Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Guiné 63/74 - P3591: Tabanca de Matosinhos (7): Jantar de Natal, sexta-feira, 19 de Dezembro de 2008, no Milho Rei, em Matosinhos (Carlos Vinhal)
1. A Tabanca de Matosinhos organizou um jantar de Natal a levar a efeito no dia 19 de Dezembro próximo, no seu Quartel General, desculpem, no Restaurante Milho Rei, sito na Rua Heróis de França, 721.
Aqui fica o anúncio sito na página da Tabanca de Matosinhos:
JANTAR DE NATAL
Dia 19 de Dezembro (sexta-feira) há jantar melhorado com bacalhau à braga e cachaço de porco assado no forno no MILHO REI...
O Jorge Felix, o Álvaro Basto e o David Guimarães prometeram dar-nos música instrumental... levem tampões para os ouvidos...
Fundamental... Vamos levar as nossas mulheres para trazerem os carros para casa...
NÃO SE ESQUEÇAM. NÃO FALTEM...
Ah... e já agora... tragam uma lembrança (até 5 €) por pessoa, para sortearmos no fim.
Preço médio p/ pessoa: 25€
Inscrições:
Podem fazê-lo por voz ou sms (965 031 310) ou por email para qualquer um dos editores. Vamos lá, cambada... (como diria o João Rocha...)
Inscrições até ao momento, de acordo com a página da TM, já vão nas 36:
Aspecto da Sala de Jantar onde a Tabanca de Matosinhos faz as suas Operações, utilizando nas suas palavras a táctica do quadrado, celebrizada pelo grande D. Nuno Álvares Pereira
2. Comentário de CV:
Caros tertulianos do Grande Porto (e não só), vamos repetir o êxito do ano passado em Leça do Balio (*), onde estiveram presentes muitos camaradas no jantar de Natal ali realizado. O Restaurante que era pequeno, tornou-se exíguo para tantos participantes. Este ano não haverá falta de espaço e a ementa promete.
Ainda estão abertas as inscrições que podem ser feitas para os contactos indicados. Podem em alternativa mandá-las para mim que as farei chegar até ao régulo da Tabanca de Matosinhos.
_____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 31 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2395: Tertúlia de Matosinhos: Jantar de Natal, 27 de Dezembro de 2007 (Luís Graça / Zé Teixeira)
Vd. último poste da série de 23 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3506: Tabanca de Matosinhos (6): Porto é Porto, é a minha terra (Jorge Teixeira)
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
Guiné 63/74 - P3590: O Nosso Livro de Visitas (48): José Pedrosa, ex-Alf Mil da CCAÇ 4747 (Guiné, 1974)
1. Mensagem do nosso novo camarada José Pedrosa com data de 9 de Dezembro de 2008:
Boa noite Amigos/camaradas.
Foi com indescritível emoção que acabei de descobrir o vosso, aliás, nosso GRANDE BLOGUE.
Por ter sido agora mesmo, só vos quero cumprimentar e agradecer o magnífico trabalho e dar conta de que há mais um para acrescentar à lista:
- José Joaquim Vitorino Pedrosa
Estive como Alf Mil Inf/Minas e Armadilhas na Guiné (Cumeré em Janeiro de 1974 - Chugué/Bedanda entre Fevereiro/Julho de 1974 - e no Biombo até Agosto de 1974 - integrado na CCaç 4747, formada em Angra/Açores.
Depois, no mês de Setembro de 1974 andei a negociar com o Cap Eng.ª Pires a entrega do campo de minas de Bissau ao PAIGC e regressei em 28 de Setembro de 1974.
Foi por pouco tempo, mas deu para aprender muito daquilo que a guerra colonial ensinou às nossas gerações.
Como saí da minha CCAÇ apesar de muitas tentativas feitas (até localmente) não consegui, até hoje, contactar nenhum dos amigos açorianos que estiveram comigo.
Agora, em Peniche, estou aposentado da Caixa Geral de Depósitos (por razões de saúde) e também me divirto com o meu blog Cerro do Cão
Cerro do Cão > Aqui só o vento muda, sem cumprir tempos ou vontades. Aqui só o mar bate: por ciúmes ou por vaidade!
Fico-me por aqui e prometo que voltarei, com notícias, histórias e participante.
Um grande abraço a todos.
JJVPedrosa
2. Comentário de CV
Caro José Pedrosa, foi com muito gosto que recebemos o teu contacto. Muito obrigado pelas tuas palavras. Podes considerar-te nosso tertuliano a partir de hoje.
Deverás ler o lado esquerdo da nossa página, onde poderás consultar as nossas 10 Normas de Conduta e também o que nós (não) somos em 10 pontos. Ali explicamos os nossos objectivos e o modo como devemos agir.
Poderás ver que entrar na nossa Tabanca Grande tem um preço (elevadíssimo) que é o envio de uma foto actual e outra dos nossos gloriosos tempos dos vinte e tal anos. A acompanhá-las uma pequena (ou grande) história.
Uma das normas é o tratamento por tu, independentemente do antigo posto militar ou da posição social actual. Verdadeiros camaradas não têm distinções sociais.
Ficamos à espera do teu novo contacto. Até recebe um abraço da tertúlia.
3. O nosso camarada Pedrosa mandou-nos dois endereços de postes do seu blogue, relacionados com a Guiné.
Com a devida vénia ao José, transcrevemos o seu poste do dia 5 de Março de 2008 > GUINÉ - 1974 (Capítulo I)
Passam hoje 34 anos sobre o dia mais longo da minha vida.
Na aldeia-quartel de Chugué, no sul da Guiné (Bissau), eram 11,00 horas da manhã. Apesar da tensão permanente em que ali viviam perto de 250 militares portugueses e 200 ou 300 civis guineenses, era a hora do futebol entre os 3º e 4º pelotões da minha C.CAÇ 4747 - "Os Índios da Bolanha" (Companhia formada maioritáriamente por Açoreanos).
Mas também era a hora marcada pelas chefias militares do PAIGC para dar inicio a mais uma "flagelação" com morteiros, RPG's, balas foguetões 122 e tudo o mais que pudesse atingir os "tugas"que por ali andavam há perto de 500 anos.
O "flagelo" durou 6 horas: seis longas horas, inquestionavelmente menos que 5 séculos.
Não tendo causado feridas físicas, foi psicológicamente violentíssimo e repetiu-se mais do que uma vez; mas foi assim que eu - branco, apolítico e sem quaisquer acções da CUF, da Sacor ou da Central de Cervejas - ao estar ali no lugar do Marcelo Caetano, do cardeal Cerejeira ou das famílas Mello, Champalimaud e SottoMayor, aprendi a ser negro, democrata e apoiante incondicional da Liberdade.
Deixo-vos mais um endereço de outro poste para consultarem no Cerro do Cão em:
http://cerrodocao.blogspot.com/2008/04/memorial-da-guin.html
______________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3532: O Nosso Livro de Visitas (47): Rogério Pereira, filho do 1º Cabo Manobra Jorge António Pereira, morto em combate na Guiné em 1973
Boa noite Amigos/camaradas.
Foi com indescritível emoção que acabei de descobrir o vosso, aliás, nosso GRANDE BLOGUE.
Por ter sido agora mesmo, só vos quero cumprimentar e agradecer o magnífico trabalho e dar conta de que há mais um para acrescentar à lista:
- José Joaquim Vitorino Pedrosa
Estive como Alf Mil Inf/Minas e Armadilhas na Guiné (Cumeré em Janeiro de 1974 - Chugué/Bedanda entre Fevereiro/Julho de 1974 - e no Biombo até Agosto de 1974 - integrado na CCaç 4747, formada em Angra/Açores.
Depois, no mês de Setembro de 1974 andei a negociar com o Cap Eng.ª Pires a entrega do campo de minas de Bissau ao PAIGC e regressei em 28 de Setembro de 1974.
Foi por pouco tempo, mas deu para aprender muito daquilo que a guerra colonial ensinou às nossas gerações.
Como saí da minha CCAÇ apesar de muitas tentativas feitas (até localmente) não consegui, até hoje, contactar nenhum dos amigos açorianos que estiveram comigo.
Agora, em Peniche, estou aposentado da Caixa Geral de Depósitos (por razões de saúde) e também me divirto com o meu blog Cerro do Cão
Cerro do Cão > Aqui só o vento muda, sem cumprir tempos ou vontades. Aqui só o mar bate: por ciúmes ou por vaidade!
Fico-me por aqui e prometo que voltarei, com notícias, histórias e participante.
Um grande abraço a todos.
JJVPedrosa
2. Comentário de CV
Caro José Pedrosa, foi com muito gosto que recebemos o teu contacto. Muito obrigado pelas tuas palavras. Podes considerar-te nosso tertuliano a partir de hoje.
Deverás ler o lado esquerdo da nossa página, onde poderás consultar as nossas 10 Normas de Conduta e também o que nós (não) somos em 10 pontos. Ali explicamos os nossos objectivos e o modo como devemos agir.
Poderás ver que entrar na nossa Tabanca Grande tem um preço (elevadíssimo) que é o envio de uma foto actual e outra dos nossos gloriosos tempos dos vinte e tal anos. A acompanhá-las uma pequena (ou grande) história.
Uma das normas é o tratamento por tu, independentemente do antigo posto militar ou da posição social actual. Verdadeiros camaradas não têm distinções sociais.
Ficamos à espera do teu novo contacto. Até recebe um abraço da tertúlia.
3. O nosso camarada Pedrosa mandou-nos dois endereços de postes do seu blogue, relacionados com a Guiné.
Com a devida vénia ao José, transcrevemos o seu poste do dia 5 de Março de 2008 > GUINÉ - 1974 (Capítulo I)
Passam hoje 34 anos sobre o dia mais longo da minha vida.
Na aldeia-quartel de Chugué, no sul da Guiné (Bissau), eram 11,00 horas da manhã. Apesar da tensão permanente em que ali viviam perto de 250 militares portugueses e 200 ou 300 civis guineenses, era a hora do futebol entre os 3º e 4º pelotões da minha C.CAÇ 4747 - "Os Índios da Bolanha" (Companhia formada maioritáriamente por Açoreanos).
Mas também era a hora marcada pelas chefias militares do PAIGC para dar inicio a mais uma "flagelação" com morteiros, RPG's, balas foguetões 122 e tudo o mais que pudesse atingir os "tugas"que por ali andavam há perto de 500 anos.
O "flagelo" durou 6 horas: seis longas horas, inquestionavelmente menos que 5 séculos.
Não tendo causado feridas físicas, foi psicológicamente violentíssimo e repetiu-se mais do que uma vez; mas foi assim que eu - branco, apolítico e sem quaisquer acções da CUF, da Sacor ou da Central de Cervejas - ao estar ali no lugar do Marcelo Caetano, do cardeal Cerejeira ou das famílas Mello, Champalimaud e SottoMayor, aprendi a ser negro, democrata e apoiante incondicional da Liberdade.
Deixo-vos mais um endereço de outro poste para consultarem no Cerro do Cão em:
http://cerrodocao.blogspot.com/2008/04/memorial-da-guin.html
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3532: O Nosso Livro de Visitas (47): Rogério Pereira, filho do 1º Cabo Manobra Jorge António Pereira, morto em combate na Guiné em 1973
Guiné 63/74 - P3589: Historiografia da presença portuguesa em África (11): Filatelia do 5º Centenário da Descoberta do Território, 1446/1946 (Beja Santos)
Capa da publicação filatélica comemorativa do Quinto Centenário da Descoberta da Guiné: 1446/1946 e alguns dos selos que nela figuram: a igreja de Bissau (20$00), a efígie do presidente Grant, dos EUA, que arbitrou a questão de Bolama a favor de Portugal e contra a Inglaterra (1$75) e a efígie de Teixeira Pinto (3$50). Opúsculo da autoria de Amadeu Cunha, selos da autoria de Alberto Sousa.
Era então Governador da Colónia (1945-1950) Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979), prestigiado oficial da Marinha, que irá integrar em 1950 o Governo de Salazar como Ministro das Colónias (a partir de 1951, Ministro do Ultramar).
Imagens: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados
1. Mensagem do Beja Santos, com data de 4 de Dezembro último (*):
Em 1946, o governo da província da Guiné Portuguesa publicou um pequeno opúsculo com um conjunto selos alusivos ao 5º Centenário da Descoberta da Guiné (1446/1946). O opúsculo inclui texto em francês e inglês. É uma verdadeira raridade: os selos são de autoria do artista Alberto Sousa e o texto do opúsculo é de Amadeu Cunha.
