segunda-feira, 21 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3078: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (39): Adeus, até ao meu regresso

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Regulado do Cuor > Missirá > Março de 1970 > Esquartejamento de uma peça de caça grossa, abatida caçado na zona de acção do Pel Caç Nat 54 (que em Novembro de 1969 tinha vindo render o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf Mil Beja Santos, e tranferido para Bambadinca). Na foto vê-se o comandante do Pel CaÇ Nat 54, o Alf Mil Alves Correia, referido no texto a seguir e, por detrás dele, o Queba Soncó, picador das NT. Meses mais tarde, o Pel Caç Nat 54 será substituído pelo Pel Caç Nat 63, do Alf Mil Cabral. (LG).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

"A Cristina e eu visitámos no bairro da Ajuda Nhima, a mulher de Quebá, gravemente sinistrada numa flagelação ,em Julho de 1969, em Missirá. Quebá pede para eu falar com o novo batalhão( será o Bart 2917)acerca da sua posição de picador.Fiquei-lhe a dever inúmeras atenções, foi um colaborador exemplar, nada afoito mas cumpridor" (BS).

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 16 e 17 de Abril de 2008:

Luís, o resto das ilustrações seguirá amanhã. Nunca supus que este combate corpo a corpo que é o final da minha comissão me estivesse a abalar tanto. Foi uma época morna em Bambadinca, era um compasso de espera, era o cansaço de quem partia, a CCaç 12 e nós aguardávamos novo dono. Não foi um tempo feliz ou construtivo. E logo a seguir apanhei os Nhabijões e as obras na estrada Xime-Bambadinca, de manhã à noite. Coisas insípidas, onde o factor humano, felizmente, ganhou realce. Recebe um abraço do Mário.


Operação Macaréu à vista > Episódio XXXIX > ADEUS, ATÉ AO MEU REGRESSO!
por Beja Santos (1)


(i) Com lágrimas nos olhos, deitamos contas à vida

Insidiosamente, os temas militares, até aí praticamente adormecidos na lua-de-mel, começam a vir à tona da água, a entrar na nossa vida comum. Tentações não faltaram, dia após dia. Ainda em casa da Elzira e do Emílio Rosa, os soldados em férias vinham até cá partir mantenha, julgavam-se na obrigação de informar que se desmatava à volta da ponte de Udunduma, que Taibatá fora flagelada, tal como o Xime e o Enxalé, que finalmente se encontrara uma solução para cambar o gerador eléctrico destinado a Missirá.

Nessas idas e vindas o régulo Malã manda caju e um bordado para a senhora de alfero, Quebá Soncó, o meu devotado e sempre temeroso picador, mal soube que tínhamos visitado a sua mulher no bairro da Ajuda, mandou carta que não resisti a ler à Cristina. Dizia, no essencial, o seguinte:

“Cá vou indo bem na graça de Deus. Mando dizer que é para me desculpar que não apareci no casamento, é que tinha a roupa toda suja, o alferes me faz este grande favor de me desculpar, fiquei muito contente com a prenda que a sua mulher deu à minha mulher, sempre faço orações que meu alferes consiga o seu futuro e a sua mulher. Estou aqui só tenho a confiança em ti, e o meu alferes vê nessa companhia nova que vem para Bambadinca se me pode ajudar, estou na sua espera. O alferes em Missirá chama-se Mário Beja Soncó, toda a malta conta consigo como irmão e parente unidos, e assim queremos unir a nossa Fé com a sua mulher como unimos com alferes. Nhima Soncó vive no bairro da Ajuda, pode ir até lá visitar-lhe, chega ao pé da Mesquita e pergunta pela mulher que veio de Missirá”.

A Cristina fez perguntas sobre Quebá Soncó, Nhima, a que nova companhia que ia para Bambadinca ele se referia. Reencetei a minha narrativa com um tom acalorado à volta de Missirá, falei das flagelações e da sua reconstrução, a certa altura chegou o momento de descrever uma flagelação em que a pobre Nhima perdeu um braço que o Quebá enterrara, eu sabia ter escrito sobre estes acontecimentos em aerogramas de Julho passado.

A nova companhia, expliquei, tinha a ver com a partida do BCaç 2852, previa-se que no fim deste mês [de Maio de 1970], Quebá Soncó queria continuar a ser tratado como picador, a ser economicamente apoiado, contava com a minha intercessão. Sinto perfeitamente que esta conversa é um corpo estranho, angustiante, impróprio para uma vida de recém-casados, a despeito de todos os dias, ou quase, ter escrito de Missirá para Lisboa falando da guerra e dos seres humanos à minha guarda.

