sábado, 17 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9219: Efemérides (82): A invasão da Índia Portuguesa em 18 de Dezembro de 1961 (José Martins)

 


1. Em mensagem do dia 11 de Dezembro de 2011, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos este brilhante trabalho de pesquisa sobre a invasão da Índia Portuguesa em Dezembro de 1961, há precisamente 50 anos:




A QUEDA DA ÍNDIA

18 de Dezembro de 1961

Há quem atribua a queda da Índia, como marca do início da queda do Império Português. Mas, não. Tal não é verdade.

Em 22 de Agosto de 1415, com a expedição portuguesa e a consequente conquista de Ceuta, dá-se inicio expansão de Portugal rumo ao desconhecido, mas foram necessárias mais de quatro décadas, para que Ceuta consolidasse a sua posição, após a tomada em 1458 da praça de Alcácer Seguer e em 1471 de Arzila e Tânger.
Quando a Índia caiu, Alcácer Seguer, Arzila e Tanger já não faziam parte do Império, assim como o Brasil, que foi descoberto e anexado à Coroa Portuguesa depois da Índia. Também não podemos esquecer que muitas “possessões” que Portugal detinha, ao longo das costas de África e na Ásia, se foram esfumando, umas atrás das outras, independentemente do seu tamanho e/ou importância.
A “perda” de possessões nem sempre se ficou devendo à “sorte das armas”. Por exemplo, na Índia, Bombaim foi cedida ao Reino Unido, em 1661, incluída no dote de D. Catarina de Bragança, na altura do seu casamento com Carlos II de Inglaterra.

Voltemos à Índia, onde a maioria dos Portugueses nunca estiveram. Melhor, voltemos ao princípio da descoberta do caminho marítimo para a Índia, ao Século XV, que quer dizer ao meio da história deste nosso país.

Coube ao Almirante-Mor Vasco da Gama (n. Sines entre 1460 e 1469 † Cochim em 1524), filho ilegítimo de Estêvão da Gama, Cavaleiro da Casa de D. Fernando de Portugal, Duque de Viseu e Alcaide-Mor de Sines, casado com Dona Isabel Sodré, filha de João Sodré (também conhecido como João de Resende), que era de ascendência inglesa e tinha ligações à Casa do Príncipe Diogo, Duque de Viseu e Governador da Ordem Militar de Cristo.

A viagem, para a Índia começa no dia 8 de Julho de 1497 com a saída da barra do Tejo da frota constituída pelas embarcações São Gabriel, São Rafael, Bérrio e São Miguel, com cerca de cento e setenta homens a bordo entre soldados, marinheiros e religiosos.

O objectivo, a Índia, é atingido em 20 de Maio do ano seguinte, tendo Vasco da Gama que enfrentar a hostilidade do Samorim de Calecut. De regresso, a Armada atinge Lisboa, em fins de Agosto de 1499, tendo sido recebida em triunfo. Vasco da Gama realiza ainda mais duas viagens à Índia, sendo a última já com o título de Conde da Vidigueira e na qualidade de Vice-Rei, acabando por falecer em Cochim a 25 de Dezembro de 1524.

O Estado Português da Índia, Estado da Índia ou simplesmente Índia Portuguesa, foi um governo com a função de administrar todas as possessões portuguesas localizadas na zona do Oceano Indico, desde a África Oriental até à Ásia, que viu reduzida a sua área de governo em 1752 com a atribuição de governo próprio a Moçambique, situação que se verificou em relação a Macau, Solor e Timor em 1884, ficando, assim, restringido aos territórios de Goa, Damão, Diu, Ilha de Angediva, Dadrá, Nagar-Haveli, Simbor e Gogolá.

Com a independência obtida, da Coroa Britânica, em 15 de Agosto de 1947, a União Indiana, começou a reivindicar a posse dos territórios portugueses na zona, que foram sendo absorvidos pouco a pouco, até que, com a constituição de uma republica parlamentar, o Primeiro Ministro Pandit Jawaharlal Nehru recupera a declaração feita por Mahatma Gandhi [Mohandas Karamchand Gandhi (n. em Porbandar em 2 de Outubro de 1869 † Nova Déli em 30 de Janeiro de 1948), mais conhecido popularmente por Mahatma Gandhi (do sânscrito "Mahatma", "A Grande Alma") foi o idealizador e fundador do moderno Estado indiano e o maior defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não-violenta de protesto) como um meio de revolução (in Wikipédia)], de que “Goa não podia ficar separada”, pelo que resolve reivindicar, formalmente, a abertura de negociações com Portugal, tendente à anexação dos territórios na Índia.

Com o Império Português “em ordem”, depois das “escaramuças” havidas em África, aquando da dobragem do século XIX para o século XX, apesar de se ter prolongado muito para além do regresso das tropas que estiveram em França, e mesmo depois do regresso dos expedicionários aos Açores e Cabo Verde, durante a 2.ª Guerra Mundial, só a Índia, a Jóia da Coroa (mesmo na República), estava a causar alguma perturbação.
Durante o período que este antecede, também na Índia houve situações que, dado os acontecimentos que ocorreram no país, desde a Conferência de Berlim até ao final da Grande Guerra, ao territórios da Índia tiveram de fazer face a uma rebelião dos soldados marathas do Batalhão de Infantaria da Índia. Esta rebelião teve origem na ordem de deslocação, para Moçambique, de duas Companhias. Desenvolveram-se, então, as operações militares em Satary, entre 1895 e 1897.