Fala-se na Escola de Sagres, na Crónica dos Feitos da Guiné, de Azurara, nas sucessivas viagens até que Nuno Tristão, em 1446 entrou no Geba(?), o Rio de Nuno. Segue-se o relato da criação do forte de Cacheu e do Forte de Buba no século XVI, na chegada dos cabo-verdianos, no domínio castelhano, na questão de Bolama, em Honório Pereira Barreto e na pacificação de Teixeira Pinto.
É uma leitura curiosa para nos apercebermos o que era significante e insignificante da história da Guiné, em 1946. Os selos são de uma rara beleza. Creio que os tertulianos vão gostar de ver estes selos que, tanto quanto sei, só existem na Fundação Portuguesa das Comunicações.
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Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste da série > 24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3507: Historiografia da presença portuguesa (10): Bolama, 1930: a nova igreja e o proselitismo católico (Beja Santos)
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Guiné 63/74 - P3588: Tabanca Grande (103): Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745, Águias de Binta (Binta, 1972/74)
Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745/73, Águias de Binta, Binta, 1973/74
1. Mensagem do nosso camarada Pedro Neves, com data de 8 de Dezembro de 2008:
Caros Luis Graça e Carlos Vinhal:
Em primeiro lugar, o meu agradecimento ao Blogue, porque graças ao mesmo já encontrei um camarada da minha equipe, o Raúl do 1.º Curso de 1973, em Lamego e um 1.º Cabo Condutor da minha CCaç 4745, Águias de Binta, o Tomás Carneiro, natural e residente em S. Miguel, nos Açores.
Como devem calcular, só por isso já estou muito grato ao vosso magnifico trabalho e iniciativa de terem criado e dado vida ao nosso Blogue.
Agradeço que façam a minha inscrição no Blogue e em anexo as fotos, actual e do tempo em que éramos mais jovens. A diferença é visivel!!!
Aproveito a ocasião para desejar a todos os camaradas e seus familiares, votos de BOAS FESTAS!
Um abraço
Pedro Neves
ex-Fur Mil Op Esp
2. Recordemos parte da mensagem do nosso camarada Pedro Neves com data de 16 de Outubro:
Caro Luís Graça:
No passado dia 25-08-08, pela primeira vez, enviei uma mensagem para o nosso site à procura de antigos camaradas que estiveram comigo em Lamego, no 1.º curso [, de OE,] de 1973 e aos camaradas a quem dei o 2.º curso, também de 73, assim como os que estiveram na Guiné, na CCAÇ 4745, (Águias de Binta), Companhia de Caçadores Independente formada no antigo BII 17 (Angra do Heroísmo, Terceira, Açores) e já obtive o contacto do Raúl que pertencia à minha equipa, 1.º Grupo, do nosso curso em Lamego. Como devem de calcular, foi uma alegria encontrar, graças ao site, alguém com quem palmilhei montes, vales, ribeiros e a famosa serra das Meadas. Obrigado.
3. Comentário de Carlos Vinhal
Caro Pedro Neves, estás apresentado à Tertúlia desde 16 de Outubro de 2008 (*).
Quero desde já clarificar que o Blogue é de autoria do nosso camarada Luís Graça, que é ainda e será o único responsável pela sua manutenção. Eu e o camarada Virgínio Briote apenas damos uma mãozinha na edição dos postes.
Com a publicação das tuas fotos, estão cumpridas as formalidades de entrada no Blogue, mas como deves compreender, acarreta uma responsabilidade, que é a tua participação. Logo contamos contigo para enviares as tuas histórias e fotografias.
Renovo o abraço em nome da tertúlia e aproveito para te desejar umas Festas com saúde junto dos teus familiares e amigos.
___________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3322: Tabanca Grande (92): José Pedro Neves, ex-Fur Mil da CCAÇ 4745, 1972/74
Vd. último poste da série de 5 de Dezembro > Guiné 63/74 - P3570: Tabanca Grande (102): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74
Guiné 63/74 - P3587: Controvérsias (16): Chicos, furras e ripanços em Catió, 1968 (Jorge Teixeira - Portojo)
Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel >
"Foto nº 4 - Foto tirada de cima do depósito da água do quartel [JUL 1967]. Vista parcial da parte nova do quartel. A parada com o cepo (raiz) do Poilão, à esquerda as casernas nº 1 e nº 2, ao centro o edifício do comando, por detrás deste as camaratas de sargentos e depois destas as novas messes ainda em construção, tal como a camarata de oficiais à direita. O telhado vermelho era a messe e bar de sargentos".
Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel > "Foto nº 25 - No novo Bar de Sargentos em 1968. De pé os Fur Mil Pires, Mendonça, Laurentino (do serviço Foto Cine de Bissau), Condeço e Cabrita Gonçalves; em baixo o Teixeira e o Gil".
Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel > "Foto nº 18 - Os Fur Mil Viriato Dias e Mendonça no varandim do velho edifício da messe de sargentos".
Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel > "Foto nº 11 - O Fur Mil Vitor Condeço sentado na raiz do Poilão, tendo por fundo o edifício do comando". [O Vitor, 63 anos, reformado, residente no Entroncamento, foi furriel miliciano mecânico de armamento, CCS do BART 1913, Catió, 1967/69].
Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel > "Foto nº 9 - O porco fugiu da pocilga e foi passear na parada. Ao fundo à esquerda o depósito de géneros e a padaria, em frente a cozinha, refeitório e bar das praças. Vê-se o furriel vagomestre Rijo com um cozinheiro com o tabuleiro da amostra da refeição para o comandante fazer a prova".
Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel > "Foto nº 32 - Cerimónia militar em Fevereiro de 1968. Militares, civis da administração, correios e comerciantes. Da esquerda para a direita, [?], de costas o Cap Médico Morais, o Comandante Ten Cor Abílio Santiago Cardoso, quatro funcionários dos Correios e Administração, os comerciantes Srs. José Saad e filha, Mota, Dantas e filha, Barros, depois o electricista civil Jerónimo, e o Alf Capelão Horácio".
Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel > "Foto nº 1 - Vista aérea de Catió, onde se vê na parte superior a zona do quartel".
Fotos e legendas: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Jorge Teixeira (Portojo) (*), membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos, com data de 8 de Dezembro último:
Assunto - Tema Ganância
Caro Luís:
Um abraço.
O nosso camarada Jorge Picado teve de explodir e com razão (**).
São coisas guardadas há muito tempo e em qualquer momento saiem. E talvez até pelo que se vê hoje em dia, o sentido da revolta é grande. Mas sempre soubemos que os milicianos é que pagaram sempre. Faziam a guerra, faziam a revolta e faziam a cobertura à maior parte da chicalhada. À maior parte, disse eu, porque havia chicos bons.
Quero dar o meu apoio ao Jorge. E já agora, e se quizeres publicar, dou a minha estória para o tema GANÂNCIA. Quando cheguei a Catió, em meados de Maio de 69, disseram-me que era obrigatório fazer uma messe. Não fazia ideia o que isso era. Por ordem de velhice ao contrário, acho que fui o próximo. Mas não me lembro se a fiz em Junho ou Julho [de 1969]. Sei apenas que me desenrasquei. Se bem me lembro do mês, foi em Outubro que rebentou uma bomba. Havia rapinanços em Catió.
Levantou-se um inquérito e, claro, apanharam uns tantos furriéis milicianos [, furras]. Como todos os inquéritos que têm conclusão, o pequeno é que apanha. Claro que o 2º Cmdt, de quem não me lembro o nome, responsável pelos reabastecimentos, não teve nada a ver com o caso; nem o capitão, cmdt da CCS, de quem apenas lembro o apelido, o Tim Tim, que muito a propósito e a tempo, lhe arranjaram uma consulta de psiquiatria e foi evacuado; nem o 1º sargento, o pica estradas (lembro do nome mas fica cá guardado), apelido derivado ao seu enorme nariz e nunca por ter saído do aquartelamento, nem para ver um jogo de futebol, quanto mais em qualquer missão.
Esse furriéis foram o vague-mestre da CCS, o meu querido amigo Rijo, o Oliveira que estava na altura no destacamento de Ganjola, outros que por lá também passaram anteriormente e de quem não me lembro do nome. Sei que pagaram em dinheiro desfalques que havia nas contas da CCS. O calo dos superiores tinha de bater na inexperiência dos furrieizitos milicianos. Não que eles fossem santos, sei lá, mas como sempre acontece, só alguns comeram.
No meio disto tudo, tinha vindo para Catió um capitão para cmdt de operações. Não me lembro do nome deste senhor. Que por inerência ficou cmdt da CCS, olhando ao sucedido. Resolveu chamar-me para ir fazer a vaguemestria do rancho. Perguntei:
- Mas eu, porquê ? Só pertenço à CCS por motivos operacionais e de alojamento.
- Porque fez uma boa messe de sargentos.
Isto foi novidade para mim. Tive de aceitar mas coloquei condições. Raramente recebíamos frescos; mesmo arroz, tivemos num determinado período que comprar nos armazens de Catió, porque nem bianda havia. Então carne, peixe e legumes era coisa que raramente havia. A população era-nos hostil e não vendia nada. Raramente a CCS alugava avioneta e comprava fora do reabastecimento mensal, fosse o que fosse.
As minhas condições foram: Fornecimento semanal de frescos por avioneta e uma comissão de soldados escolhida pelos próprios que fizesse o acompanhamento da vaguemestria. Aceites as condições e após apresentação de orçamento, foi fácil verificar que a companhia tinha imensos lucros com o rancho.
Não falo dos outros sectores que não eram da minha responsabilidade: Combustíveis, artigos para os bares e cantinas, etc. (Mas também sei de estórias...).Os furriéis não poderiam ser culpados nem de metade do que lhe atribuiram de culpas. Mas a chantagem que exerceram sobre eles com castigos que poderiam ir até à rendição individual foi de tal forma que eles aceitaram confessar-se culpados.
Imagino, melhor, sei o que pensou ao Rijo, desportivamente um internacional português, já com 27 anos. Este homem nunca mais foi o mesmo.
Factos: Na altura acho que tínhamos entre 17 ou 19 escudos diários para alimentação. Não recordo. Pois demonstrei que era possível fazer diárias com frescos, custos de transportes, refeições extras para o pessoal que chegava de madrugada de patrulhamentos ou outros serviços no mato, reforço alimentar para os sentinelas e pessoal de serviço no aquartelamento, reforço de rações de combate, não só com esse dinheiro como ainda sobrava algum, mas pouco é certo, nessa altura, ao fim do mês. E haviam refeições extras para oficiais - ah meu cmdt Cardoso, quantas vezes lhe levei um petisco ! -, e sargentos que vinham ao rancho pedir um pratinho.
A véspera de Natal de 69 foi um exemplo, principalmente para alguns furriéis, pois o safado do Dias não quis alinhar e deu salsichas na messe. E houve festas com convidados da população - Dia da Artilharia, dia de Natal e Ano Novo, da despedida da unidade em finais de Fevereiro. E sobrava sempre da nossa panela para as crianças nativas, embora o pessoal se alimentasse bem melhor. E ainda deu para alguns suplementos aquando da partida do pessoal da CCS, pois havia excedentes ( vinho, conservas de frutas, pão, pelo menos isso que me lembre); e a CCS que veio render a do [BART] 1913 [1967/69] ainda lucrou muitas dezenas de contos desses excedentes (***).
Mas tudo isso já existia no depósito antes da minha tomada de posse. Quando fiz o inventário haviam cerca de 100 contos de excedentes. Só que o Rijo, o Oliveira e os outros não sabiam nada de contas. E dinheiro vivo era preciso para tapar buracos. E os lucros dos autos de perca, destruição, apodrecimento e afins ?
Nas cargas e descargas de mercadorias, eram caixas de batatas, cervejas, bidões de gasóleo, whisky, etc que caíam ao rio - e na barriga dos fuzas que faziam a segurança dos batelões - ou que chegavam podres e por aí fora...
Façam agora uma pequena conta, bem simples: transformem só 1 escudo por dia de excedente alimentar por militar; Para uma média de 100 bocas diárias (cheguei a dar refeições a 140 pessoas); durante 18 meses mais ou menos que foi o tempo anterior à minha tomada de posse... Acrescentem os desvios de gasóleo à população civil, mais os artigos dos bares extraviados e os lucros da comercialização (mais de 150 pessoas em média diária e com poucos abstémios) - e vejam qual a soma.
Mais: Se eu tinha 100 contos de excessos alimentares, quando recebi o depósito, se os milícias e soldados africanos podiam comprar géneros e cujo valor era descontado nos prés, pagos directamente pelo comando da companhia; explique alguém, se é capaz, sendo esta comandada por um oficial do QP e dirigida por sargentos igualmente do QP, quem ficou a lucrar ?
Se os furras não tinham acesso a dinheiro como é que houve desfalque? Portanto, camarada Picado, não foste o único a levar com a experiência dos profissioinais das comissões.
