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Alcobaça > Cabeça > Cabeço Futebol Clube, talvez 74-75 depois do regresso da Guiné (*)
Fotos (e legendas): © Juvenal Amado (2020) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
RECLUSÃO
por Juvenal Amado
[ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; autor de "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974" (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.)]
Neste momento de reclusão lembro a minha vida passada a forma como enfrentamos obstáculos e os perigos que a vida nos meteu pela frente.
Quando jovens corremos muitos de toda a ordem. Desde pôr em risco a nossa liberdade bem como nas comissões, que cumprimos em terras de além-mar.
Lá fizemos muitos quilómetros sem pensar no que nos poda acontecer com as minas, se na curva não estaria um RPG ou a uma rajada de AK à nossa espera. Ou por um lado pensávamos, mas relativizámos.
Nuns casos assistimos a mortes e feridos em directo, de outros ouvimos falar. No entanto hoje penso como foi possível essa falta de consciência, essa leveza como enfrentámos os riscos, como fomos capaz de ignorar a finidade da nossa vida quando fazíamos colunas em sectores de risco, as picagens onde a morte estava mesmo ali a cada passada, quando fomos socorrer de noite, quando o som das explosões e os incêndios dos ataques ainda não se tinham extinguido. E como voltávamos a fazer tudo outra vez depois de ver o que tinha acontecido na véspera à nossa frente?
Claro que pensava que podiam estar à nossa espera, mas que força nos fazia continuar? Era o dever ou a solidariedade? Não sei responder e tão pouco altura sabia tal, nos meus vinte e dois anos. Depois passados esses momentos para trás ficava só o orgulho de termos sido suficientemente corajosos para nos atrevermos a tal.
Mas hoje é difícil de aceitar quando toda a vida cuidámos dos outros e temos, que deixar que cuidem de nós. A nossa vontade tem que ceder à vontade dos nossos, que até aqui eram nossos dependentes. É frustrante constatar, que não somos hoje autónomos independentes na nossa vontade nas mais pequenas coisas, nós que ainda em muitos casos não perdemos o sentido de que ainda somos capazes de mover e mudar o Mundo.
É como tentar dar a passada maior que a perna. Na nossa cabeça ainda chegamos lá com o salto, mas as pernas não obedecem ou tardam no impulso. Isso causa-nos dor bem no fundo do nosso amago, ficamos insatisfeitos, ansiosos, não raramente espingardamos contra a nossa sorte, ficamos com o rastilho curto, enfim estamos velhos e rezingões e por vezes tratamos por alto da burra quem com quem nós partilha estas novas aflições. Tempos cada vez mais complicados que vamos viver.
Quando jovens esperamos a vida agora o que esperamos?
Quando jovens esperámos a vida militar como forma de transpor um espaço temporal em que depois tudo nos seria mais fácil. Casámos vieram os filhos, uma vida de trabalho e anseios para lhes dar as oportunidades que não tivemos. Os que se formaram e os que não se formaram esperamos que arranjassem um bom emprego, casassem, nos dessem netos, num ciclo sempre renovado de vidas cheias.
Em África ansiávamos pelo regresso. Nas noites de serviço rebuscávamos a nossas recordações de casa, não sabendo que nunca nada tinha ficado igual com a nossa ausência, que nada seria retomado ao tempo da nossa partida.
Por isso aquele fado do “oh tempo volta para trás “ tantas vezes repetido.
Mas naquele tempo estávamos em camaradagem com tudo de positivo isso implicava. Íamos nas colunas comíamos a ração, dávamos ou trocávamos o que não comíamos, bebíamos uma cerveja fresca quando havia, jogávamos à sueca, ralhávamos uns com os outros por causa da carta mal jogada, no fim era só mais um dia passado e vivos.
Foi-se embora a juventude, vive-se mais de contemplações. Mas nestes tempos de incerteza em que um perigo novamente mortal se abateu sobre nossas cabeças e confinados às paredes das casas, aguardamos que sejamos novamente poupados pelo o destino.
Vamos esperar que tudo passe para assim se retomar o carreiro da vida .
Um abraço a todos os camaradas
23/03/2020 Décimo dia de isolamento. (**)
Juvenal Amado
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Notas do editor:
(*) Vd. blogue JERO > M 291 - Jogos de futebol únicos... Uma fotografia com história > A malta do Cabeço em 1975…
(...) Jogadores em Campo? Muitos…Mais de 40! Arrisco até que são 43!
Os jogos do Cabeço – num campo pelado que tinha erva por todo o lado e que se situava na saída de Alcobaça, a caminho do Casal Pereiro…– tinham regras únicas. Jogava toda a malta .Dez contra dez, quinze contra quinze, vinte contra vinte ou mais. Mesmo com o jogo a decorrer quem chegava ao Cabeço…jogava.
O jogo iniciava depois de uma “primeira” escolha com a malta ainda toda de camisola. Quem sofria o primeiro golo tirava a camisola e passava a jogar de tronco nu… Na fotografia que ilustra o texto há situações de pais e filhos, que era mais uma singularidade destes jogos especiais que duravam toda a manhã. Começavam às 9.00 e acabavam …quando não restava mais ninguém em campo.
Gente conhecida há muita.Desconhecida também... De pé, da esquerda para a direita, um que não conhecemos.Depois o Calisto, o JERO, N, N ,N, N, Rainho (já falecido), o Palma Rodrigues (sempre a guarda redes) e, entre conhecidos e outros de que não recordamos o nome, o João Manuel, o Basílio Martins (com longas barbas), o Dr.José Pedrosa (que era “bom de bola”) e gente mais nova.
De cócoras e sentados o Ramiro (que em dias bons conseguia acertar mesmo na bola), o António Eduardo, o Pisão (já falecido), o Juvenal Amado (dono da fotografia), diversos “Bibis”, o Nabais e o Diamantino (de barbas),o Pacheco e mais outros.
Quase completamente deitados o Carlos Helder (que foi campeão de salto à vara) e o Teopisto. (...)
(**) Último poste da série > 19 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20748: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (115): A COVID.-19 não passará!... (ou o "cornovírus", como já diz o povo). Pois, cantemos a vida, a alegria, o amor... "Aimons le vin"... Amemos o vinho, o amor e as mulheres: canção tradicional, Normandia, França, interpretada pelo Coro Municipal da Lourinhã (maestro: Carlos Pedro Alves)
1 comentário:
Camaradas
Era assim como o Jero conta. Não havia limites para participar nem para acabar.
Na maioria dos casos fazíamos a íngreme subida a pé como aquecimento quer chovesse ou não regressávamos a casa cheios de esfoladelas e carregados de lama. A minha punha uma caixa ao fundo das escadas para eu e o meu Carlos Helder (foi combatente em Moçambique) deixarmos as botas. DEpois as tardes de domingo eram passadas junto ao largo da farmácia Campeão onde gozávamos as peripécias do jogo.
Mas as fotos são um valor histórico. Como bem diz o jero uns faleceram e muitos seguiram caminhos dos quais perdi o rasto há mais de quarenta anos.
Mas mesmo assim vale a pena comentar alguns figurantes. Assim na foto a cores para quem não me reconheça eu estou entre dois amigos de camisola branca e ajoelhado à minha frente está um outro combatente da Guiné que é o Joaquim "chicaréu" de camisol preta sentado no final da linha à esquerda está o Raimundo que foi feito prisioneiro em Timor durante a guerra civil que lá se instalou.
Outra curiosidade e ser o pai da nossa Sónia Tavares do Gift ali estar também.
Na foto a preto e branco logo à esquerda está o Afonso que esteve em Galomaro integrado num pelotão de cavalaria comandado pelo alferes Borrega (já falecido) O Nobre também combatente na Guiné e há dois garotos magros tão parecidos que parecem gémeos junto ao Basílio (de barbas cerradissimas) e ao dr Pedrosa e o interesse reside no facto de o de blusão escuro ser treinador do ABC de Braga depois de ter sido jogador de excelência durante anos.
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