Para conter esta insurreição, foi enviado à Índia um Corpo Expedicionário do Reino, ainda estávamos no regime monárquico, sob o comando de Sua Alteza real o Senhor D. Afonso, Duque do Porto. Constituíam este corpo expedicionário, as seguintes forças: Comando e Estado-maior (1 oficial e 6 praças); uma Secção de Artilharia de Montanha (1 oficial e 40 praças); uma Companhia de Cavalaria 3 (4 oficiais e 70 praças); duas Companhias de Infantaria 3 (11 oficiais e 444 praças); Serviço de Saúde (4 praças); Serviços Administrativos (1 oficial e 3 praças); num total de 22 oficiais e 567 praças. Convém lembrar que, à época, os sargentos eram considerados praças. Também faziam parte do corpo expedicionário, um contingente de marinheiros do cruzador “Vasco da Gama”, não quantificados na fonte consultado.

Na sequência das perturbações havidas, houve novas Operações de Polícia em 1901 e 1902, dirigidas pelo Governador-geral da Índia Coronel Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo.
Em 1912 foram efectuadas novas operações em Satary, sendo necessário recorrer ao reforço da guarnição da Índia, pelo envio de três Companhias de Moçambique.

Só uma preocupação se colocava ao poder de então, no início dos anos 50 do século passado: Guarnecer os territórios naquele estado com o maior número possível de militares.
Sem negociações, a União Indiana acaba por anexar os territórios de Dadrá e Nagar-Haveli e impede o reforço daqueles territórios, mas Portugal envia mais tropas para a Índia, tendo chegado a cerca de 12.000 homens e três navios de guerra.

No inicio de 1961, o Coronel Francisco da Costa Gomes, na sua qualidade de Subsecretário de Estado do Exército (56.º Ministério, cargo que ocupou de 14 de Agosto de 1958 a 13 de Abril de 1961), sugeriu a redução dos efectivos naquelas paragens para cerca de 3.500 homens, em virtude de se ter constatado que aquele território seria indefensável, perante uma, mais que provável, invasão. Esses efectivos foram deslocados para África, onde se tinham iniciados os conflitos que se prolongariam por cerca de treze anos, e que se propagou a três frentes de combate.

Com uma guarnição de pequena dimensão, mal armada e pouco municiada, dá inicio a alguns combates esporádicos, com forças da União Indiana, em 17 de Dezembro de 1961. Porém, no dia 18, uma força de cerca de 45.000 homens, mantendo na retaguarda como reserva cerca de mais 25.000, dá inicio à invasão simultânea dos três territórios ainda em poder efectivo de Portugal.


Socorro-me, agora, dum trabalho que venho efectuando ao longo dos últimos anos, talvez 10, que intitulei, genericamente de “AD UNUM”, que significa “ATÉ AO ÚLTIMO” e é o lema da Escola Prática de Infantaria, a Casa-Mãe daquela Arma:

17 de Novembro de 1961 – Num incidente na ilha de Angediva, ao sul de Goa, a guarnição abre fogo sobre o navio de passageiros “Sabamati”, sendo transformado no pretexto para uma intervenção militar tendente a libertar os territórios pela força.

12 de Dezembro de 1961 – Na Índia, dá-se a evacuação das mulheres e crianças. A operação é desaconselhada por Lisboa, por contrária ao interesse nacional, mas o General Vassalo e Silva, governador do Estado Português da Índia, não abdica de pôr a salvo os familiares dos seus homens. Com capacidade para cento e cinco passageiros, o navio Índia larga de Mormugão com seiscentos e cinquenta.

14 de Dezembro de 1961 – Na Índia é decretado o estado de emergência, ao mesmo tempo que é recebida a mensagem rádio, enviada pelo Dr. Oliveira Salazar, presidente do Conselho e Ministro da Defesa: “Recomendo e espero a sacrifício total, única forma de nos mantermos à altura das nossa tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação. Não prevejo possibilidades de tréguas, nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos".

17 de Dezembro de 1961 – Os territórios de Goa, Damão e Diu são cercados por efectivos das forças armadas da União Indiana, num total de quarenta e cinco mil homens e mais vinte e cinco mil de reserva, utilizando carros de combate do último modelo, artilharia, tropas aerotransportadas, unidades anfíbias, engenharia, aviação moderna. Do lado português cerca de três mil e quinhentos militares deficientemente armados e municiados – há quem não tivesse melhor que uma espingarda Kropatcheq, anterior à Primeira Guerra Mundial, espingardas Lee-Enfield, britânicas, modelo de 1917 e metralhadoras ligeiras Lewis -, sem blindados e sem armas anticarro, sem aviação e praticamente sem artilharia.

17 de Dezembro de 1961 – Ao principio da noite aterra no aeroporto de Dabolim um avião da TAP, vindo de Carachi. Prevê-se que traga uma encomenda urgente das desejadas granadas “Instalaza”, destinadas a reforçar a depauperada artilharia anticarro. Os caixotes são abertos com ansiedade, mas ninguém quer acreditar no que vê: em vez de granadas, chouriços, enviados por Lisboa no âmbito da campanha do “Natal do Soldado”.

18 de Dezembro de 1961 – Invasão, pela União Indiana, do Estado Português da Índia. Mal armados e em número reduzido, cerca de três mil e quinhentos efectivos, perante as forças indianas invasoras, cerca de cinquenta mil militares do exército, marinha e força aérea, resistir significava uma cruel e inútil auto-imolação para os efectivos militares portugueses.

19 de Dezembro de 1961 – O contingente português acabou por se render, tendo o governador, general Vassalo e Silva, ordenado a “suspensão de fogo” às suas tropas. Mais de três mil militares portugueses foram feitos prisioneiros, entre eles o próprio Comandante. O Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar que queria “Só soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”, puniu e perseguiu alguns dos oficiais em serviço na Índia, o que abriu dolorosa ferida nas Forças Armadas Portuguesas e foi uma das raízes do derrube do regime Salazar, doze anos depois da queda de Goa, Damão e Diu.