Um abraço de amizade
Jorge/Portojo
2. Comentário de L.G.:
É, no mínimo, saudável e honroso que este tema (aqui levantado pelo José Manuel Dinis, pelo Jorge Picado e agora pelo Jorge Teixeira) seja exposto, analisado e debatido no nosso blogue... Não há (ou não devia haver, mas eu julgo que não há) tabus entre nós: já aqui discutimos tudo ou quase tudo, incluindo questões que ainda hoje nos dividem e são dolorosas...
A máquina de guerra - neste caso, da guerra do Ultramar - movimentou muito dinheiro e, como muitos de nós se aperceberam no terreno, no TO da Guiné, também alimentou a pequena e a grande corrupção... Independentemente do efeito (positivo e negativo) que teve na economia nacional, a guerra do Ultramar fosse também um bom negócio para alguns. Como em todas as guerras. A nível local, provincial, nacional e internacional.
Interessam-nos aqui não as especulações mas sim os depoimentos. A verdade é que, localmente, tínhamos uma visão muito limitada das coisas. Alguns de nós lidaram com dinheiro, material, compras, intendência, contabilidade, finanças, gestão de messes e refeitórios, obras (nos quartéis e nos reordenamentos)... Alguns de nós comandaram subunidades e fizeram comissões liquidatárias... Alguns de nós tinham especialidades na área da administração militar ou equivalente (vague-mestres, contabilistas, etc.). A maior parte de nós, os operacionais, não tínhamos jeito, tempo e sobretudo competências para lidar com dinheiro, material, compras, gestão de messes, etc.
Já não é altura para, passadas quase quatro décadas, fazer ajustes de contas - nesta como noutras matérias... Já não há contas a ajustar nem com os nossos superiores hierárquicos nem entre camaradas (... tal como não há contas a fazer contra os nossos inimigos de outrora). Eu, pessoalmente só tenho contas a ajustar comigo e com a minha memória.
Se falamos disto, é por que a guerra da bianda era também a nossa pequena guerra de todos os dias... Comíamos mal e porcamente na Guiné: a verdade é que, como defende o Jorge Teixeira, poderíamos ter comido um pouco melhor, se não fora também a ganância e a incompetência de alguns...
Mas atenção: é preciso respeitar o bom nome e não pôr em causa a honestidade e a reputação da generalidade dos nossos camaradas, que foram vague-mestres, sargentos de secretaria, alferes de contalidade, capitães milicianos, pessoal da intendência, etc. Daí para cima, podemos ter suspeitas mas não sabemos nem metade da missa...
No meu tempo, por exemplo, dizia-se à boca cheia que havia meninos a mamar com o reordenamento de Nhabijões [sector L1 da Zona Leste, Bambadinca, 1969/71], onde foram gastos milhares de rachas de cibe, milhares de chapas de zinco, toneladas de tijolos de adobe, feitos pela população local, milhares de horas de trabalho de voluntários à força, do exército, tugas que na vida civil eram trolhas, cabouqueiros, carpinteiros, marceneiros, picheleiros, condutores, etc. Não sei quem ganhou nem me interessa isso hoje. Mesmo assim quero acreditar que o exército tivesse os seus próprios mecanismos de fiscalização e de controlo.
De qualquer modo, o mote está dado. Escrevam sobre este tema, os que sabem e podem... Quanto a alguns termos do nosso calão de caserna (chicos, chicalhadas, furras, ripanços...), aqui usados: é bom lembrar que não têm propriamente um sentido pejorativo. E não se faz, no texto que se acaba de publicar, generalizações abusivas. Isto passou-se em Catió, no ano da graça de 1968. Ponto final parágrafo.
Parabéns ao Jorge, pela oportunidade e vivacidade do seu depoimento. Ele fala do que sabe e viu, por isso fala de cátedra. Embora fale do que se passava no downstairs, na cave... Ele nunca subiu ao upstairs, aos pisos de cima, pelo que nunca podia saber o que se passava em Bissau ou em Lisboa, nos gabinetes dos chefes de estado-maior ou nos conselhos de administração das empresas com interesses na Guiné...
Parabéns ao Vitor, por que ele foi, sem dúvida - até agora - o melhor fotógrafo da linda vila colonial de Catió, no sul, na região deTombali, e da gente que por lá passou, pela vila e pelo seu quartel... Gente do melhor, seguramente. Dos outros, poucos, que não souberam (ou não quiseram) ser nossos camaradas, não falamos aqui.
_____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira
7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3180: Tabanca Grande (84): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil, Guiné, 1968/70
5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3270: O meu baptismo de fogo (3): Catió, 6 de Junho de 1968 (Jorge Teixeira)
Vd. ainda o poste de 20 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3489: Blogues da nossa blogosfera (4): Nasceu o bloguinho, o blogue da Tabanca de Matosinhos (Álvaro Basto)
(**) Vd. poste de 6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3576: Controvérsias (11): A ganância e o modo como se geriam as finanças nas Unidades (Jorge Picado)
(***) CCS do BART 2865, Catió, 1969/70: vd. poste de 12 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3302: Tabanca Grande (91): António Varela, ex-Fur Mil Sapador da CCS/BART 2865, Catió, 1969/70
(****) Sobre Catió desta época, vd. ainda os seguintes postes:
19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2453: O que fazia um militar da ferrugem como eu ? (Victor Condeço, ex- Fur Mil Mec Armamento, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69)
6 de Junho de 2007 >Guiné 63/74 - P1819: De Catió a Lisboa, de menina a Mulher Grande ou uma história triste com final feliz (Gilda Pinho Brandão / Luís Graça)
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Guiné 63/74 - P3586: Cancioneiro de Bambadinca (3): Mais versos de O Bando, a CCAÇ 12 do Srgt Piça (Tony Levezinho / Gabriel Gonçalves)
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > ( i) "À sombra da bananeira: eu, o Machado e o Reis [a primeira foto, a contar de cima para baixo]; (ii) No baga-baga: o Machado, o Tony e eu [ a segunda]".
Fotos e legendas: © Gabriel Gonçalves(2008). Direitos reservados.
1. Mensagem de ontem do António [Tony] Levezinho, lá do seu retiro na Ponta de Sagres:
Olá, Amigos:
A memória do Gabriel (*) é bem mais jovem do que a minha.
Com efeito, apesar da autoria, apenas tenho a impressão de que faltarão versos, mas o essencial está aí e eu confirmo (mas só agora depois da leitura).
Um saudoso abraço para todos e votos de boas Festas.
~
Tony
2. Hoje mesmo, recebemos nova mensagem do Tony, enviada aos seus amigos Gabriel, Luís e Humberto, da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71):
Bom Amigo:
A memória (tal como outras aptidões humanas) por vezes precisa de ser estimulada.
Tenho uma vaga ideia de outros versos que fiz e que viraram o hino da nossa companhia(O Bando, como o sargento Piça lhe chamava).
Recordo que começava mais ou menos assim:
"Você deixou alguém a baloiçar
C'uma osga de todo o tamanho
Quem me dera..........
..........................."
Sei que terminava assim:
..."e sobre copos digam com justiça
Se há pai cá para mim e para o Piça !"
A música sou capaz de a trautear, mas não recordo o nome original. E o "PDI" ao seu melhor nível.
Que fazer...
Um grande abraço
Tony
3. Nova mensagem do GG:
Luis:
Aproveito para enviar duas fotos onde estamos: (i) À sombra da bananeira: eu, o Machado e o Reis [a primeira, a contar de cima para baixo]; (ii) No baga-baga: o Machado, o Tony e eu [ a segunda]. Acho que já te tinha enviado estas fotos, mas não tenho a certeza.
GG
PS - Estas fotos são a certeza da não segregação entre nós, conviviamos todos: praças, furriéis e alferes, como amigos que eramos e somos, afinal rapaziada que estava longe da família, numa guerra que não era nossa.
__________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3582: Cancioneiro de Bambadinca (2): Brito, que és militar... (Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 12, 1969/71)
Guiné 63/74 - P3585: Histórias de Vitor Junqueira (11): Um conto (triste) de Natal
1. Mensagem do nosso camarada Vitor Junqueira, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), com data de 5 de Dezembro de 2008:
Prezados amigos, camaradas e visitantes;
Caros editores,
Para o vosso sapatão, aqui vai mais uma das minhas histórias. Não sei se devido à quadra que estamos a atravessar, ou porque os velhos se tornam sentimentalões, não consegui fugir ao tema (Natal) nem às minhas memórias. Esta, está tão fresca que me interrogo se os factos narrados ocorreram há quase quatro décadas ou na passada semana. Chamo-lhe conto, mas dado que mexe com acontecimentos reais, construí-a segundo uma estrutura aparentada com a da narrativa. Acho eu, porque não sou muito entendido nessa área. Por isso usei e abusei do modo presente.
Desde já, obrigado pela atenção que quiserem dispensar ao meu escrito e Boas Festas.
Um conto (triste) de Natal
Ao meio dia, o sol impiedoso dos trópicos é avaro quanto a sombras. Como se fossem agulhas, os seus raios trespassam-nos a pele que se defende produzindo rios de suor. Toma-se a chuveirada da ordem e logo a camisette fica uma sopa. Sob uma atmosfera quase irrespirável devido ao calor e humidade sufocantes, homens e animais disputam qualquer nesga de frescura. Aos meus pés passa um lagarto em passo de corrida. Pára subitamente, parecendo hesitar quanto ao rumo. Três flexões rápidas, azimute a uma frondosa mangueira e aí vai ele tronco acima, fugindo à torreira. O desconforto rouba-nos o alento, corrói o moral. Entediado, mantenho uma conversa de chacha com um camarada das transmissões enquanto aguardo a chamada para o almoço.
A parada é um belo largo de terra batida, atravessado no sentido norte-sul pela estrada Farim-Mansabá. Do lado direito de quem sobe, situa-se um abarracamento esquálido coberto a chapas de zinco ferrugento, semi-arrancadas dos cibes e mais esburacadas do que um passe-vite. Alberga uma cozinha onde no meio da maior badalhoquice se enjorcam os mimos do cardápio: Do primeiro ao último de cada mês, batata cozida com cavala de conserva, tripas de vaca holandesa com feijão e gorgulhos e, em dias de cerimónia, estilhaços com esparguete. Contíguos, ficam um chiqueiro que serve de refeitório, a caserna das praças e o paiol. Tenho andado a pensar numas obras de fundo, vou falar nisso à rapaziada(*).
À esquerda, situa-se a única edificação digna desse nome. Trata-se de uma construção rectangular, semienterrada no solo, com paredes erigidas em adobe. Construída perpendicularmente à estrada, apresenta do lado norte um alpendre corrido sob o qual se encontram as entradas para a secretaria, catacumba das transmissões e criptografia, suite do capitão e camarata dos alferes. No topo Oeste, as instalações sanitárias para uso exclusivo da hierarquia. O tecto, dotado de um reforço à base de robustos troncos de palmeira sobre os quais assenta uma camada de cerca de 30cm de material inerte, confere uma razoável protecção aos locatários. Nas traseiras, igualmente protegidas das canhoadas do IN por uma fileira de bidons cheios de terra, fica o espaldão do oitenta e um. Lá mais atrás, a cantina e o furo que abastece a tropa com água potável, tendo ao lado um palanque que suporta o depósito sob o qual se encontra o balde de crivo dos banhos gerais. Este é também um local de derriço, onde certos camaradas(**) se deixaram surpreender pela calada da noite a brincar ao jogo quem apanha o sabonete? Em frente, o mastro da bandeira e no mesmo enfiamento, um campo de volley que tive a honra de construir com os ensinamentos colhidos na universidade de Champigny-sur-Marne. Ao fundo, junto ao arame farpado e de costas para a tabanca, fica a messe de sargentos e oficiais, casino, discoteca e local de eventos.
Aquartelamento do K3. Aqui permaneceu a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vitor Junqueira, durante boa parte da sua comissão.
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.
São 12h30. Manuel dos Santos, o corneteiro/despenseiro faz-me sinal para avançar.
Esta manhã fui à caça, estreei uma Winchester. Numa pedreira aqui perto, abati quatro tchócas. Nunca percebi porque é que os nativos se recusam a consumir estas aves, muito semelhantes à perdiz europeia. Vamos lá a ver como é que está o petisco que o Manel confeccionou. Como não chega para todos, ficou reservado para o dente do maior e alferes, os outros terão de contentar-se com o cheiro.
Na secretaria, depois da feijoada do almoço, faz-se por fazer qualquer coisa. Um Primeiro, dois Segundos e o seu escriba, torcem e retorcem números para que dêem certo, retocam ofícios para que pareçam fidedignos, batem-se valentemente em duelos de bocejos.
