1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Março de 2020:
Queridos amigos,
Este volume de estudos em torno dos 40 anos da descolonização portuguesa tem um incontestável interesse pela versatilidade das vozes e a conjugação das narrativas. Fez-se aqui inicialmente uma recensão dedicada ao trabalho do investigador António Duarte Silva, dedicado a tudo quanto se passou na Guiné a partir de 25 de Abril, as hesitações e vaivéns sobre um processo político de autodeterminação sonhado por Spínola que já perdera validade, passando pelos encontros diplomáticos de Dacar e Londres, até se chegar à cimeira de Argel.
E o investigador registou a singularidade do MFA da Guiné ter conduzido o processo de descolonização por sua conta e risco até se chegar ao Acordo de Argel que, como Duarte Silva observa, definiu o modelo de toda a descolonização portuguesa.
Em O Adeus ao Império, que acabo por reler com a satisfação com que se mexe nas obras incontornáveis, o leitor encontrará um caleidoscópio de posições que os organizadores souberam bem escolher, num tempo em que ainda pairam na atmosfera muitas emoções e críticas ao processo de descolonização mas aonde a serenidade já marca incontestavelmente a posição científica.
Um abraço do
Mário
Das guerras em África à descolonização, diferentes olhares, quarenta anos depois
Mário Beja Santos
Não é a primeira vez que aqui se recomenda a leitura desta obra "O Adeus ao Império", com organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Vega, 2015.[1]
Em concreto, dera-se notícia do trabalho do investigador António Duarte Silva quanto ao histórico da Guiné-Bissau, desde as lutas da libertação até à independência. Acontece que este volume permite uma visão panorâmica sobre a política imperial, os nacionalismos africanos e o processamento da descolonização, incluindo os retornos e as memórias em conflito ou o mal-estar da descolonização.
Os investigadores recordam que ainda na década de 1970 começaram a surgir títulos acusatórios do processo de descolonização. Seguiu-se o fim da Guerra Fria e os rígidos partidos que se alçapremaram nas antigas colónias aceitaram, por vezes com resignação, ao jogo do multipartidarismo e do capitalismo. Aqui, no jardim à beira-mar plantado, diferentes acontecimentos pareciam anunciar o fim do luto imperial: a realização da Expo 98 em que era notório haver já uma identidade pós-colonial que não enjeitava a memória dos Descobrimentos; a transferência ordenada da administração em Macau para a República Popular da China; e o advento da independência Timor-Leste. Gerou-se uma maior amenidade na leitura dos acontecimentos, continuaram os libelos polémicos, melhoraram os relacionamentos com as antigas parcelas do Império.
A análise científica permaneceu sobre toda aquela produção de acusações que fugia permanentemente a integrar o processo da descolonização portuguesa no quadro mais vasto do que foram outras descolonizações. É por isso que este O Adeus ao Império oferece ensaios onde se registam avanços de uma mais moderna investigação histórica, o que torna esta obra de leitura irrecusável a qualquer investigador que se debruce sobre as guerras de guerrilhas e o fim do Império, com todas as suas consequências.
Por ter impacto e mesmo sérias incidências no estudo da guerra da Guiné, recomenda-se vivamente que o leitor se aperceba da centralização política montada pelo Estado Novo e a lógica económica que se instituiu para as matérias-primas vindas do continente africano e a proteção pautal para os produtos metropolitanos nas colónias, é o cerne do trabalho aqui apresentado por Fernando Rosas.
O Acto Colonial, gizado por Quirino de Jesus e Armindo Monteiro, proclamava a missão de colonizar e evangelizar aquelas parcelas do Império como parte integrante da “essência orgânica da Nação portuguesa”. Daí haver necessidade de entender como o republicanismo apostava na defesa das colónias e irá levantar situações paradoxais no comportamento das forças de oposição, até períodos muito próximos do desencadear da luta armada em Angola, Guiné e Moçambique.
Também se analisam os partidos nacionalistas africanos, a substância das suas rivalidades e o pacto que estabeleceram e cumpriram fielmente até à Independência que foi a constituição da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas. É nesse contexto que o professor Malyn Newitt comenta o quadro ideológico em que se movimentou Amílcar Cabral, concluindo as suas observações sobre as lutas na Guiné dizendo que
“O grande legado de Cabral foi, possivelmente, a boa-vontade internacional e o apoio que ele tinha cultivado com tanto sucesso e que, mesmo depois da sua morte, permitiu à Guiné sobreviver na base de donativos internacionais, os quais vieram a proporcionar recompensas substanciais para o pequeno grupo de fiéis do partido que tomou as rédeas do poder das mãos dos portugueses”.
Outro historiador, Norrie MacQueen, procede ao balanço militar em 1974 nos três teatros de operações. Refere a complexidade e a constância do equilíbrio entre a guerrilha e as Forças Armadas Portuguesas, as tentativas de Spínola para chegar a um acordo negociado com o PAIGC, o dado de que a Guiné esteve menos enredada na política internacional da Guerra Fria, ao contrário de Angola e Moçambique, e assim avançamos para o período que antecede o 25 de Abril. E escreve:
“A inequívoca superioridade numérica de Portugal nos territórios africanos era largamente irrelevante, a trajectória dos acontecimentos estava sob o controlo dos nacionalistas, e em lado algum de forma mais óbvia do que na Guiné-Bissau”.
