terça-feira, 24 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20768: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (16): O Furriel Pestana

O Fur Mil Pestana no Xime


1. Em mensagem do dia 24 de Julho de 2019, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) fala-nos do "Reguila", o 1.º Cabo Cordeiro do 3. Pelotão da 2520.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

O FURRIEL PESTANA

José Joaquim Pestana, assim se chamava um dos furriéis do 2.º pelotão da CART 2520 que esteve no Xime. Fez a sua formação como Atirador de Artilharia no 2.º ciclo do 1.º turno de 1968 na Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas. Era muito bem disposto e brincalhão e até me chamava de imberbe devido ao meu aspecto jovem em relação à idade que eu tinha. Sabia tocar guitarra e ensinou outros elementos da Companhia a fazê-lo, pelo que normalmente, sempre que as condições permitiam, às noites se organizavam pequenos concertos de música.


 Santa Margarida - José Joaquim Pestana é o segundo de pé a partir da esquerda.

Mas, para infelicidade do Pestana, no dia 9 de Março de 1970, a música foi outra. Já de regresso duma operação nas matas do Xime, o inimigo comandado por um "maestro" cubano, monta uma emboscada à CART 2520. A cerca de cinco ou seis quilómetros de distância e no destacamento do Enxalé, ouço o "cantar" das costureirinhas e o som das "baterias", neste caso dos RPG7 e também das nossas G3, que passados alguns minutos se calam.

Peço ao operador de rádio para entrar em contacto com a sede da Companhia e somos informados que a situação é grave, há um morto e vários feridos da parte das nossas tropas. Ao fim de algum tempo ouve-se ao longe o som característico das pás dos hélis, que procedem à evacuação dos nossos feridos para Bissau e outros para o Xime.

Pensando que poderia ser útil, solicito para me virem buscar à margem do Geba oposta ao Xime e assim com mais dois ou três elementos do meu pelotão faço a travessia da bolanha e também da sempre arriscada cambança do rio, ao mínimo percalço poderíamos servir de apetitosa refeição a um qualquer jacaré.

Apressadamente dirijo-me à nossa enfermaria, onde os nossos azougados enfermeiros, comandados pelo Furriel Enfermeiro Costa, fazem o que podem para tratar dos feridos.
Assim que me vê, o Costa diz-me:
- Nascimento, ajuda-me aqui.
Apresso-me a ajudá-lo e o ferido que estava a ser tratado era o Furriel Pestana. Tinha um buraco nas costas onde cabia um punho cerrado. Fiquei impressionado com o ferimento que vi, foi feito o melhor tratamento possível, ou seja o que estava ao alcance dos nossos enfermeiros, tanto o Pestana como alguns dos feridos são de seguida evacuados para Bissau.

Ainda no mesmo dia regressei ao Enxalé consciente de que havia cumprido a minha obrigação. Não mais voltei a ver o camarada Pestana porque ele não mais regressaria à Companhia, recuperou mas ficou com algumas mazelas.

Passados alguns anos, e depois vasculhadas várias listas telefónicas, consigo aceder a um número de telefone que me pareceu ser a do antigo camarada de armas. Depois de discar os números e de ouvir o toque de chamada sou atendido por um familiar, peço que me passem o telefone ao Pestana e depois de me identificar ouço do outro lado da linha num tom de voz verdadeiramente comovida:
- Ah, és tu Nascimento?

Tivemos uma pequena conversa sobre as nossas vivências da Guiné. Desde então ligue-lhe esporadicamente e desabafamos as nossas lamentações.

O Pestana sempre se recusou a comparecer nos convívios que a CART 2520 tem efectuado ao longo dos anos e compreende-se porquê.

Para todos os camaradas da Tabanca Grande um abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20020: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (14): "O Reguila"

7 comentários:

Valdemar Silva disse...

Nascimento.
Na 2ª. fotografia, conheço o Furriel que está em pé, o segundo da direita.
Não me lembro do nome dele nem do que Quartel em estivemos juntos, mas deve ter sido em 1968 no RAP3, Figueira da Foz.
Julgo que era alentejano e lembro-me dele usar umas botas de caneleira até no verão.
Ele, também, aparece numa fotografia no vosso bar no Xime junto com o Renato Monteiro.
Abraço, saúde e cuidado com o cornodoviros
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé: é uma história tocante. Embrulhámos tantas vezes que eu não me lembro deste episódio. Tenho que ver qual foi a operação de 9 de março de 1970, e se houve participação da CCAÇ 12. Nem me recordo do Pestana. De qualquer modo, o que importa sublinhar foi o teu gesto de solidariedade e camaradagem, vindo do Enxalé expressamente para veres o Pestana e demais feridos.

São estes episódios, dolorosos, que temos de "desenterrar da nossa memória"... Entendo o Pestana: há traumas que não se curam...Mas está vivo, é o que importa.

Um grande abraço para ele, quando voltares a falar-lhe. Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, eis o que sei sobre essa data (9 de março de 1970), no setor L1 (Bambadinca):

(...) A 9 de Março, o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 que estava de intervenção, escoltou uma coluna até Mansambo (CCAÇ 2404) para recolha dum doente grave, durante a noite e sem prévia picagem do itinerário Bambadinca-Mansambo.

A 12, a CCAÇ 12 a 2 Gr Comb reforçados com forças da CART 2520 (Xime) leva a efeito um patrulhamento ofensivo conjugado com emboscadas e armadilhamentos na região compreendida entre Enxalé, S. Belchior e orla da mata até Ponta Luís (Op Mazurka Óptima). Esta operação tinha sido cancelada no período anterior.

Em 10 do mês de Fevereiro de 1970, o IN tinha atacado a tabanca e aquartelamento de Enxalé durante 40 minutos com 2 canhões s/r, Mort 82, LGFog e armas ligeiras, causando 3 feridos e incendiando 14 casas. (...)



26 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8604: A minha CCAÇ 12 (19): Março de 1970, a rotina da guerra, a visita do Ministro do Ultramar ao reordenamento de Bambadincazinho... (Luís Graça)

José Nascimento disse...

Valdemar, o 2º. de pé da direita é o Rogério Bairras Vaz, creio que era de Manteigas, da Serra da Estrela.
Um abraço
Nascimento

José Nascimento disse...

Luís Graça, a 10 de Fevereiro de 1970 estava eu no Enxalé com o Renato Monteiro. Não tínhamos alferes e eu como furriel mais velho é que estava a comandar o destacamento. Tenho bem presente o que se passou nessa noite, creio que coincidiu com o Carnaval.
Um abraço
Nascimento

Valdemar Silva disse...

Nascimento.
Exatamente era o Vaz.
Estou agora a lembrar-me do sotaque dele, devia ser da Beira Alta e não alentejano.
Devia ter sido no RAP3 que estivemos juntos e, por ele ser de longe, muitas vezes não ia a casa no fim de semana.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Isidro Candeias disse...

Valdemar e José Nascimento
Não fui das vossas Unidades Militared, mas o Vaz é o Rogério Bairras Vaz, de Alfaiates, concelho do Sabugal, meu conterrâneo e Amigi, que estava no Xime, quando eu passei por lá a caminho de Nova Lamego, Madina Mandinga.
Boa sorte e saúde para todos.
Isidro Candeias