Abanco numa das cadeiras de balouço situados sob o alpendre. Do meu posto de relax, escuto o zumbido da ventoinha do quarto dos alferes, ligada no máximo, convidando-me para a real soneca da tarde. Felizmente, há certos dias nesta puta de guerra em que não se faz raspas!
Quatro e meia, o calor é muito. A esta hora, ainda assa canas na rua, e à sombra também! Desperto, meio obnubilado começo a fazer planos para a tarde: Banhoca, uma coca fresquinha e duas kingalhadas até à hora de jantar.
No meu campo de visão, passa um pronto. Como um zombie, braços caídos, olhar distante, passadas lentas, vai arrastando, as botas no pó revolvido pelas rodas das viaturas. Aparentemente sem destino nem propósito, faz-me lembrar um jagudi pairando sobre o seu território de caça. E de morte. À esquina do bloco, faz meia volta à esquerda e desaparece nas traseiras. Mal este se eclipsa, logo outro lhe segue a peugada, numa espécie de dança que se há-de prolongar até à hora das lavadeiras.
As rotinas desta companhia, são idênticas às de qualquer outra: Vigilância e defesa das instalações, acções de patrulhamento dentro da respectiva ZA, protecção às populações nos seus afazeres na bolanha. Organiza colunas de reabastecimento civil e militar, executa pequenos trabalhos de limpeza e manutenção, faz recolha de lenhas etc. Sem periodicidade determinada, tanto pode acontecer duas vezes na mesma semana como a espaços de quinze dias, há um serviço cuja ordem de acção emana directamente da Rep Oper. Esse, é a doer. Por norma, com uma antecedência de dois ou três dias, aí pelo meio da tarde, transmissões e criptografia entram em acção. Encafuados no seu cubículo, recebem e decifram uma sequência interminável de pi-pi-pis que desperta a curiosidade irresistível do pessoal. Querem dar fé do que lá vem, eis a razão do rodopio à volta do edifício do Comando.
São dez da noite. Na messe, reina uma falsa descontracção, uma indiferença aparente. No rosto tenso dos furriéis, leio sinais de compreensível ansiedade. Falei com eles antes de jantar, já sabem ao que vamos. Recomendação do costume: O segredo é a alma do negócio. Como se isso fosse possível! O pessoal há-de ser acordado à última da hora. Os que forem à cama. Faço uma retirada estratégica. Trancado nos meus aposentos, miro e remiro cartas e planos até os olhos me doerem. Também eu estou ansioso, não me sinto apavorado mas receio não conseguir descansar a ponta de um corno. Já passa das duas. Terei ainda tempo para um sono povoado de pesadelos?
Contrariando as Népes, a cantina mantém-se aberta noite fora. A malta afoga as borboletas do estômago com chá da Escócia. O Neves tem-no lá e do bom, importado directamente para as FA. Uma suecada, quiçá uma lerpazinha e umas cigarradas ajudam a queimar as horas. Hão-de implicar uns com os outros, contar piadas sem graça e soltar coriscadas à moda açoriana. Mais para a frente, talvez façam uma patuscada com o espólio da caça ao tesouro; dois especialistas surripiaram uma lata com cinco quilos de chouriço em azeite da arrecadação do vagomestre Prates(***). Na hora do embarque estarão tensos como o aço, prontos para o que der e vier.
Os filhos são como os dedos da mão, temos cinco e nenhum é igual. Por estranho que pareça, tenho para com estes rapazes que são praticamente da minha idade, uma relação de grande afectividade. Não será propriamente uma ligação do tipo pai-filhos, mas anda lá perto. Sinto-me responsável por eles, gosto deles. Foram-me entregues pelas famílias, ensinei-lhes tudo o que aprendi em Mafra, acompanhei-os nesta viagem a África, acalmei-lhes angústias e incertezas, escondi-lhes os meus medos para que o não tivessem, prometi levá-los de volta. Como os filhos, são todos diferentes. O tempo, a convivência e os apertos, vão revelando o que de melhor ou menos bom existe em cada um deles.
Picaroto, vinte anos, matulão, dispara o morteirete em andamento como quem dedilha uma viola. O Dutra é um tipo especial. O traço dominante da sua personalidade talvez seja a bonomia, parece um Buda menino. Tão humilde e educado, não há outro. Sempre disponível, a sua presença transmite confiança ao grupo.
Não é o mesmo, ultimamente. Anda triste, meio introvertido contrariamente à sua natureza. Consome-o a lembrança do pai falecido nos Estados Unidos, vítima de acidente de viação. Recebeu a trágica notícia em Madina Fula, quando preparávamos a festa de Natal do ano passado. Penso que tem saudades da restante família, emigrada na América, à qual deseja juntar-se tão depressa passe à peluda.
Alta madrugada, dois porradões na porta fazem-me saltar na tarimba.
- O que é, caralho? Pergunto, estremunhado.
- Meu alferes, temos um problema. Tem de vir ali à cantina, responde-me o furriel Tavares.
Pela hora e pelo inusitado da intimação, o coração dá-me um baque. Penso numa desordem com fartum de pancadaria, um acidente qualquer. De um pulo, ponho-me a pé e, enquanto caminho, o furriel pinta-me a cena.
O quadro é dramático. No chão de cimento, jaz inerte o corpo do Dutra. À sua volta, em lágrimas, os camaradas contemplam-no com olhar incrédulo. Peço-lhes que se retirem. Por uns instantes ficámos a sós. Ajeito-lhe as mãos sobre o peito. Tranquilo, parece sorrir. Acho que o ouço dizer: - Não se incomodem comigo, eu estou bem.
Despeço-me com uma prece silenciosa e rogo-lhe que mantenha o seu posto no nosso GC. Encontrado um local com um mínimo de dignidade onde depor o corpo do nosso malogrado amigo, aí o deixamos, amortalhado num simples lençol. Na volta, cuidaremos dele, como merece.
São 05h50, está a clarear e já se ouve o roncar dos hélis. Um a um, os Alouettes pousam, recebendo um contingente de cinco homens cada. Descolam rapidamente e, progredindo em fila indiana, conduzem-nos a destino pouco seguro. Lá no céu, encomendamo-nos à Senhora do bom regresso. É meu privilégio seguir na primeira leva. Agora é só dar gás às máquinas!
O Dutra não fumava nem bebia. Como os outros, foi até à cantina para não sentir o passar do tempo. Aí, encontrou o seu amigo Araújo, micaelense da Ribeirinha, atirador de LGF. Bom rapaz, um tanto rezingão, mete uns copos em vésperas de saída. Entabulam dois dedos de conversa. Como o camarada se mantivesse murcho, o Araújo desata a provocá-lo. Na paródia, empunha a Walter que usa para defesa pessoal. Em jeito de saque à cow-boy, o cão fica preso na banda do dólmen, recua mas não o suficiente para ficar no trinco. No instante seguinte, o Dutra cai, desamparado, com o coração trespassado por uma bala de 9mm. Não teve tempo nem forças para um ai.
Foi há trinta e sete anos.
Obs: Do ponto de vista disciplinar e criminal, o Araújo safou-se. O processo foi conduzido de modo a não lhe tolher a vida. Foi sancionado pela própria consciência, pela mágoa e certamente pelo remorso. Pagou caro (ainda estará a pagar?) por uma estúpida brincadeira. Emigrou para o Canadá.
(*) As obras foram efectivamente realizadas! Cozinha e refeitório, construídos de raiz com blocos fabricados pelo nosso pessoal, e coberturas requalificadas, como agora é uso dizer-se. Durante a fase de execução, tivemos uma visita do General Spínola.
(**) Um desses homens acabou por falecer muito jovem. Suspeito que terá sido uma das primeiras vítimas do VIH registadas no nosso país.
(***) O furriel Prates, chaparrão de gema, era um deixa andar. Passava umas semanadas em Bissau e regressava de mãos a abanar.
- Meu capitão, não chegou qualquer reabastecimento da metrópole, era o seu rebatido argumento. Nem uma simples folhinha de alface! Atraía raivas, mas nunca quinou. Tive notícia de que faleceu pouco depois da passagem à disponibilidade. Paz à sua alma.
__________
Vd. poste de 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz
Prezados amigos, camaradas e visitantes;
Caros editores,
Para o vosso sapatão, aqui vai mais uma das minhas histórias. Não sei se devido à quadra que estamos a atravessar, ou porque os velhos se tornam sentimentalões, não consegui fugir ao tema (Natal) nem às minhas memórias. Esta, está tão fresca que me interrogo se os factos narrados ocorreram há quase quatro décadas ou na passada semana. Chamo-lhe conto, mas dado que mexe com acontecimentos reais, construí-a segundo uma estrutura aparentada com a da narrativa. Acho eu, porque não sou muito entendido nessa área. Por isso usei e abusei do modo presente.
Desde já, obrigado pela atenção que quiserem dispensar ao meu escrito e Boas Festas.
Um conto (triste) de Natal
Ao meio dia, o sol impiedoso dos trópicos é avaro quanto a sombras. Como se fossem agulhas, os seus raios trespassam-nos a pele que se defende produzindo rios de suor. Toma-se a chuveirada da ordem e logo a camisette fica uma sopa. Sob uma atmosfera quase irrespirável devido ao calor e humidade sufocantes, homens e animais disputam qualquer nesga de frescura. Aos meus pés passa um lagarto em passo de corrida. Pára subitamente, parecendo hesitar quanto ao rumo. Três flexões rápidas, azimute a uma frondosa mangueira e aí vai ele tronco acima, fugindo à torreira. O desconforto rouba-nos o alento, corrói o moral. Entediado, mantenho uma conversa de chacha com um camarada das transmissões enquanto aguardo a chamada para o almoço.
A parada é um belo largo de terra batida, atravessado no sentido norte-sul pela estrada Farim-Mansabá. Do lado direito de quem sobe, situa-se um abarracamento esquálido coberto a chapas de zinco ferrugento, semi-arrancadas dos cibes e mais esburacadas do que um passe-vite. Alberga uma cozinha onde no meio da maior badalhoquice se enjorcam os mimos do cardápio: Do primeiro ao último de cada mês, batata cozida com cavala de conserva, tripas de vaca holandesa com feijão e gorgulhos e, em dias de cerimónia, estilhaços com esparguete. Contíguos, ficam um chiqueiro que serve de refeitório, a caserna das praças e o paiol. Tenho andado a pensar numas obras de fundo, vou falar nisso à rapaziada(*).
À esquerda, situa-se a única edificação digna desse nome. Trata-se de uma construção rectangular, semienterrada no solo, com paredes erigidas em adobe. Construída perpendicularmente à estrada, apresenta do lado norte um alpendre corrido sob o qual se encontram as entradas para a secretaria, catacumba das transmissões e criptografia, suite do capitão e camarata dos alferes. No topo Oeste, as instalações sanitárias para uso exclusivo da hierarquia. O tecto, dotado de um reforço à base de robustos troncos de palmeira sobre os quais assenta uma camada de cerca de 30cm de material inerte, confere uma razoável protecção aos locatários. Nas traseiras, igualmente protegidas das canhoadas do IN por uma fileira de bidons cheios de terra, fica o espaldão do oitenta e um. Lá mais atrás, a cantina e o furo que abastece a tropa com água potável, tendo ao lado um palanque que suporta o depósito sob o qual se encontra o balde de crivo dos banhos gerais. Este é também um local de derriço, onde certos camaradas(**) se deixaram surpreender pela calada da noite a brincar ao jogo quem apanha o sabonete? Em frente, o mastro da bandeira e no mesmo enfiamento, um campo de volley que tive a honra de construir com os ensinamentos colhidos na universidade de Champigny-sur-Marne. Ao fundo, junto ao arame farpado e de costas para a tabanca, fica a messe de sargentos e oficiais, casino, discoteca e local de eventos.
Aquartelamento do K3. Aqui permaneceu a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vitor Junqueira, durante boa parte da sua comissão.
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.
São 12h30. Manuel dos Santos, o corneteiro/despenseiro faz-me sinal para avançar.
Esta manhã fui à caça, estreei uma Winchester. Numa pedreira aqui perto, abati quatro tchócas. Nunca percebi porque é que os nativos se recusam a consumir estas aves, muito semelhantes à perdiz europeia. Vamos lá a ver como é que está o petisco que o Manel confeccionou. Como não chega para todos, ficou reservado para o dente do maior e alferes, os outros terão de contentar-se com o cheiro.
Na secretaria, depois da feijoada do almoço, faz-se por fazer qualquer coisa. Um Primeiro, dois Segundos e o seu escriba, torcem e retorcem números para que dêem certo, retocam ofícios para que pareçam fidedignos, batem-se valentemente em duelos de bocejos.
