segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9136: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte I) (Sousa de Castro / Luís Beleza Gonçalves Vaz)

1. Mensagem do nosso tabanqueiro nº 2, o mais antigo, Sousa de Castro (ex- 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74; minhoto, técnico fabril dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, hoje reformado), enviada a Luís Vaz, com conhecimento ao nosso blogue:

Data: 4 de Dezembro de 2011 21:53
Assunto: Troca dos últimos prisioneiros na Guine

Caro Luís Vaz,
Aradeço muito o documento que acaba de me enviar, é de extrema importância para não só esclarecer como foi feita a troca dos prisioneiros entre as Forças Armadas e o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), como também ajudar a completar o puzzle do teatro de operações na Guiné .

Por outro lado convido-o a visitar estes blogues que têm muito a ver com a História sobre a Guerra colonial na Guiné. Fico a aguardar mais histórias para possível divulgação neste ou noutros blogues se achar conveniente.

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

http://coisasdaguine.blogspot.com/

Com deferência,

Sousa de Castro

2. Mensagem de Luís Vaz ao nosso camarada e amigo Sousa de Castro:

Data:: domingo, 4 de Dezembro de 2011 16:42
Para:
sousadecastro@gmail.com
Assunto: Troca dos ultimos prisioneiros na Guine

Caro Sousa Castro:


Muito obrigado por me ter respondido de forma tão célere!

Em primeiro lugar quero informá-lo de que não sou ex-combatente, apesar de ter vivido em 1973/74 na Guiné Bissau, pois acompanhei o meu falecido pai, Coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz na sua última comissão em África, em que foi o último Chefe do Estado-Maior do CTIG (do QG) sobre o Comando do General Bettencourt Rodrigues.

Depois do 25 de Abril, sobre o comando do então Brigadeiro Fabião, e em articulação com outros oficiais do Estado–Maior, implementaram os dispositivos de retracção para acantonarem e retirarem deste Teatro de Operações os milhares de militares portugueses presentes nesta Província, tendo só abandonado a Guiné, no último voo com tropas Portuguesas, no dia 14 de Outubro de 1974 na companhia do Brigadeiro Fabião.

Como tal, e ao realizar a Biografia do meu falecido pai, Coronel de Cavalaria e do Estado-Maior, li muitos documentos classificados, do seu arquivo pessoal, e poderei acrescentar algumas informações sobre a troca dos últimos prisioneiros de guerra, com o PAIGC.

Mantivemos 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC) na ilha das Galinhas até a véspera do reconhecimento da Independência da República da Guiné-Bissau por parte do Governo Português. Pelo lado do PAIGC, mantinham 7 prisioneiros (4 soldados e 3 primeiros Cabos, do nosso Exército), um dos quais era o soldado António Baptista, que tinha sido dado como morto em 17 de Abril de 1972, numa emboscada em Madina-Buco, onde as nossas tropas sofreram 1 desaparecido e 10 mortos, 6 dos quais queimados na explosão da viatura em que seguiam.

A troca destes sete prisioneiros na posse do PAIGC (retidos no Boé) por 35 guerrilheiros do PAIGC (retidos pelas nossas tropas na ilha das Galinhas) , foi feita segundo o estipulado pelo Acordo de Argel, e foi marcada para o dia 9 de Setembro, em Aldeia-Formosa, no entanto o PAIGC não compareceu nessa data como estava combinado, só no dia 14 de Setembro a troca se realizou.

Estiveram presentes nesse ato pelas nossas tropas, o Major de Inf Tito Capela (Chefe da 2ª Rep. Do QG), o Major de Art Aragão, o Capitão-tenente Patrício, o capitão de Inf Manarte e o Furriel miliciano Elias (da 2ª Rep/QG/CTIG). Por parte do PAIGC, estiveram presentes os seguintes elementos: Manuel dos Santos (Sub Secretário Informação/Turismo da GB), Carmen Pereira (Membro do Conselho de Estado/GB) e Iafai Camará (Comandante do Aquartelamento de Aldeia Formosa).

Imediatamente após a troca, foi feita a identificação: os soldados António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Siva Baptista, Manuel Ferreira Vidal ;e os 1ºs cabos Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e o Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho; tendo depois os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau.

Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau e, no dia seguinte, dia 15 de Setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa.

Luís Beleza Gonçalves Vaz

(filho do Coronel Henrique Gonçalves Vaz,

Chefe do Estado-Maior do CTIG,  1973/74)

Com os meus melhores cumprimentos>

Luís Beleza G. Vaz

3. Comentário do editor:

Agradecemos vivamente ao Sousa de Castro e ao Luís Vaz a partilha desta informação. E aproveitamos a oportunidade para oferecer ao Luís Vaz as páginas deste blogue para, se assim o entender, fazer chegar a um público mais vasto, de amigos e camaradas da Guiné, a informação e o conhecimento privilegiados que certamente possui sobre os últimos meses da presença soberana de Portugal, entre 1973 e 1974, naquela terra a que continuamos ligados pelos laços da História, da Língua e da Amizade.  Por outro lado, achamos um gesto de grande nobreza e de amor filial a iniciativa que se propôs o Luís Vaz ao escrever (e possivelmente ao querer publicar) a biografia do seu pai que serviu o seu país num momento único e irrepetível da sua História. Bem haja! (LG)

PS - O drama dos nosso camaradas que ficaram retidos pelo PAIGC em Conacri e depois na região do Boé, até ao final da guerra, já aqui deu azo a muitas páginas, em especial o caso do nosso querido "moto-vivo do Quirafo", e membro da nossa Tabanca Grande, o António Batista, sem esquecer o caso, não menos dramático, do José António de Almeida Rodrigues que conseguiu fugir do cativeiro, seguindo o curso do Rio Corubal até ao Saltinho.