19 de Dezembro de 1961 - Foram feitos prisioneiros em Goa (3412), Damão (853) e Diu (403), entre civis e militares, metropolitanos, africanos e indianos. Os 4668 prisioneiros foram enviados para os campos de concentração de Goa localizados em Nevelim, Praça da Aguada, Pondá e Alparceiros.

20 de Dezembro de 1961 – O General Chaudhury, das Forças Armadas Indianas, dirige-se ao campo de Alparqueiros, para uma visita ao já ex-Governador, no seu quarto-cela. O General Vassalo e Silva quis levantar-se para cumprimentar o indiano, mas este, pousando-lhe a mão no ombro, não deixou, puxando de seguida uma cadeira, sentou-se. O General português recusa a oferta de tratamento preferencial enquanto o indiano louva os militares portugueses, pelo seu comportamento nos combates travados em Mapuçá, Bicolim, Damão e Diu. O general indiano, no final, apertou a mão ao general português, colocando-se à disposição do vencido para o que fosse necessário.

27 de Dezembro de 1961 – Jawahalal Nehru, primeiro ministro indiano, manifesta-se contra os ataques internacionais de que foi alvo por ter invadido os territórios portugueses de Goa, Damão e Diu.

3 de Janeiro de 1962 – Estabelecimento, em Lisboa, de um governo do Estado da Índia.

12 de Janeiro de 1962 – O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Dr. Franco Nogueira, entrega ao Presidente do Conselho de Ministros, Dr. Oliveira Salazar, um documento intitulado “Notas sobre a Política Externa Portuguesa”. Neste documento, de dezoito páginas, era preconizada a entrega de Macau à China e Timor à Indonésia, enquanto à Guiné e São Tomé e Príncipe seria dada a autonomia e independência. Os territórios de Angola, Moçambique e Cabo Verde seriam mantidos como colónias essenciais.

27 de Janeiro de 1962 – Acordo entre Portugal e a União Indiana para o repatriamento de mais de três mil prisioneiros.

Maio de 1962 – Começa a repatriação dos prisioneiros, com o estabelecimento de uma ponte aérea até Carachi no Paquistão, sendo, a partir daí, a viagem efectuada por mar nos navios enviados pelo Governo de Lisboa:
• Vera Cruz – Sai no dia 8 e chega a Lisboa a 22, com 2968 pessoas a bordo;
• Pátria - Sai no dia 12 e chega a Lisboa a 26, com 1265 pessoas a bordo;
• Moçambique - Sai no dia 15 e chega a Lisboa a 30, com 1382 pessoas a bordo. Foram transportadas mais de 5600 pessoas, entre militares e civis.

Quando chegam a Lisboa os navios que transportam os ex-prisioneiros de guerra da Índia, os militares repatriados só saíram a coberto da noite, debaixo de forte dispositivo de segurança militar, sendo esta atitude justificada “pela necessidade de os proteger da população, que os queria linchar pela cobardia demonstrada”.
No cais apenas alguns familiares e amigos dos regressados.


Em memória dos camaradas de armas tombados em nome de Portugal, deixamos o registo dos seus nomes, para que a História e os Homens, os não esqueçam, e não se tornem em SOLDADOS ESQUECIDOS:

Militares tombados em Defesa da Índia Portuguesa

Abel Araújo Bastos – Soldado
Abel dos Santos Rito Ribeiro – Alferes Miliciano de Infantaria
Alberto Santiago de Carvalho – Tenente Infantaria
Aníbal dos Santos Fernandes Jardino – Marinheiro
António Baptista Xavier - 1.º Cabo
António Crispim de Oliveira Godinho - 1.º Cabo
António Duarte Santa Rita - 1.º Sargento da Armada
António Fernando Ferreira da Silva - 1.º Cabo
António Ferreira – Marinheiro
António José Abreu Abrantes – Alferes Miliciano Infantaria
António Lopes Gonçalves Pereira – Alferes Miliciano Engenharia
Cândido Tavares Dias da Silva - 1.º Cabo
Damuno Vassu Canencar – Soldado
Fernando José das Neves Moura Costa - Soldado
Jacinto João Guerreiro – Soldado
João Paulo de Noronha - Guarda 2.ª classe
Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo - 2º Tenente Armada
José A. Ramiro da Fonseca - Furriel Miliciano
José Manuel Rosário da Piedade - 1.º Grumete Armada
Joviano Fonseca - Guarda-Auxiliar
Lino Gonçalves Fernandes - 1.º Cabo
Manuel Sardinha Mexia – Soldado
Mário Bernardino dos Santos – Soldado
Paulo Pedro do Rosário - Guarda Rural
Tiburcio Machado - Guarda-Rural

OBS: Esta lista pode estar incompleta

Os Soldados da Índia só foram “reabilitados” do ostracismo a que foram votados, após o 25 de Abril. Todos os prisioneiros de guerra, foram condecorados com a Medalha de Reconhecimento (*) em 03 de Maio de 2003, pelo então Ministro de Estado e da Defesa Nacional Dr. Paulo Portas.

Odivelas, 10 de Dezembro de 2011
José Marcelino Martins

(*) Sobre a Medalha de reconhecimento, criada em 27 de Dezembro de 2002, pode ver-se a descrição da mesma no Poste de Sexta-Feira, 30 de Outubro de 2009, Guiné 63/74 - P5184: Controvérsias (40): Carta Aberta ao Senhor Ministro da Defesa Nacional (José Martins)
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Notas de CV:

Vd. também Dossier Goa 1961 em Super Goa

Vd. último poste de José Martins de 14 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9200: Um novo Monumento aos que tombaram pela Pátria, aos que construíram uma terra (5) (José Martins)

Vd. último poste da série de 17 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9218: Efemérides (60): Como os acontecimentos de Goa, Damão e Diu foram vividos em Luanda (Antº Rosinha)

Guiné 63/74 - P9218: Efemérides (81): Como os acontecimentos de Goa, Damão e Diu foram vividos em Luanda (Antº Rosinha)

1. Comentário do nosso camarada António Rosinha (que, em 1961, era Fur Mil do Exército Português em Angola), ao poste P 9202 (*)

Torcato, a 19 de Dezembro de 1961, estavam praticamente todas as unidades de mãos sobre a cabeça. E só a 18 tinham começado os aviões a ameaçar a sério.