Abanco numa das cadeiras de balouço situados sob o alpendre. Do meu posto de relax, escuto o zumbido da ventoinha do quarto dos alferes, ligada no máximo, convidando-me para a real soneca da tarde. Felizmente, há certos dias nesta puta de guerra em que não se faz raspas!
Quatro e meia, o calor é muito. A esta hora, ainda assa canas na rua, e à sombra também! Desperto, meio obnubilado começo a fazer planos para a tarde: Banhoca, uma coca fresquinha e duas kingalhadas até à hora de jantar.
No meu campo de visão, passa um pronto. Como um zombie, braços caídos, olhar distante, passadas lentas, vai arrastando, as botas no pó revolvido pelas rodas das viaturas. Aparentemente sem destino nem propósito, faz-me lembrar um jagudi pairando sobre o seu território de caça. E de morte. À esquina do bloco, faz meia volta à esquerda e desaparece nas traseiras. Mal este se eclipsa, logo outro lhe segue a peugada, numa espécie de dança que se há-de prolongar até à hora das lavadeiras.
As rotinas desta companhia, são idênticas às de qualquer outra: Vigilância e defesa das instalações, acções de patrulhamento dentro da respectiva ZA, protecção às populações nos seus afazeres na bolanha. Organiza colunas de reabastecimento civil e militar, executa pequenos trabalhos de limpeza e manutenção, faz recolha de lenhas etc. Sem periodicidade determinada, tanto pode acontecer duas vezes na mesma semana como a espaços de quinze dias, há um serviço cuja ordem de acção emana directamente da Rep Oper. Esse, é a doer. Por norma, com uma antecedência de dois ou três dias, aí pelo meio da tarde, transmissões e criptografia entram em acção. Encafuados no seu cubículo, recebem e decifram uma sequência interminável de pi-pi-pis que desperta a curiosidade irresistível do pessoal. Querem dar fé do que lá vem, eis a razão do rodopio à volta do edifício do Comando.
São dez da noite. Na messe, reina uma falsa descontracção, uma indiferença aparente. No rosto tenso dos furriéis, leio sinais de compreensível ansiedade. Falei com eles antes de jantar, já sabem ao que vamos. Recomendação do costume: O segredo é a alma do negócio. Como se isso fosse possível! O pessoal há-de ser acordado à última da hora. Os que forem à cama. Faço uma retirada estratégica. Trancado nos meus aposentos, miro e remiro cartas e planos até os olhos me doerem. Também eu estou ansioso, não me sinto apavorado mas receio não conseguir descansar a ponta de um corno. Já passa das duas. Terei ainda tempo para um sono povoado de pesadelos?
Contrariando as Népes, a cantina mantém-se aberta noite fora. A malta afoga as borboletas do estômago com chá da Escócia. O Neves tem-no lá e do bom, importado directamente para as FA. Uma suecada, quiçá uma lerpazinha e umas cigarradas ajudam a queimar as horas. Hão-de implicar uns com os outros, contar piadas sem graça e soltar coriscadas à moda açoriana. Mais para a frente, talvez façam uma patuscada com o espólio da caça ao tesouro; dois especialistas surripiaram uma lata com cinco quilos de chouriço em azeite da arrecadação do vagomestre Prates(***). Na hora do embarque estarão tensos como o aço, prontos para o que der e vier.
Os filhos são como os dedos da mão, temos cinco e nenhum é igual. Por estranho que pareça, tenho para com estes rapazes que são praticamente da minha idade, uma relação de grande afectividade. Não será propriamente uma ligação do tipo pai-filhos, mas anda lá perto. Sinto-me responsável por eles, gosto deles. Foram-me entregues pelas famílias, ensinei-lhes tudo o que aprendi em Mafra, acompanhei-os nesta viagem a África, acalmei-lhes angústias e incertezas, escondi-lhes os meus medos para que o não tivessem, prometi levá-los de volta. Como os filhos, são todos diferentes. O tempo, a convivência e os apertos, vão revelando o que de melhor ou menos bom existe em cada um deles.
Picaroto, vinte anos, matulão, dispara o morteirete em andamento como quem dedilha uma viola. O Dutra é um tipo especial. O traço dominante da sua personalidade talvez seja a bonomia, parece um Buda menino. Tão humilde e educado, não há outro. Sempre disponível, a sua presença transmite confiança ao grupo.
Não é o mesmo, ultimamente. Anda triste, meio introvertido contrariamente à sua natureza. Consome-o a lembrança do pai falecido nos Estados Unidos, vítima de acidente de viação. Recebeu a trágica notícia em Madina Fula, quando preparávamos a festa de Natal do ano passado. Penso que tem saudades da restante família, emigrada na América, à qual deseja juntar-se tão depressa passe à peluda.
Alta madrugada, dois porradões na porta fazem-me saltar na tarimba.
- O que é, caralho? Pergunto, estremunhado.
- Meu alferes, temos um problema. Tem de vir ali à cantina, responde-me o furriel Tavares.
Pela hora e pelo inusitado da intimação, o coração dá-me um baque. Penso numa desordem com fartum de pancadaria, um acidente qualquer. De um pulo, ponho-me a pé e, enquanto caminho, o furriel pinta-me a cena.
O quadro é dramático. No chão de cimento, jaz inerte o corpo do Dutra. À sua volta, em lágrimas, os camaradas contemplam-no com olhar incrédulo. Peço-lhes que se retirem. Por uns instantes ficámos a sós. Ajeito-lhe as mãos sobre o peito. Tranquilo, parece sorrir. Acho que o ouço dizer: - Não se incomodem comigo, eu estou bem.
Despeço-me com uma prece silenciosa e rogo-lhe que mantenha o seu posto no nosso GC. Encontrado um local com um mínimo de dignidade onde depor o corpo do nosso malogrado amigo, aí o deixamos, amortalhado num simples lençol. Na volta, cuidaremos dele, como merece.
São 05h50, está a clarear e já se ouve o roncar dos hélis. Um a um, os Alouettes pousam, recebendo um contingente de cinco homens cada. Descolam rapidamente e, progredindo em fila indiana, conduzem-nos a destino pouco seguro. Lá no céu, encomendamo-nos à Senhora do bom regresso. É meu privilégio seguir na primeira leva. Agora é só dar gás às máquinas!
O Dutra não fumava nem bebia. Como os outros, foi até à cantina para não sentir o passar do tempo. Aí, encontrou o seu amigo Araújo, micaelense da Ribeirinha, atirador de LGF. Bom rapaz, um tanto rezingão, mete uns copos em vésperas de saída. Entabulam dois dedos de conversa. Como o camarada se mantivesse murcho, o Araújo desata a provocá-lo. Na paródia, empunha a Walter que usa para defesa pessoal. Em jeito de saque à cow-boy, o cão fica preso na banda do dólmen, recua mas não o suficiente para ficar no trinco. No instante seguinte, o Dutra cai, desamparado, com o coração trespassado por uma bala de 9mm. Não teve tempo nem forças para um ai.
Foi há trinta e sete anos.
Obs: Do ponto de vista disciplinar e criminal, o Araújo safou-se. O processo foi conduzido de modo a não lhe tolher a vida. Foi sancionado pela própria consciência, pela mágoa e certamente pelo remorso. Pagou caro (ainda estará a pagar?) por uma estúpida brincadeira. Emigrou para o Canadá.
(*) As obras foram efectivamente realizadas! Cozinha e refeitório, construídos de raiz com blocos fabricados pelo nosso pessoal, e coberturas requalificadas, como agora é uso dizer-se. Durante a fase de execução, tivemos uma visita do General Spínola.
(**) Um desses homens acabou por falecer muito jovem. Suspeito que terá sido uma das primeiras vítimas do VIH registadas no nosso país.
(***) O furriel Prates, chaparrão de gema, era um deixa andar. Passava umas semanadas em Bissau e regressava de mãos a abanar.
- Meu capitão, não chegou qualquer reabastecimento da metrópole, era o seu rebatido argumento. Nem uma simples folhinha de alface! Atraía raivas, mas nunca quinou. Tive notícia de que faleceu pouco depois da passagem à disponibilidade. Paz à sua alma.
__________
Vd. poste de 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz
Guiné 63/74 - P3584: Recortes de Imprensa (10): Os ficheiros secretos de Coutinho e Lima, no Correio da Manhã, de 7/12/08
Capa da revista Domingo, suplemento do Correio da Manhã, edição nº 10 782, de 7 de Dezembro de 2008. Tema: Derrota à vista na Guiné. Reportagem do jornalista José Carlos Marques, o único jornalista da imprensa escrita portuguesa que acompanhou os trabalhos do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008), incluindo a visita dos participantes ao Cantanhez, no sul, na Região de Tombali (1 a 3 de Março de 2008) (*).
Imagem (digitalizada e editada por L.G.): Correio da Manhã (2008) (com a devida vénia...)
1. Eis alguns dos excertos do trabalho jornalístico do José Carlos Marques:
"Em 1973, a guerra na Guiné atinge um ponto crítico. A acta da reunião de Comandos de 15 de Maio mostra a descrença de Spínola e dos seus militares na hipótese de vitória.
"Encontramo-nos, indiscutivelmente, na entrada de um novo patamar da guerra. Bissau, 15 de Maio de 1973. O general Spínola, comandante militar e político da Guiné, fala perante os comandos militares, numa reunião convocada por si. A reunião de Comandos tinha por objectivo fazer o ponto de situação da guerra da Guiné. Spínola ouviu os seus homens repetir o que já sabia – o inimigo estava cada vez mais forte e as tropas portuguesas sentiam dificuldades crescentes em travar o avanço do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
(...) "Na acta da reunião, que recebeu o carimbo 'muito secreto', pode ler-se o diagnóstico do homem que liderava as tropas portuguesas na Guiné: 'Afiguram-se-nos manifestamente insuficientes os meios actuais face à evolução verificada, pois considero demonstrada à evidência a impossibilidade de alterar a manobra para economizar meios, sem grave compromisso da missão'.
"A 15 de Maio, o Norte da Guiné está a ferro e fogo. Desde o dia 8 desse mês que o quartel de Guidaje fica cercado pelo PAIGC, que fustiga a base militar com uma violência nunca vista. Os 200 homens da guarnição defendem-se de 700 guerrilheiros bem armados. O apoio aéreo é limitado pelos ataques com mísseis terra-ar Strella, de fabrico russo – o PAIGC abate aviões FIAT G-91, Dornier e helicópteros. O comando vê-se obrigado a deslocar para a região todos os reforços disponíveis, conseguindo impedir a queda da guarnição ao final de um sangrento mês de combates. Uma vitória provisória, só possível devido à operação ‘Ametista Real’, em que o corpo de comandos atacou a base da guerrilha em Cumbamori, no Senegal, cortando as linhas de abastecimento que possibilitavam o cerco a Guidaje. Mas o pior ainda estaria para vir, com a perda da guarnição de Guileje, no Sul da Guiné, a 22 de Maio.
"Os militares sabiam que não havia já condições para travar o PAIGC. Um dos participantes na reunião de 15 de Maio, o brigadeiro Alberto da Silva Benazol, Comandante Territorial Independente da Guiné, fala das dificuldades de retirar feridos e mortos do teatro de operações. 'Temos de encarar o aumento do número de mortos', diz, avisando ainda que 'há que estar-se preparado para a utilização de cemitérios de unidade e, portanto, haverão os familiares na Metrópole de estar preparados para aceitar que nem sempre será possível receberem os restos mortais dos seus heróis, em prazo curto e na forma em que se tem processado'.
"O brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional, admitia o risco da perda de várias guarnições: 'o inimigo está a preparar as necessárias condições para a conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de acesso (Guidaje, Buruntuma, Guileje e Gadamael) (...) isto já está ao alcance das suas possibilidades militares'. O mesmo militar avisa que 'não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa'.
(...) "Gauldino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, que já tinha descrito ao pormenor as extremas limitações de voo desde que as aeronaves começaram a ser abatidas por mísseis terra-ar, (...) numa única folha, listou os meios de que precisava: 8 aviões Skyvian, de transporte ligeiro, 5 helicópteros, 12 aviões Mirage ou de tipo semelhante, novos radares e mísseis terra-ar do tipo Red-eye (o PAIGC começava também a usar meios aéreos próprios). Na prática, isto queria dizer que praticamente toda a aviação seria substituída – um pedido que sabiam ser incomportável para Lisboa, agravado pelo facto de ser cada vez mais difícil a Portugal comprar armamento, devido à contestação internacional à guerra.
"O governo de Marcello Caetano estava informado do que se passava na Guiné, mas não foram enviados reforços (...).
