Mensagem do Torcato Mendonça:
Queridos Camaradas e Amigos
Cheguei a casa, desvio aqui e acolá, uma ou outra arrumação e o Blogue pronto a ser lido. Fui lendo. Guileje...e Guerra e Guerra e Guileje e as "nossas mulheres" e um texto ou outro giro. Todos giros de umbigos a macacos, de guerras a vidas tramadas...e de repente lembrei-me:
- Eu disse ao Virgínio Briote que em Janeiro lhe mandava um texto. Porquê? Não me recordo...
É preocupante... a senilidade começa pelo esquecimento do facto próximo ou até o simples esquecimento de fechar a braguilha e...aí está...instala-se mansamente a velhice...mas, como vos dizia aí vai um escrito.
Bem é um escrito pronto há muito e não revisto. Um escrito demasiado pessoal, intimista, "volteado" e, a merecer cuidado...é de paz...mas a guerra e a morte, se bem me lembro, estão bem presentes. São daqueles escritos que escrevemos em recordação de desabafo ou em loucura num intervalo de algo que nos aconteceu....Se tiverem paciência, é difícil..., leiam...depois...bem depois saiu-me das mãos e ofereço a três amigos...por vezes as recordações doem e aquela estúpida guerra volteou-nos a vida.
Não leio o que acabei de escrever e, menos ainda, os escritos...vidas...tantas vidas.
FÉRIAS
por Torcato Mendonça
ex-Alf Mil
CART 2339 (Mansambo, 1968/69)
1 - Chegada
Acidentadas as férias nesse Janeiro. Férias de Inverno.
Ainda na Guiné tivemos, no 2º Grupo, o primeiro morto em combate.
Vim para Bissau, esperei uns dias e embarquei rumo a Lisboa. Na véspera cortei as barbas com imensa pena minha. Não queria problemas no aeroporto. Havia um pequeno papel branco a preencher e a entregar a um "fiscal de vidas e afins". Melhor dizendo, à PIDE/DGS, controladores de “tudo”, para quase todos. Levantou-se a hipótese de haver uma certa diferença, com aquela organização, lá e cá. Haveria? Claro que não. Fica em suspenso…
À chegada a Lisboa, com catorze graus, mais grau menos grau, de temperatura, tive a sorte de ter à espera meus pais com uma camisola de lã grossa e um casacão. Passámos pelos Adidos e jantámos não muito longe. Tive um pequeno problema no restaurante. Nada de importância. A minha mãe lançou-me um olhar de reprovação. O meu pai sorriu e deu-me um toque no braço. Era o “clima” a mostrar os efeitos. O empregado, mostrou a tatuagem, sorriu também e, disfarçadamente, perguntou:
- Onde?
- Guiné - foi a resposta.
Satisfeito, teve o cuidado de dizer algo aos visados. Olharam-me como se olha uma personagem perigosa.
Terminada a refeição, saímos pois tinha pressa em chegar a casa. Entrei no carro, para o lado do condutor, como pendura. Sentia-me incomodado. As luzes dos carros, vindos em sentido contrário, o ruído do rolar pela ponte, então Salazar, deixavam-me confuso. Pouco depois pedi: quando puderes pára que eu prefiro ir lá atrás, as luzes, das viaturas vindas em sentido contrário confundem-me.
Em Setúbal voltámos a parar numa festa ou feira, não sei ao certo. Pior porque o barulho perturbava-me. Pouca a demora, talvez só para entrega de uma encomenda ou algo parecido.
A viagem decorreu sem problemas e, algumas horas depois, já em casa, rapidamente procurei um copo e bebi água. Tinha saudades de beber água tirada de uma torneira.
Francamente. Hoje ao recordar parece ridículo. Mas passei demasiado tempo no mato, em Mansambo e nas Tabancas. A água boa era um bem raro. Bem, a boa só engarrafada ("Vichy" ou "Perrier"), a normal…enfim… O pouco conforto ou, simplesmente puder beber água, era nas passagens, curtas, por Bambadinca ou, mais raramente, por Bafatá. Os dois ou três dias de passagem por Bissau de pouco serviram. Recordo que, possivelmente nessa curta estadia, a raiva contida por ver tanto militar gozando o conforto de Santa Luzia me desagradou. Aquele mundo, pouco ou nada tinha a ver com o que eu vivia, lá para o leste.