É então que a Cristina percebe, penso eu, que chegámos ao limite, as nossas existências estão profundamente divididas, ou cerceadas, há um calendário que não pode ser iludido, tenho ainda pelo menos três meses de guerra à minha espera, o internamento psiquiátrico foi o remendo possível, não só o David Payne não pode fazer mais milagres como não devemos estar dispostos a passar da amabilidade para a indignidade. Aliás, a Cristina tem exames à porta, acertamos igualmente nos projectos mais imperativos que são, o aluguer de uma casa com três divisões, de preferência perto de casa dos seus pais, faço planos para mudar de trabalho, gostaria de acabar o curso em dois, dois anos e meio. A Cristina fala em dar aulas, precisamos de dois pequenos salários para começar.

É a acalentar estes sonhos que vamos à TAP tratar da passagem e, nesse mesmo dia, com a guia de alta dada pelo David Payne vou ao QG tratar da minha viagem para Bambadinca. Toda a ternura a que nos oferecemos não esconde os amargores da separação, afinal ainda há uma guerra para concluir. A esconder o sofrimento a custo, a Cristina parte de Bissalanca quase um mês depois de ter chegado, era o princípio da tarde de uma dia sem nuvens, a pista suava com o calor tórrido, olhámos um para o outro sem mais palavras, siderados pelo livro aberto que nos espera. Prometo escrever a toda a hora, poupar-me, pensar mais em Lisboa, fazer entrar a Guiné num limbo. Eu sei que é tudo mentira, a Cristina também. No mesmo voo vai o príncipe Xisto Bourbon-Parma, que já visitara Bambadinca, acabámos por almoçar juntos no Grande Hotel, não sei qual o seu grau de importância, é muito gentil e apurámos que ele tem consciência do que é que se está a passar na Guiné.

(ii) A penúltima visita ao Centro de Estudos da Guiné Portuguesa

Na véspera de partir, a Cristina e eu fomos em romagem até ao museu. A Cristina já folheou o meu caderno com apontamentos, acredita a sério que um dia irei escrever sobre este mundo que mudou a minha existência. Enquanto ela folheia revistas científicas recentemente chegadas, tiro notas de uma conferência de Marques Mano efectuada na Sociedade de Geografia de Lisboa, em Maio de 1946, na sessão solene comemorativa do V Centenário do Descobrimento da Guiné. Marques Mano encanta-me pela embriaguez das suas sonoridades, pela riqueza do léxico, pela apoteose da descrição dos fenómenos tropicais quase romanceados. Veja-se o macaréu:

“Para ir tão longe, a maré não encontra à sua frente leitos abertos e vazios; encontra, nos dois rios doces que convergem na testa do estuário central, leitos onde, de margem a margem, corre uma toalha de água doce que desce com rapidez. Deste modo é obrigada a subir em macaréu. A maré cheia, empurrada do largo estuário para o rio estreito, encontra-se com aquela corrente contrária que lhe trava os filetes de água inferiores e os que, correndo livremente sobre esses, vão cair sobre ela. Deste modo a maré é continuamente represada ao longo do percurso do rio, a água que chega galga a represa, para ser também travada, e a altura da enchente sobre a vazante aumenta deste modo incessantemente, até que a enchente se enrola numa vaga grossa e poderosa que corre sobre e contra a vazante... O trovejar da enorme vaga ouve-se a alguns quilómetros de distância ainda lá no fundo da floresta. Calam-se os homens e os animais bravios para escutar o monstro que sobe o rio correndo. Quando chega, as cordas de água precipitam-se em vertiginosa desordem contra a vazante, contra as margens, contra as árvores ribeirinhas, espadanando, enrolando-se em remoinhos, arrastando à sua frente quanto se lhe oponha. Passa, e o corpo líquido, sinuoso e rápido do monstro, enche o leito do rio e continua correndo e rugindo”.