5 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Um abraço ao Sousa de Castro e igualmente ao Luís Vaz (trato assim sem o conhecer).
Trouxeram um tema que muitos necessitam saber para compreender a descolonização.

Mas, o que mais me chamou a atenção foi o nome do Baptista e, o feliz sublinhado do Luís Graça, ao nome de outro camarada que conseguiu evadir-se -José A. Almeida Rodrigues.
Não tinha lido o escrito do Marques Lopes. Foi naquele final de Set/Outubro que estive fora.
Li agora, acompanho o "Coisas da Guiné" e gosto.
Revoltante. Indigno de umas Forças Armadas que assim tratam os que nela combateram. Culpados somos todos, dizia alguém. Concordo.Somos.Eu sou!
Muitas vezes tão solidários com uns e tão pouco com outros.
Não é ataque a ninguém é , isso sim, o comportamento tomado por uma maioria.
Eu sou culpado e vou tentando não ser. Abraço T.

Luís Gonçalves Vaz disse...

Caro Editor:

Relativamente à "Troca de prisioneiros no teatro de operações da Guiné", gostaria ainda de adiantar, com base no "Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), autenticado pelo Chefe da 2ª Rep., o Major de Infª. Tito José Barroso Capela, classificado na altura como um Dossiê SECRETO,a saber:
De acordo com o previsto no Acordo de Argel,tudo se preparou (da parte dos Portugueses), para que a operação da "troca dos prisioneiros" se efectuasse na data estipulada. Assim a 9 de Setembro, seguiram de Bissau para a Aldeia Formosa os 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC),que no dia anterior tinham vindo da Ilha das Galinhas, e a comitiva das nossas tropas que os acompanhavam. Esta era constituída por, a saber; 2ª Comandante do CTIG, Coronel Tir. CEM Santos Pinto; Director do Hospital Militar, Tenente-coronel médico Viegas; Chefe da 2ª Rep. do CTIG, major de Infª Tito Capela e o Comandante do COP5, capitão-tenente da Marinha Patrício; Major de Infª Hugo dos Santos; 1ª Tenente da Marinha BrandãoM capitão de Cav.Sousa Pinto; capitão de Cav. Ramalho Ortigão e dois soldados da Polícia Militar. Todos estes elementos foram transportados de Nord Atlas, comandado pelo capitão piloto-aviador Carvalho, que fez duas viagens entre Bissau - Formosa e que levou igualmente um representante do PAIGC, o comandante Lamine Sissé, e cerca de vinte jornalistas nacionais e estranjeiros que se propunham fazer a cobertura do acontecimento.... (CONTINUA)

Luís Gonçalves Vaz
(filho do último Chefe e Estado-Maior do CTIG, Coronel Henrique Gonçalves Vaz

Luís Gonçalves Vaz disse...

"Troca dos últimos prisioneiros na Guiné" CONTINUAÇÃO:

Caro Editor:
... onde disse "jornalistas nacionais e estranjeiros", queria dizer: "jornalistas nacionais e estrangeiros"...

...A permuta de prisioneiros não chegou a efectuar-se em 9 de Setembro de 1974,em virtude do PAIGC não ter apresentado os Prisioneiros das NT (nossas tropas), retidos em seu poder, nessa data. Como consequência, os elementos das NT e jornalistas (nacionais e estrangeiros) regressaram pelas 16h00 a BISSAU, tendo ficado em Aldeia Formosa o capitão-tenente Patrício com os 35 PG/PAIGC, que aí aguardaram até a chegada dos PG/Nossas tropas. Nesse sentido, o Encarregado do Governo da Guiné, telegrafou à Direcção do PAIGC manifestando a sua estranheza pela não apresentação dos Prisioneiros de guerra por parte do Partido. Em resposta LUÍS CABRAL, apresentaria desculpas esclarecendo que a demora tinha sido devida "ao mau estado das estradas", não tendo sido possível por isso transportar os prisioneiros como fora planeado.... CONTINUA………


Luís Gonçalves Vaz

(filho do último Chefe do Estado-Maior do CTIG, Coronel Henrique Gonçalves Vaz)

FRANCISCO PINHO disse...

Tive o grato prazer de ter servido sob as ordens do Exmo Cor. Henrique Manuel Gonçalves Vaz, o seu filho Sr. Luis Vaz deve ter um grande manancial de recordações e apontamentos do seu pai que se forem publicadas muita luz farão sobre os ultimos meses da Guiné após o 25/4 até à saída do ultimo barco e avião.
Francisco Jorge ex-fur mil da 1ª Rep-2ªFun/QG/CTIG 1973/1974

Anónimo disse...

Preciso e conciso.

Ora aqui está um testemunho fidedigno dos acontecimentos..se todos fossem assim.

A minha homenagem ao comandante do COP 5, na altura Capitão-Tenente fuz., e hoje Capitão de Mar e Guerra na reserva, Sr. Comandante Heitor Patrício, que foi meu Comandante em Gadamael,que desempenhou funções altamente meritórios nas conversações com o PAIGC, entrega, e retracção das nossas NT, em todo o sector sob o seu comando.
Não fui testumnha deste acto..já me encontrava cá.. mas testemunhei muitos outros.

C.Martins