terça-feira, 14 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4184: FAP (22): Entrega do meu pára-quedas ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola de Tancos (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Miguel Pessoa (*), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Reformado, dirigida a Luís Graça, com data de 5 de Abril de 2009:


O PESSOAL DA 123

Caro Luís
Embora sabendo-te num período sabático de reflexão, não quero deixar de te enviar algumas palavras. Primeiro, porque me lembrei de ti ao passar hoje (5 de Abril) por um local que te diz muito, a Lourinhã; mas foi uma passagem rápida que nem permitiu ver sequer um dinossauro (sem ser aquele que ia a guiar o meu carro - vislumbrei-o de relance no retrovisor...); em segundo lugar, mais importante, porque tinha regressado de uma festa de anos de um bom amigo da CCP123 (de Bissalanca, Guiné), o João Pedro (Pedro é o apelido), que mora em A-dos-Francos.

Para além de outras datas sagradas em que muito do pessoal da CCP 123 se reúne - O 23 de Maio, dia da Base Escola em Tancos, o jantar de Natal, o 10 de Junho em Belém) - o aniversário do Pedro é um dos momentos de convívio em que tenho tido a sorte de poder integrar-me - eu e a Giselda, claro, como antiga pára-quedista e amiga pessoal. Por isso faço todos os possíveis por estar presente.

Como habitualmente (luxo de quem está reformado) costumo aproveitar estas minhas deslocações para pernoitar na zona onde decorre a confraternização. Mais do que fazer turismo, pretendo com isso prolongar um pouco mais esses convívios e, já agora, recuperar um pouco mais do cansaço destas deslocações (que os vinte anos já se foram há uns tempos).

É habitual juntar-se neste convívio anual em A-dos-Francos um bom grupo de amigos da CCP 123 que, para além de homenagear o aniversariante, aproveitam - como é habitual nestas confraternizações - para relembrar acontecimentos do passado; muitos deles já são do conhecimento de quase todos os presentes, claro, mas surgem por vezes novos pormenores que ajudam a esclarecer os que assistem a estes diálogos ou a relembrar os mais esquecidos (ou distraídos).

É claro que no caso particular destas conversas acresce o facto de alguns destes pormenores se referirem à minha recuperação por pessoal da CCP 123, pois vários dos intervenientes costumam estar ali presentes.

Embora tenha sido parte muito pouca activa no processo (afinal limitei-me a ficar lá no mato, à espera que me fossem buscar - uma espécie de morto no jogo de bridge...) o pessoal que revejo nestas reuniões recebe-me sempre com grande cordialidade, o que me parece natural - afinal nós gostamos sempre de mostrar aos amigos um trabalho em que estivemos envolvidos e que saiu bem feito. E, neste caso particular, nada como rever o sujeito em cuja recuperação muitos tomaram parte e que ainda anda por cá a gozar esta segunda oportunidade de se manter neste mundo...

Tive a oportunidade de lembrar a alguns deles o interesse em avançarem com a descoberta deste nosso blog e de participarem nele, contando as histórias interessantes a que tenho tido acesso nestes convívios. Mas, já foi referido aqui, é difícil tirar-se deste pessoal muita informação para além da que debitam nestes convívios em família; Fez-se o que se tinha que fazer, e está tudo dito.
E é pena que isto suceda, pois tenho ouvido descrições de grande interesse para serem publicadas, juntamente com outras que provavelmente seria difícil publicar no blog, dada a crueza dos factos descritos. Embora façam parte da História.

À conta destas conversas, relembrei um episódio ocorrido durante a recuperação, relativo à recolha do meu capacete e do meu pára-quedas, abandonados no local e recuperados por elementos da CCP 123. Posteriormente o meu amigo e camarada, o então Ten Pára Norberto Bernardes - hoje General - que comandava esse grupo, tendo recolhido essas duas peças, deu-me a escolher com qual queria ficar. É claro que, tendo eu a hipótese de voltar a usar novos capacetes (e aquele até estava partido) optei por escolher o pára-quedas, ficando ele com o capacete.

Quando guardamos uma recordação, temos sempre o gosto de a partilhar com os outros. E naturalmente foi o que sucedeu com o meu amigo Norberto, que achou por bem oferecer o capacete ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola em Tancos. E, passados uns anos, o meu pára-quedas seguiu o mesmo destino pois, embrulhado num saco, na minha casa, não servia para nada, sendo muito mais interessante ficar ao lado do capacete - seu companheiro de aventuras na mesma história - e à vista de todos os visitantes, alguns deles curiosos de saber a razão da sua presença naquele local.

Embora com fraca qualidade, por ter sido digitalizada da revista Boina Verde, onde foi publicada a notícia, junto foto da entrega do pára-quedas ao Coronel Perestrelo, então Comandante da Base Escola de Pára-quedistas.

Um abraço.
Miguel Pessoa


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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4119: FAP (21): Os meus sentimentos contraditórios no 'verão quente' de 1973 ... (Miguel Pessoa)

3 comentários:

João Seabra disse...

