terça-feira, 21 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3341: Controvérsias (7): Era possível evitar-se a Guerra (Leopoldo Amado)


Posicionamentos opostos e inconciliáveis

Texto enviado pelo Leopoldo Amado, Doutor em História Contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa (Faculdade Letras de Lisboa), sob a temática “Guerra Colonial da Guiné versus Luta de libertação Nacional (1961 – 1974)"; membro da nossa tertúlia; editor do blogue Lamparam II.


Com o fim da Segunda Guerra Mundial e com o subsequente surgimento da Organização das Nações Unidas e o chamado Terceiro Mundo, o regime do Estado Novo enfrentou um novo tempo de adversidades. Os países que dela passaram a fazer parte da ONU assinaram a sua Carta e aceitaram os seus princípios dos direitos do homem e o das nações, que seriam tratadas de igual forma, sendo grandes ou pequenas, adentro do espírito do princípio da autodeterminação dos povos.

Em Bandung, na Indonésia, Portugal viu nascer em 1955 um dos movimentos que mais o contestariam: o Movimento dos Não Alinhados, onde se juntavam jovens nações afro-asiáticas e movimentos de libertação que ansiavam pela independência dos seus povos. Com efeito, só no ano de 1960 – ano que ficou para a História como o ano de África – o mundo viu nascer 17 países africanos independentes. Era o ruir de velhos sistemas coloniais dos grandes impérios europeus, enquanto Portugal insistia em manter o seu império, apesar de os seus próprios aliados desprezarem claramente essa visão, tendo mesmo sofrido, da parte desses aliados, um embargo que teve sérias consequências para o rearmamento do seu Exército, numa altura em que tinha de responder em várias frentes de guerra em África.

A reacção do regime de Oliveira Salazar, perante esta nova ordem internacional, seria a de se fechar sobre si próprio, acabando, apesar disso, por entrar para as Nações Unidas, em 1955, e para a NATO, em 1949, permitindo esta última que Salazar apesar de que a adesão à Aliança Atlântica tivesse permitido a Salazar recolher grandes vantagens e alguns silêncios, sobretudo devido à extraordinária posição geoestratégica do arquipélago dos Açores. Assim, o Estado Novo foi formalmente instituído com a constituição da República de 1933, a qual rezava que Portugal era um Estado com uma comunidade cristã, um país muito consciente do alto valor da sua independência, com elevado sentido do passado e dos símbolos da sua História de nação de navegadores, o que atribuía desde sempre aos portugueses a prossecução de uma missão pelo Mundo, com um Estado unitário, centralista, solidário, fazendo parte da sua essência a necessidade de manutenção dos territórios ultramarinos.

Aliás, o Acto Colonial que integrava a Constituição (só revogado em 1951 para fazer face às crescentes críticas internacionais), reflectia já essa ideia da descentralização e da indivisibilidade do Império, considerada de resto fulcral, pois atribuía-se-lhe, entre outras preensas virtualidades, a faculdade e o dever de possuir e colonizar domínios ultramarinos, bem como o de “civilizar” populações chamadas indígenas.

É essa ideologia, digamos assim, que explica em grande medida a obsessiva recusa de Portugal em se sentar à mesa das negociações com os emergentes movimentos de libertação e, igualmente, a sua opção pela guerra colonial.

O PAIGC e outros movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas, não obstante terem inicialmente proposto negociações com vista à resolução pacífica do diferendo que os opunha a Portugal, no fundo, tinham já feito a sua opção pela guerra. Não apenas orque do seu ponto de vista era inquestionável a ntransigência com que o regime do Estado Novo lidava com a questão "colónias", mas igualmente porque era intrinsicamente doutrinária a convicção segundo a qual deviam responder com violência à violência colonial, a qual, aliás, consideravam própria e intrínseca ao sistema colonial português.

Aliás, por parte dos movimentos de libertação, a opção pela guerra é igualmente corroborada pela adopção das disposições internacionais que visavam legitimar aquilo a que Amílcar Cabral denominou “supremo recurso”, ou seja, o direito à revolta e ao recurso de todos os meios -violentos inclusivamente -, para fazer valer os direitos consignados da Resolução de 14 de Dezembro de 1960 das Nações Unidas. Uma resolução que, inequívoca e sintomaticamente, reconhecia o direito dos povos colonizados a disporem de si próprios pela via da concessão da independência dos territórios sob domínio colonial.

Em jeito de conclusão, podemos aferir, portanto, da inevitabilidade da guerra colonial/guerra de libertação, não apenas porque era enorme a influência geoestratégica introduzida pela partilha do Mundo pelas duas superpotências da altura, com a proliferação das chamadas “guerras por procuração”, mas igualmente porque quando se colocou na agenda internacional a questão da autodeterminação e da independência dos territórios sob domínio colonial, o posicionamento de dos movimentos de libertação e de Portugal (como potência colonial) revelaram-se diametralmente opostos e mesmo inconciliáveis, interpondo entre eles, inclusivamente, uma lógica de exclusão e uma clara opção pela guerra que ambos assumiram.

Aliás, não podia ser de outra maneira, na medida em que o discurso colonial, anacrónica, insistia paradoxalmente no direito/devermissão de “civilizar” (entanda-se colonizar), enquanto os emergentes movimentos de libertação aludiam, entre outros aspectos libertários – com maior ou menor razão – a necessidade de um regresso à história africana e a independência, com tudo o que de idílico ou de utópico esse sonho comportou e, emcerta medida, ainda comporta.


* Públicado em Os Anos de Salazar, nº 20 - "A guerra estende-se à Guiné e Moçambique, Plenata DeAgostini, Lisboa, 2008.

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Nota: ver artigo de

5 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3272: A novíssima literatura da Guerra Colonial (Leopoldo Amado)

2 comentários:

Anónimo disse...

Estou a gostar destas intervenções
do Leopoldo,é rico para o blogue
ter a intervenção de um Historiador
de nacionalidade Guineense,Doutor
pela Univ.de Lisboa,e que além da
História também vai à literatura.
Abraço ao Leopoldo
Paulo Santiago

Anónimo disse...

Leopoldo Amado tem toda a razão quando intitula que ERA POSSIVEL EVITAR A GUERRA.

E temos um exemplo concreto de uma pequena potência colonial semelhante a Portugal, que foi a Belgica com o ex-Congo Belga, Ruanda e Burundi.

Cumpriu a Belgica com todas as directivas da ONU.

Só que no dia da independência do Congo Kinshasa, começou a ponte aérea Kinshasa/Luanda/Belgica.

E o próprio Secretário Geral da ONU morreu num acidente aéreo dentro do Congo (Zaire na altura).

Se considerarmos que os europeus podiam fugir com o próprio corpo à guerra, Leopoldo tem toda a razão.

Os Belgas fizeram isso mesmo.

E o resto?

Será que estava nos desígnios da ONU os etnocidios registados naqueles territórios? Tudo provocado pelo abandono?

É apenas um ponto de vista de quem era cabo miliciano em Noqui à beira de Matadi, em 1960 e viu como si iniciou uma guerra sob a benção da ONU.

Leopoldo e camaradas os meus cumprimentos

Antº Rosinha