quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9160: (Ex)citações (162): Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da política seguida pelo nosso blogue (José Teixeira)

1. Em mensagem do dia 7 de Dezembro de 2011, o nosso camarada José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), membro da Direcção da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau (ONGD), enviou-nos este...


REFLECTINDO…

Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da "política" seguida pelo nosso blogue.
Desde a primeira hora e eu sou dessa hora, afirma que pretende criar condições para que a história da guerra colonial seja contada pelos autores e em simultâneo atores dessa guerra ou seja nós e... os nossos adversários à data dos acontecimentos. Caso contrário a história ficará mal contada.

Há uma frase slogan que espelha este espírito "Não deixes que outros contem a tua história"...

- Houve uma guerra que alguns querem que seja a guerra do ultramar e outros a guerra das colónias. Estes ficam até ofendidos. Afirmam que Portugal não tinha colónias, mas províncias ultramarinas. Pois... mas quando fui para escola as tais províncias eram colónias e Portugal tinha um império colonial de que o Estado Novo se orgulhava. Mas... mudam-se os tempos… e os nomes por conveniência política. A carne vira peixe, para se poder comer na Quaresma sem se cair em pecado. Será?

Ainda há dias ao procurar numa livraria do Porto tabuadas para enviar para a Guiné, a pedido de guineenses vi um mapa do glorioso império português do Minho a Timor datado de 1946, o ano em que vi a luz deste mundo.


- Fomos chamados a combater. Diziam que era pela Pátria. Fomos arrebanhados à força ou será que todos fomos voluntários para "carne para canhão"?

Eu confesso que não fui, mas parti convencido que a minha Pátria tinha a Razão do seu lado. Porém, rapidamente verifiquei o quanto estava errado ao ser acolhido pela forma como fui. Afinal não eram selvagens e comunistas que viviam na Guiné, mas… pessoas com valores e contra-valores como todos os povos do mundo. Com uma cultura muito própria que merecia ser respeitada pelo poder instituído e tal não acontecia. Felizmente nós, os militares e guerrilheiros à força demos lições de civismo a par das lições de guerra que éramos forçados a dar, talvez para sobreviver (não éramos nenhuns santos tal como os “turras”) e hoje somos recebidos em festa.

Confesso que deixei fugir lágrimas de emoção e raiva quando vi um chefe de posto amarrar um homem a um poste e ordenar que lhe fossem dadas 50 chicotadas, só porque outro o acusou de algo, sem ouvir o presumível réu. Só que o queixoso era “português” fiel e o outro era um simples homem do mato.


- Lutar por quem, contra quem e porquê!

Esquecemo-nos dos anos que antecederam o ano de 1640 na luta dos portugueses pela independência contra Castela. Pois é. Já lá vão muitos anos.

Será que aqueles povos não tinham o direito de lutar para o bem ou para o mal por um direito que todo o mundo lhes dava, excepto o regime que vigorava em Portugal?


- Creio que toda agente sabe como eram arrebanhados e instrumentalizados os guerrilheiros do PAIGC. Tal como nós ou pior ainda. Entravam pelas tabancas dentro e levavam todos quantos tivessem idade para irem para a luta.

Em 2008 conversei com uma guerrilheira que com doze anos era a rádio telegrafista do PAIGC dos grupos de combate que cercaram Guiledje. Apenas 14 aninhos! Será que estaria lá de boa vontade, voluntária?

Hoje, é uma mulher grande algures numa tabanca na mata do Cantanhez. Será que não deve merecer o nosso respeito?

Um outro guerrilheiro, ao saber as terras por onde andei procurou-me para localizar possíveis encontros. Efectivamente tivemos vários. Foi muito gira a nossa conversa, a qual começou por um humilde pedido de desculpas por parte dele, logo que descobrimos e contabilizamos as vezes que nos encontramos frente a frente: “Discurpa. Guerra é guerra, mas caba há manga di tempo, dá um abraço”. Chamou amigos e família para me conhecerem e fez comigo um pacto: “Quero ser teu ermon” - e não me largou mais nos dias que estive em Bissau.

