"O relatório de Vasco Calvet de Magalhães, administrador da Circuncrição de Geba, datado de 1914, é, a diferentes títulos, um documento excepcional: afoita-se por domínios até então inexplorados ou mal ventilados; propõe estradas e fala do respectivo traçado; queixa-se e denuncia funcionários corruptos;abalança-se a falar da origem dos fulas,apresenta soluções para o assoreamento do Geba,é uma incursão com pretensões literárias e algumas ambições políticas.Foi neste documento que encontrei esta preciosidade,um porto de Bambadinca que nenhum de nós conheceu..." (BS)
Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.
Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 24 de Abril de 2008:
Operação macaréu à vista > Episódio XL > OPERAÇÃO BERINGELA DOCE
por Beja Santos (2)
(i) O Ring, de Wagner, em Bafatá e uma nova conversa com D. Violete
Caminhamos para o fim de Maio [de 1970], sinto-me mais velho pois vou fazer em breve vinte e cinco anos, o major Herberto Sampaio já me avisou que amanhã tenho de apresentar o projecto do patrulhamento ofensivo em que vamos bater a região entre Amedalai, Demba Taco, Moricanhe, depois subimos pela antiga tabanca de Chicamiel, passamos pela palmar de Gundaguê Futa-Fula, contornamos o Baio e o rio Buruntoni, montamos uma emboscada entre Gundaguê Beafada e Ponta Varela, iremos percorrer Ponta Varela até à região onde habitualmente as forças do Buruntoni atacam as embarcações que entram no Geba estreito, atravessamos Madina Colhido e finalizamos no Xime. Qualquer coisa como trinta quilómetros, se não mais, tudo a pé entre Amedalai e Xime. É-me sugerido que leve todas as milícias da região, precisam de ser moralizadas depois das flagelações que todas estas tabancas sofreram, em Março e Abril, ficarão lá pelotões da Companhia do Xime, posso levar carregadores e devo organizar um plano de ajuda com os artilheiros do Xime.
Fica igualmente combinado que haverá um dia de descanso na véspera, é uma caminhada enorme, o calor não abranda, há muitos riscos à nossa espera, é indispensável boas transmissões, telas, discutir um plano de retirada no caso de sermos surpreendidos a partir de Moricanhe, o que não é improvável.
A história do BCaç 2852 não nos concede qualquer referência, embora fale nas operações Gato Irritado, Arroz Cozido e a Rã Teimosa, nesta última andaram dois grupos de combate da CArt 2520 entre Ponta Varela e Baio, dias antes, não houve quaisquer contactos e vestígios.
O BArt 2917 chegou a Bambadinca entre 29 e 31 de Maio [de 1970], iniciou-se a sobreposição com o BCaç 2852, que partiu na segunda semana de Junho. A Beringela Doce ocorreu na data da sobreposição, uns estão a chegar e outros na euforia de partir, não houve tempo que passássemos a constar na história de ninguém. O que é estranho, pelo que adiante se vai descrever.
Continua a ser uma das gravações de referência do Anel dos Nibelungos, de Richard Wagner. Tinha extractos do Crepúsculo dos Deuses, que arderam em Missirá.Em finais de Maio de 1970,recebo uma mensagem da Casa Teixeira, de Bafatá: tem aqui uma preciosidade à sua espera.
Aparvalhado com a surpresa, abri um estojo com ,talvez, uma dúzia de discos com toda a tetralogia.Naquela idade, tinha só visto A Valquíria, de pé 5 horas mas feliz por ver umas das mais belas óperas de Wagner.Ouvi alguns trechos na companhia do Cherno Suane, o Valente das transmissões, na Casa Teixeira. Mas não tinha dinheiro para adquirir a preciosidade. Para me compensar, comprei há alguns anos estas grandes cenas onde posso recordar algumas das vozes sublimes daquele tempo, como Birgit Nilsson, Régine Crespin, Wolfgang Windgassen, Hans Hotter,entre outros. E a recordação daquela audição em Bafatá é inesquecível. O maestro Sir Georg Solti acabou o projecto do Ring do princípio ao fim, com a Filarmónica de Viena.
