinha.

…Não sou capaz de recriar o brilho do poema azul...
e isso dá-me vontade de morrer.

O meu poema azul
lugar das palavras e dos versos no caminho do teu rosto
junto ao rio dos teus olhos onde a vida se fez poema
e o mar se deita nos lençóis de luz do fim do dia
o meu poema azul…
nascido do infindo perfumado do teu nome
onde danças o secreto voo das aves
sobre o último verso que escrevi
quando a noite se fez de estrelas.

…Não sei recriar o brilho do poema azul...
e isso sempre me deu vontade de morrer.

Tentei para lá das sílabas e dos versos
encontrar meu barco à entrada do mar
onde repousa teu corpo entre algas e maresia
meu amor perdido num campo de violetas.
O meu poema é tudo isto que me viveu e me iludiu
que me prendeu ao lugar azul que procurei noite e dia
por entre os versos do meu ser.
O poema mais lindo da minha vida ainda não nasceu
não tem asas nem olhos nem sentimento.
um poema apenas meu
neste solitário desejo do fim da tarde
que o trouxesse um dia o vento se vento houvesse
que a saudade o encontrasse onde ele estivesse
mas o meu poema azul já morreu.
E se me perguntam porque ao nascer já morreu
direi apenas
porque o pintei com o azul do céu.
E se me perguntam porque o escrevi com a cor do céu
direi apenas
foi no azul que sempre encontrei quem sou
e no azul do tempo onde perdi o meu poema
nunca o eco do teu nome se apagou.

…Nunca soube recriar o brilho do poema azul...
e isso sempre me deu vontade de morrer.

Dizem que no cimo dos pinheiros ainda é primavera
mas tão alto não cheguei
mais à mão molhei meus braços nus
no regato cristalino que corria por entre os dedos
num solo de cores e violino
e por entre a chama azul do instante
ficou meu poema suspenso da memória.
Nunca soube colher uma rosa nem descer à cidade cantando
sempre fui aquele que ontem dormiu sobre um poema azul
e das asas da ilusão se desprendia
sempre fui o mesmo que ontem se despiu
nos braços do poema que vivia
sempre fui aquele que ontem habitou em silêncio
o poema azul que acontecia
sempre fui aquele que sonhou em vão…
com o poema azul de mais um dia
sem saber que a fresca luz da manhã
sonho de esperança que não se alcança
há muito se fez noite de sombra e nostalgia.

…Nunca soube recriar o brilho do poema azul...
e isso sempre me deu vontade de morrer.

adão cruz

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Nota do editor

Último post da série de 27 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27158: Felizmente ainda há verão em 2025 (25): Cabo Verde, onde os sonhos proliferam e as águas azuis dão as bem-vindas aos visitantes (José Saúde, ex-Fur Mil Op Especiais)

Guiné 61/74 - P27162: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (35): Filatelia da Guiné

1. Mensagem do nosso camarada João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 25 de Agosto de 2025:

Boa tarde Carlos
Voltando à rotina anterior, junto envio mais 5 selos da Guiné, para publicares no nosso Blogue.

Votos de saúde para todos.
Abraço
João Moreira

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 21 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27139: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (34): Filatelia da Guiné

Guiné 61/74 - P27161: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (5): Carlos Alberto Ferreira Martins (1948-1971), sold pqdt, CCP 123 / BCP 12 (jun 70 / abr 71) - Parte II





Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos Combatentes do Ultramar > 6 de setembro de 2014 > I Encontro dos Paraquedistas do Oeste > Estandarte da Associação de Pára-quedistas Tejo Norte, com sede em Oeiras, e cujo lema é "Icarus Ultra Mortem" (Ícaro além da morte, traduzindo à letra). Nesse encontro foi também homenageado o sold pqdt Carlos Alberto Martins Ferreira, CCP 123 / BCP 12 (Guiné, 1970/71)

 Infografia:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)

Guiné > Carta de Cabuca (1959) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Canjadude, estrada Nova Lamego -Cheche, e Ganguirô, a sudoeste de Cabuca, e próximo do rio Corubal, numa zona já de pequenas colinas.

Infografia; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)


1. Graças ao génio da cartografia portuguesa (um domínio onde historicamente temos ou tivemos pergaminhos, fomos pioneiros e fomos grandes!) é possível mostrar, aos nossos leitores, onde morreram os nossos bravos, pelo menos no TO da Guiné...

Ganguirô, uma antiga tabanca, ligada a Canjadude por uma velha picada... Lá no cu de Judas, na região mais desértica e desolada da Guiné!!!... Mais um topónimo, anódino, anónimo, que não ficará na história da guerra, mas que também fez parte  do nosso calvário, e que pelo menos figura  como "marcador" no nosso blogue... Para que a gente (e a gente que há vir a seguir a nós!) não se esqueça: que hoje soldados portugueses (e guineenses)   que morreram em Ganguirô, já próximo da região do Boé, que os portugueses consideraram, erradamenmte, um região sem valor estratégico...

Foi aqui, em Ganguirô, que os camaradas da CCP 123 / BCP 12, no final de um patrulhamento ofensivo (sem contacto), e os da CCAÇ 5, os "Gatos Pretos" (que vieram a picar o itinerário e vieram buscar os páras, com viaturas,) foram surpreendidos pelo IN (que terá vindo, sorrateiramente, no seu encalce)...

Da emboscada, em Ganguirô,  resultaram 2 mortos para a CCP 123 / BCP 12, e vários feridos... Um das vítimas mortais foi o lourinhanse Carlos Alberto Martins Ferreira (*).

No livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), e na "ficha" correspondenye ao Carlos Alberto Martins Ferreira, não há excertos do Auto de Averiguações ao Acidente pela simples razão de que não consta do processo individual do infortunado militar, morto em Ganguirô, em 15 de abril de1971. (O processo individual foi consultado no Arquivo Geral do Exército.)

 Em parte para colmatar esta lacuna, e para se saber um pouco mais sobre as circunstâncias da morte do nosso camarada paraquedisat, recorremos  a postes já publicados no nosso blogue, em 2014 (*)


2. Comentário do nosso colaborador permanente José Marcelino Martins, ex-fur mil trms, CCAÇ 5(Canjadude, 1968/70):

Extrato da História da Companhia de Caçadores nº 5, estacionada em Canjadude. Acção de apoio ao Páras.

15 de Abril de 1971. Acção tipo patrulha de combate com emboscada, à região de Liporo, constituída por 1 grupo de combate, sob o comando do Alferes Miliciano Alexandre Rodrigues Martins. Resultados: As NT foram emboscadas durante o encontro com as tropas paraquedistas tendo resultado um ferido, que veio a falecer no HM 241.

Carlos Alberto Martins Ferreira
(Toledo, Lourinhã, 1948 - Ganguirô,
 Guiné-Bissau, 1971)
3. Comentário do nosso editor LG:

Zé Martins, grande "gato preto" da CCAÇ 5 (Canjadude, 1968/70):

Essa história parece estar mal contada, como muitas outras passadas na nossa "querida Guiné"... Ou pelo menos, parece haver versões diferentes dos acontecimemtos que provocaram o ferido grave da CCAÇ 5. a que te referes (e que posteriormente veio a morrer, no HM 241, em Bissau)... bem como da emboscada que se seguiu, e que provocou 2 mortos e vários feridos entre os páras, quando se preparavam para subir para as viaturas, no regresso a Nova Lamego... 