Falam ex-furrieis milicianos, participantes, de 73 anos de idade, hoje.


Pouco depois dessa data, em Luanda batiam-se palmas a discursos inflamados, aplaudindo a resistência dos nossos heróis de Goa (, de mãos na cabeça, ) e fazia-se recolha pública de dinheiro para aquisição de um porta-aviões para substituir o Afonso de Albuquerque que os indianos tinham afundado.

Do meu salário de furriel foi-me descontada uma quantia, que não me lembro de quanto, mas voluntariamente, tás-a-ver!

Salazar mentiu e mandou mentir com todos os dentes, e conscientemente pouca gente de nós engolia todas as petas do Botas. Antes pelo contrário, mesmo quando dissesse algumas verdadeiras, já se ficava de pé atrás. Mas a história um dia virá dizer se eram mentiras necessárias para resistir ao que se sabia que aí vinha, e foram mentiras oportunas, ou antes pelo contrário.

Uma coisa é certa, poucos alferes milicianos e furrieis milicianos se propuseram a escrever como tu, Torcato, fizeste com a tua guerra. E isso era preciso, para ajudar a compreendermos melhor, como fomos nós, a nossa geração, no seu todo.

Ficou pelo caminho Goa e São João Batista de Ajudá (**) e o Mapa-Cor-de-Rosa. (***) 

Cumprimentos
Antº Rosinha
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(**) Hoje Museu de História de Ouidah, República do Benin

Fernando Ribeiro, no seu blogue, A Matéria do Tempo, escreveu em 10 de Janeiro de 2007 o seguinte sobre o Forte de São João Baptista de Ajudá (Ouidah):

 (...) "Este é o Forte de São João Baptista de Ajudá, situado em Ouidah, na República do Benim, que foi erguido no séc. XVIII para servir de entreposto e de protecção militar ao tráfico português de escravos para o continente americano e Caraíbas. 

" Esteve na posse de Portugal até depois da independência do Daomé (como a República do Benim se chamava então), tendo sido abandonado e incendiado por ordem de Salazar em 1961, ano em que o Daomé decidiu ocupá-lo. Foi recuperado das cinzas ainda na década de 60 e nos anos 80 foi objecto de novas obras de restauro, as quais foram pagas pelo Estado português.

"O forte é agora um Museu de História daquela região de África, de onde foram tantos os escravos que dela partiram que ela era chamada Costa dos Escravos. O sítio do museu na Internet merece uma visita, ainda que só esteja em francês e em inglês. É pena que não esteja também em português, pois as raízes de milhões de afro-brasileiros estão naquela parte do mundo, donde os seus antepassados saíram em condições ultrajantes". (...)

Na Wikipédia, atribui-se à Fundação Calouste Gulkenkian a obra de recuperação do forte, que ocupa(va) um espaço de 2 ha: (...) "A anexação (em 1 de Agosto de 1961) foi reconhecida por Portugal em 1985, tendo os trabalhos de recuperação e restauro sido desenvolvidos em 1987, com orientação e recursos da Fundação Calouste Gulbenkian" (...).

Guiné 63/74 - P9217: Efemérides (80): O Gen Carlos de Azeredo recorda, em entrevista à TSF, a invasão de Goa (que faz hoje 50 anos)

1. Em entrevista à TSF, conduzida ontem pelo jornalista Rui Tukayana, o Gen Cav Ref Carlos Azeredo, de 81 anos,  nascido em Marco de Canaveses, lembra que "em Goa ninguém queria acreditar na invasão indiana". Ouvir aqui o registo áudio (duração: 11' 24'').

Recorde-se que Carlos de Azeredo cumpriu cinco comissões no Ultramar, duas no antigo Estado Português da Índia – onde foi prisioneiro de guerra das tropas indianas - uma em Angola (Cabinda) e duas na Guiné.

(...) "Na véspera do 50.º aniversário do avanço da união indiana sobre os antigos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu, o general Carlos Azeredo, na altura comandante da polícia em Goa, recorda, em declarações à TSF, o princípio do fim do império.

"O general lembrou a forma rápida como as tropas inimigas invadiram o território, o desequilíbrio na balança de forças, a rendição em lágrimas do ultimo governador do território a e intransigência de Salazar.

"Carlos Azeredo contou ainda que em Goa ninguém queria acreditar na invasão, mas os preparativos indianos eram evidentes para todos" (Fonte: TSF 'on line').

2. Sobre este militar português, ver ainda a seguinte entrada da Wikipédia:

(...) Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme, GCC, ( Várzea da Ovelha e Aliviada, Marco de Canaveses, 4 de Outubro de 1930 – ) é um general do Exército Português. Monárquico, participou activamente no 25 de Abril de 1974.