E não resisti também a registar o que Marques Mano diz sobre os tornados:

“Desde os meados de Abril que o imenso forno azul que é o céu do território vem aquecendo até sufocar. Altos e esguios funis de pó, cujo vértice, se as toca, remove as telhas, correndo em redemoinho, levam aqui e além o primeiro anúncio das chuvas, depois confirmado por algumas reacções ciclónicas ainda secas. Por estes dias, o ar imobiliza-se, o estuário é um espelho sem fim, o calor no ar imóvel causa uma angústia que não se poderia prolongar. Sobre o mar, mas mais longe do que o horizonte, firma-se uma longa banda preta, por debaixo da qual faíscam relâmpagos, e é formada pela tempestade que espera ao largo da costa. A volta da maré desencadeia o ciclone. A banda preta sobe vigorosamente no céu, arrastando consigo um amplo manto negro em que fulge e rola uma trovoada contínua... Então, o ar vivo, fresco, fortemente ozonizado que chega a atingir a velocidade do tufão, cai sobre a terra como a pancada de um martelo. A violência da rajada estende nas estradas lençóis de pó que correm velozmente e não deixa erguer, despoja as copas de folhas, esgalha ramos, derruba fragorosamente as árvores, lança as folhas de zinco a voar como folhas de papel, e até, a algum pequeno barracão de construção menos previdente, levanta e transporta o telhado inteiro. A longa pancada do vento é seguida por uma poderosa muralha de chuva que avança mais vagarosamente contra a terra. É tão espessa que absorve na sua espessura as coisas que vai alcançado; absorve ilhas, embarcações, casas... A massa de água passa demoradamente, inunda a vila, continua a marcha para o interior. Uma hora depois, talvez menos, o calor ardente, o céu limpo, o ar imóvel, preparam o tornado da maré seguinte”.

Rendo-me à musicalidade, mas não deixo de me interrogar se tais descrições não têm por detrás um escritor que falhou na ficção e toma aqui a desforra. Gostei muito do que li e da sinceridade deslumbrada de quem descreveu o macaréu e os tornados. Fecho o meu caderno a meditar sobre o que pensarão as próximas gerações desta prosa grandiloquente.

1ª Edição em português, capa de Bernardo Marques, Edição »Livros do Brasil», sem data, desapareceu a 1ª página, não se pode mencionar o tradutor.

É um livro indispensável para falar das utopias do século XX,das preocupações com o geneticismo, o condicionamento das massas,os tranquilizantes,por exemplo. Nunca ninguém o considerou uma grande obra literária, as personagens são, por regra, estereotipadas.

É uma paródia subtil e cultíssima do optimismo no progresso científico.Aliás, parte da ideia que a revolução científica pode moldar as sociedades. Huxley relecte admiravelmente no prefácio de 1946 sobre as servidões instaladas, sob o disfarce do progresso científico.


(iii) O BCaç 2852 de abalada, há muitas mexidas no Pel Caç Nat 52


Encontro as tropas em Bambadinca numa grande expectativa. O BCaç 2852 aguarda a chegada de novo batalhão [, o BART 2917], a actividade operacional está muito reduzida, são as colunas ao Xitole, as emboscadas nas imediações, escoltas, patrulhas nocturnas, idas às tabancas na periferia, as obras intensas nos Nhabijões, o suplício na ponte de Udunduma. O PAIGC também parece estar mais calmo: flagelações rápidas, algumas minas, ataques mitigados em tabancas em autodefesa, pouco mais. Na CCS fazem-se inventários, na messe suspira-se pelo regresso e pela passagem à disponibilidade, a bem dizer já poucos têm ânimo sereno para continuar a viver a missão que aqui começou em Setembro de 1968.

Nº162 da Colecção Vampiro, tradução de Lima da Costa, capa de Lima de Freitas. Não é a primeira vez que o potencial assassino se revela imediatamente ao leitor, mas a configuração é original.O único filho de um escritor de livros policiais é mortalmente atropelado à porta de casa.Começa uma investigação metódica em estado de vingança por parte do pai que tudo perdeu, à margem da polícia.Rapidamente se descobre quem e como atropelou a vítima inocente. Começa a congeminação de um plano para executar um motorista imprevidente. É como se o leitor estivesse no cinema, os olhos vêem e lêem o sofrimento de alguém, na maior expectativa. Depois, executor e vítima confrontam-se verbalmente, é a ruptura e, imprevistamente, a vítima aparece morta por envenenamento. Um detective é convocado e descobre que todo o diário que lemos inicialmente do potencial executor está ardilosamente forjado. É uma pedra preciosa do romance policial, assinado por um dos maiores nomes da literatura britânica.