"A perda de Guileje marca um ponto de viragem na guerra, mas o único comandante português que abandonou uma guarnição durante a Guerra Colonial não se arrepende de nada: 'Em consciência fiz o que devia ser feito', escreve Coutinho e Lima no livro ‘A Retirada de Guileje’, que vai ser lançado em Lisboa no próximo dia 13 de Dezembro.
"Trinta e cinco anos depois, o coronel de artilharia do Exército conta o que o levou a sair – com 200 soldados e 500 civis – de uma base crucial para cortar as linhas de abastecimento do PAIGC na Guiné-Conacri. A decisão valeu-lhe um ano de prisão preventiva em Bissau, por ordem do general Spínola, e um processo na justiça militar que se extinguiu com o arquivamento, após o 25 de Abril.
(...) "A ARMA QUE MUDOU O CURSO DA GUERRA
"Em 1972, o PAIGC recebeu uma prenda valiosa da União Soviética. O míssel terra-ar Strella acabou com a supremacia aérea dos portugueses. A arma é usada pela primeira vez em Março de 1973. Após dois sustos sem consequências, a 25 de Março o Fiat G-91, pilotado pelo tenente Pessoa, é abatido. Seguem-se uma série de tiros certeiros. O impacto dos Strella é brutal. Os soldados deixam de ter apoio aéreo e as operações helitransportadas ficam em xeque. Sem possibilidades de reabastecimentos e com dificuldades de retirada de mortos e feridos, a moral das tropas cai a pique.
"OFENSIVA EM TRÊS FRENTES DÁ VANTAGEM AO PAIGC
Maio de 1973 foi terrível para os militares portugueses na Guiné. Sedentos de vingar a morte de Amílcar Cabral – assassinado [em Conacri] em Março – os líderes do PAIGC planeiam uma grande operação no Norte e no Sul do território. Soube-se recentemente que os ataques deveriam ter ocorrido ao mesmo tempo, mas o cerco à base de Guidaje, no Norte da Guiné, começou mais cedo por os portugueses terem detectado movimentações da guerrilha. Guidaje esteve cercada entre 8 de Maio e 8 de Junho, obrigando o comandante-chefe a mobilizar para lá todos os reforços de que dispunha. Quando começa o assalto a Guileje, no Sul, não há tropas disponíveis para o apoio. Os ataques são liderados por Nino Vieira, comandante do PAIGC para a zona Sul. A operação Amílcar Cabral – designação escolhida em homenagem ao líder assassinado dois meses antes – começa no dia 18 de Maio e o quartel cai a 22, com dois mortos do lado português. Uma coluna de soldados e civis retira para Gadamael, que fica debaixo de fogo durante vários dias. Entre 31 de Maio e 2 de Junho caíram 700 granadas, fazendo 5 mortos.
"Sem abrigos eficazes, centenas de soldados fogem para a selva, e só a chegada de novos comandantes e, no dia 12, de reforços, salvam Gadamael de sofrer o mesmo destino da guarnição de Guileje.
"As fragilidades das tropas portuguesas são evidentes. Só o 25 de Abril permite evitar uma derrota militar na guerra da Guiné". (...)
Guiné-Bissau > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Depois de um excelente almoço, de carne e peixe, na praia piscatória de Cananime, os visitantes deram um salto, de barco a motor, à outra margem do Rio Cacine, justamente para visitar a povoação de Cacine. O jornalista do Correio da Manhã, José Carlos Marques, foi um dos privilegiados elementos desse grupo... Ei-lo aqui de regresso ao barco... Conheci-o nessa altura, da minha viagem de regresso à Guiné. Sempre atento, discreto e afável.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Coutinho e Lima, depois de ser homenageado pela antiga população de Guileje (que hoje vive em Mero), deixa-se fotografar no recinto do antigo aquartelamento, com o traje de home sábio, a chabadora, que lhe impuseram...
Segundo ele me confidenciou na altura, a população de Guileje estava relutante em abandonar os seus haveres, a sua tabanca, as suas moranças... A verdade é que, ao fim de cinco dias a viver nos abrigos, a população local (cerca de meio milhar de pessoas) e os militares portugueses (c. 200), sem água, sem transmissões, sem apoio aéreo, com um morto, e com a artilharia a acertar em cheio nas instalações de superfície, dificilmente poderia resistir muito mais tenpo...
Foi talvez uma das decisões mais difíceis da sua vida e, ao tomá-la, o então major, comandante do COP5 , sabia que punha fim à sua carreira militar, como aqui confessa na entrevista ao jornalista do Correio da Manhã. Ao escrever o livro A retirada de Guileje: a verdade dosfactos (que será apresentado no próximo sábado, dia 13, no auditório da Academia Militar, na Amadora), o actual coronel de artilharia reformado seguiu a máxima do nosso blogue, de que é membro: "Não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti"...
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
2. Entrevista de Coutinho e Lima ao jornalista José Carlos Marques
(...) "O que o levou a escrever um livro sobre a retirada de Guileje? (**)
"A minha prioridade foi dar a conhecer aos meus filhos e netos e a toda a gente o que se passou naquela odisseia de Maio de 1973 em Guileje. Quis que essa história ficasse escrita.
"Guarda algum sentimento de injustiça em relação ao que se passou?
"É evidente que sim. A quente, até posso compreender a decisão do general Spínola de me mandar prender, mas depois não quiseram ter a capacidade de estudar racionalmente a situação e verem que a retirada foi a melhor solução para toda a gente, até para o comandante-chefe, que não tinha possibilidades de resolver o problema.
"Nunca se arrependeu da decisão de abandonar Guileje?
"Não, nunca duvidei. Não havia hipótese de defesa, se tivéssemos lá ficado seríamos todos mortos.
"Sabia das consequências que ia sofrer?
"Quando saí, disse aos meus homens que a minha carreira militar tinha chegado ao fim. Pus a carreira de lado perante as centenas de pessoas que dependiam de mim".
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes
23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2674: Recortes de imprensa (3): José Carlos Marques, do Correio da Manhã, em Gandembel e Guileje, embeded nas NT
Vd. últimpo poste desta série > 4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3404: Recortes de imprensa (9): Em Gandembel - O adeus à Guerra (José Teixeira/César da Silva)
(**) Vd. poste de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3527: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (1): Lançamento do livro, 13/12/08, 17h, na Academia Militar, Amadora
(...)O livro A RETIRADA DE GUILEJE, edição de autor, não estará à venda nas livrarias; Coutinho e Lima está disponível para o enviar, pelo correio, para qualquer parte do Mundo. Aqui ficam os seus contactos:
- Rua TOMÁS FIGUEIREDO, nº. 2 - 2º. Esq. 1500 – 599 LISBOA
- Telefone: 217608243
- Telemóvel: 917931226
- Email: icoutinholima@gmail.com
Imagem (digitalizada e editada por L.G.): Correio da Manhã (2008) (com a devida vénia...)
1. Eis alguns dos excertos do trabalho jornalístico do José Carlos Marques:
"Em 1973, a guerra na Guiné atinge um ponto crítico. A acta da reunião de Comandos de 15 de Maio mostra a descrença de Spínola e dos seus militares na hipótese de vitória.
"Encontramo-nos, indiscutivelmente, na entrada de um novo patamar da guerra. Bissau, 15 de Maio de 1973. O general Spínola, comandante militar e político da Guiné, fala perante os comandos militares, numa reunião convocada por si. A reunião de Comandos tinha por objectivo fazer o ponto de situação da guerra da Guiné. Spínola ouviu os seus homens repetir o que já sabia – o inimigo estava cada vez mais forte e as tropas portuguesas sentiam dificuldades crescentes em travar o avanço do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
(...) "Na acta da reunião, que recebeu o carimbo 'muito secreto', pode ler-se o diagnóstico do homem que liderava as tropas portuguesas na Guiné: 'Afiguram-se-nos manifestamente insuficientes os meios actuais face à evolução verificada, pois considero demonstrada à evidência a impossibilidade de alterar a manobra para economizar meios, sem grave compromisso da missão'.
"A 15 de Maio, o Norte da Guiné está a ferro e fogo. Desde o dia 8 desse mês que o quartel de Guidaje fica cercado pelo PAIGC, que fustiga a base militar com uma violência nunca vista. Os 200 homens da guarnição defendem-se de 700 guerrilheiros bem armados. O apoio aéreo é limitado pelos ataques com mísseis terra-ar Strella, de fabrico russo – o PAIGC abate aviões FIAT G-91, Dornier e helicópteros. O comando vê-se obrigado a deslocar para a região todos os reforços disponíveis, conseguindo impedir a queda da guarnição ao final de um sangrento mês de combates. Uma vitória provisória, só possível devido à operação ‘Ametista Real’, em que o corpo de comandos atacou a base da guerrilha em Cumbamori, no Senegal, cortando as linhas de abastecimento que possibilitavam o cerco a Guidaje. Mas o pior ainda estaria para vir, com a perda da guarnição de Guileje, no Sul da Guiné, a 22 de Maio.
"Os militares sabiam que não havia já condições para travar o PAIGC. Um dos participantes na reunião de 15 de Maio, o brigadeiro Alberto da Silva Benazol, Comandante Territorial Independente da Guiné, fala das dificuldades de retirar feridos e mortos do teatro de operações. 'Temos de encarar o aumento do número de mortos', diz, avisando ainda que 'há que estar-se preparado para a utilização de cemitérios de unidade e, portanto, haverão os familiares na Metrópole de estar preparados para aceitar que nem sempre será possível receberem os restos mortais dos seus heróis, em prazo curto e na forma em que se tem processado'.
"O brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional, admitia o risco da perda de várias guarnições: 'o inimigo está a preparar as necessárias condições para a conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de acesso (Guidaje, Buruntuma, Guileje e Gadamael) (...) isto já está ao alcance das suas possibilidades militares'. O mesmo militar avisa que 'não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa'.
(...) "Gauldino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, que já tinha descrito ao pormenor as extremas limitações de voo desde que as aeronaves começaram a ser abatidas por mísseis terra-ar, (...) numa única folha, listou os meios de que precisava: 8 aviões Skyvian, de transporte ligeiro, 5 helicópteros, 12 aviões Mirage ou de tipo semelhante, novos radares e mísseis terra-ar do tipo Red-eye (o PAIGC começava também a usar meios aéreos próprios). Na prática, isto queria dizer que praticamente toda a aviação seria substituída – um pedido que sabiam ser incomportável para Lisboa, agravado pelo facto de ser cada vez mais difícil a Portugal comprar armamento, devido à contestação internacional à guerra.
"O governo de Marcello Caetano estava informado do que se passava na Guiné, mas não foram enviados reforços (...).
"A perda de Guileje marca um ponto de viragem na guerra, mas o único comandante português que abandonou uma guarnição durante a Guerra Colonial não se arrepende de nada: 'Em consciência fiz o que devia ser feito', escreve Coutinho e Lima no livro ‘A Retirada de Guileje’, que vai ser lançado em Lisboa no próximo dia 13 de Dezembro.
"Trinta e cinco anos depois, o coronel de artilharia do Exército conta o que o levou a sair – com 200 soldados e 500 civis – de uma base crucial para cortar as linhas de abastecimento do PAIGC na Guiné-Conacri. A decisão valeu-lhe um ano de prisão preventiva em Bissau, por ordem do general Spínola, e um processo na justiça militar que se extinguiu com o arquivamento, após o 25 de Abril.
(...) "A ARMA QUE MUDOU O CURSO DA GUERRA
"Em 1972, o PAIGC recebeu uma prenda valiosa da União Soviética. O míssel terra-ar Strella acabou com a supremacia aérea dos portugueses. A arma é usada pela primeira vez em Março de 1973. Após dois sustos sem consequências, a 25 de Março o Fiat G-91, pilotado pelo tenente Pessoa, é abatido. Seguem-se uma série de tiros certeiros. O impacto dos Strella é brutal. Os soldados deixam de ter apoio aéreo e as operações helitransportadas ficam em xeque. Sem possibilidades de reabastecimentos e com dificuldades de retirada de mortos e feridos, a moral das tropas cai a pique.
"OFENSIVA EM TRÊS FRENTES DÁ VANTAGEM AO PAIGC
Maio de 1973 foi terrível para os militares portugueses na Guiné. Sedentos de vingar a morte de Amílcar Cabral – assassinado [em Conacri] em Março – os líderes do PAIGC planeiam uma grande operação no Norte e no Sul do território. Soube-se recentemente que os ataques deveriam ter ocorrido ao mesmo tempo, mas o cerco à base de Guidaje, no Norte da Guiné, começou mais cedo por os portugueses terem detectado movimentações da guerrilha. Guidaje esteve cercada entre 8 de Maio e 8 de Junho, obrigando o comandante-chefe a mobilizar para lá todos os reforços de que dispunha. Quando começa o assalto a Guileje, no Sul, não há tropas disponíveis para o apoio. Os ataques são liderados por Nino Vieira, comandante do PAIGC para a zona Sul. A operação Amílcar Cabral – designação escolhida em homenagem ao líder assassinado dois meses antes – começa no dia 18 de Maio e o quartel cai a 22, com dois mortos do lado português. Uma coluna de soldados e civis retira para Gadamael, que fica debaixo de fogo durante vários dias. Entre 31 de Maio e 2 de Junho caíram 700 granadas, fazendo 5 mortos.