Entre os mortos está o meu conterrâneo Carlos Martins que era do 3º pelotão da CCP 123 (e que habitualmente fazia serviço na messe de graduados da CCP 123, em Nova Lamego).

A versão que me contou o ex-1º cabo Santos, apontador da MG 42, do 4º pelotão da CCP 123, um camarada aqui do Sobral da Lourinhã, não coincide totalmente com a versão "oficial"...

O homem da CCAÇ 5 (aquartelada em Canjadude) que foi gravemente ferido (e que viria a morrer mais tarde) seria um guia e picador, africano, que terá sido confundido com um "turra"...

A emboscada à CCP 123 / BCP 12  (e às forças da CCAÇ 5 que trouxeram as viaturas, e que vinham a picar a estrada para Canjadude) ocorreu depois deste "incidente", já terminada a operação em que estiveram envolvidos os páras...

O Santos disse-me que os turras levaram as duas armas dos mortos da sua companhia... e que o resultado poderia ter sido bem pior se o grupo inimigo emboscado tivesse esperado que as forças da CCP 123 tivessem tomado os seus lugares nas viaturas...

Esta foi versão que ouvi  da boca do ex-1º cabo Santos, no estádio municipal da Lourinhã, enquanto esperávamos os saltos de paraquedas, por ocasião do I Encontro de Paraquedistas do Oeste (Lourinhã, 6 de setembro de 2014) (**)...

Mas temos sempre que sujeitarmo-nos ao "contraditório" quando ouvimos versões de acontecimentos de guerra que ocorreram há mais de 40 anos...

Vou tentar procurar o Santos para reconfirmar a sua versão que reproduzo aqui por alto...

De qualquer modo, aqui vai a minha solidariedade para com os camaradas da CCP 123/BCP 12 que sogfreram este revés na região de Canjude, bem como para os "Gatos Pretos" (CCAÇ 5). Desconhecia completamente as circunstâncias em que morreu o meu conterrâneo Carlos Martins.

domingo, 7 de setembro de 2014 às 23:44:00 WEST 


4. No vídeo com alocução do antigo comandante da CCP 123 / BCP 12, o hoje major general ref Avelar de Sousa, faz-se o elogio das qualidades humans e  militares do sold pqdt Carlos Martins, mas não há informação detalhada sobre as circunstàncias em que morreu, juntamente com outro camarada (**).

(Revisão / fixação de texto, negritos, itálicos: LG)

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Notas do editor LG:

7 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13581: Convívios (622): I Encontro de paraquedistas do Oeste... Lourinhã, 6 de setembro de 2014... Parte I: As primeiras imagens

9 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13589: Convívios (624): I Encontro de paraquedistas do Oeste... Lourinhã, 6 de setembro de 2014... Parte III: Homenagem ao sod paraquedista Carlos Alberto Ferreira Martins (1950-1971), da CCP 123/BCP12... Vídeo com a alocução do seu antigo comandante, hoje maj gen ref Avelar de Sousa

18 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13622: Convívios (630): I Encontro de paraquedistas do Oeste... Lourinhã, 6 de setembro de 2014... Parte VI: Discurso do Jaime Bonifácio Marques da Silva > 2ª Parte: homenagem ao sold paraquedista lourinhanense, natural de Toledo, Vimeiro, Carlos Alberto Ferreira Martins (1950-1971), morto em combate em Ganguirô, Canjadude, região de Gabu, Guiné, em 15/4/1971

Guiné 61/74 - P27160: Humor de caserna (211): a Maria-tira-cabaço, uma história pícara de Empada... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)


Guiné > Ingoré > 1968 > O 1º cabo aux enf José Teixeira, da CCAÇ 2831 (1968/70), posando em cima de uma autrometralhadora Daimler, no início da sua comissão que o levaria do Cacheu (Ingoré) até ao Sul, às regiões de Quínara (Buba, Empada) e Tombali (Quebo, Mampatá, Chamarra). A Daimler tinha nome de guerra: Massiel... a fogosa cantora espanhola que vencera, em 1968, o Festival Eurovisão da Canção, interpretando a canção "La, la, la". (Lembram-se ? "Todo en la vida es como una canción / Te cantan cuando naces / Y también en el adiós"... La, la, la".)


Foto (e legenda): © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.




Zé Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos; foi noutra incarnação
1º cabo aux enf, CCAÇ CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)



1. Já sabíamos que o nosso veteraníssimo Zé Teixeira (um histórico da Tabanca Grande, régulo da Tabanca de Matosinhos) era um excelente contador de histórias, incluindo histórias pícaras...

Ele tem uma ligação umbilical à Guiné e à sua gente. Por favor, vejam este delicioso microconto como um ato de ternura... em tempo de guerra.

Também sabemos que o exército, no nosso tempo, era púdico e forreta, nem camisinhas de Vénus distribuía ao pessoal... E muito menos Vénus em carne e osso... (Mas a verdade é que a Vénus acompanha todos os exércitos do mundo desde que a Eva e o Adão foram expulsos do paraíso  e depois que o Caim matou Abel.)

Em contrapartida, sempre nos ensinaram, desde a recruta, que a tropa manda...desenrascar! Em Ingoré, em Aldeia Formosa, em Mampatá, em Empada, etc., era isso o que acontecia...

Se a Massiel não vinha à Guiné, a malta tinha uma varinha de condão e transformava um bocado de lata (uma Daimler da II Guerra Mundial) num fetiche: "erotizava-se" a viatura... A "Massiel" ajudava a "climatizar os pesadelos" da rapaziada... Aliás, a G3 era a nossa "namorada"...

Já as Marias de Empada (e havia-las um pouco por todo o lado), que nunca poderiam vencer nenhum festival da Eurovisão, essas, souberam tirar partido da situação de guerra e da economia de guerra. Puseram um anúncio na morança: "Maria tira cabaço di tuga"... E, ao que parece, não faltava procura!

Um comércio pouco honesto, perguntarão alguns ? Tão ou mais do que a guerra!, responderão outros... Claro que era ilegal... Mas a polícia de costumes assobiava para o lado. E a cama das Marias de Empada estava sempre quente!

Não sabemos o que lhes aconteceu, às Marias de Empada, a seguir à independência, mas é muito provável que tenham sido acusadas de "colaboracionismo" pelos novos senhores da guerra... "Partir catota com os tugas" era um ato contrarrevolucionário aos olhos dos "libertadores" como o 'Nino' Vieira...

Enfim, a cada um a sua moral... e a sua polícia de costumes!



Humor de caserna > A Maria tira cabaço di brancu


por Zé Teixeira 



Quando chegamos a Empada, lá aparece a Maria, mais a irmã, a dar-nos as boas vindas. Rapidamente se soube da sua arte e mestria em tirar cabaço a branco e satisfazer as necessidades a quem já sabia da poda, para desgraça da nossa jorna, já de si tão pequena e que se esvaía na cerveja e agora tínhamos a Maria.

Um alferes, a quem não foi contada a história da pequena, tenta o engate e, zás!, arranjou namorada que até ia ao quartel, durante o dia, prestando-se para todo o serviço. 

Ninguém lhe podia tocar, era a namorada do alferes, durante o dia, mas, à noite, zumba que zumba com toda a gente que tivesse uns patacõezitos para gastar. Até faziam fila e a irmã dava uma ajuda.