E se tivesse no lugar deles ou não fosse operacional?! Malhas do Império!
2 – Do café à PJ
No dia seguinte, depois da chegada, juntei-me com dois amigos após o jantar. Um tinha estado no início da guerra na Guiné, integrado numa Companhia de Caçadores Especiais. O outro tinha vindo, pouco tempo antes de Cabinda. Conversámos e combinámos dar um pequeno passeio. As distâncias no Alentejo são logo ali, por isso uma voltinha de quase duzentos quilómetros era logo ali. Ficámos pelos cento e cinquenta…logo ali o Algarve.
Partimos, o Zeca ao volante, a conversa a fluir e a viagem a ficar curta. Demos a volta, não a combinada, da cervejaria ao hotel – dancing do dito…ficámos só pela cervejaria e rumámos de novo ao local da partida, em regresso de acelera.
Por isso, pelo azar ou porque até dava mais gozo, o cabo do acelerador partiu-se.
- E agora?
- Acende o isqueiro e dá à luz – disse o Zeca.
Habituado à mecânica, aos carros, aos
peões e eteceteras, lá atou um cabo e ficou com a aceleração, não de pé mas de fio de aço.
- Aguentem que quando o puser a trabalhar até salta. Vai parecer um potro a escoicear.
Não saltou. Escoiceou um pouco e veio rápido. Parámos uma ou duas vezes pois o
quatro rodas aquecia. Finalmente chegámos. Parámos, à esquina de uma das cinco ruas que saíam de uma Praça, bem no centro da vila.
Arrefecia assim o motor do automóvel e nós continuamos a conversar. Madrugada já entrada, resolvemos regressar aos lares. Um morava perto, eu e o Zeca morávamos na mesma rua mas, para o carro não parar, preferi ir a pé. Emprestaram-me um boné, cabelo curto e frio de Janeiro não era agradável à cuca e até amanhã companheiros.
Logicamente no dia seguinte levantei-me tarde. Depois do almoço, falei um pouco com meu pai e viemos até ao café. Ele, devido ao adiantado da hora, nem entrou. Comprei [o jornal]
O Século, juntei-o a um livro e ao boné e entrei no
Derby. Saltei para um banco do balcão e pedi um café duplo. Estava a acabar a bebida, quando aparece o Zeca e diz:
- Anda comigo ali ao Tribunal. - Falava baixo por hábito, e, por vezes, pouco abria a boca. Ou nervos ou feitio “prendiam-lhe” os dentes…
Percebi mal e pensei que íamos ver um amigo que lá trabalhava. Saí calmamente. Depressa: dizia ele e acelerava o passo. Calma, dizia eu.
Era perto o nosso destino, nem cem metros. Entrou ele e, pouco depois entrei eu. Escadas subidas, vejo-o entrar numa sala. Fui atrás dele. Numa secretária estava um sujeito de fato escuro, cara magra e macilenta ou úlcera no estômago, a olhar-me. De pé um outro, alto e forte. Fiquei a olhar e, antes de perguntar algo, ouvi o mais magro olhar-me e dizer:
- Descoberto! - Só isso percebi. Tirei o boné, pu-lo junto ao jornal e ao livro e perguntei:
- Descobriu o quê? - O sujeito disparou:
- O boné, o boné, quando se entra numa sala destas é falta de respeito manter o boné.
Nem o deixei continuar. Voltei-me para o Zeca e disse:
- O que é isto? - Ele tentou responder mas gaguejou. O sujeito alto respondeu por ele:
- Policia Judiciária e o Senhor Inspector (qualquer coisa) quer fazer-lhe umas perguntas.
Retorqui de pronto, tirando o Cartão Militar do bolso.
- Vim, há dois ou três dias de férias, da Guiné. Está aqui a minha identificação e ouvem-me por deprecada. Olharam-se e olharam-me. Falou o tal inspector, em tom mais comedido.
- Já conversámos com o seu amigo, ainda falta um outro e o senhor. Sabemos que, na madrugada de ontem estavam estacionados a uma das esquinas desta Praça. Houve um problema no banco situado mais abaixo; só lhe queremos perguntar se viu ou ouviu algo. Se não se importa pode responder? Pensei um pouco e disse:
- Não ouvi ou vi nada, falávamos e o que se passava fora do carro não me interessava.
Ainda perguntei:
- Roubaram muito? - Senti o sorriso em ambos e a resposta:
- Não se tratou de dinheiro, foi nos arquivos. - Ficaram com o meu nome e saí dali com o Zeca. Ria dele e da figura que tinha feito.
Quando entrei, à noite, no café voltei a ver de relance os homens da Judiciária.
As férias continuaram e além de curtas, ainda tiveram pequenos incidentes.
Um ano depois, talvez um pouco mais, já regressado da Guiné, cruzei-me na rua com um sujeito. Parou. Olhou para mim e tratando-me pelo antigo posto militar e pelo nome disse:
- Já acabou a sua comissão ou volta a estar de férias? Olhei-o e disse:
- Não estou a ver quem é. Judiciária – foi a resposta.
- Lembra-se do meu nome? – perguntei-lhe.
- Completo - respondeu.
Falámos breves minutos. Se tinha boa impressão daquela polícia, a partir daí fiquei a respeitá-la mais.
3 - Viagem com Amores, Desamores ou Sonhos?
(Já não na primeira pessoa. Porquê? Nem sei.
É preferível:
- Quem será o viajante ou o personagem desta estória?
Um fulano qualquer; um fulano que passou pelo hotel e pelo bordel; um fulano que teve a donzela e a meretriz; um fulano que… ah…e… um dia, ou, em quantos dias se sentiu vazio, perdido, por vezes cambaleante, em balanço provocado por uísque, “1920”, “Carvalho Ribeiro & Ferreira” ou, simplesmente medronho. Só queria encontrar a “picada da vida”…mas esta tardava, tardava…um dia pensou tê-la encontrado…correu mundo, assentou…mas nunca se aquietou, no entanto, em eterno desassossego… qualquer dia… ou num dia qualquer, sorrirá, como outrora…se a encontrar, dir-lhe-á: olá; Tu outra vez? Vamos ou não…báh, ah, ah… tem cuidado estás em frente de um imortal….báh… mas é encontro certo… o mais certo…penso tê-la visto, vocês certamente também…se dela não gostamos, porque dela nos recordamos?...talvez porque este sitio fala demasiado disso… ou dela…certamente quanto menos se conhece mais se fala….
Vamos à estória:
Desceu do comboio. Atravessou em passadas largas a velha estação. Caminhou, já cá fora, em direcção a um táxi. O motorista, certamente por o ver com um saco numa mão e um pequeno embrulho na outra, lesto, abriu-lhe a porta da bagageira. Entrou no táxi e, só então, desabotoou os botões do casacão. Adaptava-se lentamente ao frio, quase primaveril para muitos, mas, frio de Inverno para ele. Disse ao taxista:
- Costumo ficar no Hotel XX. Desta vez preferia ficar num local mais central, calmo e discreto.
Como resposta, além do olhar avaliador pelo retrovisor, recebeu um lacónico:
- Devo ter o que precisa.
Atravessaram parte da cidade. O pensamento dele voou até à fonte de Mansambo, à estúpida emboscada onde um antigo taxista, seu amigo, tinha falecido. Sentia o tormento a instalar-se. Felizmente, pouco depois, o táxi parou numa pequena praceta sua conhecida.
O motorista saiu e não tardou muito a regressar.
- Deve gostar – disse.
Pagou. Esqueceu a nota pequena. Em troca, recebeu um sorriso cúmplice e um cartão:
- Se precisar e estiver livre…
Atravessou a rua e entrou na residencial. As formalidades habituais na recepção, deixou os documentos e, acompanhado por um empregado, subiu ao quarto. Pequeno hall, saleta e quarto. Gostou da boa recuperação do edifício, quer no exterior, quer no interior.
Deixou o saco, o pequeno embrulho e desceu. Ao passar pela recepção devolveram os documentos, confirmaram os dias previsíveis da estadia e indicaram-lhe o bar. Pediu um café duplo, água e uísque simples. Bebeu lentamente e foi tirando notas para um pequeno bloco e uma agenda.
Nem meia hora demorou em regressar ao quarto. Olhou o relógio, tirou o casacão, pequena arrumadela na roupa, abriu o rádio e recostou-se no sofá. Faltava mais de uma hora para o encontro combinado.
Relaxava sentindo o calor suave a vir do aquecimento central. Tentava desviar, o mais possível, o pensamento no regresso à Guiné, mas era inevitável. Estava de férias e queria deixá-las decorrer sem o espectro da guerra, mas voltava sempre lá.
Há pouco pensava no que iria fazer após o regresso daquela guerra. Saberia adaptar-se? Iria fazer outra e outra? Tinha tempo, muito tempo ainda para gastar desta comissão. Teria que voltar e viver…ou tentar voltar, o mais possível, ao seu passado. Sentia estar diferente!
Passou rápido o tempo. Levantou-se e vestiu o casacão. Agarrou no embrulho e saiu para a rua. A noite de Inverno já descia, naquela luz suave da partida de mais um dia e os candeeiros, a custo, acendiam as suas luzes.
Como conhecia bem as ruas, rápido as atravessou. De longe viu a pastelaria onde a namorada o esperava. Efectivamente lá estava ela, cabelo louro, caído pelo ombro, olhos verde-mar e um sorriso aberto. Abraçaram-se, beijo leve – à anos sessenta – sentaram-se mãos a apertarem mãos. Sentia a emoção no rosto dela e, apesar disso, tentava sorrir voltando a um passado, não tão longínquo assim. Talvez três ou quatro anos, nem tanto, quando começaram a andar juntos. Jovens, livres e alegres até à separação imposta.
Mantiveram a relação, meio oficial, meio platónica, meio tudo e nada mas, sempre, isso sim, sempre sujeita à vida militar dele. Até nisso os militares, o serviço por eles imposto se intrometera e, o homem ora em frente daquela mulher, era significativamente diferente desse jovem de outrora.
Ela sentia-o mudado, o olhar endurecido e inquieto. Disse-lho. Questionou-o porque não lhe contava o que por lá passava. Ele sorriu, ainda sabia – ao menos isso – sorrir. Bateu, no seu habitual gesto “maquinal”, com os dedos na mesa e olhou-a para, logo, baixar o olhar.
- Estás nervoso? Tu? Vou sabendo o que por lá se passa, por amigas, mulheres de militares e o até madrinhas de guerra.
Ele franziu a cara, respirou fundo e, olhando-a bem, disse:
- Falemos de nós, deste momento, pois, de certeza que “daquilo” não falo.
Permaneceram a conversar, longa e alegremente de outros assuntos. Saíram para jantarem juntos e prolongaram deliciosamente o momento. Deram um pequeno passeio e ele acompanhou-a a casa. Entrou, cumprimentou a família e demorou-se pouco.
Regressou rápido á residencial. Sentia, ao atravessar aquelas ruas suas conhecidas, a insegurança das sombras. Que diabo de vida. Porquê?
Entrou, dirigiu-se ao bar e pediu um uísque. Bebeu rápido e pediu um segundo. Agora, mais calmo, rodando o copo entre os dedos, bebia lentamente.
Sentiu alguém a aproximar-se dele. Já o tinha visto anteriormente. Talvez sentado a um canto do bar aquando da sua primeira chegada. Possivelmente. O sujeito dirigiu-se a ele sorrindo e cumprimentou-o num fraquíssimo português.
- Sou o dono da residencial e falo muito mal a vossa língua.
Riram-se e tentaram falar bilingue. Numa algaraviada que, pouco depois sem disso se aperceberem, estava a ser escutada pela esposa do proprietário.
O marido apresentou-a. Alta, elegante, olhar azul penetrante e bonita, muito bonita. Falava pausadamente, ligeiro sotaque, sorriso franco.
Gostou. Talvez por isso, ou por necessitar estar só, retirou-se para o quarto. Deitou-se devagar e calmamente adormeceu, embalado pelo ligeiro calor do aquecimento e por algum pensamento.
Acordou tarde e, sem pressas, foi-se preparando para a saída. Já na rua sentiu uma ligeira brisa, vinda do lado do mar, a tocar-lhe agradavelmente a cara. Dirigiu-se na direcção da brisa, sentou-se numa esplanada, abriu o jornal, antes comprado e beberricou um café, enquanto dava pequenas dentadas num bolo de amêndoa. Fazia horas para o almoço com a namorada e gozava a paz dos deuses. De quando em vez parava, vagueava o pensamento para junto dos camaradas em país longínquo, acendia mais um cigarro e voltava, por vezes com dificuldade à leitura do jornal. Noticias de gente feliz…com ou sem lágrimas…felizes…
Almoçou com a namorada. Passou talvez mais dois dias sempre iguais. Mas começou a sentir a diferença, a adaptação, por vezes havia um misto de acomodação e inquietação.
Não recorda já. Possivelmente ao terceiro ou quarto dia, de tarde, teve que regressar á residencial. Junto á recepção estava o proprietário em conversa com uma mulher. Cumprimentaram-se e simpaticamente a mulher foi-lhe apresentada. Falou em inglês e recebeu a resposta em português. Riram-se. Acabou por se sentar só para beber um café.
A jovem, mais de trinta e menos de quarenta, irradiava simpatia. Olharam-se, fundindo um olhar a não esconder a empatia mútua.
Demorou-se pouco. Subiu ao quarto e telefonou tratando de vários assuntos.
Á noite, depois do jantar e do habitual, no regresso à residencial manteve também a rotina: entrou no bar.
Sentou-se e viu-a sozinha. Cumprimentou-a com uma vénia e disfarçou o sobressalto.
Ela, pouco depois aproximou-se e sorrindo começaram a conversar. O dono e a esposa juntaram-se na conversa. Jogou um pouco á defesa e não tardou a despedir-se.
Na tarde do dia seguinte vagueando pela marginal, viu-a. Sentiu aquele
click de ter sido seguido. Desconfiança ou coincidência? Esperou-a e cumprimentaram-se. Depois falaram de banalidades durante algum tempo. Pouco. De repente ela disse:
- Tenho que sair, antes do jantar, em trabalho. Quer vir comigo?
Olhou-a, sorriu e, antes de responder ela voltou a falar;
- Por acaso vi-o esta tarde a despedir-se de uma jovem, não quero que tenha qualquer problema. Estou habituada a andar só. Além disso é perto daqui.
Olá…temos gente que sabe puxar o anzol…esperou e sorrindo respondeu:
- Aceito. Antes tenho que voltar á residencial. Necessita de um
bodyguard…
- Nada disso. Sei que é militar. Queria somente companhia. Penso que conhece o Algarve e lembrei-me de o convidar pois penso estar em férias. Nada respondeu e regressaram á residencial.
Ele telefonou em desculpa de súbita indisposição e não tardou a descer. Estranhou a demora mas, quando ela apareceu não deu o tempo por perdido. Vinha vestida em tom cinza, camisa branca, lenço de cor mais alegre, casaco comprido num braço, mala e pasta no outro e cabelo solto. Linda mulher!
Saíram. O carro dela estava perto. Entraram, o rádio debitava música suave a condizer com o tipo de condução dela. Olhava-a pelo canto do olho, a camisa não tão solta que não deixasse imaginar um peito firme, a saia a subir um pouco.
Conversaram de futilidades na curta viagem.
Quando chegaram, depois dela arrumar o carro, ainda deram um curto passeio olhando o mar a entrar na noite e regressaram devagar. Deixou-se guiar. Sentiu o braço dela a entrar no seu. Talvez tenha estremecido. Olhou-a e sorrindo apertou um pouco, sentia-a mais próximo e o perfume suave a provocar-lhe um desejo difícil de conter.