"Sem abrigos eficazes, centenas de soldados fogem para a selva, e só a chegada de novos comandantes e, no dia 12, de reforços, salvam Gadamael de sofrer o mesmo destino da guarnição de Guileje.
"As fragilidades das tropas portuguesas são evidentes. Só o 25 de Abril permite evitar uma derrota militar na guerra da Guiné". (...)
Guiné-Bissau > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Depois de um excelente almoço, de carne e peixe, na praia piscatória de Cananime, os visitantes deram um salto, de barco a motor, à outra margem do Rio Cacine, justamente para visitar a povoação de Cacine. O jornalista do Correio da Manhã, José Carlos Marques, foi um dos privilegiados elementos desse grupo... Ei-lo aqui de regresso ao barco... Conheci-o nessa altura, da minha viagem de regresso à Guiné. Sempre atento, discreto e afável.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Coutinho e Lima, depois de ser homenageado pela antiga população de Guileje (que hoje vive em Mero), deixa-se fotografar no recinto do antigo aquartelamento, com o traje de home sábio, a chabadora, que lhe impuseram...
Segundo ele me confidenciou na altura, a população de Guileje estava relutante em abandonar os seus haveres, a sua tabanca, as suas moranças... A verdade é que, ao fim de cinco dias a viver nos abrigos, a população local (cerca de meio milhar de pessoas) e os militares portugueses (c. 200), sem água, sem transmissões, sem apoio aéreo, com um morto, e com a artilharia a acertar em cheio nas instalações de superfície, dificilmente poderia resistir muito mais tenpo...
Foi talvez uma das decisões mais difíceis da sua vida e, ao tomá-la, o então major, comandante do COP5 , sabia que punha fim à sua carreira militar, como aqui confessa na entrevista ao jornalista do Correio da Manhã. Ao escrever o livro A retirada de Guileje: a verdade dosfactos (que será apresentado no próximo sábado, dia 13, no auditório da Academia Militar, na Amadora), o actual coronel de artilharia reformado seguiu a máxima do nosso blogue, de que é membro: "Não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti"...
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
2. Entrevista de Coutinho e Lima ao jornalista José Carlos Marques
(...) "O que o levou a escrever um livro sobre a retirada de Guileje? (**)
"A minha prioridade foi dar a conhecer aos meus filhos e netos e a toda a gente o que se passou naquela odisseia de Maio de 1973 em Guileje. Quis que essa história ficasse escrita.
"Guarda algum sentimento de injustiça em relação ao que se passou?
"É evidente que sim. A quente, até posso compreender a decisão do general Spínola de me mandar prender, mas depois não quiseram ter a capacidade de estudar racionalmente a situação e verem que a retirada foi a melhor solução para toda a gente, até para o comandante-chefe, que não tinha possibilidades de resolver o problema.
"Nunca se arrependeu da decisão de abandonar Guileje?
"Não, nunca duvidei. Não havia hipótese de defesa, se tivéssemos lá ficado seríamos todos mortos.
"Sabia das consequências que ia sofrer?
"Quando saí, disse aos meus homens que a minha carreira militar tinha chegado ao fim. Pus a carreira de lado perante as centenas de pessoas que dependiam de mim".
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes
23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2674: Recortes de imprensa (3): José Carlos Marques, do Correio da Manhã, em Gandembel e Guileje, embeded nas NT
Vd. últimpo poste desta série > 4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3404: Recortes de imprensa (9): Em Gandembel - O adeus à Guerra (José Teixeira/César da Silva)
(**) Vd. poste de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3527: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (1): Lançamento do livro, 13/12/08, 17h, na Academia Militar, Amadora
(...)O livro A RETIRADA DE GUILEJE, edição de autor, não estará à venda nas livrarias; Coutinho e Lima está disponível para o enviar, pelo correio, para qualquer parte do Mundo. Aqui ficam os seus contactos:
- Rua TOMÁS FIGUEIREDO, nº. 2 - 2º. Esq. 1500 – 599 LISBOA
- Telefone: 217608243
- Telemóvel: 917931226
- Email: icoutinholima@gmail.com
domingo, 7 de dezembro de 2008
Guiné 63/74 - P3583: O Perdigueiro, ou como um Pára cai numa armadilha (Hugo Guerra)
Estamos a publicar um comentário que o nosso camarada Hugo Guerra (*), fez no poste, Guiné 63/74 - P3559: Estórias do Zé Teixeira (30): Aquele Minuto (José Teixeira)
Zé
Só tu e poucos amigos me fazem saltar da apatia que cada vez mais toma conta de mim.
Depois de contar como foi o meu encontro com a mina que me lixou em São Domingos, e lendo agora o teu desabafo e crença em Deus por achares que ainda não era aquela a tua hora, o que muito respeito, vou contar um episódio que protagonizei, em Gandembel e ao qual surrealisticamente tenho catalogado na minha cabeça com o seguinte titulo:
O Perdigueiro
Num domingo de Dezembro de 1968 os Páras e os homens da CCaç 2317 envolveram-se num renhido jogo de futebol, dentro do arame, logo pela manhã.
A coisa estava tão animada que os sentinelas não se aperceberam da instalação dum guerrilheiro numa árvore da orla da mata e que com toda a calma deste mundo ia desfazendo o meu Pelotão com uma bazookada. A sorte deles foi estarem semi-abrigados junto à lenha e só apanharam com os estilhaços. Mesmo assim os estragos foram grandes.
A flagelação revelou-se ineficaz e ficamos com mais um problema; porque não funcionaram as nossas minas que deviam estar colocadas nos trilhos à volta do aquartelamento?
Vá de ir ver.
Com a raiva que estava, porque fiquei com menos alguns homens, dei por mim no dia seguinte enfiado naquele capim, com o dobro da minha altura, à caça das nossas armadilhas.
O Furriel destacado para as localizar, tinha um cróquis muito rústico e nem tenho a certeza que ele as tivesse colocado.
Bicha de pirilau. À frente o Furriel seguido de um soldado pára-quedista e logo a seguir eu.
O passeio era à volta do aquartelmento, mas tendo as granadas e minas sido instaladas na época seca eram agora um problema, porque toda a paisagem estava alterada.
A primeira granada com arame de tropoçar estava no síto e lá ficou.
De repente vejo o Pára estancar, como fazem os bons perdigueiros a fitar as perdizes e algo me disse que estava lixado.
Imaginem um homem com uma MG nas mãos, e com um pé assente no chão e outro meio no ar com um arame de tropeçar entalado nos atacadores.
Os segundos seguintes foram de loucura. O Furriel já tinha passado e também ficou estarrecido quando viu aquilo.
O perdigueiro tinha consciência do que estava a passar e depois de eu ter mandado todo pessoal proteger-se e recuar, olhámoss uns para os outros e ainda estávamos vivos.
Os três em conjunto combinámos o que fazer e decidimos salvar as nossas vidas.
Mortos já nós estávamos...
O Perdigueiro não podia mexer-se nem que chovessem picaretas, enquanto o Furriel e eu, deitados no chão agarrávamos o arame ao mesmo tempo e faziamos força para fora de modo a aliviar a tensão do mesmo e evitar que a granada rebentasse.
Em minutos, ou segundos, sei lá, isso estava feito e o nosso valente Pára conseguiu tirar o arame dos atacadores.
Como havia necessidade de cortar o arame no meio das nosas mãos para tentar evitar o descavilhar duma granada que não sabíamos de que lado estava, foi o soldado pára-quedista que o fez, só depois se deitando no chão a dar graças a Quem o salvara daquela embrulhada.
A granada foi depois localizada e neutralizada, só não tendo rebentado, porque as chuvas a tinham enferrujado.
Dei por terminada a operação e desliguei mais uma vez o interruptor...
A minha hora havia de chegar mais tarde.
Hugo Guerra
_______________
Notas de CV:
(*) Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55, Pel Caç Nat 50 e Pel Caç Nat 60, (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma
Vd. último poste de Hugo Guerra de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)
Zé
Só tu e poucos amigos me fazem saltar da apatia que cada vez mais toma conta de mim.
Depois de contar como foi o meu encontro com a mina que me lixou em São Domingos, e lendo agora o teu desabafo e crença em Deus por achares que ainda não era aquela a tua hora, o que muito respeito, vou contar um episódio que protagonizei, em Gandembel e ao qual surrealisticamente tenho catalogado na minha cabeça com o seguinte titulo:
O Perdigueiro
Num domingo de Dezembro de 1968 os Páras e os homens da CCaç 2317 envolveram-se num renhido jogo de futebol, dentro do arame, logo pela manhã.
A coisa estava tão animada que os sentinelas não se aperceberam da instalação dum guerrilheiro numa árvore da orla da mata e que com toda a calma deste mundo ia desfazendo o meu Pelotão com uma bazookada. A sorte deles foi estarem semi-abrigados junto à lenha e só apanharam com os estilhaços. Mesmo assim os estragos foram grandes.
A flagelação revelou-se ineficaz e ficamos com mais um problema; porque não funcionaram as nossas minas que deviam estar colocadas nos trilhos à volta do aquartelamento?
Vá de ir ver.
Com a raiva que estava, porque fiquei com menos alguns homens, dei por mim no dia seguinte enfiado naquele capim, com o dobro da minha altura, à caça das nossas armadilhas.
O Furriel destacado para as localizar, tinha um cróquis muito rústico e nem tenho a certeza que ele as tivesse colocado.
Bicha de pirilau. À frente o Furriel seguido de um soldado pára-quedista e logo a seguir eu.
O passeio era à volta do aquartelmento, mas tendo as granadas e minas sido instaladas na época seca eram agora um problema, porque toda a paisagem estava alterada.
A primeira granada com arame de tropoçar estava no síto e lá ficou.
De repente vejo o Pára estancar, como fazem os bons perdigueiros a fitar as perdizes e algo me disse que estava lixado.
Imaginem um homem com uma MG nas mãos, e com um pé assente no chão e outro meio no ar com um arame de tropeçar entalado nos atacadores.
Os segundos seguintes foram de loucura. O Furriel já tinha passado e também ficou estarrecido quando viu aquilo.
O perdigueiro tinha consciência do que estava a passar e depois de eu ter mandado todo pessoal proteger-se e recuar, olhámoss uns para os outros e ainda estávamos vivos.
Os três em conjunto combinámos o que fazer e decidimos salvar as nossas vidas.
Mortos já nós estávamos...
O Perdigueiro não podia mexer-se nem que chovessem picaretas, enquanto o Furriel e eu, deitados no chão agarrávamos o arame ao mesmo tempo e faziamos força para fora de modo a aliviar a tensão do mesmo e evitar que a granada rebentasse.
Em minutos, ou segundos, sei lá, isso estava feito e o nosso valente Pára conseguiu tirar o arame dos atacadores.
Como havia necessidade de cortar o arame no meio das nosas mãos para tentar evitar o descavilhar duma granada que não sabíamos de que lado estava, foi o soldado pára-quedista que o fez, só depois se deitando no chão a dar graças a Quem o salvara daquela embrulhada.
A granada foi depois localizada e neutralizada, só não tendo rebentado, porque as chuvas a tinham enferrujado.
Dei por terminada a operação e desliguei mais uma vez o interruptor...
A minha hora havia de chegar mais tarde.
Hugo Guerra
_______________
Notas de CV:
(*) Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55, Pel Caç Nat 50 e Pel Caç Nat 60, (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma
Vd. último poste de Hugo Guerra de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)
Guiné 63/74 - P3582: Cancioneiro de Bambadinca (2): Brito, que és militar... (Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 12, 1969/71)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca.
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > CCAÇ 12 > O Levezinho [ Tony] e o Henriques [ Luís Graça], à civil, junto às instalações do comando, das messes e dos quartos dos oficiais e sargentos (assinaladas na primeira foto de cima, em rectângulo a vermelho)
Foto: © António Levezinho (2006). Direitos reservados
1. Mensagem do nosso querido amigo e camarada Gabriel Gonçalves, enviada ao editor do blogue, Luís Graça, com conhecimento ao Tony Levezinho e ao Humberto Reis
Rapaziada: Lembrei-me deste fado que a malta cantava e que foi feito de homenagem ao 1º Brito [, da CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/72] ? (*)
Não tenho a certeza de quem foi o autor (ou autores) do poema, também não tenho a certeza que o poema esteja correcto, por isso agradeço que façam o favor de corrijir o que estiver mal.