Houve cenas engraçadas com a Maria-tira-cabaço. Um camarada e amigo,  encabaçado, tinha vontade e.… inexperiência, vergonha, medo, falta de jeito, etc. Então foi meter uma cunha a outro companheiro para pedir à Maria para o atender bem. Este foi, meteu a cunha e gozou... de borla. O outro pagou a dobrar, isso de tirar cabaço a branco tinha de ser bem pago!

Tanto quanto pude apreciar até o 'Nino' sabia da sua vida, pois num célebre ataque ao cair da noite, as primeiras canhoadas foram para a casa da Maria, só que os brancos que lá estavam eram velhinhos e voaram ao sentirem o som das saídas do canhão.

O pobre do alferes é que, quando soube, rebentou de raiva. E foi uns dias depois, quando foi à sua procura na morança, um dia ao fim da tarde (talvez a fosse convidar para jantar): encontrou o lugar ocupado e gente à espera..
.

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Nota do editor LG:

Guiné 61/74 - P27159: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (5): Carlos Alberto Ferrera Martins (1948-1971), sold pqdt, CCP 123 / BCP 12 (jun 70 / abr 71) - Parte I



Carlos Alberto Ferreira Martins (1948-1971)


A. Continuamos a reproduzir, com a devida vénia (incluindo a autorização do autor e do editor), alguns excertos do livro recente do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1).


Dos vinte militares lourinhanenses que morreram em África, seis foram no TO da Guiné. O Carlos Alberto Ferreira Martins é o quinto da lista (pp. 185/187)


CARLOS ALBERTO FERREIRA MARTINS (12.07.1948 – 15.04.1971)

Localidade do falecimento - GUINÉ

Soldado paraquedista nº E 11923969

Subunidade / Unidade -  CCP 123 / BCP 12 (jun 1970 / abr 1971)  

Naturalidade - Toledo, Vimeiro

 Local da sepultura - Cemitério do Vimeiro


1. REGISTO DE NASCIMENTO

O Carlos Alberto Ferreira Martins nasceu a 12 de julho de 1948, às 11h00 horas, no lugar de Toledo, freguesia do Vimeiro. 

Era filho legítimo de Carlos de Sousa Martins, de 33 anos, casado e com a profissão de fazendeiro, natural da freguesia de Vimeiro,  e de Maria da Luz Ferreira de 40 anos, casada, doméstica, natural da freguesia de Santa Maria, concelho de Torres Vedras,  ambos domiciliados no lugar de Toledo. Neto paterno de Domingos de Sousa (à data já falecido) e de Maria Justiniana e materno de Estevão Ferreira (à data já falecido) e Mariana da Conceição.

O registo de nascimento teve como testemunhas José Filipe da Silva, proprietário, e Joaquim do Sacramento Caetano, jornaleiro, ambos solteiros e residentes no lugar de Toledo.

O registo foi lavrado pelo Conservador Baltazar de Almeida Freitas e não tendo os declarantes e testemunhas assinado a respetiva declaração por não saberem escrever. Registo nº 374,  efetuado a 9 de agosto de 1948,  no posto do Registo Civil do Vimeiro.
 
2. REGISTO MILITAR

Recenseamento: Carlos Alberto Ferreira Martins foi recenseado em 29.06.1968 pela freguesia do Vimeiro sob o nº 5. 

Com 1.69 de altura, tinha a profissão de empregado de bar, era solteiro e tinha como habilitações literárias a 4ª classe.

Inspeção militar: apresentou-se à inspeção no DRM 5, oferecendo-se para cumprir o serviço militar nas Tropas Paraquedistas. Foi-lhe atribuído o número mecanográfico  E 11923969.

A 17.02.69 apresenta-se no RCP - Regimento de Caçadores Paraquedistas, em Tancos, para prestar provas de admissão às Tropas Paraquedistas, tendo sido considerado apto.

Colocação durante o serviço: em 21.02.69 foi alistado, incorporado e aumentado ao efetivo do RCP com o nº 409/69 e integrado na 1ª CAL.

Em 21 do mesmo mês, entrou de licença e apresenta-se a 29.09 69 no RCP.

Inicia a 29 de setembro de 1969 a ER (OS 247, RCP 22.10.69).

Inicia em 12.01.70 o curso de paraquedismo 1/70 (OS 22 RCP 27.01.70. Termina a 23 com aprovação a ER 3/69, tendo jurado Bandeira em 22 de janeiro (OS 28 RCP de 03.02.70).

Inicia a 21.02.70 o Tirocínio Paraquedista 1/70 (OS 51 RCP de 02.03.70). Em 20.02.70 terminou o Curso de Paraquedismo 1/70 (OS 53 RCP de 4.3,70) Inicia a 02.03.70 a IC 1/70 (OS 64 RCP 17.03.70).

Em 12 de junho 70 termina com aproveitamento a  IC 1/70 (OS 148 RCP de 25.06.70).

A 13 de julho 1970, por despacho 410 do SEA,  foi-lhe dado por findo o Tirocínio 1/70 (09164 RCP 15.07.70).
 
2.1. Comissão de serviço no ultramar, Guiné

Mobilizado para prestar serviço no ultramar, no BCP 12, em Bissau, pronto a embarcar a partir de 25.06.70. (OS 107, RCP 6.5.70).

Embarque: a 13 de julho embarca pelas 23.30 horas, via aérea, BCP 12.

Desembarque: a 14 de julho apresenta-se pelas 8h30 no BCP 12 em Bissau, sendo aumentado ao efetivo da Unidade e da CMI desde 13.06.1970 com o nº 106/69 (OS165 de 15.07.1970 do BCP 12), desde quando acresce de 100% de aumento no tempo de serviço nos termos da portaria 20.309 de 11 dez 64. 

Atividade operacional: em 23.07.1970 é transferido para a Companhia n.º 123 (OS 172). 

A 8 de agosto 70 marchou para o interior da província em missão de serviço (OS 201) regressando a 10 de setembro pelas 18h30 (OS 215). A partir de setembro estabeleceu pensão na Metrópole de 1.000$00 (OS 201).

 A 14.07.70, pelas 06h00, marchou para o interior da Província e regressou a 15.07.70 pelas 18h00 (OS 219). 

Volta a 21 e 26 de setembro para novas operações de combate. 

A 27 de janeiro de 1971 regressa pelas 18h00 do interior da Província. 

A 14.02.71 pelas 10h00 volta ao interior da província (OS 40).

 Data do falecimento: em 15 de abril 1971 é ferido em combate e evacuado para o hospital Militar 241 pelas 15h00, onde vem a falecer. (OS 91).

Causas da morte: ferido em combate

Local do acidente:
Ganguirô, na região de Liporo / Canjadude

Certidão de óbito: segundo a certidão de óbito faleceu a 15 de abril 71 (OS 94).

Processo de averiguações:
Processo de averiguações pendente por acidente em serviço desde 19 de abril (OS 95).

Abatido ao efetivo: abatido ao efetivo do BCP12 e da CCP 123 desde 15 de abril por ter falecido em combate, sendo transferido para o DRM 5 (OS 128 de 2 de junho 71 do BCP 12).

Unidades onde prestou serviço: RCP – 1969, 409 dias. BCP – 12, 106 dias

Tempo de serviço:
1969, 94 dias. 1970, um ano. 1971, 104 dias

Local da sepultura:
Cemitério do Vimeiro.

2.2 . Registo disciplinar: condecorações e louvores

Medalha de segunda classe segunda classe de comportamento (Artº 188.º do RDM) é-lhe atribuída a 21.02.69.