Foi Comandante da Região Militar do Norte e Chefe da Casa Militar do Presidente Mário Soares. Foi candidato à Presidência da Câmara Municipal do Porto nas eleições autárquicas de 1997 à frente de uma coligação entre o PSD e o CDS-PP, tendo sido derrotado por Fernando Gomes. Em 1996 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Editou um livro sobre a sua vida "Trabalhos e Dias De Um Soldado Do Império". (...) [Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2004, 496 pp.  7 €]

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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9202: Efemérides (58): A invasão por tropas indianas dos territórios de Goa, Damão e Diu, em 18 de Dezembro de 1961

Guiné 63/74 - P9216: O nosso fad...ário (8): O Fado BART 2857: Parte II: a Cavalaria em Piche... (José Luís Tavares / Manuel Mata)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71> Viatura Chaimite anfíbia com canhão. As primeiras que foram distribuídas às NT. O EREC 2640 tinham, segundo o relato do Manuel Mata, "oito Viaturas White"...  

A White, "rápida também em picadas, com bom poder de fogo devido ao carril onde as metralhadoras eram montadas, podendo deslocar-se para qualquer ponto frontal ou lateral da viatura, era ao mesmo tempo um excelente abrigo devido à sua forte estrutura metálica"... Ponto fraco: "tornava-se, porém, difícil a sua deslocação na época das chuvas"... Mas não só: (...) "começaram a ter problemas mecânicos, não havia material sobressalente em armazém, para reabastecimento, tendo esta situação levado a uma diminuição da nossa actividade operacional"... Razão por que no último trimestre de 1970, vieram à Metrópole um Alferes, o Primeiro-Sargento Mecânico, e cinco Praças, "afim de receberem cinco viaturas Chaimite, destinadas a este Esqadrão.  Havia uma certa expectativa pois eram as primeiras viaturas do tipo para o Exército Português".

 
Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Piche > BART 2857 (1968/70) > Aqui uma futebol era uma paixão...

Fonte: Album Picasa, do João Maria Pereira da Costa / Blogue BART 2857 (Com a devida vénia...)


1. O Esq Rec Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) tinha um pelotão destacado em Piche. Não teve, porém,  vida fácil,  apesar de ter "campo e piscina", e dar-se ao luxo de ter duas equipas de futebol, como se depreende das letras do radiotelegrafista Tavares... 

Leia-se aqui, a propósito,  um excerto da história desta garbosa subunidade de cavalaria, contada na I Série do nosso blogue pelo Manuel Mata:

(...) Mês de Outubro de 1970: O Pelotão destacado em Piche fez mais uma das muitas escoltas, a Nova Lamego, sofreu uma forte emboscada, as viaturas White reagiram de imediato pelo fogo e movimento. Uma delas foi atingida por sessenta tiros e um dos nossos atiradores teve uma reacção inesperada e de grande bravura, sai da viatura para o meio da picada de bazuca em punho, mantendo-se ali de pé até disparar todas as granadas que havia de momento...

"Apenas sofreu queimaduras ligeiras no rosto o nosso bravíssimo camarada Eduardo Pereira Subtil (mais conhecido pelo 'Minhoca'. Houve um outro militar ferido mas sem gravidade. As forças escoltadas sofreram um morto e sete feridos.


"Notava-se na zona um aumento significativo das ameaças e flagelações pelo IN, basta recordar o dia 25 de Outubro, mais uma em Piche sem consequências para o Pelotão Rec, mas o mesmo não aconteceu aos militares do Batalhão que sofreram um morto e um ferido, e também quatro feridos da população". (...)

Publicamos a II parte daquilo a que chamámos o Fado do BART 2857 (*), o batalhão que esteve em Piche, de Novembro de 1968 a Outubro de 1970, segundo nos confirma o nosso camarada J. M. Pereira da Costa, um dos administradores do blogue do BART 2857... 

Este batalhão era constituído pela CCS (Piche), CART 2438 (Bajocunda), CART 2439 (Canquelifá) e CART 2440 (Piche).

Não sabemos se esta letra do Tavares chegou a ser musicada e cantada, em Piche e/ou em Bafatá... De qualquer modo achamos que vai bem com o Fado Corrido... Chamámos a esta 2ª parte, A Cavalaria em Piche... (Com a devida vénia, ao autor da letra e ao Manuel Mata, que a recolheu) (**) (LG).



2. Fado do BART 2857: Parte II: A Cavalaria em Piche

Piche tem campo e piscina,
Qu' já foi a inaug'ração,
São obras de grande valor,
Feitas pelo Batalhão.

Até parece mentira
Aquilo que eu vou contar,
O Batalhão fez um campo
P'ra  Cavalaria jogar.

A Cavalaria é um posto,
Já vem de tempos atrás,
Imaginem um Batalhão
Fazer um campo para nós.

Nós temos duas equipas,
Como toda gente as vê:
Temos a boa equipa A,
Não desfazendo na B.

Têm equipamento novo,
Que aquilo é um asseio,
E o dirigente da equipa
É o nosso alferes Feio.

São duas equipas rivais
Que mandam o seu respeitinho,
E, de árbitro permanente,
O nosso amigo Agostinho.

José Luís Tavares - Radiotelegrafista
1 de Julho de 1970

[Recolha: Manuel Mata, 2006]

[Revisão: LG]
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Notas do editor:

(*) Vd, poste anterior da série > 13 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P9189: O nosso fad...ário (7): O fado do BART 2857: Parte I: Obras em Piche: letra de José Luís Tavares, recolha de Manuel Mata (Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71)

(**) Vd. I Série > 31 de Março 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857 

Guiné 63/74 - P9215: Blogpoesia (173): Natal da raiva e solidão (Armor Pires Mota, 1974)



Um poema de Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488, Mansabá, ilha do Como, Bissorã e Jumbembem, 1963/65).  

Reproduzido com a devida vénia (e com a autorização do autor), do seu livro de poesia O tempo em que se mata, o mesmo em que se morre (Braga: Editora Pax, 1974, pp. 15). 