Entretanto, chega uma mensagem da Casa Teixeira, de Bafatá, o meu prestimoso fornecedor local de discos e livros. Que me apresente rapidamente, há uma grande surpresa à minha espera. E lá vou, numa daquelas manhãs de estafeta e recovagem com viagens por Madina Bonco e Samba Juli, ir buscar correio a Bafatá e passar por Bantajã Assá e trazer doentes. Foi mesmo uma grande surpresa. Era um estojo enorme com as quatro óperas do Anel dos Nibelungos, de Richard Wagner, ao todo quinze horas de música repartidas por O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses. Tinha desta última um disco com excertos, que desapareceu na voragem de 19 de Março, em Missirá. Era uma versão fabulosa do Ring, um projecto de anos que envolveu para além de Sir George Solti e a Filarmónica de Viena algumas das grandes sumidades wagnerianas do tempo como Birgit Nilsson, Régine Crespin, Hans Hotter, Wolfgang Windgassen, James King, entre outros.
Pelintra, não me dei por achado, pedi para ouvir ali alguns trechos, caso do prelúdio do Ouro do Reno, a entrada dos deuses no Walhala, da mesma obra, e a área final de Brünnhilda, no Crepúsculo dos Deuses. O gira-discos da Casa Teixeira era muitíssimo bom, não me fiz esquisito com o volume, a clientela estava espavorida com aqueles gritos bárbaros, aquelas cadências marciais, o tom apoteótico e dilacerante da filha de Wotan, o grande deus, que se precipita no Walhala, pondo fim ao Ring, depois da imolação de Siegfried. Agradeci muito, não tinha dinheiro para aquela empreitada, nem mesmo a prestações suaves. Cherno e o Valente das transmissões aguentaram estoicamente toda aquela ira dos deuses germânicos, suspiraram de alívio quando me despedi sem nada comprar. É que corriam o risco de ver o silêncio perturbado naqueles dias passados na ponte de Udunduma, como já não bastasse os mosquitos sanguinolentos...
No regresso, D. Violete vê-me da escola e acena-me com entusiasmo. Lá fui, mordido de curiosidade:
- Fui cumprimentar a minha amiga ao Sonaco, a neta de régulo Mamadu Sissé, e trago mais livros, não imagina as raridades que lhe vou emprestar. Olhe, tem aqui um relatório de um administrador de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, com quem Mamadu Sissé combateu, refere-se a 1914. O meu pai nunca falou dele, li o documento, ó, senhor alferes, que franqueza, que verdades duras como punhos! Creio que vai gostar muito, há mesmo aqui coisas que eu nem sabia, e traz fotografias muito interessantes.
Folheio no meu quarto este precioso documento, é desassombrado e cru, quase literário, sente-se um profundo entusiasmo pela descrição dos usos e costumes, com os seus recursos limitados traça um vigoroso registo de culturas para conhecimento dos brancos, que tudo ignoram desse Geba longínquo, uma área onde cabem o Oio, o Cuor, o Corubal, Badora, Cossé, Forreá. Fico a saber que o régulo do Cuor, na época, se chama Abdul Jujaz. Vou procurar tomar nota de tudo, depois conto-vos.
(ii) Os preparativos da “Beringela Doce”: o que sabe recear sabe os riscos a evitar
À sorrelfa, falo com o Augusto e com o Calado. Preciso de concentrar em Amedalai parte dos pelotões de milícias 241, 242 e 243, ter depois viaturas no Xime para regressar a Amedalai e daqui fazer seguir para Taibatá e Demba Taco as forças da operação e recolher mais tarde os contingentes da CArt 2520. Com o Calado discuto os rádios e as telas. Com a CCS, falámos depois das nossas necessidades em munições e equipamento, o morteiro 81 e dois morteiros 60 são indispensáveis.