Vou ter mais esta separação, mas, falando dos meus soldados, partiram ou estão para partir o Teixeira das transmissões, o Domingos Silva, há evacuados, há trocas, leio atónito que Jolá Indjai já regressou da metrópole, curado da sua tuberculose, ainda está em Bissau. Envolvo-me nas patrulhas, acompanho a picagem da estrada até Amedalai, de Demba Taco seguimos até Taibatá, percorremos a corta-mato até Moricanhe, de onde gente do Buruntoni tem flagelado as tabancas em autodefesa do regulado do Xime. Converso com o Pires sobre a Gato Irritado, operação sem contactos e sem vestígios, mas os de Missirá detectaram um grupo de Madina perto de Mato de Cão, era uma coluna de reabastecimento, abandonaram as esteiras e os panos para fugir mais lestos. Parece que está tudo na mesma, com a agravante de estar diluído o nosso pendor ofensivo, é o compasso de espera que me vai levar a propor aulas aos soldados, o Benjamim Costa aceitou colaborar, vejo o espanto em muitos rostos quando proponho ginástica, lembro a todos que nos tempos de Mato de Cão fazíamos vinte e cinco quilómetros diários, pelo menos, havia as obras, os patrulhamentos, as actividades de manutenção. Eles concordam, amanhã de manhã iremos surpreender quem vem de Sare Ade, Ieró Nhapa e Queroane quando passarmos em marcha acelerada e em tronco nu, lustrosos graças ao primeiro calor do dia.

N.º 178 da Colecção Vampiro. Tradução de Mascarenhas Barreto e capa de Lima de Freitas. Só um inglês podia ter escrito este livro, é pícaro como um filme de Alfred Hitchcock. Como um baile de máscaras, o dono da casa quer divertir os seus amigos e monta uma tripula forca onde balouçam três figuras. Roger Sheringham, um detective muito querido a Anthony Berkeley, comparece e é confrontado por alguma bizarria da cunhada do anfitrião. Esta estranha senhora desafia um médico, e coloca-se em posição de ser enforcada, tudo aos olhos do leitor, mais evidência não pode existir. Começa o inquérito, é um suceder de suspeitos e só no final é que aparece uma confissão informal sobre o verdadeiro desenrolar dos acontecimentos, que o leitor recebe com uma gargalhada. Simplesmente notável.

(iv) Leituras admiráveis e leituras divertidas

Chegou o momento de ler Admirável Novo Mundo, de Aldous Huxley. Já ouvira falar desta utopia e das advertências formuladas por Huxley no início dos 30. Existe um Estado Mundial pautado pelos princípios de Comunidade, Identidade e Estabilidade. O livro começa quando o Director da Incubação e do Condicionamento visita a Sala da Fecundação. Ele fala para um auditório de estudantes junto das incubadoras, fala das vantagens da conservação do ovário, dos Alfas e dos Betas. É um mundo novo onde se formam seres melhorados aptos para a estabilidade social. Segue-se uma visita ao infantário mas antes passam pela Sala de Decantação. As crianças estão fortemente condicionadas, nunca mais vão precisar da literatura ou da botânica. Foi decidido abolir o amor à natureza, fala-se de Ford, de Marx e até de Lenine, por entreposta pessoa, até mesmo do Dr. Wells (uma clara alusão a H. G. Wells, o autor de O Homem Invisível e A Guerra dos Mundos).

O livro é uma paródia sobre o progresso, tal como ele era possível nesses anos 30, com a ficção científica que era disponível à luz dos conhecimentos da época: selecção da espécie, precauções anticoncepcionais, medicamentos anestesiantes e euforizantes, há seres superiores e há selvagens, a ciência está a procurar soluções para o sofrimento, para a dor dos moribundos, o progresso é uma coisa deliciosa. Não é uma grande obra literária, mas percebe-se agora por que é que esta ideia do optimismo progressista fez escola num momento em que a revolução científica trouxe melhoramentos consideráveis e o nazismo inventou a manipulação das massas ao mais alto grau e a selecção racial levou ao Holocausto. É uma paródia sobre uma sociedade feliz que aceita o condicionamento colectivo. Esses anos 30 são os tempos das massas humanas subjugadas por ideais comunitários, pela genética, pelo espectáculo, pela busca de sentido. Daí perceber-se como esta sociedade do admirável novo mundo está estratificada e os selvagens são colocados em campos fortificados. A morte deixou de ser traumática e é vantajoso que as massas falem com um reduzido número de palavras. A servidão totalitária era a preocupação de Huxley, ele quer denunciar a tirania-providência da utopia. Felizmente que esta tirania foi derrotada nos campos de batalha.

