1. Em mensagem do dia 11 de Dezembro de 2011, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos este brilhante trabalho de pesquisa sobre a invasão da Índia Portuguesa em Dezembro de 1961, há precisamente 50 anos:
A QUEDA DA ÍNDIA
18 de Dezembro de 1961
Há quem atribua a queda da Índia, como marca do início da queda do Império Português. Mas, não. Tal não é verdade.
Em 22 de Agosto de 1415, com a expedição portuguesa e a consequente conquista de Ceuta, dá-se inicio expansão de Portugal rumo ao desconhecido, mas foram necessárias mais de quatro décadas, para que Ceuta consolidasse a sua posição, após a tomada em 1458 da praça de Alcácer Seguer e em 1471 de Arzila e Tânger.
Quando a Índia caiu, Alcácer Seguer, Arzila e Tanger já não faziam parte do Império, assim como o Brasil, que foi descoberto e anexado à Coroa Portuguesa depois da Índia. Também não podemos esquecer que muitas “possessões” que Portugal detinha, ao longo das costas de África e na Ásia, se foram esfumando, umas atrás das outras, independentemente do seu tamanho e/ou importância.
A “perda” de possessões nem sempre se ficou devendo à “sorte das armas”. Por exemplo, na Índia, Bombaim foi cedida ao Reino Unido, em 1661, incluída no dote de D. Catarina de Bragança, na altura do seu casamento com Carlos II de Inglaterra.
Voltemos à Índia, onde a maioria dos Portugueses nunca estiveram. Melhor, voltemos ao princípio da descoberta do caminho marítimo para a Índia, ao Século XV, que quer dizer ao meio da história deste nosso país.
Coube ao Almirante-Mor Vasco da Gama (n. Sines entre 1460 e 1469 † Cochim em 1524), filho ilegítimo de Estêvão da Gama, Cavaleiro da Casa de D. Fernando de Portugal, Duque de Viseu e Alcaide-Mor de Sines, casado com Dona Isabel Sodré, filha de João Sodré (também conhecido como João de Resende), que era de ascendência inglesa e tinha ligações à Casa do Príncipe Diogo, Duque de Viseu e Governador da Ordem Militar de Cristo.
A viagem, para a Índia começa no dia 8 de Julho de 1497 com a saída da barra do Tejo da frota constituída pelas embarcações São Gabriel, São Rafael, Bérrio e São Miguel, com cerca de cento e setenta homens a bordo entre soldados, marinheiros e religiosos.
O objectivo, a Índia, é atingido em 20 de Maio do ano seguinte, tendo Vasco da Gama que enfrentar a hostilidade do Samorim de Calecut. De regresso, a Armada atinge Lisboa, em fins de Agosto de 1499, tendo sido recebida em triunfo. Vasco da Gama realiza ainda mais duas viagens à Índia, sendo a última já com o título de Conde da Vidigueira e na qualidade de Vice-Rei, acabando por falecer em Cochim a 25 de Dezembro de 1524.
O Estado Português da Índia, Estado da Índia ou simplesmente Índia Portuguesa, foi um governo com a função de administrar todas as possessões portuguesas localizadas na zona do Oceano Indico, desde a África Oriental até à Ásia, que viu reduzida a sua área de governo em 1752 com a atribuição de governo próprio a Moçambique, situação que se verificou em relação a Macau, Solor e Timor em 1884, ficando, assim, restringido aos territórios de Goa, Damão, Diu, Ilha de Angediva, Dadrá, Nagar-Haveli, Simbor e Gogolá.
Com a independência obtida, da Coroa Britânica, em 15 de Agosto de 1947, a União Indiana, começou a reivindicar a posse dos territórios portugueses na zona, que foram sendo absorvidos pouco a pouco, até que, com a constituição de uma republica parlamentar, o Primeiro Ministro Pandit Jawaharlal Nehru recupera a declaração feita por Mahatma Gandhi [Mohandas Karamchand Gandhi (n. em Porbandar em 2 de Outubro de 1869 † Nova Déli em 30 de Janeiro de 1948), mais conhecido popularmente por Mahatma Gandhi (do sânscrito "Mahatma", "A Grande Alma") foi o idealizador e fundador do moderno Estado indiano e o maior defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não-violenta de protesto) como um meio de revolução (in Wikipédia)], de que “Goa não podia ficar separada”, pelo que resolve reivindicar, formalmente, a abertura de negociações com Portugal, tendente à anexação dos territórios na Índia.