Louvor a título póstumo: “pelas suas qualidades de trabalho, dedicação, voluntariedade e espírito de sacrifício demonstradas ao logo dos nove meses em que permaneceu nesta província. Dotado de elevado espírito de missão e agressividade demonstrou sempre altas qualidades de tenacidade, espírito de camaradagem, resistência e espírito de sacrifício, nunca se poupando a esforços para total cumprimento das suas funções, e oferecendo-se voluntariamente para operações e serviços que não lhe competiriam especificamente. Extraordinariamente cumpridor, disciplinado, leal e dedicado pelo serviço, granjeou a estima e consideração dos seus camaradas e superiores tornando-se merecedor de público louvor. (OS nº/64 do BCP 12 a 16 julho 71)”.
 
3. PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES AO ACIDENTE: ANOTAÇÕES E CONTEXTO

No seu processo, consultado no AGE - Arquivo Geral do Exército, não consta o Auto de Averiguações ao acidente que lhe provocou a morte.
  
(Continua)

 (Revisão / fixação de texto: LG)
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quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27158: Felizmente ainda há verão em 2025 (25): Cabo Verde, onde os sonhos proliferam e as águas azuis dão as bem-vindas aos visitantes (José Saúde, ex-Fur Mil Op Especiais)

1. Mensagem do nosso camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Especiais da CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), com data de 25 de Agosto de 2025:

Cabo Verde, onde os sonhos proliferam e as águas azuis dão as bem-vindas aos visitantes

Visita aos seus sabores, às suas gentes e a Ilhas de inigualáveis prazeres

Cabo Verde, com nove ilhas habitadas – Santiago, Fogo, Maio, Brava, Boa Vista, Sal, São Vicente, Santo Antão e São Nicolau -, é atualmente um país onde os seus sabores comestíveis, ou a delicadeza das suas gentes, ou, ainda, as suas Ilhas que são literalmente merecedoras de inigualáveis prazeres e possuidoras de características únicas de uma nação na qual existem místicas ancestrais que se enquadram com os valores naturais que os seus anfitriões recebem os forasteiros.

Jamais olvidaremos que o PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde – foi um movimento revolucionário fundado em 1956 que teve como grande impulsionador o nacionalista, e líder, cabo-verdiano Amílcar Cabral, um homem que havia nascido na Guiné-Bissau. Amílcar era um vanguardista que promoveu então a revolução Socialista e que lutou para derrubar o Império Português. O seu projeto passava por uma unificação de Cabo Verde com a Guiné-Bissau.

No ano de 1961 iniciou-se a Guerra Colonial em Angola, depois Moçambique e por fim na Guiné. Como sabeis camaradas que ao longo da guerrilha do ultramar, as nossas tropas tiveram sempre militares instalados em Cabo Verde. Lembro, também, de camaradas que iam passar férias a Cabo Verde, sendo os seus alojamentos marcadas pelo regozijo. Mariscos, cachupa, frutas, a versatilidade do milho e os vinhos do Fogo, faziam dos forasteiros um mar de prazeres. Mas, com a Revolução dos Cravos, 25 de Abril de 1974, as antigas colónias tornaram-se países independentes, sendo Cabo Verde pátria de uma viagem a não perder.
Por ironia do destino, a minha filha mais velha, a Marta, assistente de bordo da SATA, tirou uns dias de férias e lá foi a caminho de Cabo Verde, com o meu genro Pedro e o meu neto Salvador. Sendo ela assistente de bordo e conhecedora de grande parte do Mundo, diz-me que a Ilha do Sal, onde se encontra, é um dos sítios mais acolhedores que até agora visitou. Pessoas simpáticas, onde os seus manjares são puramente divinais e as suas histórias deveras enternecedoras.

Nós, conhecedores da aproximação existente entre a Guiné-Bissau e as Ilhas de Cabo Verde, tanto mais que fomos combatentes em solo guineense, ouvíamos “contos” que nos encantavam.

Agora, encostados ao peso de uma idade que não perdoa, resta-nos puxar pela memória, viajarmos nas “asas do vento”, partir ao encontro de camaradas cabo-verdianos com os quais convivemos no dia-a-dia na guerrilha da Guiné, deixando aqui um curto texto sobre um camarada ranger, furriel miliciano Ramos, natural de Cabo Verde, quando a 2 de agosto de 1973 chegámos à Guiné. História, a dele, emotiva e, quiçá, argumento para um filme que que transmitiria emoção.

O Ramos, foi para o Batalhão de Pirada, eu para o de Nova Lamego, Gabu.


Ramos, furriel miliciano ranger que desertou para o PAIGC

De Tavira à Guiné
Com o Ramos nos barracões (onde dormíamos) no QG, em Bissau

O seu sorriso encantava! Entrava-me no goto. Já éramos dois tendo em conta a nossa habitual expressão facial. Um moço que se integrava facilmente em qualquer ambiente. O esmalte dos seus dentes, a sua bondade emocional e a forma afável como curtia com os camaradas desafiadas conversas de têmpera diversa, levaram-me a travar com ele uma amizade recíproca ao longo de um certo período das nossas vidas militares.

Assentei praça com o Ramos no CISMI, em Tavira, no dia 10 de outubro de 1972. Ficámos em companhias diferentes, todavia cedo existiu entre nós uma empatia que nos tornou amigos. O Ramos estava junto a outros camaradas que tinham viajado com ele de Cabo Verde.

No final da recruta em Tavira, o Ramos, o Daniel e um outro camarada cabo-verdiano, acompanharam-me na viagem a caminho de Lamego. Operações Especiais/ Ranger foi o nosso fim. O Daniel foi para o curso de oficiais e nós para o de sargentos.

A nossa amizade reforçou-se. Penude fortaleceu laços emocionais que partilhámos durante um tempo… sem tempo.

Fomos ambos para a Guiné e justamente na mesma altura. Quis o destino que o nosso reencontro se apresentasse como dado adquirido nas instalações do Quartel-General (QG), em Bissau. Um abraço forte entre dois rangers selou a nossa afeição.

O Ramos foi para o Batalhão de Pirada e eu para o de Nova Lamego. Ficou a promessa de voltarmos a reencontrarmo-nos um dia. Todavia, essa promessa dissipou-se no tempo e nunca mais encontrei o meu simpático camarada de armas.

Soube, muito posteriormente, e numa conversa com o camarada Pedro Neves, também ele ranger e do nosso curso em Lamego, que o bom do Ramos se pirou, a dada altura, para o PAIGC. Não foi um guerrilheiro ativo contra as suas anteriores tropas, confessava. Foi um operacional, mas em áreas diferentes. Da aventura ficou a certeza, deduzo, que esteve integrado num movimento que lutou no terreno pelos seus direitos, sendo que alguns dos principais dirigentes do PAIGC oriundos de Cabo Verde, também o terão feito, por honra ao seu torrão materno.

Depois do 25 de Abril de 1974 o Pedro Neves e o Ramos reencontraram-se em Bissau. O Ramos, sempre desperto para a conversa, e sobretudo alegre, contou as suas peripécias, assumiu a sua aventura, e após a independência o simpático homem de Cabo Verde, num estilo simples, cordial, referiu que tinha regressado ao exército português que o terá levado de volta ao seu país.