A Festa da Enforcada, de Anthony Berkeley, é um policial magnífico, ajuda-me a sair das previsões terríficas de Huxley. Podia ter dado um filme de Alfred Hitchcock. Há um baile e os anfitriões resolvem pôr na sala uma forca onde estão pendurados bonecos. É o mórbido dos enforcados por cima de gente mascarada, de gente que se embebeda e que guerreia verbalmente e onde uma cunhada dos anfitriões está a provocar uma mal estar terrível. Ela vai aparecer enforcada e a investigação aponta em direcções contraditórias, suspeitos são todos os que estiveram no baile. Em directo, às escâncaras, Berkeley descreve ao leitor o que se passou, como ocorreu o homicídio. Mas o que se passou efectivamente fica para descobrir no fim depois de uma investigação descrita de forma sufocante e literariamente empolgante. O desconcertante fica mesmo para o fim, é uma investigação que parece passar pelas câmaras do cinema ou da televisão, parece estar tudo a descoberto, a literatura também se faz de ilusões ou omissões, Berkeley é um mestre em criar uma atmosfera social deixando para o fim a mais imprevisível das confissões, entre o horror a anedota.

Para a semana volto para a guerra a sério, entregam-me a concepção e a execução de um patrulhamento ofensivo, regresso à região do Xime. Haverá tiros, uma emboscada com resultados e um desfecho inacreditável, pois a coluna que iremos surpreender é de reabastecimento e vem do Xime.

Eu sei que vou demorar quarenta anos a convencer-me que afinal eram muito mais íntimas as relações entre as populações no mato e as sob o nosso controlo que eu supusera, tudo um somatório de equívocos, semiverdades, produto da força do sangue estar muito acima das contigências dos partidos tomados por Portugal ou pela independência ou pela libertação da Guiné. Será em Madina Colhido, naquele final de Maio, que irei pela primeira vez hesitar sobre os campos demarcados, amigos e inimigos. Afinal, não estavam nem podiam estar demarcados. Só que eu não sabia. Eu e as tropas que chegavam e partiam dois anos depois.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste da série > 11 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3048: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (38): No HM241, em Bissau, voando sobre um ninho de jagudis

2 comentários:

JC Abreu dos Santos disse...

... que, a citada 1ª edição do "Brave New World" - aqui à m/frente - foi traduzida, para português, pelo surrealista Mário Henrique Leiria (02Jan23-09Jan80), autor de sucessivos "Contos do Gin Tonic".

Anónimo disse...

Não perco uma página de BEJA SANTOS, e aprecio, dentro da minha humilde prespectiva, a capacidade de transcrição de uma guerra, que embora eu não tivesse feito, ouvia descrita por guineenses, muitos guineenses, de 1979 a 1993. E o retrato é genuino. E, como diz B.S. constatou ao fim de 40 anos que "eram mais intimas as relações...PAIGG/povo, do que Nós/povo", isto resumindo parte do último capítulo do B.S.
E isso era tambem uma verdade que se poderia estender a todos os territórios, por exemplo Angola, que eu conhecia, (1957-1075).
Mas como neste blog devemos falar com o máximo respeito de nós próprios, mas tambem devemos enorme respeito àqueles africanos que lutaram ao nosso lado, tal como faz B.S., é tambem com respeito para com guineenses e angolanos etc. que alem daqueles que lutaram pelo PAIGC, como os que lutaram pelo nosso lado, que eu hoje passados 40 anos eu digo que "nós é que lutamos ao lado deles", alem destes africanos, havia todo um povo totalmente céptico, quanto à idoneidade e legitimidade dos Movimentos de libertação, demonstrado pela não coadunação e cooperação do povo guineense, com o PAIGC enquanto partido único, pois foi de "braços caidos" que o povo reagia às directivas do partido.
Esta afirmação confirmada no dia a dia em Bissau, foi confirmada pelo pegar em armas nos outros territórios, por muitas regiões que não conheciam a guerra.
Como sempre digo, nesta guerra só houve um derrotado "O POVO".
Cumprimentos
Antº Rosinha