Capa do livro que está esgotado. Foi oferecido  pelo autor um exemplar, fotocopiado, à biblioteca da nossa Tabanca Grande. Capa do livro: Zé Penicheiro





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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9177: Blogpoesia (172): Uma a uma, tomei nas mãos as Kalashs... (António Graça de Abreu)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 11 de Dezembro de 2011:

Caro amigo Carlos Vinhal, camaradas, amigos,
No dia 24 de Dezembro de 1972, num presépio chamado Guiné, eu marquei encontro com o Pai Natal. Aqui fica a história desse encontro, que também seria o último que teria com Ele em terras africanas.

Por muitas razões da vida que vivi, eu acredito que há um velhote simpático de barbas brancas, chamado Santa Claus, que faz os possíveis para me acompanhar todos os dias. Ele também vos tem no coração, disso tenho a certeza.

Quando ele bater à vossa porta, deixem-no entrar e descansar um pouco no seio da vossa família. Ele, depois de passar por aqui e de atravessar este Atlântico imenso que nos une, apenas quer desejar-vos um Feliz e Santo Natal.

Um grande abraço do
José Câmara


Guiné, um presépio de Natal

Na linda ilha das Flores, terra que me viu nascer e crescer, as celebrações do Natal tinham como atenção o nascimento do Menino Jesus em Belém e as prendas que Ele, no seu infinito amor, distribuía pela pequenada.
Como criança que era não percebia porque é que o Menino gostava tanto dos meninos mais ricos e, muitas vezes, se esquecia de mim, dos meus irmãos e de outros meninos tão pobres como eu. Levei alguns anos para me aperceber que o Menino também me amava como aos outros. A verdade era que a minha pequenina casa não tinha chaminé por onde Ele pudesse entrar e, mesmo que arranjasse outra forma de se infiltrar, nunca poderia encontrar os meus sapatinhos porque eu não os tinha. Apesar de todos esses problemas, na sua infinita bondade, às vezes arranjava maneira de deixar debaixo do travesseiro um saquinho com figos passados. Quando isso acontecia, o Natal era enorme no meu coração de criança.

No Faial, para onde fui com a idade dos 10 anos, talvez por influência das companhias estrangeiras de cabos submarinos (americana, inglesa e alemã), de algum consumismo já evidente na pequena cidade da Horta e mesmo dos emigrantes resultantes da erupção vulcânica dos Capelinhos, o Menino era mais rico e, por isso mesmo, costumava contratar um ajudante, o Pai Natal, por altura dos festejos natalícios. Era este Ajudante que trazia as boas novas do Menino.

O meu alfinete de gravata, homenagem ao meu Menino Jesus
De nós para vós, um Santo Natal
©Foto de J. Câmara

O Pai Natal, o Santa Claus como alguns lhe chamavam, viajava por entre estrelas, vindo das zonas frias da Lapónia. Talvez porque o trenó, puxado por renas de nariz vermelho, tinha mais espaço para sacos de prendas o Natal, na minha casa passámos a contar com algumas alegrias extras, entre as quais, há um alfinete de gravata que ainda hoje é o único que uso em homenagem ao grande amor e sacrifício do meu Menino Jesus.

Todavia, para compreender o Natal em toda a sua beleza humanística faltava, de facto, ter um encontro com o Menino Jesus, com o Pai Natal. A oportunidade aconteceu a meia tarde do dia 24 de Dezembro de 1972.

Ao tempo eu era, com muita honra, militar no Exército de Portugal, em fim de comissão de serviço na Guiné.
O presépio, devidamente preparado para essa efeméride, era completamente diferente daqueles a que estava acostumado na minha meninice. Este fora desenhado e construído com belas bolanhas e matas esplendorosas de palmeirais, cajueiros, capim, às quais não faltavam javalis, veados, pombos verdes, cobras, lagartos, sapos, mosquitos, formigas e os demais requintes da flora e fauna tropicais. A completar todo esse quadro maravilhoso que extasiava os corações mais sensíveis, as cascatas das ribeiras da freguesia deram lugar a um espelho imenso de um rio calmo que reflectia o sorriso quente do astro-rei. Era na verdade um presépio que deixaria imensas recordações, alegres umas, bem tristes outras, porque não saudades das boas, vida fora!

O Pai Natal da CCaç 3327 fazendo a aproximação à margem do Enxudé, Zona de Tite
© Foto de J. Câmara - Dezembro 24, 1972

Foi nesse ambiente que o Pai Natal, ansiosamente esperado, apareceu por detrás de um pequeno ilhéu colocado no meio do rio. Era diferente de tudo o quando imaginara até então. Vinha vestido de cinzento. Conduzia, com mestria, as renas que mais pareciam peixinhos vestidos de muitas cores que, alegremente, puxavam nas águas mansas do rio um trenó em forma de barquinho. Graciosamente, com lentidão cautelosa, aproximou-se da terra e aos poucos foi abrindo os seus braços até descansá-los na margem do rio. De peito bem aberto, deixou ver o seu imenso coração onde caberiam todos aqueles que o esperavam e que não se fizeram rogados em entrar nele.

Descansou o suficiente para receber a sua preciosa e alegre carga. Depois, talvez imitando Santo António, segredou algo aos peixinhos que, por ali, se mantinham em alegres brincadeiras. Fechou os seus enormes braços num amplexo imenso àqueles que acabara de receber junto do seu coração. E partiu. Tal como chegara, sem alaridos, havia que cumprir o final da sua nobre missão. Havia que levar a bom porto todos aqueles que confiaram no seu convite.

Aos poucos as margens do Enxudé foram-se perdendo no entardecer do dia para dar lugar à noite que se aproximava. Tite, Bissássema e as suas gentes passavam a ser nomes guardados na neblina da memória. Bissau foi o porto de acolhimento.