Este homem que seguia o Nino para todo o lado. Tinha sido “mobilizado” pelo PAIGC com 16 anos numa visita relâmpago à sua tabanca . Era o especialista de minas e armadilhas do terrível trilho “carreiro da morte” no Cantanhez. De uma vez só levantamos 87 minas em Tchangue Laia, montadas por ele.

Hoje, melhor, acabada a guerra, regressou à sua tabanca e é um humilde trabalhador do campo.

Será que não deve merecer o nosso respeito, tanto quanto nós merecemos o respeito dele, daqueles povos que hoje nos recebem em festa? Ou será que nós fomos uns santinhos que por lá apareceram?!

Os nossos aviões, por exemplo, despejavam toneladas de trotil sobre Tabancas em poder do IN, possivelmente pessoas apanhadas entre dois fogos, sem possibilidades de defesa. Ou será mentira?

E quando as nossas tropas, sobretudo as de elite avançavam sobre as tabancas consideradas inimigas?…

Note-se que não pretendo fazer juízos. Guerra é guerra, como disse o Baldé e eu também lá estava.

Antero, o guineense que gosta de ouvir o Hino Nacional

- Acabada a guerra, da qual saímos de uma forma inglória, como era de esperar, pois nenhuma guerra pela independência em qualquer parte do mundo foi favorável ao opressor, há que fazer passar à História os acontecimentos que marcaram aquela época de luta, sangue suor e lágrimas por parte das duas frentes em contenda. Para tal é no mínimo necessário tentar ouvir intervenientes de ambas as partes e reconhecer os soldados que se evidenciaram, que os houve naturalmente, e nós temos felizmente muitos. O PAIGC também os terá e há que reconhecê-lo, tanto quanto eles admiram por exemplo o Spínola, o Carlos Fabião e possivelmente outros que lhes merecem no mínimo o respeito pela forma como lhes fizeram frente.

Para finalizar recordo o Ernesto. O motorista que me acompanhou no ano passado durante alguns dias pelo interior da Guiné. O toque do seu telemóvel era… o Hino de Portugal.

- Eu gosto muito de ouvir o Hino Nacional - justificou-se...

Deixemos o blogue cumprir a sua missão. Fazer História, mesmo que nos doa. Deixemos que os intervenientes contem a sua história. Apenas peço o cuidado de tentarem respeitar as susceptibilidades dos outros camaradas ou ex-inimigos.

Não nos esqueçamos que “guerra caba manga di tempo” e o tempo deve cumprir a sua missão de curar as feridas.

Abraço fraterno
Zé Teixeira
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9009: Ser solidário (115): Poço em Farim do Cantanhez (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9149: (Ex)citações (161): Fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades (José Brás)

14 comentários:

Anónimo disse...

Um Destacamento isolado em local bem perigoso.Muitas as oportunidades de "olhar à volta" e, principalmente,para dentro de nós próprios.Alguns souberam ver para além do mais fácil. Um grande abraço.

Alberto Branquinho disse...

Zé Tinxêra

Perfeitamente de acordo com o texto.
O que me parece é que há muita gente que pensa que, porque se dá a voz ao antigo inimigo, se está a menosprezar o "nosso esforço" na qualidade de únicos "detentores da verdade".

Manga di mantenha pa bô.

FRANCISCO PINHO disse...

Grande lição, muitos dos que nos acusam de estarmos a pactuar com o IN deviam ler este texto. Um abraço.

Carlos Silva disse...



Só um pequeno esclarecimento. Quando referes no parágrafo 4º que ... rádio telegrafista do PAIGC dos grupos de combate que cercaram Guiledje.... deve haver lapso. Pois, apesar de eu não ter estado em Guiledje ao tempo do seu abandono, na audiência, 2008, [que tu não estiveste presente, pois foste para outro lado] que tivemos com o falecido Presidente Nino Vieira ouvi/mos da sua boca, que o PAIGC apenas foi a Guiledje após 2 ou 3 dias depois de as NT terem abandonado o aquartelamento e mesmo assim foram lá com receio, porquanto o aquartelamento poderia estar armadilhado... além dessa prova, temos a retirada para Gadamael sem qualquer problema. Donde não concordo com a tua afirmação que induz em erro os leitores que não tenham minimamente conhecimento do que se passou por lá. Pois Guiledje nunca esteve cercado. Por via disso eu próprio referi essa situação no ano seguinte a um Comandante do PAIGC que todos conhecemos ....
Há que repor a verdade dos factos, para a história não sair deturpada, embora saibamos que compete a eles cantar os seus feitos....
Com um abraço amigo
Carlos Silva

Manuel Joaquim disse...

Meu caro José Teixeira,

Diz (acima) o J.Belo: "Alguns souberam ver para além do mais fácil". Tu és um deles.

Um abraço

Anónimo disse...

Zé Teixeira
A História é a História.
Concordo com o que dizes. Liberdade é liberdade e implica respeito pelos outros.
É certo que muitos de nós mudámos de opinião sobre aquela guerra durante a guerra. Eu fui um deles.
E que tal aquela coluna Buba/Aldeia Formosa? (Eu por força das circunstâncias comandava os obuses.
Creio que graças a ti e a outros camaradas a água potável já chegou a Mejo - cú de Judas à época - onde estive durante dez longos meses.
Um abraço a todos os camaradas.
António Ribeiro

Zé Teixeira disse...

Carlos Silva.
A verdade dos factos é que Guiledje esteve vários dias sobre pressão ao ponto de ter sido abandonada por ordem do comandante local. Se estavam a 50 m ou a 200 m ou a um kilómetro ou mais... não sei, mas que andavam por lá e bem armados, andavam.Se a mocinha estava na base ou no grupo de intervenção não sei. Apenas escrevi o que retive na memória depois do encontro pontual que tive com ela em 2008 e foi ela que me procurou no intervalo de uma das Sessões onde tu também estiveste. Eu, talvez pelo facto de ter deixado aquela planta em Gandembel em memória de todos quantos ali lutaram, fui beneficiado com alguns contactos que só me ajudaram a ver melhor os acontecimentos.

Zé Teixeira

Zé Teixeira disse...

António Ribeiro prazer em reencontrar-te, apesar de naturalmente não me recordar de ti na referida coluna. Que terrível batismo de guerra. Ver morrer um homem que também não conhecia, sem lhe poder valer por falta de meios aéreos para o levar para o hospital.

Carlos Silva disse...



Nesta altura é sabido que ..."Guiledje esteve vários dias sobre pressão"... mas daí a afirmar que esteve cercado, palavra que tem um significado muito duro, vai muito longe, e, quando lá estive em 2009, depois de estar mais por dentro da realidade, confrontei o tal comandante que tu conheces e ele não teve a possibilidade de contestar a minha versão e há camaradas que testemunharam esse meu diálogo quanto "ao ponto de ter sido abandonada por ordem do comandante local" isso levaríamos a uma longa conversa, mas já correu muita água sob a ponte do rio Douro. Quanto aos teus contactos privilegiados, eu também os tive esporadicamente e ouvi muita coisa, à margem das manifestações de recepção, assim como, todos nós que lá estivemos, uns duma maneira outros doutra, tal como a audiência que tivemos com o Presidente Nino que acimareferi e mesmo, no acampamento do Osvaldo Vieira na mata do Cantanhez.
Temos de analisar as realidades tal como são. Sobre pressão estivemos todos nós em circunstâncias, semelhantes e diferentes e o IN, quanto a mim ainda pior, basta analisar a nossa experiência no terreno e a deles, que é o suficiente, para além do que já está escrito e do que eles próprios vêm escrevendo, onde consta n contradições, que tenho apontado e muitas posso apontar.
O resto são balelas
Um abraço
Carlos Silva

Zé Teixeira disse...

Carlos.
Sem pretender promover a polémica, quero apenas sublinhar que não tive contactos privilegiados, mas... Fui abordado por alguns ex-combatentes do PAIGC que me procuraram para "desabafar" (o termo mais apropriado que encontro) sobre a "sua" guerra, entras coisas que as conversas informais proporcionaram.
Abraço fraterno

Joaquim Mexia Alves disse...

Camarigo José Teixeira

E eu a mim choca-me que tu estejas chocado, para utilizar a expressão que utilizaste.

Uma coisa é ouvir e até reflectir em texto as histórias do antigo IN, aferindo o que é ou não verdade, o que infelizmente me parece que ainda vivem muita propaganda.

Repara que as nossas histórias são escalpelizadas até à exaustão sobre a sua veracidade!

Outra são os encómios, os elogios, os exageros, aos mesmos combatentes quando em relação a nós são muito poucos os elogios.

Uns são "heróis", os outros "assassinos"!

Isso é que a mim me choca, o que não invalida o gosto que tenho pela Guiné e pelas suas populações e o desejo de as ajudar.

E os nossos camaradas de armas, que vivem pelas ruas, sem qualquer assistência, não nos devem preocupar também?

Ás vezes as palavras utilizadas provocam reacções de acordo com as mesmas.

Um abraço para ti e para todos

Arménio Estorninho disse...

Camarigo e Irmão Maioral Zé Teixeira, concorde plenamente com as situações apresentadas e o seu desenvolvimento feito com sapiência e que vêm a propósito.

No pressuposto de comentários havidos em "outros postes", agora parafraseando a tua explanação digo
que:

Uns fazem de forma a não interpretar as situações consoante o seu contexto e não relevando-as à época.

Outros não têm conhecimentos de determinados assuntos, mandam os seus "bitaites para inglês ver" e alcandoram-se de omniscientes.

Temos que aceitar qualquer ponto de vista de quem sabe de um assunto, embora em conexão tenhamos o nosso.


Com um Abraço
Arménio Estorninho

antonio graça de abreu disse...

Copio para aqui um comentário que fiz a outro poste, mais acima:

Diz o C. Martins:

"Respeito para com os nossos ex-IN, sim.

Para os nossos ex-IN que não nos respeitam e complementam isso com um "chorrilho" de mentiras ou meias verdades, o meu mais profundo desprezo."

É isto mesmo. Devia estar no ADN do blogue.
E não só não está como temos tido no blogue
uns tantos seguidores e bajuladores do "chorrilho" de mentiras ou meias verdades propagandeadas por alguns dos ex-IN.
A própria História da Guiné, também feita, escrita por Guineenses terá sempre de se alicerçar em critérios de verdade, a verdade factual, a verdade histórica que nada tem a ver com a História dos vencedores ou dos vencidos. Aí cada um, tergiversado, pode enfiar as patranhas que muito bem, ou muito mal, entende.
É a nossa História que temos de fazer sem paixões, sem mitos, sem recalcamentos, sem presunções, sem falsificações, humilhações ou vaidades.

Isto é assim tão difícil de entender?

Abraço,

António Graça de Abreu

Sexta-feira, Dezembro 09, 2011 2:47:00 PM

José Eduardo Alves disse...

eu não sou entendido em nada mas há coisas que me faz confusão quando se fala de Guiledje eu já lá estive já visitei aquela zona toda; mas quando assentei praça é verdade que não me vieram buscar a casa mas não fui veluntário, aquando o abandono de Guiledje eu estava em Bissau e falei com muitos que abandonarão Guiledje. já fiz uma viagem á Guiné com um sargento que abandonou Guiledje e já tenho a minha ideia do que se passou mas digam-me uma coisa um Homem que faz duas comissões e vai a terceira comissão que estava á espera que lhe dessem um escritório em bissau com ar condicionado pois não lho derão e ele como represálias mandou abandonar, o posto de guarda e agora queria ser condecorado vamos contar a nossa hestória porque á peritos a contar anedotas em vez de contar a hestória um abraço a todos dos 5 continentes JOSÉ ALVES