Preciso igualmente de verbas para pagar a dez carregadores e dois guias. A pretexto de um patrulhamento entre os Nhabijões e Samba Silate, fui a Amedalai e informei o comandante do pelotão, Cherno Baldé, que falasse com os seus camaradas de Taibatá e Demba Taco para estarem nos seus respectivos quartéis à nossa espera, ao nível de duas secções, incluindo metralhadoras ligeiras e dilagramas. Desapareceu o relatório da operação, conversei recentemente com Queta Baldé e Cherno Suane acerca do que aconteceu. Ambos confirmaram que as forças de operação eram predominantemente tropa africana.
O picador do Xime Seco Indjai foi o nosso guia, ambos consideraram que tivemos muita sorte com esta escolha, Seco conhecia bem todo o terreno entre Moricanhe e as imediações do Baio, sabia perfeitamente que podíamos encontrar armadilhas tanto nos caminhos para Ponta Varela como na estrada Xime-Ponta do Inglês, e mais ou menos onde.
Na tarde de 27, converso com o major Herberto Sampaio, ele aceita o plano e os preparativos, promete acompanhar-me no ar na manhã de 29. Desloco-me ao Xime, aproveitando uma coluna de reabastecimento da CArt 2520, discuto com os artilheiros o plano de fogo à semelhança do que fizéramos nas operações Rinoceronte Temível e Jaqueta Lisa. Hesitei muito, era a primeira vez que percorria o mato entre Moricanhe-Chicamiel-Gundaguê Futa-Fula, as distâncias para mim eram pouco compreensíveis e por isso acertámos o mínimo de referências para fogo das peças do Xime, no caso de sermos emboscados.
No regresso, convoquei Nhaga Macque e Benjamim Lopes da Costa, informei que o Pel Caç Nat 52 iria sair ao fim da tarde, queria que todos viessem com cartucheiras e dois cantis, com alimentos para dois dias, quero chegar a Amedalai antes do lusco-fusco, iremos dormir aqui, nessa altura já lá estarão dois pelotões do Xime. Falei depois com o Cascalheira e o Ocante, repartimos tarefas e o posicionamento dentro da coluna, a partir de Demba Taco. A operação estava em movimento.
(iii) As reviravoltas da Beringela Doce
Ao amanhecer, já com as estradas picadas entre Amedalai, Taibatá e Demba Taco, fomos largando e recolhendo tropas nestas três importantes tabancas em autodefesa, onde se concentrava a maior parte da população do regulado do Xime. Clareava quando a coluna a pé partiu de Demba Taco flanqueando a velha picada abandonada até Moricanhe.
Queta Baldé sempre me disse que fora um erro não ter dado meios militares a Moricanhe, pela sua importância entre Mansambo e Xime, o seu abandono deu muito mais força ao PAIGC, tornou tudo mais fácil na fixação das suas populações entre Fiofioli, Mina, Gã Júlio, Galo Corubal e Biro, deu-lhes a possibilidade de pressionarem o regulado de Badora, pensarem mesmo em destruir a linha defensiva entre Samba Juli, Sinchã Mamajã, Sansacuta e Sare Adé. Moricanhe custara sangue, suor e lágrimas, mas a população não aguentou a persistência das terríveis flagelações com canhões sem recuo, abandonou as ricas culturas da região, refugiou-se em Amedalai e em Bambadinca.
Verificámos que a velha tabanca estava abandonada, a Natureza progredia a olhos vistos, tomava conta do terreno da velha tabanca e dos seus acessos. Nem vestígios de trilhos novos, não havia sinais de presença alguma. Progredimos para o palmar de Sinchã Seluel e depois Madina, uma lala riquíssima, nada, não havia indícios de presença humana. Seguimos para Chicamiel, e contornámos os frondosos palmares até Gidemo.
Aqui fizemos um auto e acordou-se com Seco Indjai e o seu companheiro (penso que se chamava Samba) que fôssemos a corta-mato até junto de Gundaguê Futa-Fula. É neste caminho que ouvimos disparos oriundos do Baio-Buruntoni, rebentamentos lá mais longe, talvez mesmo na foz do Corubal. Mas sentíamos que era praticamente impossível estarmos referenciados, marchávamos sempre no interior da mata. Porém, antes de Gundaguê Futa-Fula encontrámos um trilho bem simulado em direcção à velha tabanca do Buruntoni, as forças do PAIGC já não estavam longe. Pela rádio, informámos a nossa posição tanto para o Xime como para Bambadinca.