Uma história maravilhosa de um rapaz, sem vaidade, que no momento exato cedeu ao que o seu coração lhe pediu. Tinha, com certeza, referências sobre os líderes que assumiam o comando de um Partido que lutava pela independência da sua pátria mãe.

Até um dia, camarada ranger Ramos!

Abraços, camaradas
José Saúde
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Nota do editor

Último post da série de 27 de Agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27155: Felizmente ainda há verão em 2025 (24): amigos e camaradas da Guiné, não havia régulos em Angola... apenas sobas e regedores (Fernando de Sousa Ribeiro)

Guiné 61/74 - P27157: Historiografia da presença portuguesa em África (495): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1939 (50) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Março de 2025:

Queridos amigos,
A 4 de setembro, o Governador Carvalho Viegas faz questão de informar os seus governados de que o novo conflito que se abriu na Europa vai seguramente exigir apertos de cinto. O governador prossegue a consolidação constitucional e administrativa, depois da Censura temos agora a Mocidade Portuguesa, procura-se valorizar o ensino primário, desejam-se estátuas em agradecimento ao presidente Ulysses Grant e a todos aqueles que serviram a Guiné, bem como os navegadores que aqui chegaram; a fortaleza de Bissau passou a ser considerada monumento nacional; louva-se um chefe de posto em Canhabaque e o governador não se coíbe de se auto-elogiar, fá-lo discretamente; e em novembro começam a ser tomadas medidas rigorosas contra o mercado negro e o açambarcamento. Vai começar um tempo em que circulará nos mercados uma quantidade inusitada de ouro em pó. O Governo de Lisboa vai pedir informações sobre a situação da África Ocidental Francesa, a partir da capitualção da França, em junho de 1940, a Resistência encabeçada pelo general de Gaulle merece muitas simpatias na região, Lisboa, a todo o transe, quer um equilíbrio de relações com o Eixo e os Aliados, o que acontecerá até 1943.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1939 (50)


Mário Beja Santos

Anuncia-se a 4 de setembro que há novamente guerra no palco europeu, a população que se prepare para sacrifícios. O ano inicia-se com mais informações de caráter organizacional e institucional. A Mocidade Portuguesa chegou à Guiné, esboça-se as ações de formação em Bolama e Bissau; no mesmo ano em que se inicia a guerra dá-se uma reorganização do ensino primário; apela-se aos doadores que contribuam para se erguer em Bolama um monumento ao presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant; a fortaleza de Bissau para a ser considerada monumento nacional; é decidida a construção de um monumento ao Esforço da Raça.

As punições e castigos a casos de mão baixa merecem destaque no Boletim Oficial. Por exemplo, há processo ao Secretário da Repartição Técnica das Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro, António Cândido Duarte de Magalhães, em que ficou provado ter cometido graves infrações disciplinares, obrigado a restituir 250 escudos que indevidamente recebeu pela venda ilegal que fez de materiais do Estado.

No Boletim Oficial n.º 31, de 31 de julho, volta-se a falhar de Canhabaque, dá-se um louvor e o governador Carvalho Viegas não se ensaia nada em se autoelogiar, assim:
“Tendo o chefe de Posto de Canhabaque, Camilo José Maria Sousa Soares Montenegro dos Santos, concluído, integralmente, a cobrança do imposto de capitação, respeitante àquela área, num prazo bastante limitado, pelo que se torna merecedor dos mais justos louvores;
Considerando que a ação desenvolvida por aquele funcionário em cumprimento das ordens e instruções emanadas do governador da colónia como orientador da política indígena, é tanto mais de apreciar quanto é certo que o mesmo funcionário, há pouco alocado em Canhabaque, não podia conhecer, com segurança, a índole e psicologia do Bijagó, bastante diferenciadas das restantes raças da colónia;
Considerando ainda, que a execução dada às diretivas do governador da colónia, demonstra da parte do funcionário em referência uma nítida compreensão dos seus deveres profissionais e o maior interesse pela função que desempenha, porquanto, devido a uma política de atração inteligentemente desenvolvida, muitos indígenas houve que, voluntariamente, se apresentaram para pagar as contribuições de soberania com que não haviam sido coletados, em virtude de se encontrarem ausentes da ilha de Canhabaque – facto este que, por si só, basta para desanuviar a atmosfera menos patriótica e de menos confiança que havia sido criada e alimentada, com fins inconfessáveis, em torno da forma suasória como o governador solucionou a decantada questão Canhabaque, após a campanha militar que pessoalmente dirigira.”


E louva-se o chefe de posto que executou as diretivas do governador, “quanto à orientação da política indígena de uma ilha que, recentemente batida, militarmente, se encontra já no concerto geral das demais raças da colónia, há muito submetidas aos ditames da nossa soberania".

E prosseguem as reprimendas, há sanções que por vezes não são nada brandas. No Boletim Oficial n.º 34, de 21 de agosto, o governador manda descontar nos vencimentos do Chefe de Posto Joaquim Moreira a quantia de 200 escudos, a favor e como indeminização à Circunscrição Civil de Cacheu, pela inutilidade dos artigos que danificou. No seu despacho o governador diz que foi com manifesta benevolência que se tratou este chefe de posto. Consta dos autos que se fazia acompanhar de um corte de concubinas, descendo os seus insatisfeitos desejos de macho a pretender as mulheres dos seus subordinados; por tal comportamento o castigo foi regressar à categoria imediatamente inferior; já havia sido punido com a pena de 14 dias de multa, foi suspenso do exercício e perda de vencimento por 120 dias.

Começara a guerra na Europa, o governador deliberou travar o consumo. No suplemento ao Boletim n.º 36, de 5 de setembro, escreve-se em portaria que se tornava necessário fazer restringir ao mínimo o consumo de artigos cuja falta ou a insuficiência era provável que se viesse a dar, assim o consumo de gasolina, óleos e quaisquer carburantes ficava limitado ao transporte de mercadorias ou a serviços de absoluta necessidade; e todo o indivíduo que se servisse de viaturas automóveis quando não fosse em absoluta necessidade de serviço, por um caso de urgência particular ou de pronto-socorro, ou por imperiosa necessidade de serviço comercial, era multada em mil escudos pela primeira falta e no dobro em caso de reincidência.

Quem diz guerra diz mercado negro, açambarcamento, especulação, etc. E logo em 10 de dezembro, no suplemento ao Boletim Oficial n.º 45, o Governo toma medidas firmes, veja-se o preâmbulo e o conteúdo da portaria, depois de se dizer que é intuito do Governo acautelar os interesses do público consumidor contra injustificados aumentos de preços, e que o Governo iria exercer uma ação vigilante em defesa da economia privada contra a ganância desenfreada do especulador e açambarcador, havia necessidades de toda a ordem, impunha-se de modo terminante impedir ou punir os lucros ilícitos à custa do público consumidor; dizia-se também que os conflitos internacionais traziam sempre consigo perturbações de ordem mercantil; e o governador mandava constituir em Bolama uma comissão com vários altos funcionários, incumbindo-lhes, com a maior urgência possível, de elaborar um preçário dos artigos de consumo corrente.

E dava-se conta das contravenções que seriam punidas: “Todo o produtor ou comerciante que ocultar as suas existências de mercadorias ou produtos ou que se recusa, a vendê-las segundo os usos normais da atividade agrícola, industrial ou comercial, e ao preço corrente no mercado indicado no preçário, incorrerá na multa correspondente ao máximo permitido pelo código penal, e as existências açambarcadas apreendidas e vendidas extrajudicialmente, revertendo o produto em benefício do tesouro.” A lista das sanções não se fica por aqui, explica-se o que é um comportamento de recusa, os castigos que impendem sobre os especuladores, como se processará o arresto dos bens do infrator, etc.