Com o Império Português “em ordem”, depois das “escaramuças” havidas em África, aquando da dobragem do século XIX para o século XX, apesar de se ter prolongado muito para além do regresso das tropas que estiveram em França, e mesmo depois do regresso dos expedicionários aos Açores e Cabo Verde, durante a 2.ª Guerra Mundial, só a Índia, a Jóia da Coroa (mesmo na República), estava a causar alguma perturbação.
Durante o período que este antecede, também na Índia houve situações que, dado os acontecimentos que ocorreram no país, desde a Conferência de Berlim até ao final da Grande Guerra, ao territórios da Índia tiveram de fazer face a uma rebelião dos soldados marathas do Batalhão de Infantaria da Índia. Esta rebelião teve origem na ordem de deslocação, para Moçambique, de duas Companhias. Desenvolveram-se, então, as operações militares em Satary, entre 1895 e 1897.
Para conter esta insurreição, foi enviado à Índia um Corpo Expedicionário do Reino, ainda estávamos no regime monárquico, sob o comando de Sua Alteza real o Senhor D. Afonso, Duque do Porto. Constituíam este corpo expedicionário, as seguintes forças: Comando e Estado-maior (1 oficial e 6 praças); uma Secção de Artilharia de Montanha (1 oficial e 40 praças); uma Companhia de Cavalaria 3 (4 oficiais e 70 praças); duas Companhias de Infantaria 3 (11 oficiais e 444 praças); Serviço de Saúde (4 praças); Serviços Administrativos (1 oficial e 3 praças); num total de 22 oficiais e 567 praças. Convém lembrar que, à época, os sargentos eram considerados praças. Também faziam parte do corpo expedicionário, um contingente de marinheiros do cruzador “Vasco da Gama”, não quantificados na fonte consultado.
Na sequência das perturbações havidas, houve novas Operações de Polícia em 1901 e 1902, dirigidas pelo Governador-geral da Índia Coronel Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo.
Em 1912 foram efectuadas novas operações em Satary, sendo necessário recorrer ao reforço da guarnição da Índia, pelo envio de três Companhias de Moçambique.
Só uma preocupação se colocava ao poder de então, no início dos anos 50 do século passado: Guarnecer os territórios naquele estado com o maior número possível de militares.
Sem negociações, a União Indiana acaba por anexar os territórios de Dadrá e Nagar-Haveli e impede o reforço daqueles territórios, mas Portugal envia mais tropas para a Índia, tendo chegado a cerca de 12.000 homens e três navios de guerra.
No inicio de 1961, o Coronel Francisco da Costa Gomes, na sua qualidade de Subsecretário de Estado do Exército (56.º Ministério, cargo que ocupou de 14 de Agosto de 1958 a 13 de Abril de 1961), sugeriu a redução dos efectivos naquelas paragens para cerca de 3.500 homens, em virtude de se ter constatado que aquele território seria indefensável, perante uma, mais que provável, invasão. Esses efectivos foram deslocados para África, onde se tinham iniciados os conflitos que se prolongariam por cerca de treze anos, e que se propagou a três frentes de combate.
Com uma guarnição de pequena dimensão, mal armada e pouco municiada, dá inicio a alguns combates esporádicos, com forças da União Indiana, em 17 de Dezembro de 1961. Porém, no dia 18, uma força de cerca de 45.000 homens, mantendo na retaguarda como reserva cerca de mais 25.000, dá inicio à invasão simultânea dos três territórios ainda em poder efectivo de Portugal.
Socorro-me, agora, dum trabalho que venho efectuando ao longo dos últimos anos, talvez 10, que intitulei, genericamente de “AD UNUM”, que significa “ATÉ AO ÚLTIMO” e é o lema da Escola Prática de Infantaria, a Casa-Mãe daquela Arma:
17 de Novembro de 1961 – Num incidente na ilha de Angediva, ao sul de Goa, a guarnição abre fogo sobre o navio de passageiros “Sabamati”, sendo transformado no pretexto para uma intervenção militar tendente a libertar os territórios pela força.
12 de Dezembro de 1961 – Na Índia, dá-se a evacuação das mulheres e crianças. A operação é desaconselhada por Lisboa, por contrária ao interesse nacional, mas o General Vassalo e Silva, governador do Estado Português da Índia, não abdica de pôr a salvo os familiares dos seus homens. Com capacidade para cento e cinco passageiros, o navio Índia larga de Mormugão com seiscentos e cinquenta.
14 de Dezembro de 1961 – Na Índia é decretado o estado de emergência, ao mesmo tempo que é recebida a mensagem rádio, enviada pelo Dr. Oliveira Salazar, presidente do Conselho e Ministro da Defesa: “Recomendo e espero a sacrifício total, única forma de nos mantermos à altura das nossa tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação. Não prevejo possibilidades de tréguas, nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos".
17 de Dezembro de 1961 – Os territórios de Goa, Damão e Diu são cercados por efectivos das forças armadas da União Indiana, num total de quarenta e cinco mil homens e mais vinte e cinco mil de reserva, utilizando carros de combate do último modelo, artilharia, tropas aerotransportadas, unidades anfíbias, engenharia, aviação moderna. Do lado português cerca de três mil e quinhentos militares deficientemente armados e municiados – há quem não tivesse melhor que uma espingarda Kropatcheq, anterior à Primeira Guerra Mundial, espingardas Lee-Enfield, britânicas, modelo de 1917 e metralhadoras ligeiras Lewis -, sem blindados e sem armas anticarro, sem aviação e praticamente sem artilharia.
17 de Dezembro de 1961 – Ao principio da noite aterra no aeroporto de Dabolim um avião da TAP, vindo de Carachi. Prevê-se que traga uma encomenda urgente das desejadas granadas “Instalaza”, destinadas a reforçar a depauperada artilharia anticarro. Os caixotes são abertos com ansiedade, mas ninguém quer acreditar no que vê: em vez de granadas, chouriços, enviados por Lisboa no âmbito da campanha do “Natal do Soldado”.
18 de Dezembro de 1961 – Invasão, pela União Indiana, do Estado Português da Índia. Mal armados e em número reduzido, cerca de três mil e quinhentos efectivos, perante as forças indianas invasoras, cerca de cinquenta mil militares do exército, marinha e força aérea, resistir significava uma cruel e inútil auto-imolação para os efectivos militares portugueses.
19 de Dezembro de 1961 – O contingente português acabou por se render, tendo o governador, general Vassalo e Silva, ordenado a “suspensão de fogo” às suas tropas. Mais de três mil militares portugueses foram feitos prisioneiros, entre eles o próprio Comandante. O Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar que queria “Só soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”, puniu e perseguiu alguns dos oficiais em serviço na Índia, o que abriu dolorosa ferida nas Forças Armadas Portuguesas e foi uma das raízes do derrube do regime Salazar, doze anos depois da queda de Goa, Damão e Diu.
19 de Dezembro de 1961 - Foram feitos prisioneiros em Goa (3412), Damão (853) e Diu (403), entre civis e militares, metropolitanos, africanos e indianos. Os 4668 prisioneiros foram enviados para os campos de concentração de Goa localizados em Nevelim, Praça da Aguada, Pondá e Alparceiros.
20 de Dezembro de 1961 – O General Chaudhury, das Forças Armadas Indianas, dirige-se ao campo de Alparqueiros, para uma visita ao já ex-Governador, no seu quarto-cela. O General Vassalo e Silva quis levantar-se para cumprimentar o indiano, mas este, pousando-lhe a mão no ombro, não deixou, puxando de seguida uma cadeira, sentou-se. O General português recusa a oferta de tratamento preferencial enquanto o indiano louva os militares portugueses, pelo seu comportamento nos combates travados em Mapuçá, Bicolim, Damão e Diu. O general indiano, no final, apertou a mão ao general português, colocando-se à disposição do vencido para o que fosse necessário.
27 de Dezembro de 1961 – Jawahalal Nehru, primeiro ministro indiano, manifesta-se contra os ataques internacionais de que foi alvo por ter invadido os territórios portugueses de Goa, Damão e Diu.
3 de Janeiro de 1962 – Estabelecimento, em Lisboa, de um governo do Estado da Índia.
12 de Janeiro de 1962 – O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Dr. Franco Nogueira, entrega ao Presidente do Conselho de Ministros, Dr. Oliveira Salazar, um documento intitulado “Notas sobre a Política Externa Portuguesa”. Neste documento, de dezoito páginas, era preconizada a entrega de Macau à China e Timor à Indonésia, enquanto à Guiné e São Tomé e Príncipe seria dada a autonomia e independência. Os territórios de Angola, Moçambique e Cabo Verde seriam mantidos como colónias essenciais.
27 de Janeiro de 1962 – Acordo entre Portugal e a União Indiana para o repatriamento de mais de três mil prisioneiros.
Maio de 1962 – Começa a repatriação dos prisioneiros, com o estabelecimento de uma ponte aérea até Carachi no Paquistão, sendo, a partir daí, a viagem efectuada por mar nos navios enviados pelo Governo de Lisboa:
• Vera Cruz – Sai no dia 8 e chega a Lisboa a 22, com 2968 pessoas a bordo;
• Pátria - Sai no dia 12 e chega a Lisboa a 26, com 1265 pessoas a bordo;
• Moçambique - Sai no dia 15 e chega a Lisboa a 30, com 1382 pessoas a bordo. Foram transportadas mais de 5600 pessoas, entre militares e civis.
Quando chegam a Lisboa os navios que transportam os ex-prisioneiros de guerra da Índia, os militares repatriados só saíram a coberto da noite, debaixo de forte dispositivo de segurança militar, sendo esta atitude justificada “pela necessidade de os proteger da população, que os queria linchar pela cobardia demonstrada”.
No cais apenas alguns familiares e amigos dos regressados.
Em memória dos camaradas de armas tombados em nome de Portugal, deixamos o registo dos seus nomes, para que a História e os Homens, os não esqueçam, e não se tornem em SOLDADOS ESQUECIDOS:
Militares tombados em Defesa da Índia Portuguesa
Abel Araújo Bastos – Soldado
Abel dos Santos Rito Ribeiro – Alferes Miliciano de Infantaria
Alberto Santiago de Carvalho – Tenente Infantaria
Aníbal dos Santos Fernandes Jardino – Marinheiro
António Baptista Xavier - 1.º Cabo
António Crispim de Oliveira Godinho - 1.º Cabo
António Duarte Santa Rita - 1.º Sargento da Armada
António Fernando Ferreira da Silva - 1.º Cabo
António Ferreira – Marinheiro
António José Abreu Abrantes – Alferes Miliciano Infantaria
António Lopes Gonçalves Pereira – Alferes Miliciano Engenharia
Cândido Tavares Dias da Silva - 1.º Cabo
Damuno Vassu Canencar – Soldado
Fernando José das Neves Moura Costa - Soldado
Jacinto João Guerreiro – Soldado
João Paulo de Noronha - Guarda 2.ª classe
Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo - 2º Tenente Armada
José A. Ramiro da Fonseca - Furriel Miliciano
José Manuel Rosário da Piedade - 1.º Grumete Armada
Joviano Fonseca - Guarda-Auxiliar
Lino Gonçalves Fernandes - 1.º Cabo
Manuel Sardinha Mexia – Soldado
Mário Bernardino dos Santos – Soldado
Paulo Pedro do Rosário - Guarda Rural
Tiburcio Machado - Guarda-Rural
OBS: Esta lista pode estar incompleta
Os Soldados da Índia só foram “reabilitados” do ostracismo a que foram votados, após o 25 de Abril. Todos os prisioneiros de guerra, foram condecorados com a Medalha de Reconhecimento (*) em 03 de Maio de 2003, pelo então Ministro de Estado e da Defesa Nacional Dr. Paulo Portas.
Odivelas, 10 de Dezembro de 2011
José Marcelino Martins
(*) Sobre a Medalha de reconhecimento, criada em 27 de Dezembro de 2002, pode ver-se a descrição da mesma no Poste de Sexta-Feira, 30 de Outubro de 2009, Guiné 63/74 - P5184: Controvérsias (40): Carta Aberta ao Senhor Ministro da Defesa Nacional (José Martins)
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Notas de CV:
Vd. também Dossier Goa 1961 em Super Goa
Vd. último poste de José Martins de 14 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9200: Um novo Monumento aos que tombaram pela Pátria, aos que construíram uma terra (5) (José Martins)
Vd. último poste da série de 17 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9218: Efemérides (60): Como os acontecimentos de Goa, Damão e Diu foram vividos em Luanda (Antº Rosinha)