Caro Miguel Pessoa,

Deixa-me aproveitar a boleia, para homenagear a memória de um dos Comandantes da CCP123 que conheci em Gadamael, o Capitão Pára João Costa Cordeiro, valoroso combatente e ser humano de eleição, estúpidamente falecido num acidente.

Foi a ele que, pela primeira vez, ouvi o comentário "fez-se o que foi preciso" (que não me recordo de ver aqui mencionado, mas a que faço alusão num texto que, por ser muito pesado, talvez tenha circulado fora do blogue, entre os interessados).

Poderia multiplicar-me em adjectivos sobre o meu homenageado. Bastará, todavia, referir o seguinte:

- A minha Companhia (CCAV8350) e a CCAÇ4743, saíram de Gadamael em 25JUN73, sendo substituídos pela 3ª Companhia do BCAÇ4612, pela CCAV8452 e pela CART6252;
- Com a situação em Gadamael já perfeitamente controlada, mas ainda perigosa, estas Companhias passaram a beneficiar de treino operacional que lhes foi ministrado pelas Unidades do BCP12, proporcionando-lhes conhecimento da Zona e a confiança que se pode imaginar;
- A CCP121 e a CCP122 terão regressado a Bissau em 7JUL73;
- Ao que julgo saber, a CCP123, por iniciatia do seu Comandante,voluntariou-se para ficar em Gadamael durante mais dez dias, para completar o trabalho de treino operacional das ditas Companhias.

Era assim o Capitão Cordeiro. Para ele, entre o que "era preciso fazer", porque entendia ser também esse o dever de uma unidade de elite da Força Aérea, incluia-se, se houvesse oportunidade, ministrar à chamada "tropa macaca", um aperfeiçoamento operacional que o Exército já não estava em condições de ministrar.
Sobre este exemplo de genuína camaradagem, o Jorge Canhão é das pessoas mais indicadas para falar.
Lastimei bastante, algumas generalizações depreciativas em que alguns dos nossos amigos, levados pela indignação, se deixaram cair, relativamente aos Quadros Permanentes das FA.
Bons e maus profissionais há em todas as carreiras. E a arrogância é muito comum na espécie humana.
Quando penso nos nossos camaradas "do Quadro", prefiro lembrar-me - em representação de muitos outros - do Capitão Cordeiro e do Tenente-Coronel Brito, que não conheci mas que não deixou de voar em nosso apoio, ameaçado por armas cujas características não eram conhecidas e sem que as necessárias contra-medidas tivessem sido estabelecidas.
Desculpa o abuso.
Abraço
João Seabra

Anónimo disse...

Caro João Seabra
Vais desculpar-me a confusão que fiz ao referir as palavras "fez-se o que foi preciso" como tendo sido publicadas no blog. Revendo agora o texto que escreveste há uns tempos (e a que tive acesso) vejo que foi ali que eu as li. Mas,dados os contactos frequentes que tenho com pessoal paraquedista, já estou habituado a esse tipo de afirmações da sua parte, por modestamente não pretenderem valorizar aquilo que fizeram.
Quanto ao Cap. Cordeiro, também me incluo na lista dos que têm por ele grande consideração. Não me posso esquecer que foi o grupo de paraquedistas que ele comandava quem primeiro chegou ao pé de mim, conjuntamente com o grupo do Marcelino, quando me recuperaram do corredor do Guileje.
Podes ver uma foto do Cap. Cordeiro no post 4051, durante a acção em que fui recuperado.
Senti muito a sua morte num estúpido (mas sempre possível) acidente num salto de treino, na Guiné.
Um abraço. Miguel Pessoa

Luis Chucha disse...

Quando em Janeiro de 1974 cheguei a Bissau, já com uma comissão em Angola, Os Fiats G-91 voavam novamente na esperança da manutenção da superioridade aérea, via-se em alguns rostos alivio e satisfação, constatei isso na Manutenção dessas aeronaves onde fui colocado, falava-se de acções sobre antiaéreas do PAIGC, dos Alouettes III, armados com canhão e metralhadora, e em especial da perícia e coragem do TEN/PILAV PESSOA, oficial muito admirado na manutenção pela sua educação e cortesia. Não tive nessa altura oportunidade de privar com este prestigiado oficial, mas mantive sempre uma enorme admiração, pela sua postura.
Aproximadamente 20 anos mais tarde, quando o COR/PILAV PESSOA era O Comandante da Base Aérea Nº 6, no Montijo e eu um Capitão Técnico de Manutenção de Aeronaves colocado nessa Unidade, numa fase difícil de restruturação orgânica, foi-me possível confirmar o seu fino trato e orgulhar-me da confiança que em mim depositou, procurando eu apenas com «Lealdade e sem subterfúgios, honesta e francamente, cumprir as obrigações que livremente assumi perante o meu Comandante. Através do contacto quase diário com o COR. PESSOA, ficou para mim mais claro que este militar respeitava, também, os seus subordinados e era, também, leal para com eles; numa época em que vulgarmente alguns julgavam que a lealdade era só devida aos superiores; sendo esta uma maiores lições que recebi na minha vida militar.
Obrigado meu Comandante.
Um Abraço
Luis Chucha
CAP7TMMA (REF)