Contornando os palmares de Gundaguê Futa-Fula, avançámos para perto de Gundaguê Beafada, encontrámos uma antiga barraca do PAIGC abandonada, a preocupação era de fugir de trilhos armadilhados, o sol caminhava para a fornalha, fez-se um novo alto para comer e repousar uma hora, dentro da floresta fechada.
Conversando com os sargentos e os comandantes das milícias, estes consideraram importante aproveitar toda a luz para referenciar Gundaguê Beafada e depois cruzar a estrada Xime-Ponta do Inglês para a zona de Ponta Varela, ver se havia indícios da presença das populações que cultivam o Poindom e, a seguir, pernoitar entre Gundaguê Beafada e Madina Colhido. Pois bem, detectámos dois trilhos pronunciados, um que saía da região de Gundaguê Beafada em direcção ao Baio e outro, bem dissimulado, em direcção a Ponta Varela.
De Gundaguê Beafada seguimos cautelosamente em corta-mato em direcção a Ponta Varela e não havia dúvidas que esta região, a cerca de quatro quilómetros do Xime, estava cultivada e tinha a presença assídua das forças do PAIGC: caminhos em todas as direcções, tudo lavrado, corredores em direcção ao rio, certamente frequentados pelas forças que procuravam atacar as embarcações. O sol enfraqueceu, lá longe ouviam-se disparos, talvez de caçadores, bem seguros da sua impunidade.
Sempre com todas as cautelas, passámos para Madina Colhido e aqui se montou uma emboscada com vários sentinelas atentas às direcções do Buruntoni e Ponta Varela. Para nossa surpresa, a noite decorreu silenciosamente, sem fogo de artilharia do Xime, sem tiros isolados ou morteiradas dos territórios inegavelmente controlados pelo PAIGC. Nem o barulho das embarcações se ouviu, só o piar das árvores e a passagem dos animais.
É quando começa a alvorocer que os acontecimentos se precipitam: estamos dormentes pela noite insone, ninguém é capaz de dormitar num sítio tão arriscado como Madina Colhido, de repente, a voz de Mamadu Camará lança um brado, quebra o silêncio, seguem-se tiros e uma correnteza de rajadas curtas. É tudo inesperado, ninguém sabe o que é que se está a passar. Precipito-me com o sargento Cascalheira para o local do burburinho, há soldados em perseguição não se sabe do quê, uma mulher jaz caída golfando sangue do peito, o solo está juncado de sacos, peças de roupa, folhas de tabaco, material de cozinha, passeio-me atónito, tudo isto me parece inacreditável. Afinal, a coluna vinha do Xime, era um grupo de populares com abastecimento!
Peço para falar com Seco Indjai no meio deste arranzel. Seco dá várias explicações, nenhuma passa pela cumplicidade das populações do Xime, é efectivamente uma coluna de abastecimento, gente que terá pernoitado em Samba Silate, vindo por Taliuará, surpreendemo-los totalmente. Muitos dos meus soldados e milícias discutem vivamente com Seco, não acreditam nesta versão, para eles o centro de apoio está na tabanca do Xime.
Faz-se uma padiola, pela rádio pedimos uma evacuação Y a partir do Xime, embora não houvesse dúvidas que só um milagre salvaria aquela pobre mulher. E rapidamente chegámos ao Xime onde pouco depois um helicóptero a levou para Bissau. É nessa altura que o PCV começa a sobrevoar Madina Colhido e Ponta Varela, informo os resultados, é impossível continuar, as forças do Poindom e em Ponta Varela estão alertadas, vão emboscar, perdeu-se o factor surpresa.
É incompreensível a degradação a que chegou a nossa presença nesta região, é um inimigo forte, motivado e profundamente conhecedor das nossas fraquezas que se assenhoreou de tudo à volta do Xime. O que se vive aqui não é diferente do que presenciei no Cuor.
As viaturas põem-se em andamento, trouxemos todas as mercadorias apanhadas para serem analisadas, os Unimog com uma equipa de picadores à frente avançam para Amedalai, daqui para as outras tabancas em autodefesa para se fazerem as trocas de efectivos.