Encostado ao cais, exausto pelo cansaço, aquele Pai Natal ainda teve forças para um último aceno. Foi a última vez que o vi em terras da Guiné. A CCaç 3327 regressava à casa e às barracas que a receberam vinte e três meses antes, o Depósito de Adidos, em Brá.

A partir da esquerda: 1.º Sarg. Baltazar Lopes e Fur. Mil. Fernando Silva (ambos já falecidos), Fur. Mil. Pinto. A foto não oferece condições para identificar os outros com segurança. De costas, a ser servido, o Fur. Mil. Câmara
© Foto cedida pelo Fur. Mil. João Cruz, Natal de 1972

Nessa noite de Natal, alguns de nós ainda conseguiram desenfiar-se para a cidade. O Coelho à Caçador andou às correrias pelas mesas que juntámos no restaurante que nos acolheu. Uma noite diferente e alegre para nós. Só possível pelo amor e amizade de um Santa Claus que quis que, nesse ano de 1972, tivéssemos um Feliz e Santo Natal.

Porque ainda acredito na existência do Pai Natal, hoje, tal como ontem, que a Amizade e o Amor, a Paz e a Esperança do espírito do Natal, sejam companheiras diárias das vossas vidas e da dos vossos familiares.

Deste lado do oceano, um abraço enorme, quente e amigo do
José Câmara
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9088: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (29): Quando o destino cruel desabafa a sua ira

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9213: O meu Natal no mato (34): Empada, 24 de Dezembro de 1969, em tempo de guerra (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P9213: O meu Natal no mato (34): Empada, 24 de Dezembro de 1969, em tempo de guerra (José Teixeira)


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 10 de Dezembro de 2011:

Caros amigos editores
Como estamos a chegar ao Natal revisitei o “meu diário” e recolhi este pequeno texto escrito no dia 24 de dezembro de 1969.


Natal em tempo de guerra

No dia 24 de Dezembro de 1969, escrevi no “meu diário":

Dezembro 69, Empada 24
É Natal. No ar uma camada de cacimba que nos dificulta a visão. Ao longe o troar das armas, o ribombar dos canhões, lembram os sinos da paz e pela sua insistência recordam-nos que é Natal.

Então, o espírito, o coração, todo o nosso ser, sente o Natal. Não o Natal que vivemos na hora presente, preocupados com a morte que nos espreita pela boca de um canhão, atentos ao menos sinal de perigo, para de arma em posição de rajada fazermos frente ao Inimigo. Sente-se o Natal de nossas casas, a paz dos nossos lares e sofre-se não propriamente por estarmos em guerra, mas porque nos lembramos dos nossos. O seu Natal, não é Natal, porque falta alguém querido, alguém que sente e vive o Natal e outra maneira, em circunstâncias muito difíceis. Eles nem sonham!

Ontem, saí em patrulhamento e quando regressávamos ao quartel ouviram-se umas rajadas à retaguarda na direção por onde tínhamos passado. Presume-se que o IN vinha atacar Empada e notou os nossos rastros ou qualquer ruído na mata e, pensando que estávamos emboscados por perto, abriu fogo. Como não houve reação da nossa parte, calaram-se novamente.


O meu diário

Empada > Fotos do meu Natal de 1969

Zé Teixeira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9160: (Ex)citações (162): Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da política seguida pelo nosso blogue (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9148: O meu Natal no mato (33): Um conto natalício (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P9212: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (2): Mensagens dos nossos camaradas José Carlos Gabriel, Alcides Silva, José Lima da Silva, José Corceiro, António Nobre, Fernando Chapouto, António Paiva e Armando Fonseca

MENSAGENS DE NATAL DOS NOSSOS CAMARADAS

1. Mensagem do nosso camarada José Carlos Gabriel (ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74):

Nesta data festiva não poderia deixar de endereçar os meus votos de UM FELIZ NATAL E PRÓSPERO ANO DE 2012 para todos os camaradas e respetivas famílias.


José Carlos Gabriel
Ex-1º Cabo Op. Cripto
2ª CCAC do BCAC 4513
Nhala 73/74

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2. Mensagem de Alcides Silva, ex-1.º Cabo Estofador na CCS/BART 1913, Catió,1967/69:

Amigos e companheiros de guerra,
Envio o desejo de Bom Natal e Feliz Ano novo para todos os camarigos.


Um grande abraço para todos e muita saúde.
Alcides Silva

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3. Mensagem de José Lima da Silva (ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bissum, Pirada e Bula, 1966/67):

Com os votos de que tenham Festas felizes e Santo Natal para todos em geral
Um abraço
JLS


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4. Mensagens de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71)

António Nobre (ex-Fur Mil da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Buba, Nhala e Binar, 1969 e 1970):
e
Fernando Chapouto (ex-Fur Mil da CCAÇ 1426, 1965/67, Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda

Natal Feliz com muita saúde e alegria
Um abraço


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5. Mensagem do nosso camarada António Paiva (ex-Soldado Condutor Auto no HM 241, Bissau, 1968/70):


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6. Mensagem de Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64):

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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 14 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9196: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (1): Gabriel Gonçalves (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Guiné 63/74 - P9211: Parabéns a você (354): Francisco Santos, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, da CCAÇ 557 (1968/70) - Agradecimento


1. O nosso camarada José Colaço* (ex-Soldado Trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), reenviou-nos a seguinte mensagem de agradecimento do Francisco Santos, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65.


Camaradas, 

Reenvio-vos o e-mail que o nosso camarada e poeta popular Francisco dos Santos me fez chegar, com os agradecimentos dos parabéns que lhe foram prestados no blogue, no seu último festejo aniversariante.


Com os desejos a todos de muitos anos de vida e com saúde.

