quarta-feira, 15 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4189: Estórias avulsas (7): O meu amigo Dinha e o RDM (Belarmino Sardinha)

1. Mensagem de Belarmino Sardinha( *), ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, com data de 11 de Dezembro de 2008:

Caros Camaradas Editores,

Comecei a brincar com as teclas e escrevi isto, antes que o apague, envio-o. Se acharem que se justifica publiquem.

Este texto é o resultado da época que atravessamos, das lembranças que tenho, daquilo que os meus olhos vêem e do que os meus ouvidos ouvem.

Um grande abraço para todos os Camaradas da Tabanca e para todos os outros que ainda não se deram a conhecer.
BSardinha


A Porrada ou Só à Porrada
Um conto que também podia ser de Natal


É habitual dizer-se, vou contar um conto ou vou contar uma estória. Esta é a de um outro amigo, o Dinha.

Sendo que um conto ou uma estória podem ser verídicos, tal como o seu contrário, dependendo do narrador e da sua imaginação, ou baseando-se em factos reais mais ou menos romanceados. Aptidões, essas, que só os próprios podem achar possuir ou os outros reconhecer-lhes passados anos.

A narrativa seguinte é verdadeira, tal como todas as outras já escritas, com uma diferença, havia que lhe dar forma, por isso a introdução.

Um amigo de escola, alentejano como eu e camarada de outras andanças aqui por Lisboa, foi à inspecção e incorporado no serviço militar na mesma altura que eu. Com uma diferença, possuía mais cabedal e as forças mais exercitadas, acabou, talvez por isso, na PM.

O destino tem destas coisas, como nunca me pareceu que esta Especialidade exigisse mais do que atenção aos possíveis tropas que trajavam à civil e outras malandragens que podiam colocar o regime em perigo ou até, quem sabe, anteciparem a sua queda, mandaram-no para a Guiné 4 ou 5 meses mais cedo do que eu. Iria dar, em terras da Guiné, continuidade a esse importantíssimo trabalho que era serem o espelho da nação, quer dizer, andarem e fazerem os outros andarem uniformizados a rigor.

Julgo que terá sido essencial esta atitude para nunca perdermos a face, os quartéis existentes não eram suficientemente disciplinados e disciplinadores para imporem essa obrigatoriedade e os seus responsáveis se calhar não eram assim considerados, havia por isso a necessidade de mostrar como é que as coisas deviam funcionar num espaço que era, apenas, a capital do local de guerra.

Mas voltando aos factos, este camarada e amigo, sabendo da minha chegada e estando de serviço de ronda foi-me esperar ao aeroporto. Desencontrámo-nos e quando nos propúnhamos encontrar, dois ou três dias depois, tinha ele acabado de receber a guia de marcha para Bula, não como PM mas como operacional.

Este malandro, potencial malfeitor face ao desenrolar dos acontecimentos, estando de cabo de dia no quartel da Amura, tinha presenciado e tinha-se solidarizado com os camaradas que fizeram um levantamento de rancho. Claro que o RDM era transparente como água e vai daí, ao abrigo de todas as leis, estas ou quaisquer outras de quem mandasse, não se podia nem dizer que se comia mal, ponto final.

Este PM teve assim a possibilidade de enriquecer os seus conhecimentos do interior e por certo nunca mais ter necessidade de se queixar da comida. Acabou a sua comissão e regressou vivo. Será que alguém neste ou noutros natais se interroga de quantos, por birras ou atitudes comezinhas foram castigados e acabaram por perder a vida ou ficarem estropiados?

Esta era a forma exemplar de educar homens/meninos, que pelo terror dos acontecimentos não lhes era dado queixarem-se em voz alta nem junto de quem não conheciam.

A liberdade deu de facto outra dimensão a todos estes acontecimentos, não sou, talvez por esta e outras razões muito dado a Natais, pela hipocrisia que encerram estes 15 dias em que tudo parece estar bem, mas acho importante deixarmos as notas possíveis para que os que nos descendem não se deixem levar em atitudes ardilosas e enganadoras que se resumem sempre e só a um dia especial, curiosamente ou talvez não é 25.

Um abraço para todos,
Bsardinha
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Nota de CV

(*) Vd. postes de:

16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3633: Dando a mão à palmatória (18): O meu reparo (Belarmino Sardinha)
e
9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4162: Convívios (106): Almoço convívio do pessoal do BCAÇ 3832 em Monte Real, 9 de Maio de 2009 (Belarmino Sardinha)

Vd. último poste da série de 7 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4154: Estória avulsas (26): Estou na Guiné há treze meses e a minha mulher está grávida (Manuel Maia)

2 comentários:

Luís Graça disse...

Camarada:

Ainda bem que te puseste a teclar... Deste-nos uma bela história, que revela o teu sentido de justiça, o teu amor à liberdade, o teu conceito de amizade e camaradagem...

Como editor, só tenho é pedir-te desculpa pela tardia publicação do teu texto, que pensavas poder sair na época natalícia... As vicissitudes do nosso blogue às vezes pregam-nos estas partidas... Ainda bem que nos mandaste um lembrete. Continuamos a contar contigo. Um Alfa Bravo. Luís

Anónimo disse...

Camaradas Luis,

Obrigado pelas tuas palavras.

Imagino o trabalho que têm.

Mais vale tarde que nunca, dizia Ary dos Santos "...um povo quando acorda é sempre cedo...".

Não estava nem estou zangado, estava apenas surpreendido.

Um abraço para todos.
BSardinha