Entraram no restaurante. O gerente esperava-a. Ele foi até ao bar tomar um aperitivo. Pouco depois, já acompanhado por ela esperaram a chamada para o jantar. Finalmente vieram chamá-los. Comeu pouco e menos bebeu. Conversaram mais. Ela, com um entusiasmo contagiante, falava de turismo e das fortes possibilidades do Algarve. Ele ouvia, contradizia aqui ou acolá ou concordava. Quase a terminarem o café com o sempre apetecível, adorado por ele, bolo de amêndoa, o gerente veio entregar um pequeno dossier. Trocou breves palavras com ela e afastou-se.
Saíram e ela pediu:
- Guie-me você agora. Onde me quer levar?
- Onde você quiser. Terá que conduzir porque não tenho carta de condução.
Caminhavam afastando-se do carro e a brisa fresca levou-os a regressarem. Voltaram em curta corrida e ela, encostada ao carro, esperou-o abrindo os braços. Entrou neles, beijou-a levemente na testa e ouviu a pergunta:
- Diz-me quem és. É melhor o tratamento por tu. Eu sou a Beatriz…e…
Olhou-a e foi demasiado brusco na resposta. Sentiu isso no olhar dela.
- Sou um homem em férias. Chamo-me José. Só isso e é muito.
Entraram no carro e ele pediu para ela ir a uma cidade próximo dali. Viagem breve e conversa quase sem sentido. A desculpa foi a música. Chegaram, saíram mas sentiram demasiado frio. Férias de Janeiro…
- Regressamos? - disse ela.
- Tudo bem.
O regresso foi lento e a conversa calma, mais intimista ou mais sentida. Pareciam dois velhos conhecidos. Chegaram e ele tocou-lhe no braço.
- Já vou, não tenho cigarros.
- Há no bar - disse ela.
- Espera então um pouco por mim.
Ela compreendeu. Demorou pouco. Ao entrar no bar viu-a com o casal habitual e para lá se dirigiu. Falaram, em boa disposição, durante algum tempo. Alegando necessidade de dormir retirou-se.
Deixou a porta encostada, a luz mais fraca acesa e esperou. Virá? Calmamente fumava e, de quando em vez “voava” até Mansambo. Era a sua eterna viagem, o seu eterno sentimento de culpa de algo que não sabendo exprimir, o deixava triste, o levava a pensar nos camaradas…a porta de entrada não se mexia e pensou que ela não vinha.
Mas veio. Entrou como um visão etérea, roupão claro, cabelos soltos e riso aberto. Olhava-a sorrindo e sem nada dizer. Afastou-se um pouco no sofá e ela sentou-se. Conversaram então, quase em sussurro, em aumento de desejo e continuaram, adultos que eram, a fundirem-se num só…com o sol de Inverno a chegar sentiu um beijo e observou-a, novamente envolta no roupão, a sair.
Levantou-se, bebeu um pouco de água e acendeu um cigarro para, logo de seguida o apagar e voltar á cama.
O dia seguinte foi igual aos outros. Não estava de bem com ele. Partira-se algo. Á noite, quando regressava à residencial, encontrou uns amigos e beberam bastante. Quando entrou, o bar ainda estava aberto. Bebeu um uísque. Pediu segundo e sentiu a mão do dono no braço:
-
Why?
Regressou ao quarto. Sentada no sofá, ela ainda o esperava. Olhou-o, abanou a cabeça, levantou-se e saiu. Esteve, não se lembra quanto tempo ali.
No dia seguinte telefonou para um amigo e disse-lhe:
- Vais buscar-me ao final da tarde ao comboio do Algarve?
- Porrada, não? Safa-te ou fala com quem sabes, aí.
- Nada disso.
Antes de entrar no comboio, despediu-se da namorada em promessa de regresso rápido. Viu-a acidentalmente anos depois. Quase dois desconhecidos. Da Beatriz nunca mais soube nada. Ainda regressou, talvez três anos depois á residencial…outras vidas…
Quando desceu do comboio, contou ao amigo uma versão muito aligeirada de um arrufo de namorados.
- Sabes como curas isso? A Francine perguntou por ti... Vamos…
- Não! Conduz esta
droga e vamos beber um copo... Mulheres….
(Qualquer relação com a realidade é pura coincidência… mas se e alterarem os nomes…isso é a vida)
___________
Notas de vb:
Último artigo da série em 15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3741: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Porra, meu alferes, sou cabrão, eu mato-a...