quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3347: Bibliografia de uma guerra (37): Fado Alexandrino, de A. Lobo Antunes (José Manuel M. Dinis)

Fado Alexandrino

António Lobo Antunes


1. Mensagem de Jose Manuel Matos Dinis


A Tabanca Grande tem dado destaque à obra, ou a parte da obra literária de A. Lobo Antunes. E isso resulta da temática militar que influencia esses textos, pelo menos em matéria de sensibilidades, ansiedades e sublimações. Tudo bem, também adquiri A Memória de Elefante, Os Cus de Judas e outros.
Mas o Autor tem um título delicioso sobre esta matéria, um título onde eu poderia ser intérprete de muitos dos personagens. O Fado Alexandrino é uma paródia que vai acontecendo à medida que evolui a acção, uma confraternização de antigos mobilizados na guerra de África. Uma grande farra, hilariante, que me provocava incontíveis risos, como se fosse um maluco a ler um tratado, manifestações que induziram a abordagem de estranhos, a querer saber do que me dava tanto gozo.
Li uma boa parte no café La Iruña, em Pamplona, e aquela malta interessa-se por malucos. Trata-se de um livrinho que li rapidamente, apesar das setecentas páginas, e das páginas que descolavam, tal a avidez que me despertou.
Tenho a 1ª. Edição, da Dom Quixote, necessariamente encadernado, que o António Lobo Antunes fez o favor de autografar anos mais tarde. O que eu quero, é deixar testemunho deste escrito que muito aprecio e, naturalmente, recomendo.
Para os camaradas, vai aquele abraço.
José Dinis

2. Crítica – Fado Alexandrino


"Deve-se ser muito restritivo quanto ao uso da palavra obra-prima. Mas não me resta qualquer dúvida de que este romance não é outra coisa que não isso. Leiam-no! Adquiram-no e leiam-no!"
In Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano XI, nº489, Novembro de 1991

"Eu não sei se este romance de Lobo Antunes é genial, mas o que de certeza sei é que ele é tudo menos chato."
"Ao longo de quase setecentas páginas ofegantes, perpassam, como um caleidoscópio, os últimos vinte anos da vida portuguesa.
Misturando tempos, sobrepondo lugares, cruzando histórias, multiplicando os planos, as imagens compõem-se e decompõem-se, refazem-se e voltam a desfazer-se, as peças do "puzzle" juntam-se e separam-se para voltar a reunir-se mais adiante, e a estrutura do romance, o próprio discurso narrativo, a própria linguagem, acompanham esse movimento incessante, que nunca desfalece, através do qual a realidade de um país, de um povo, de uma época, aos poucos se vai apossando de nós, aspirando-nos para o seu interior, mostrando-nos por dentro o que conhecíamos, ou julgávamos conhecer, por fora.
Com um humor contundente, (...) a História e as estórias desenrolam diante de nós o largo ciclorama onde se projectam personagens das mais diversas camadas sociais, surpreendidas no seu quotidiano tragicómico, na sua risível e pungente humanidade, na erosão dos dias e dos acontecimentos, da inércia do tumulto, igualmente vãos."

"Romance (...) de uma geração que fez a guerra colonial, que dela regressou com o terrível sentimento de 'se ter tramado em vão, se ter gasto sem motivo', que atravessou uma revolução traída e transviada e se encontrou 'na estagnada, serena, cadavérica, imutável tranquilidade de outrora' que o manhoso oportunismo de uns quantos ('os vorazes micróbios cancerosos que da revolução se alimentavam e em torno dela se moviam') fez suceder às ondas de esperança de uns e do pânico de outros, Fado Alexandrino é o retrato em corpo inteiro, e ao mesmo tempo a radiografia, da sociedade portuguesa em tempo de mudança."
In Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano IV, nº89, Março de 1984.

“ (...) a perspectiva escolhida é, se assim se pode dizer, a do tabuleiro de xadrez cujas peças maiores são constituídas por um grupo de ex-militares que se reúnem num jantar com o ex-comandante dum Batalhão expedicionário em Moçambique e à mesa procedem ao exercício duma memória de dez anos sobre si mesmos e sobre o Portugal de 'antes', 'durante' e 'após' Abril. E são peças secundárias desse jogo vivencial as relações multi-multiplicadas dos 5 (um Tenente-coronel, um Comandante de Companhia, um Tenente, um Alferes e um Soldado), com uma série de segundos planos familiares, profissionais, sociais e outros.
À medida que o leitor progride na organização desta memória, infunde-se nele a sensação de crepúsculo, do tempo parado, das ilusões traídas, e finda tudo num ambiente de dissolução caótica, onde o cometimento de um crime, na pessoa do Tenente, é quase um acto de antropofagia (começa na cumplicidade dos assassinos e acaba na combinação da ocultação do cadáver e no regresso de todos os outros ao marasmo dos dias. Não está implícito em tudo isto, que a vida, a solidão sem fundo e as amarguras dos personagens não sejam tão verosímeis como as alegrias ausentes ou as euforias passageiras."

“ (...) «livro dos seus livros» (...) sobretudo porque alia a exigência a um capital de pesquisas que, estando longe de considerar-se esgotado, é um caso típico da inquietação e daquele húmus criativo que nos torna solitários e nos remete para uma relação sofrida com a vida e com as pessoas. (...) também porque é retoma subtil dos grandes temas que vêm inspirando quase toda a obra de A.
O tema da guerra colonial, p. ex., (...) o inferno dos outros, a solidão punida e punitiva, o espaço do memorizado e do sofrido (...), são outros tantos caminhos recobertos por este livro."
"Fiquem os leitores com a ideia de que a 'monumentalidade' deste romance reside tanto nas suas dimensões físicas como na sua estrutura e na sua actualidade."
In Colóquio Letras, nº82, Novembro de 1984

In Literatura, Antonio Lobo Antunes. Com a devida vénia.
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Notas: artigos da série em

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