E no Boletim Oficial n.º 50, de 11 de dezembro, por portaria dá-se como extensivas ao interior da colónia as tabelas elaboradas pelas Comissões de Bolama e Bissau por forma a haver regularização de preços. E no mesmo Boletim, fala-se então de Ulysses Grant e do monumento ao Esforço da Raça:
“Sendo de portugueses o espírito nobre de fazer justiça ainda há bem pouco tempo vincado nos projetos da construção dos monumentos ao Esforço da Raça e ao presidente da grande república norte-americana, Ulysses Grant – está na consciência nacional prestar homenagem a todos aqueles que bem merecem da Pátria;
E, assim, cairá bem no sentir de todos que se perdure no mármore e no bronze eternos a memória dos grandes navegadores que, na febre intensa de descobertas e conquistas, abrindo novos horizontes ao mundo, chegaram às costas da Guiné.

Considerando que da importância recolhida para a construção do monumento ao Esforço da Raça há um saldo importante que se pode aproveitar na mesma situação de homenagear os nossos maiores… O governador apela então que se construa um monumento em homenagem aos navegadores portugueses descobridores da Costa da Guiné, e que o saldo a haver da importância consagrada ao monumento do Esforço da Raça seja consagrado a um fundo destinado à construção desse monumento de homenagem aos navegadores. O monumento ao Esforço da Raça devia ser erigido na avenida principal de Bissau.”


Anuncia-se aos guineenses que há guerra na Europa, a Alemanha invadiu a Polónia, Grã-Bretanha e França declararam guerra à Alemanha
Casa Gouveia, Ilhéu do Rei, Guiné-Bissau, 2015.
Fotografia de Francisco Nogueira, com a devida vénia
Imagem do Carnaval de Bissau, 2015, publicada no jornal O Democrata, com a devida vénia
Correio aéreo, Império Colonial Português, carta registada na estação de Bissau a 10 de Março de 1940, chegou a Nova Iorque em 2 de abril
Monumento ao Esforço da Raça, decisão tomada por Carvalho Viegas em 1939
Tatuagens "Mulher Bijagó"
Escultores Bijagós
Futa-Fulas fiando

Três imagens retiradas do livro Babel Negra, de Landerset Simões, publicado em 1935

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 20 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27134: Historiografia da presença portuguesa em África (494): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1938 (49) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25156: Capas da Ilustração Portugueza - Parte XI: as "campanhas de pacificação e ocupação" do sul de Angola; o desastre do Vau do Pembe (em 25 de setembro de 1904)

 


Tropas portuguesas da guarnição de Angola, a caminho do interior,  preparando um bivaque (segundo um croquis)


Capa da Illustracão Portuguesa, I Ano, nº 49, 10 de outubro de 1904 (Edição semanal, Empresa do Jornal O Século, Lisboa; editor, José Jourbert Chaves) (Cortesia de CM Lisboa / Hemeroteca Digital) (*)


1. O semanário dedica a capa e as duas páginas centrais às "Guerras de África: alguns oficiais portugueses na guerra dos cuanhamas" (pp. 0776/0777), que se traduziu por um "terrível desastre":


"A notícia deste terrível desastre impressionou vivamente o país e veio lançar o luto sobre as armas portuguesas. Habituados a constantes vitórias em África, vitórias que têm colocado os nossos soldados entre os melhores do mundo, a derrota agora sofrida cai sobre nós como uma calamidade e vem demonstrar a razão que tinha a imprensa, quando, com o Século à frente, achava insuficiente o número de expedicionãrios. Para demais s já desde 1896 se sabia as forças de que dispunham esses inimigos, pois tendo ido em comissão o capitão Luna de Carvalho teve ocasião de dizer algumas coisas sobre




a situação dos cuanhamas. O régulo Jula vivia em Oujiva e em sua residência havia mobiliário europeu, e ele vestia à europeia, como os seus grandes. Os cuanhamas tinham cerca de 10.000 guerreiros, armados à moderna, dispunham entre eles de bons cavaleiros e esse número deve ter aumentado consideravelmente até agora, calculando-se em 50.000 homens as forças atuais.

Foi por isso uma temeridade atacar esses vizinhos dos herreros, famosos guerreiros que noutros encontros têm batido as tropas alemães; porém decerto os nossos teriam vencido se fosse



mobilizado maior número, como tantas vezes se aconselhou. O destacamento que ia ao encontro dos cuanhamas, era composto de dois pelotões de infantaria europeia, quatro pelotões de infantaria indígena, duas bocas de fogo e uma secção de artilharia, na totalidade de 409 homens, dos quais foram mortos 254, contando entre eles 16 oficiais e 13 sargentos.

O corpo principal da coluna não entrara em fogo e concentrou-se no dia seguinte no Humbe, tendo-se dado a chacina pela noite na margem do Cuneme, sendo os atacantes os cuamatas, povo aliado


dos cuanhamas e como eles dispondo de forças importantes. O comandante das tropas era o capitão de engenharia João Maria d' Aguiar, governador da Huila, que se encontrava com a coluna, pois do contrário teria sido vítima com os seus camaradas.

Oficial valente e distinto, sem dúvida tirará uma brilhante desforra deste desastre que tanto vem enlutar a pátria portuguesa.

Fonte: Excertos de Illustracão Portuguesa, I Ano, nº 49, 10 de outubro de 1904, pp. 0776/0777)

(Revisão / fixação de texto: LG)


1. Uma efeméride trágica: foi em 25 de setembro de 1904, vai fazer agora 121 anos, que o exército português sofreu uma sério revés nas campanhas de pacificação e ocupação do sul de Angola.


A cerca de 500 quilómetros da costa, uma coluna comandada pelo governador da Huíla, o capitão de engenharia João Maria de Aguiar (de que fazia parte Gomes da Costa, mais tarde líder do golpe de estado militar do 28 de maio de 1926), internou-se para lá do rio Cunene, através do vau do Pembe.  

Portugal estava decidido a bater o pé aos alemães que que estavam a expandir, para norte, a sua colónia do Sudoeste Africano Alemão (1884-1915) (hoje Namíbia, independente da África do Sul, desde 1990). (**)

(..) "Só em 1904 é que os portugueses lançaram a primeira grande campanha além-Cunene, para ocupar o Reino do Cuamato Pequeno, do Cuamato Grande e o Reino Cuanhama mas esta redundou numa derrota na Batalha do Vau do Pembe

"O 'Desastre do Pembe' galvanizou os ovambos, em particular os cuamatos, que começaram a atacar tribos sob a protecção de Portugal e até a ameaçar fazendas na margem norte do Cunene mas galvanizou também a opinião pública portuguesa, que forçou o governo português a intervir na região." (...) (Vd. Wikipedia > Campanhas de Pacifiocação e Ocupação).


Os Portugueses, apanhados numa emboscada, caíram às mãos de outra tribo do grupo dos Ambós, os Cuamatos, e deixaram no local duas centenas e meia de mortos (mais de cem,. de origem metropolitana), o que representou, à escala africana, uma trágica surpresa para a Europa colonizadora (Portugal, Alemanha, Grã-Bretanha).

