quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6845: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (1): As Viagens do Bispo Portuense à Guiné e a Cristianização dos Reis de Bissau (Mário Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Agosto de 2010:
Queridos amigos,
Aproveitei o calor para voltar à Guiné em espírito.
Não estava tempo para deambular pelas florestas, deixei-me levar pelas surpresas de uma biblioteca em fogo. Como irei contar.

Um abraço do
Mário



Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (1)

por Beja Santos

O propósito era de que aquele primeiro dia de férias fosse destinado às limpezas de seis estantes, qualquer coisa como 700 livros que aguardavam a remoção de poeiras e aranhas. O amanhecer da floresta avisava um princípio de canícula e na verdade até o rezingar dos grilos parecia profundamente dolente, a bicharada fugia da fornalha do sol. Entrei na biblioteca com balde, panos, vassouras de diferente porte e pá.

Impunha-se remover escolhos até chegar às estantes, resmas de papel, sacos de plástico, caixas de sapatos sem identificação. Iam desaparecendo os escolhos quando se destacou uma folha a negro tracejado, assim dizendo: “Para ver com mais cuidado, há aqui coisas para o blogue, material pouco classificável”. Amolengado com o calor intempestivo e o espectro de tanta limpeza, sentei-me. Como vou dar notícia, o dia começou com leituras, para meu proveito, daí o meu pedido da vossa atenção.

Primeiro, pus-me a remexer no catálogo da exposição de Manuela Jardim (artes plásticas), Luís Vasconcelos (fotografia), Pedro Cunha (fotografia) e Germano Almeida (literatura) que se realizou de Março a Maio de 2006 na Livraria Municipal Verney, em Oeiras. O motivo inspirador da exposição era panos da Guiné e Cabo Verde, de Manuela Jardim, nascida em Bolama. A panaria guineense, sobretudo a manjaca, é de uma enorme beleza. Manuela Jardim revela um grande talento nos motivos escolhidos para a sua pintura. Onde me detive mais foi na fotografia de Pedro Cunha, que integra a redacção do Jornal Público. As suas fotografias da Guiné-Bissau expostas na Verney datam de 1996. Escolhi três, a saber: dois amigos, adolescentes, que pousam para o fotógrafo, e que nos dão a imagem de uma enorme sinceridade/serenidade; um jovem que parece caminhar sobre as águas e que no fundo se equilibrou na quilha de uma canoa, tendo como pano de fundo um arvoredo reflectido nas águas; e um jovem repetidor que aproveitou a ausência do mestre para chamar a si a insigne missão de revelar as letras e os seus sons. São fotografias muito belas, o catálogo terá como destino a biblioteca do blogue.


Segundo, já aqui se fez a recensão de “As viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné e a cristianização dos reis de Bissau”, da autoria do Almirante Teixeira da Mota. A edição então utilizada era da Alfa, que comprei na Worten por cerca de 4 euros. A edição que ora folheio foi-me oferecida em Março de 1974 quando o almirante dirigia o Centro de Estudos de Cartografia Antiga, na Junta de Investigações Científicas do Ultramar. Tem dedicatória e sobretudo tem algumas fotografias que faziam parte do espólio pessoal do almirante. Impressionou-me aquela vista parcial da cidade de Bissau com o navio Funchal atracado ao cais do Pidjiquiti, coisa que não acontecia no meu tempo, os navios deste porte ficavam ao largo, éramos embarcados e desembarcados em lancha. A fotografia tem uma relativa nitidez, fala-nos de uma Bissau que já não existe, grande parte deste arvoredo, as instalações e os monumentos desapareceram, estão danificados ou submetidos à indiferença. A outra fotografia mostra-nos um homem grande do “chão papel”, mais propriamente do regulado de Bijemita. Percebe-se porque é que Teixeira da Mota foi buscar este homem grande. O seu livro é uma obra de história, fala do estabelecimento dos portugueses na ilha de Bissau, sobretudo a partir do século XVII. Neste volume encontramos uma descrição da ilha de Bissau pelo padre Manuel Álvares (1616) a relação da primeira viagem do bispo D. Fr. Vitoriano Portuense à Guiné, há documentos sobre a ilha de Bissau, os papéis estão sempre na berlinda. Aliás, aparece aqui também um opúsculo relativo ao baptismo em Lisboa de D. Manuel de Portugal, filho do rei de Bissau. A sobrecapa tem uma bela gravura com a planta da Praça de S. José de Bissau segundo José Luís de Braun, datada de 1780. Trata-se de um belo livro que também seguirá para a biblioteca do blogue.

Interrogo-me, nesta altura a biblioteca está quase a arder, nem mesmo as cantatas de Bach no melodioso fio de voz de Dame Janet Baker trazem refrigério a esta biblioteca encravada numa floresta do concelho de Pedrógão Grande, porque é que tenho aqui um conjunto de números da revista Mamasume, da Associação de Comandos. Recordo-me que me foram oferecidas pelo seu presidente, José Lobo do Amaral, quando visitei as instalações a seu convite. Há alguns post-it em certos números. Encontro a Operação Neve Gelada (20 de Março a 3 de Abril de 1974) num dos números, noutro número um extenso trabalho sobre a Operação Tridente, Ilha do Como, de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1974 e também um trabalho do Virgínio Briote sobre os Comandos da Guiné. Vou reler tudo com mais cuidado e fazer a respectiva recensão mais tarde. Entretanto, o calor aperta, faz algum sentido embrenhar-me nesta atmosfera de guerra dos comandos com tal temperatura. A vantagem é que vou buscar à cozinha um copo de água, não quero desidratar entre a ilha do Como e Canquelifá...

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6818: Notas de leitura (141): Corte Geral, de Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Beja Santos,
Que saudades do N/T (Navio Turbinas) "Funchal"! Era (ainda é, pois continua a navegar em cruzeiros) lindíssimo. Trouxe-me de Lisboa para Ponta Delgada em Abril de 71, no meu regresso de Angola. Navio extraordinário que serviu bem os Açores e a Madeira entre 61 e 72 ou 73. É muito possível que a foto se refira à viagem presidencial de Fevereiro de 1968. Atracou, de facto, em 2 de Fevereiro de 68, tendo que esperar pela preia-mar. Não teve auxílio de rebocadores. A crónica, profusamente ilustrada, desta viagem de Américo Tomás à Guiné pode encontrar-se no link:

http://memoria-africa.ua.pt/DesktopModules/MABDImg/ShowImage.aspx?q=%2fVP%2fVP-1968&p=38

Um abraço,
Carlos Cordeiro