Alude às conversações secretas, ao processo enérgico desencadeado pelo MFA na Guiné e para a inevitabilidade da sua independência. O MFA da Guiné levou a cabo o seu próprio golpe em Bissau, prendendo o governador e detendo os agentes da DGS.
Pedro Aires Oliveira debruça-se sobre a descolonização portuguesa e o puzzle internacional. A Guerra Fria começa por ser um suporte à posição de Salazar em resistir e jamais negociar as independências. Durante um largo período, cortaram os laços com a França e a República Federal Alemã, a Espanha de Franco, a Rodésia e a África do Sul, sobretudo. Os EUA agiram segundo as suas conveniências, tudo muito crispado com Kennedy e mesmo Lyndon Johnson, em 1973 Kissinger manda um ultimato a Caetano, ou empresta as Lajes para apoiar Israel ou haverá consequências imprevisíveis, obviamente que Caetano cede.
É o impacto da crise energética que introduz a noção do terramoto, é tudo adverso para o regime de Marcello Caetano e a cedência das Lajes irá custar caríssimo, acabara-se a conjuntura benigna. E crescia a impaciência dos governos ocidentais com aquela estratégia de continuidade que não levava a parte nenhuma. A declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau ia ser uma dor de cabeça monumental, logo o apoio de mais de oitenta países e o incómodo declarado de muitos dos países amigos. O autor fala da estratégia spinolista e como ela derrapou, quanto à Guiné era nitidamente um facto consumado.
Reunião dos ex-combatentes na sede do PAIGC em Bissau, 40 anos depois
Revela-se do maior interesse o trabalho de Bruno Cardoso dos Reis sobre as visões das forças políticas portuguesas sobre o fim do Império, as teses em confronto, como se foram estatuindo fraturas no regime entre Caetano, Spínola e as Forças Armadas, o posicionamento das forças de Esquerda, o comportamento da Direita radical, como atuaram os partidos dos governos provisórios, as posições pró-independência de Sá Carneiro e Freitas do Amaral. Como a História não se pode pôr em tribunal, mas levanta sempre o véu das hipóteses, o autor conclui a propósito da Descolonização:
“O processo poderia ter sido diferente? Poderia, mas não foi essa, em 1974-1975, a vontade dos principais partidos políticos portugueses, ou da comunidade internacional. Poderia, mas com um custo elevado em termos de continuação da guerra e de fortes pressões internacionais. Poderia, mas não vemos como, com base numa comparação com outros processos de descolonização em África, se poderia ter evitado uma migração massiva de colonos brancos ou a independência dos últimos grandes territórios sob administração colonial, com a passagem destes para o controlo de um movimento independentista, pois foi isso que sucedeu por todo o lado. Portugal procurou evitar a descolonização em parte por razões ideológicas apesar de enormes custos. É normal que tivesse avançado com a descolonização em resultado também em parte de uma mudança ideológica com custos”.
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Notas do editor
[1] - Vd. poste de 6 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17109: Notas de leitura (934): “O Adeus Ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Veja, 2015 (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 20 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20752: Notas de leitura (1274): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (50) (Mário Beja Santos)
4 comentários:
Comentários para quê?
esqueci-me sou um ex-fuzileiro
M.Bento
A História não julga e não é arguida, nem nos acontecimentos nem nos seus momentos. E não será "lavável".
Com o seu "golpe de Bissau", em 26/A/74, o MFA da Guiné emparceirou com o PAIGC na transformação da Guiné num Estado falhado.
Um momento, nem necessário nem libertador, antes o contrário - foi a chave da porta para fazer sair da Guiné a "ditamole", sedeada em Lisboa, para a entrada de uma ditadura, com a cabeça fantasiosa e sedeada em Conacry.
Às 16H00 de 25/A/74, os soldados, sargentos e oficiais de Portugal, irmanados no MFA pluricontinental, restituíram a liberdade, do Minho a Timor; e, antes das 24H00, já tinham reposto a Lei a a Ordem para toda essa dimensão humana e territorial de Portugal - PR., Chefe do EM General e Governo.
PS - ~Descobriremos semelhanças entre PAIGC e o MFA da Guiné de então e o COVID 19?
AB.
Manuel Luís Lomba
Luís Lomba
Na época, a situação militar na guerra da Guiné foi um dos 'problemas' que levou à criação do Movimento dos Capitães.
Por isso, logicamente, que o primeiro acontecimento, após a acção do Movimento em Lisboa, fosse um cessar fogo entre os beligerantes Exército Português e os Combatentes do PAIGC. Depois não fazia nenhum sentido, a não ser continuar a guerra por mais tempo, exigir ao PAIGC 'agora arranjem outras pessoas menos vocês para se falar sobre a independência'.
Depois, foi o que aconteceu e infelizmente não tão bom como se desejava para a população da Guiné. De resto houve guerra civil em Angola e Moçambique, e em Timor uma tentativa de anexação. Praticamente em todos os países Africanos saídos do colonialismo houve e ainda há guerras internas, por as mais diversas razões, após as respectivas independências.
Ab. saúde da boa e cuidado com o cornodovirus
Valdemar Queiroz
p.s. Portugal é (ou era) o país da Europa em que o população mais vezes
lava as mãos, principalmente no sul. Dizem que ainda é a nossa costela higiénica/religiosa.
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