Um abraço.
José Colaço Sol Trms da CCAÇ 557
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 DE DEZEMBRO DE 2011 > Guiné 63/74 - P9206: Parabéns a você (354): António Paiva, ex-Soldado Condutor Auto Rodas no HM 241 de Bissau (1968/70)

Guiné 63/74 - P9210: (De)caras (9): Ainda a fatídica emboscada de 14/6/1973, na estrada Ponte Caium-Piche (ex-Fur Mil Ribeiro / ex-Sol Cond Auto Florimundo Rocha)






Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Foto do álbum do Jacinto Cristina... Julgamos que esta foto  é do 3º Gr Comb a que pertencia o Jacinto... Não conseguimos ainda identificar os camaradas... Não se descortina, entre eles, nenhum graduado, chefe de secção, muito menos o comandante de pelotão... Alguns destes homens poderão não ter regressado a casa, tendo morrido na terrível emboscada de 14 de Junho de 1973...

Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte Caium > 3º Grupo de Combate > 1973 > Álbum fotográfico do Florimundo Rocha> Antes duma partidinha de futebol no campo pelado anexo à Ponte... A legenda é do Carlos Alexandre, de Peniche: "Temos o Rocha ao centro, à direita o José Alberto, à esquerda o Pinto. Em cima, à direita, o Barbeiro, o furriel Barroca, o Santiago que tem a fita na cabeça, e o furriel Ribeiro, [o único que está de camisola, branca]".


Foto: © Florimundo Rocha (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Comentário do ex-Fur Mil Ribeiro, que vive hoje em Braga, e que pertencia ao 3º Gr Comb ("os Fantasmas do Leste")  da CCAÇ 3546 (Piche e Ponte Caium, 1972/74),  ao poste P8061 (*):


Caro amigo Florimundo Rocha, gostava de fazer algumas correcções ao teu comentário sobre a fatídica emboscada de 14/6/1973:


Ponto nº 1: 


(…) “O Rocha já se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973. Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o ‘burrinho do mato’, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos” (…) (FR).


Quem ia de pé ao teu lado era eu, Furriel Ribeiro; atrás, sentados do lado esquerdo (da morte), ia o Fernandes, o Torrão, o Charlô e o Santos, todos estes camaradas morreram; e do lado direito ia o Rolo, o Algés, o Silva e não me lembro quem era o outro que falta. 


Ponto nº 3 : 

(…) “Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras. Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que ‘malta de Buruntuma [, CCAÇ 3544, ], ou de Camajabá [, outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]’ também vinha atrás, numa terceira viatura… O Wolkswagen (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores” (…) (FR).



Nós fomos a Piche porque já não havia mantimentos, o alferes Afonso, do 1º pelotão, chegou à Ponte Caium e pediu-me para eu lhe disponibilizar uma secção e um Unimog para ir a Piche buscar alguns mantimentos. Não vinha ninguém de Buruntuma, apenas vinha uma Berliet de Camajabá.

Ponto nº 4:

(…) “A distância entre a primeira viatura (o 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de ‘80 metros’. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o ‘burrinho’ dava, em estrada alcatroada. O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi ‘na curva’ que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. ‘Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil’… Pelo número de efectivos (falava-se no fim ‘em mais de 200’), está visto que a emboscada ‘não era para eles’, mas sim para o pessoal de Piche. (…)  (FR).



A emboscada não era para nós mas sim para uma coluna de grande reabastecimento de munições para Buruntuma que, não se sabe porquê!, foi anulada em Nova Lamego.


Ponto nº 5: 

(…) “Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na ‘zona de morte’, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo. O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN. (…) (FR).



O nosso burrinho foi atingido com um RPG 7 na parte de trás do banco do condutor na chapa da carroçaria e com outro RPG 7 no gancho do reboque, foi isto que fez com que o Unimog saltasse, e o pessoal foi cuspido e perdemos as G3 mas tu apanhaste 2 ou 3 e uma delas era a minha, obrigado Rocha. Ponto 7: 

(…) Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada. Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como ‘dormia todos os dias, como ainda hoje dorme’ (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)…  (FR).



Ó Rocha, não tiveste o meu conforto porque eu não to pude dar, visto eu ter sido evacuado para o hospital em Bissau, com o Algés, o Silva e o Rolo, e todos nós estávamos tão chocados como tu. 


Ponto 13:

(…) “Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro ‘grande’, o 10,7” (…) (FR).



Os Furriéis estavam sempre juntos na ponte, primeiro foi o Furriel Cardoso que foi tomar conta da passagem do destacamento do 4º para o 3º pelotão; passada uma semana foi o pelotão com o Furriel Barroca para a Ponte Caium e eu Furriel Ribeiro fui uma semana mais tarde porque fiquei a aprender a fazer e a ler […] (codificar e descodificar mensagens ). Estivemos sempre juntos e no dia da emboscada quem estava na Ponte Caium era o Furriel Barroca.


Um abraço para todos os camaradas,


Furriel Ribeiro


2. Comentário do editor:

Não temos qualquer contacto do Ribeiro (telemóvel, telefone, email...), a não ser este comentário. Dizem-nos que vive em Braga. Mas sabemos que é leitor do nosso blogue. Aproveitamos para lhe agradecer os esclarecimentos adicionais que veio trazer sobre esta emboscada de que ele felizmente escapou,  embora ferido com gravidade. Não é fácil "voltar ao passado" e reviver momentos terríveis como este. Mais um razão para o Ribeiro se juntar aos 531 membros desta Tabanca Grande, a grande maioria deles camaradas da Guiné, de diferentes épocas da guerra, de 1961 a 1974, e de diferentes lugares, de norte a sul, de leste a oeste... Fica aqui formalizado o convite. Um grande Alfa Bravo. L.G.



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Notas do editor: