domingo, 22 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20760: Blogpoesia (666): "O rasto da crise", "Tempo cinzento e molhado" e "África das cores...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


O rasto da crise

Nem tudo é negativo.
Está demonstrado que a humanidade não é toda má.
Parecia o inferno.
Mandavam os fortes e os poderosos.
Os do capital.
Julgavam-se deuses.
Réis invencíveis.
Intocáveis castelos.
Afinal, bastou um bichinho que os olhos não vêem e pôs às claras os anões que eles são.

Uniu as pessoas. A solidariedade reverdeceu.
Com frutos abundantes.
Se ajudam os fracos e pobres.
Sem cuidar o que são.
A bolsa se abriu.
Cobrindo o que falta.
Para a vida continuar.
Talvez que depois, quando o tornado passar, os vizinhos de sempre se sintam irmãos.

Mafra, 19 de Março de 2020
11h11m
Jlmg

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Tempo cinzento e molhado

Estou na cadeia. Tenho fome de sol.
Só me dão tempo conzento e molhado.
Não tenho vidraças.
Só frestas e nesgas por onde mal passam os raios.
Me refugio na mente saudosa. Quando me banhava livre na corrente do rio.
Sentindo a frescura e me secava ao sol.
Quem me dera voltar ao cume do monte e ver o sol a nascer.
Vê-lo subir lento e carente.
Regando o mundo sem nada negar.
Reverdeciam os campos. A manta dos montes.
Vinham rebanhos.
Zumbiam as urzes queimadas de sol.
E, nos vales ao fundo, ruminavam as vacas da erva verdinha. Sabendo a leite e a manteiga com sal.

Os dias passavam na lentidão do silêncio.
Os rebanhos recolhiam a casa, fartos da mesa. Carentes de sono.
Das ermidas branquinhas caíam lufadas de bênçãos.
Havia harmonia e paz nas aldeias.
Era o tempo sem guerras.
A vida corria ao tom do amor.

Ouvindo Bach: Konzert d-Moll BWV 1052 für Orgel ∙ hr-Sinfonieorchester ∙ Iveta Apkalna ∙ Riccardo Minasi
Mafra, 20 de Março de 2020
11h29m
Jlmg

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África das cores...

Viver na África das cores e da terra amarela.
Trepar, de máquina em punho, e furar as nuvens para focar ao longe.
Florestas e florestas verdes, num manto extenso,
atravessado por um rio manso e sinuoso.

Sentir o cheiro acre dos mangais em flor, onde, de ramo em ramo, os macacos e as cobras letais.

Atravessar aldeias extensas de cubatas densas onde, descalças, correm as crianças em eterna brincadeira ao pé das mães.

Entrar na selva virgem onde a vida jorra pujante.
Mirar de longe a neve a escorrer dos cumes caiados de cal.
Vi-te dormir vi-te acordar das noites profundas, nimbadas de negro e luar.
Florestas sombrias pintadas do verde das copas gigantes onde saltitam macacos e habitam ofídios perversos que desafiam o diabo.
Te lembro saudoso. Dois anos de encanto que me fizeram feliz.

Mafra, 17 de Março de 2020
21h35m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20735: Blogpoesia (665): "Não é à vergastada", "De cangalhas" e "Passos em falso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

"Talvez que depois, quando o tornado passar, os vizinhos de sempre se sintam irmãos."...

Gostei, camarada, amigo, poeta... Vejo que estás em Mafra, na tua casa. Trancado ? Não abusemos da sorte... Luis Graça

Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes disse...

Olá Luís

Oxalá, sim. Este tornado tenha também esse efeito. A propósito,hoje, ficamos , eu e minha mulher, ficamos consternados. Somos ambos septuagenários. Uma vizinha tocou à campaínha a perguntar se precisávamos que ela fosse às compras para nós.

Impensável há 15 dias...

Um grande abraço.
Resguarda-te. Este inimigo é feroz e traiçoeiro.

Joaquim