A Beringela Doce terminara com resultados minguados, o comando de Bambadinca extraia agora os respectivos ensinamentos. Encontro Bambadinca em alvoroço, a chegada dos periquitos que vêm render o BCaç 2852 vai começar esta tarde. Com o corpo moído mas desperto, acompanho a arrumação das munições, vou conhecer as tarefas dos próximos dias, é agora que me vai cair em cima o acompanhamento dos trabalhos dos Nhabijões.
Aproveito as últimas energias para começar a fazer o relatório, entretanto passei pelo gabinete de Jovelino Corte Real e contei-lhe aquilo que ele não quer ouvir: o Xime está cercado, as colunas de reabastecimento para o Buruntoni passam ali perto, impõe-se rever toda a estratégia, talvez melhorar os efectivos nas tabancas em autodefesa, afinal pode-se ir ao Buruntoni mais facilmente a partir de Moricanhe. Mas Jovelino Corte Real já não me ouve, o que lhe estou a dizer só terá sentido para o seu substituto.
Maio está a chegar ao fim. Sei muito bem que começa um período de adaptação para o novo batalhão e nós iremos colaborar. Vou fazer vinte e cinco anos, tenho pelo menos mais dois, três meses de guerra. Da cabeça não me sai aquela mulher morta. Sempre ouvi falar em soldados desconhecidos, não conheço uma só referência a monumentos dedicados a mulheres mortas durante as guerras.
Nº51 da Colecção Vampiro, tradução de Álvaro Cardoso, capa de Cândido da Costa Pinto.
É uma estória contada em bom ritmo, envolvendo uma das duplas mais pândegas da literatura policial: Johnny Fletcher e Sam Cragg,uma associação sem rival de cérebro e músculos .Esta dupla de vendedores de livros em que se ensina a ter um físico de Sansão está nas lonas, são expulsos do hotel mas no seu quarto está um homem esquartejado com uma moeda valiosíssima numa das mãos. Começa uma estória bem imaginada com um desfecho surpreendente. Era uma literatura típica dos tempos da recessão em que se exaltava o desenrascanço e o pícaro.
(iv) Viva Hemingway!
Li Paris é uma festa, um livro póstumo de Hemingway, de quem já lera Por quem os sinos dobram, Adeus às armas e O Velho e o Mar. A obra situa-se em Paris e abrange os anos de 1921 a 1926. O jovem Hemingway é já um jornalista com cotação internacional, tem novelas publicadas, aspira a escrever romances.
É um livro de memórias onde ele nos fala do entusiasmo que lhe provoca Paris, os cafés onde escreve, a livraria de Sylvia Beach, os seus encontros com Gertrude Stein, Scott Fitzgerald, Ernest Walsh ou Ezra Pound, nem todos felizes. Estas memórias são um fascínio de um paraíso perdido, de alguém que teve a dita de conhecer Picasso e Miró, saborear a boa comida francesa, de percorrer as ruas e os locais onde estiveram Braque e Verlaine.
É em Paris que decorre a primeira parte da vida profissional de Ernst Hemingway que se despede das suas recordações dessa cidade amorável escrevendo: “Paris é imortal e as recordações das pessoas que lá vivem diferem de umas para as outras. Acabamos sempre por voltar, sejamos nós quem formos, ou mude Paris no que mudar, ou sejam quais forem as dificuldades ou as facilidades que, ao regressarmos, se nos deparem. Paris era assim nos velhos tempos em que nós éramos muito pobres e muito felizes”.
É o primeiro livro póstumo de Hemingway. Foi editado entre nós por Livros do Brasil,tradução de Virgínia Motta, capa de Infante do Carmo, anos 60.