A ermboscada do Vau do Pembe (um ponto de travessia do rio Cunene) foi descrito pela "Ilustraçáo Portuguesa",  duas semanas depois (na edição de 10 de outubro de 1904) como um desastre  para as tropas portuguesas lideradas pelo capitão Luís Pinto de Almeida, que trouxe imensa dor e luto para a pátria portuguesa.

 João Roby (1875-1904), oficial da armada, é uma das figuras centrais da memória da Batalha do Vau do Pembe (também conhecida como Combate de Umpungo).
 
(Imagem à esquerda:  foto de João Roby,  "IIustração Portuguesa",I Ano, nº 49, 10 de outubro de 1904, pág. 0776).
 
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Notas do editor LG:


(**) Com a ajuda do ChatGPT, apurei o seguinte sobre este "protetorado alemão" (1884-1915):

(i) em 1884, a  Alemanha (com o chanceler Otto von Bismarck, o pai-fundador da Alemanha Moderna),no contexto da “Partilha de África” (Conferência de Berlim, 1884-1885), declarou protetorado sobre a região costeira do atual Namibe/Namíbia, a pedido de comerciantes e colonos alemães, nomeadamente Adolf Lüderitz (1834-1886), que já tinha adquirido, de maneira fraudulenta,  terras aos chefes locais;

(ii) a colónia foi chamada Deutsch-Südwestafrika (Sudoeste Africano Alemão) e foi a primeira e a mais importante colónia de povoamento alemã em África;

(iii) tinha, desde 1891, a capital em  Windhoek;  o número de colonos alemães andava à volta dos  15 a 20 mil (antes da Primeira Guerra Mundial);

(iv) a economia colonial assentava sobretudo na criação de gado, na agricultura e, a partir de 1908, nas importantes minas de diamantes descobertas em Lüderitz;

(v) o "protetorado" encontrou forte resistência por parte das populações locais:  Herero, Nama (também chamados Hotentotes, povo nómada), Damara e San;

(vi) 1904-1908: genocído dos Herero e Nama: rebeliões contra a ocupação alemã, foram reprimidas de forma extremamente violenta; o general Lothar von Trotha aplicou  uma política de extermínio; como resultado: dezenas de milhares de pessoas (entre 65% e 80% dos Herero e cerca de 50% dos Nama) morreram em massacres, perseguições no deserto, inanição, envenenamento de poços  e campos de concentração (no que foi considerado mais tarde, pela ONU,  o primeiro ou um dos primeiros genocídios do séc. XX).

(vii) extinção do protetorado: em 1915, no decurso  da Primeira Guerra Mundial, forças da União da África do Sul (do Império Britânico) invadiram e ocuparam o território;

(viii) em 1919, pelo Tratado de Versalhes, a Alemanha perdeu todas as suas colónias; o Sudoeste Africano passou a estar sob  mandato da Sociedade das Nações (antecessora da ONU), administrado pela África do Sul, situação que se prolongaria até à independência da Namíbia em 1990. 

(Condensação, revisão/fixação de texto: LG)

Guiné 61/74 - P27155: Felizmente ainda há verão em 2025 (24): amigos e camaradas da Guiné, não havia régulos em Angola... apenas sobas e regedores (Fernando de Sousa Ribeiro)


Angola > s/l > s/d > Fotografia, do domínio público, mostrando uma dança guerreira cuanhama, em 
que os participantes empunham arcos, flechas, lanças, etc. O 17º (e último)  rei dos cuanhamas foi o chamado soba Mandume (1894-1917).

Imagem e legenda: Cortesia do Fernando Ribeiro. Edição: Blogue Luís Graça 



(i) ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 /
BCAÇ 3880 (Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);

(ii) membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780, tem 35 referências no nosso blogue.

(iii) engenheiro, natural do Porto, é o administror do blogue "A Matéria do Tempo"que mantém ativo desde janeiro de 2006 até hoje.


1. Comentário do nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro, ao poste P27148 (*)

A palavra "régulo" não era usada em Angola. Ela podia figurar na legislação do território (não sei se figurava ou não), mas ninguém em Angola chamava régulo a um chefe tradicional. Isso era na Guiné e em Moçambique. A designação genericamente usada em Angola para designar um tal chefe era "soba".

A definição de soba está muito bem exposta na página FAAT-Fórum Angolano das Autoridades Tradicionais do Facebook, referida pelo Luís.

 A definição de soba que é dada na página referida é genérica. No concreto, existem algumas variantes, dependendo das etnias.

No próprio texto, vem a seguinte frase: «Existem dois tipos de Sobas, o Soba grande (regedor) e o Soba.» 

Eu nunca ouvi chamar "soba grande" a um regedor, mas, pelo menos entre os bacongos, o regedor era mais do que um soba; um regedor tinha vários sobas na sua dependência e (caso não fosse apenas um fantoche nomeado pela administração colonial) podia ser muito poderoso e influente. 

Conheci um regedor que era tão respeitado pelos seus súbditos que nem a PIDE se atrevia a meter-se com ele, por receio de provocar um levantamento popular... Os pides limitavam-se a vigiá-lo de longe, sem darem nas vistas.

O soberano dos cuanhamas também usava o título de soba, ainda que de facto fosse rei. O último rei dos cuanhamas foi o chamado soba Mandume, que acabou por se suicidar com um tiro de Mauser para não ser capturado, no fim das campanhas ditas "de pacificação". 

Eu mesmo sou testemunha da enorme admiração que os meus soldados africanos (de qualquer etnia) nutriam pelos cuanhamas, precisamente por causa da sua tenaz resistência à colonização portuguesa (em Angola) e alemã (na Namíbia). Diziam os meus soldados que não foram os portugueses nem os alemães que venceram os cuanhamas; foi a fome, provocada por uma seca entretanto surgida.

Do ponto de vista físico, os respeitados e admirados cuanhamas são um povo tendencialmente de elevada estatura e com feições que fazem lembrar as dos etíopes, sudaneses e até dos tuaregues, pelo menos em alguns casos. Praticam uma economia agro-pastoril e têm tradições guerreiras. Dito isto, será possível que haja algum laço de parentesco entre os cuanhamas e os fulas?

A imagem que se publica acima, é muito antiga e mostra uma dança guerreira cuanhama, em que os participantes empunham arcos, flechas, lanças, etc.
 
Em Coimbra existiu uma república de estudantes chamada Kimbo dos Sobas (no plural) (imagem `^a esquerda). Ela era assim chamada por ter sido fundada por estudantes angolanos. 

A República Kimbo dos Sobas teve uma participação ativa na crise académica de 1969, juntamente com todas as outras repúblicas da cidade, menos uma.

A palavra quimbo é sinónima da palavra sanzala e ambas equivalem a tabanca. 

No norte de Angola usa-se a palavra sanzala, enquanto no centro e no sul se usa a palavra quimbo. Duvido seriamente que a palavra quimbo venha do umbundo, porque na língua umbundo não existe a sílaba ki, que é sempre substituída pela sílaba tchi. A palavra quimbo poderia ser, por exemplo, uma forma abreviada da palavra quilombo.

Angola não era a joia da coroa do império português, de maneira nenhuma. A joia do império era Goa. Angola era um território para onde eram desterrados os condenados ao degredo pela Justiça, como aconteceu ao Zé do Telhado e a muitos outros. Um território assim não pode ser joia de coisa alguma.