Este livro de memórias tem Paris como cenário e abrange os anos de 1921 e 1926. O jovem Hemingway fala deslumbrado ou desiludido de personalidades como Gertrude Stein, Scott Fitzgerald, Ford Madox Ford ou James Joyce. São os sonhos de um jornalista já com alguma reputação internacional que aspira vir a ser um grande escritor.Anos depois,surgem as obras que o tornaram famoso em todo o mundo:Por quem os sinos dobram,O velho e o mar, Adeus às armas,por exemplo.Mas como ele escreveu,«Paris é imortal e as recordações das pessoas que lá vivem diferem de umas para as outras.Acabamos sempre por voltar,sejamos nós quem formos,ou mude Paris no que mudar,ou sejam quais forem as dificuldades ou as facilidades que, ao regressarmos, se nos deparem .»
O Enigma do quarto fechado, de Frank Gruber, fez-me companhia antes e após a Beringela Doce. Johnny Fletcher e Sam Cragg são a dupla mais hilariante de toda a literatura policial . Personagens típicas da Grande Depressão, vivem permanentemente na pelintrice e têm momentos, bem raros, de alguma fartura. Vendem livros na rua, atraindo pessoas que querem ter um físico do tipo Sansão. Desta vez, andam sem um cêntimo e foram corridos do hotel da rua 45, em Nova Iorque. Montaram um esquema para dormir às escondidas no quarto desse hotel onde descobrem que está um morto com as goelas cortadas. Inicia-se aqui um enredo que passa por minas de ouro, moedas da melhor numismática, Johnny vai desvendar uma história sombria de cupidez e corrupção, tudo num camarim de teatro da Broadway.
É divertido, tem uma estrutura escorreita e imaginativa, percebe-se qual foi a chave do sucesso de Gruber, como ele insistiu, tantas vezes com bons resultados, nesta dupla de cérebro e músculos.
Agora vou ler o relatório de Vasco Calvet de Magalhães, que é um baú de surpresas. Ora oiçam.
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. poste de 21 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3078: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (39): Adeus, até ao meu regresso
(2) Por razões que se prendem com o período de férias dos editores (pelo mneos, dos privilegiados que ainda têm direito a férias pagas...), esta série poderá não sair com a regularidade semanal a que habituámos o autor e os seus leitores. Em geral, sai à sexta-feira.
Em contrapartida, temos uma dupla boa notícia a dar à gente da nossa blogosfera, pela boca do nosso tertuliano Beja Santos (com quem almocei ontem, no Institut Franco-Portugais): (i) o primeiro livro, o Diário da Guiné, 1968/69- Na Terra dos Soncó, está praticamente esgotado; (ii) O 2º (e último) livro da série, que se irá chamar O Tigre Vadio, está terminado e já está no prelo...
Aqui fica, para a petite histoire da nossa Tabanca Grande, o mail que ele mandou em 18 de Julho último, juntando em anexo o episódio nº 50, o último, da Operação Macaréu à Vista - II parte (que, curiosamente mas certamente por lapso, ainda não recebi...):
Luís, neste preciso instante lembro-me de uma conversa que tivemos em Junho de 2006, aí na Escola Nacional de Saúde Pública. Assumi contigo e com o blogue o compromisso de contar os dois anos da minha comissão. Este episódio que te envio é o último e assim termina tanto a Operação Macaréu à vista como o livro “O Tigre Vadio”, que será lançado em 11 de Novembro, no Museu da Farmácia, na ocasião da apresentação pública de três núcleos referentes à guerra que travámos em África: os medicamentos do Laboratório Militar, o equipamento das enfermeiras pára-quedistas e os primeiros socorros da Força Aérea.
Foi uma alegria imensa ter podido cumprir o compromisso assumido nesse dia de Junho de 2006, contei com todo o teu apoio e de muitíssima malta do blogue. Estou a sofrer as consequências, todas elas benignas, vou na rua e alguém que nunca vi agradece eu ter escrito o que escrevi sobre a minha comissão.
Agradeço igualmente aos co-editores e a todos aqueles que me estimularam. Em breve, vamos falar de um novo projecto. Para já, vou concluir um livro sobre cosméticos e preparar outro sobre medicamentos. Está descansado, não me vou encostar às boxes, vais continuar a ter notícias minhas. Estou muito emocionado neste momento pela dedicação que tributámos uns aos outros. Recebe um abraço de gratidão, Mário.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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