O selo moçambicano que se vê na última imagem é um selo da Companhia do Niassa, uma companhia majestática equivalente à sua vizinha Companhia de Moçambique. Note-se que em parte nenhuma do selo se pode ler a palavra "Moçambique", o que é muito significativo.



2. Comentário do editor LG:

Fernando, tens toda a razão no que respeita ao uso da palavra "régulo" em Angola. Se leres o Decreto-lei 23228, de 15 de Novembro de 1933 (Carta Orgânica do Império Colonial Português), o termo genérico consagrado para as autoridades gentílicas é regedor (soba em Angola, régulo na Guiné e em Moçambique, liurai em Timor...).

Já que estamos no verão de 2025 e a nossa universidade sénior não encerrou para ir... a banhos, vamos discorrer um pouco sobre esta "bizantinice"...(Ou talvez não: acho que não estamos a discutir o "sexo dos anjos"... As questões terminológicas também são importantes... Corrigi o poste P27148, substituindo régulo por regedor. E dei conhecimento a alguns dos nossos "amigos angolanos").

Este diploma de 1933 é um marco do regime do Estado Novo na definição da política colonial, consolidando a ideologia do império orgânico, centralizado e hierarquizado. Um império ainda em grande parte de "papel"... Lisboa gostava de gerir o seu vasto e glorioso império, "de caneta e papel" em cima da secretária do gabinete... Até 1936 as campanhas de pacificação e ocupação ainda continuariam (na Guiné, nos Bijagós, em Canhabaque)

Sumário: Promulga a Carta Orgânica do Império Colonial Português, que dispõe sobre a administração colonial portuguesa nas seguintes províncias: Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Estado da Índia, Macau e Timor. Estabelece os orgãos centrais de governo do imperio colonial, enunciando as suas atribuições, estrutura, competências e funcionamento. Dispõe sobre os funcionários coloniais e os serviços militares, bem como sobre a administração financeira e de justiça, a ordem social e económica e sobre os indígenas.

No que toca às autoridades gentílicas (designação para chefes locais africanos, como régulos, regedores, sobas, liurais, etc.), destacam-se os seguintes pontos:
  • Reconhecimento subordinado:
(ii) as autoridades tradicionais são reconhecidas, mas apenas enquanto delegadas do poder colonial; 

(ii) são enquadradas num sistema administrativo em que a soberania pertence exclusivamente ao Estado português.
  • Funções atribuídas:
(i)  cobrança de impostos e taxas (nomeadamente o famigerado “imposto de palhota”);

(ii) colaboração no recrutamento de trabalho forçado ou contratado (obras públicas, culturas obrigatórias, como o algodão, o café, a mancarra);

(iii) manutenção da ordem pública local, em articulação com a administração e forças militares;

(iv) apoio em campanhas de “civilização” (escola, missões catequese, saúde).
  • Nomeação e demissão:
(i) o poder colonial detém a prerrogativa de nomear, confirmar ou destituir os chefes gentílicos;

(ii) o que vem  esvaziar a legitimidade “tradicional” dessas autoridades, subordinando-as a critérios coloniais de “fidelidade”, "submissão" e “utilidade”.
  • Estatuto jurídico desigual:
(i) as autoridades gentílicas estavam enquadradas no Estatuto do Indigenato (abolido só em 1961), com direitos políticos e civis limitados:

(ii) não eram equiparadas a funcionários da administração colonial, mas sim auxiliares, com remuneração e prestígio dependentes da boa conduta perante os administradores coloniais.

 Análise Crítica do di0ploma:
  • Instrumento de dominação indireta
(i) o sistema reproduz a lógica do “indirect rule” britânico, embira forma menos institucionalizada;

(ii) Portugal utilizava os chefes locais para reduzir custos de administração e controle, em territórios a milhares de quilómetros de distância (em relação ao Terreiro do Paço), mantendo o "verniz" da continuidade e do respeito das estruturas tradicionais.
  • Ambiguidade entre tradição e colonialismo:
(i) embora se afirmasse respeitar “usos e costumes”, na prática tratava-se de uma manipulação seletiva da autoridade tradicional;

(ii) muitas vezes, os chefes hostis eram destituídos e substituídos por figuras mais maleáveis, corroendo a legitimidade das hierarquias locais.
  • Reforço da exploração colonial:
(i) a função principal atribuída às autoridades gentílicas era extrativa e coerciva: impostos, trabalho, disciplina, obediência, "compliance";

(ii) isso colocava-as em contradição (e conflito) com as próprias comunidades, passando a ser vistos como agentes do colonialismo.
  • Fragmentação e dependência:
(i) a política colonial dividia chefes e povos, ftragmentava comunidades, estimulava rivalidades internas, enfraquecia resistências coletivas e transformava ideranças locais em peças dependentes de Lisboa.
  • Efeito a longo prazo:
(i) após a independência, em vários territórios africanos, a herança das “autoridades gentílicas” sobreviveu de forma ambivalente;

(ii) por um lado, eram vistas como colaboracionistas; por outro, foram recuperadas em certas conjunturas como mediadoras comunitárias;

(iii) na Guiné, por exemplo, a memória da colaboração dos chefes gentílicos (régulos, chefes de tabanca, cipaios, guias e picadores, milícias...) com o poder colonial marcou o discurso político do PAIGC, que os acusava de serem “agentes do colonialismo”, "cães do colonialismo".

Em resumo:

O Decreto-lei 23228, de 15 de novembro de 1933,  institucionalizou um sistema de colonialismo indireto tutelado, em que as autoridades gentílicas foram reduzidas a instrumentos auxiliares do Estado Novo, destituídas da sua autonomia tradicional e transformadas em mediadores coloniais subordinados.

Embora tenha permitido algum grau de governabilidade num império vasto  e disperso, e com recursos administrativos limitados (humanos, técnicos, logísticos, financeiros...), comprometeu a legitimidade das lideranças africanas e criou dinâmicas de exploração, desconfiança e fragmentação social que perduraram para além da descolonização.

Vd. https://dre.tretas.org/dre/97412/decreto-lei-23228-de-15-de-novembro#anexos

(Fonte: Pesquisa: LG + IA/ChatGPT | Condensação, revisão / fixação de texto: LG)


PS - Fernando, quanto ao significado e origem da palavra "quimbo"...  "Quimbo" = bairro/aldeia indigena do centro de Angola; significa «no bairro» («ku imbo»); ficou em português: «quimbo». (Explicação dada no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, 4 de maio de 2000).


O dicionário Priberam diz que "quimbo" (ku imbo) vem do umbundo... Quem sou eu para discordar ? E parece fazer sentido: o umbundo é a língua falada pelos ovimbundos, povo originário do Planalto Central de Angola; é a língua banta mais falada em Angola. O vocábulo "sanzala" usa-se no norte, e "quimbo" no sul, como tu reconheces.

Quanto á "jóia da coroa", Angola ou Goa... Bom,  refiro-me ao período do Estado Novo e ao tempo da guerra colonial... A Índia Portuguesa ficou definitivamente perdida em 1961...

De facto, originalmente, as colónias foram um um lugar de coerção e desterro (da Guiné a Timor, passando por Angola)...

Finalmente, o selo de 1901 é realmente exclusivo da Companhia (majestática) do Niassa (um estado dentro do estado, como se costuma dizer).


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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 24 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27148: Felizmente ainda há verão em 2025 (22): Em Angola, nem todos os sobas eram régulos e nem todos os régulos eram sobas