Depois, era giro ser publicado no blogue,
Um abraço
GG
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, GG, é uma preciosidade... Agora acendeu-se uma luzinha nos meus neurónios.. Reconheço a letra, que julgo ser da lavra do Tony (talvez com a ajuda do Humberto, não sei)... O Fernando Brito mora (ou morava) em Coimbra, julgo que ainda seja vivo... Está reformado como major... O Durães publicou a lista do pessoal da CCS do BAQRT 2917 e subunidades adidas (onde se inclui a nossa CCAÇ 2590/ CCAÇ 12)...
Vou publicar na série Cancioneiro de Bambadinca. Ontem falei com o Abilio Machado, vou ver se me encontro com ele, antes do Natal. Mora na Maia. Telefone: 22 948 0783.
Tudo isto me faz recordar, com alguma saudade e muita emoção, as noites loucas de Bambadinca, no bar de sargentos ou no famoso quarto das putas, que era o meu, do Humberto, do Tony, do Fernandes, do Sousa e do Marques (**). Tu fostes sempre um gajo da corda. Quando não estavas de serviço, alinhavas com a malta, operacional, ajudando, também tu, a "dar de beber à dor"... Tu e o Bilocas (que pertencia à CCS do 1º Brito).
Bem hajas por teres salvo mais uma letra do nosso vasto cancioneiro de Bambadinca... Se alguém se lembrar, eventualmente, do resto dos versos (não sei se havia mais...), entre em contacto connosco. Muita da versalhada que cantávamos, fora de horas mas alto e bom som, nos nossos aquartelamentos, vai-se perder, por falta de registos em suporte de papel.
O Fernando Brito era um "senhor primeiro sargento", que se impunha não só pelo físico e pelo verbo fácil como pela tarimba ed pela autoridade... Tinha idade de ser nosso pai, era um homem esperto e sobretudo sedutor... Tinha uma cultura acima da média, se considerarmos o meio social de origem dos sargentos do quadro. Fazia questão de sublinhar que pertencia à arme de artilharia. Quando ouvímaos um disparo de obus, no Xime ou em Mansambo, comentava ele: "Lá se foi mais um fato"... Não sei por quê, criámos - os furriéis da CCAÇ 12, já velhinhos - uma relação de empatia com o nosso 1º Brito, dos periquitos da CCS do BART 2917...
A nossa CCAÇ 12 deixou de ter 1º Sargento (O Fragata foi tirar o curso de oficial em Águeda), sendo essas funções desempenhadas pelo nosso querido 2º Sargento José Manuel Rosado Piça, alentejano dos quatro costados, grande cúmplice, grande camarada, grande amigo... Tinha 37 ou 38 anos mas não se foi embora da Guiné sem levar o seu baptismo de fogo... Já no final, nos princípios de 1971, obrigámo-lo a ir ao Poindon, desenfurrejar as pernas e a G-3...
Um Alfa Bravo. Luís
3. Cancioneiro de Bambadinca (***)
BRITO, QUE ÉS MILITAR
Letra: Tony Levezinho/Humberto Reis (?)
Música: Fado "Povo que lavas no rio"
[Música: Fado Victoória; Letra: Pedro Homem de Melo; criação de Amália Rodrigues, 1961]
Brito, que és militar,
Que vieste p'rá Guiné,
Em mais uma comissão,
(Bis)
Na CCS ficaste,
Para aturar o Baldé,
A pedir-te patacão.
(Bis)
Fui ver à secretaria,
Por ouvir a gritaria
Que fazia confusão:
(Bis)
- Mim quer saco de bianda!
- Põe-te nas putas, desanda,
Que a mim cá têm patacão!
(Bis)
Filho da puta e sacana
É o que eles te chamam,
Tenho a mesma condição
(Bis).
- Mim quer saco de bianda!
- Põe-te nas putas, desanda,
Que a mim cá têm patacão.
(Bis)
FIM
Recolha da letra (sujeita a eventuais correcções): GG
Revisão e fixação do texto: LG
_____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)
FERNANDO BRITO, Major (na altura, 1º Sargento da CCS do BART 2917)
Telefone - 239 087 243 / Telemóvel - Não tem / E-Mail: Não tem
Morada:
Rua Mouzinho de Albuquerque, Bloco B12 – 1º Frt.
3030-063 COIMBRA
Vd. poste de 14 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1525: Tertúlia: Durães, Vinagre & Cª Lda, do BART 2917 (Humberto Reis)
(...) "Lembro-me perfeitamente do vosso 1º sargento, o Brito (até lhe fizemos um fado com a música do Povo Que Lavas no Rio), do alf de Intendência, o Abílio Machado (de Riba d'Ave, pois visitei-o lá em Riba d'Ave, já depois de vocês terem regressado da Guiné), do médico, o Dr. Vilar (já estive com ele num almoço de confraternização de malta de Bambadinca do tempo da CCAÇ 12).
"Lembro-me ainda de um furriel que gostava muito de jogar à lerpa (não o pequenino do Pel Daimler, que tinha metido o chico), mas da CCS, e que fazia muito bluff, pelo que eu o alcunhei de Zé Bliuf (não sei se seria o Gancho), tal como me lembro do 2º sargento Saúl que tinha umas faces bastante rosadas...
"Recordo-me bem do Cap Passos Marques, que é de Faro, tal como o antecessor dele, o meu querido amigo Cap Figueiras. Há 2 anos foi o actual coronel na reserva, Figueiras, que organizou o almoço da malta de Bambadinca do tempo da CCAÇ 12" (...).
(**) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1520: Bambadinca, CCS do BART 2917: Alferes Abílo Ferreira Machado, o Bilocas da Cooperativa (Humberto Reis)
(...) "És o mesmo que animou algumas noites no nosso quarto (também conhecido por quarto das putas, não por elas que não existiam, mas por ser um quarto de rebaldaria só habitado por gente bem: eu, o Tony Levezinho, o Joaquim Fernandes, o Henriques - hoje, Luís Graça, o editor do nosso blogue - e o José Luís Sousa - o madeirense -, em Bambadinca, juntamente com o Vacas de Carvalho, do pelotão Daimler, e o Gabriel Gonçalves, o cripto da minha CCAÇ 12 ?" (...).
(***) Vd. poste de 24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > CCAÇ 12 > O Levezinho [ Tony] e o Henriques [ Luís Graça], à civil, junto às instalações do comando, das messes e dos quartos dos oficiais e sargentos (assinaladas na primeira foto de cima, em rectângulo a vermelho)
Foto: © António Levezinho (2006). Direitos reservados
1. Mensagem do nosso querido amigo e camarada Gabriel Gonçalves, enviada ao editor do blogue, Luís Graça, com conhecimento ao Tony Levezinho e ao Humberto Reis
Rapaziada: Lembrei-me deste fado que a malta cantava e que foi feito de homenagem ao 1º Brito [, da CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/72] ? (*)
Não tenho a certeza de quem foi o autor (ou autores) do poema, também não tenho a certeza que o poema esteja correcto, por isso agradeço que façam o favor de corrijir o que estiver mal.
Depois, era giro ser publicado no blogue,
Um abraço
GG
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, GG, é uma preciosidade... Agora acendeu-se uma luzinha nos meus neurónios.. Reconheço a letra, que julgo ser da lavra do Tony (talvez com a ajuda do Humberto, não sei)... O Fernando Brito mora (ou morava) em Coimbra, julgo que ainda seja vivo... Está reformado como major... O Durães publicou a lista do pessoal da CCS do BAQRT 2917 e subunidades adidas (onde se inclui a nossa CCAÇ 2590/ CCAÇ 12)...
Vou publicar na série Cancioneiro de Bambadinca. Ontem falei com o Abilio Machado, vou ver se me encontro com ele, antes do Natal. Mora na Maia. Telefone: 22 948 0783.
Tudo isto me faz recordar, com alguma saudade e muita emoção, as noites loucas de Bambadinca, no bar de sargentos ou no famoso quarto das putas, que era o meu, do Humberto, do Tony, do Fernandes, do Sousa e do Marques (**). Tu fostes sempre um gajo da corda. Quando não estavas de serviço, alinhavas com a malta, operacional, ajudando, também tu, a "dar de beber à dor"... Tu e o Bilocas (que pertencia à CCS do 1º Brito).
Bem hajas por teres salvo mais uma letra do nosso vasto cancioneiro de Bambadinca... Se alguém se lembrar, eventualmente, do resto dos versos (não sei se havia mais...), entre em contacto connosco. Muita da versalhada que cantávamos, fora de horas mas alto e bom som, nos nossos aquartelamentos, vai-se perder, por falta de registos em suporte de papel.
O Fernando Brito era um "senhor primeiro sargento", que se impunha não só pelo físico e pelo verbo fácil como pela tarimba ed pela autoridade... Tinha idade de ser nosso pai, era um homem esperto e sobretudo sedutor... Tinha uma cultura acima da média, se considerarmos o meio social de origem dos sargentos do quadro. Fazia questão de sublinhar que pertencia à arme de artilharia. Quando ouvímaos um disparo de obus, no Xime ou em Mansambo, comentava ele: "Lá se foi mais um fato"... Não sei por quê, criámos - os furriéis da CCAÇ 12, já velhinhos - uma relação de empatia com o nosso 1º Brito, dos periquitos da CCS do BART 2917...
A nossa CCAÇ 12 deixou de ter 1º Sargento (O Fragata foi tirar o curso de oficial em Águeda), sendo essas funções desempenhadas pelo nosso querido 2º Sargento José Manuel Rosado Piça, alentejano dos quatro costados, grande cúmplice, grande camarada, grande amigo... Tinha 37 ou 38 anos mas não se foi embora da Guiné sem levar o seu baptismo de fogo... Já no final, nos princípios de 1971, obrigámo-lo a ir ao Poindon, desenfurrejar as pernas e a G-3...
Um Alfa Bravo. Luís
3. Cancioneiro de Bambadinca (***)
BRITO, QUE ÉS MILITAR
Letra: Tony Levezinho/Humberto Reis (?)
Música: Fado "Povo que lavas no rio"
[Música: Fado Victoória; Letra: Pedro Homem de Melo; criação de Amália Rodrigues, 1961]
Brito, que és militar,
Que vieste p'rá Guiné,
Em mais uma comissão,
(Bis)
Na CCS ficaste,
Para aturar o Baldé,
A pedir-te patacão.
(Bis)
Fui ver à secretaria,
Por ouvir a gritaria
Que fazia confusão:
(Bis)
- Mim quer saco de bianda!
- Põe-te nas putas, desanda,
Que a mim cá têm patacão!
(Bis)
Filho da puta e sacana
É o que eles te chamam,
Tenho a mesma condição
(Bis).
- Mim quer saco de bianda!
- Põe-te nas putas, desanda,
Que a mim cá têm patacão.
(Bis)
FIM
Recolha da letra (sujeita a eventuais correcções): GG
Revisão e fixação do texto: LG
_____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)
FERNANDO BRITO, Major (na altura, 1º Sargento da CCS do BART 2917)
Telefone - 239 087 243 / Telemóvel - Não tem / E-Mail: Não tem
Morada:
Rua Mouzinho de Albuquerque, Bloco B12 – 1º Frt.
3030-063 COIMBRA
Vd. poste de 14 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1525: Tertúlia: Durães, Vinagre & Cª Lda, do BART 2917 (Humberto Reis)
(...) "Lembro-me perfeitamente do vosso 1º sargento, o Brito (até lhe fizemos um fado com a música do Povo Que Lavas no Rio), do alf de Intendência, o Abílio Machado (de Riba d'Ave, pois visitei-o lá em Riba d'Ave, já depois de vocês terem regressado da Guiné), do médico, o Dr. Vilar (já estive com ele num almoço de confraternização de malta de Bambadinca do tempo da CCAÇ 12).
"Lembro-me ainda de um furriel que gostava muito de jogar à lerpa (não o pequenino do Pel Daimler, que tinha metido o chico), mas da CCS, e que fazia muito bluff, pelo que eu o alcunhei de Zé Bliuf (não sei se seria o Gancho), tal como me lembro do 2º sargento Saúl que tinha umas faces bastante rosadas...
"Recordo-me bem do Cap Passos Marques, que é de Faro, tal como o antecessor dele, o meu querido amigo Cap Figueiras. Há 2 anos foi o actual coronel na reserva, Figueiras, que organizou o almoço da malta de Bambadinca do tempo da CCAÇ 12" (...).
(**) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1520: Bambadinca, CCS do BART 2917: Alferes Abílo Ferreira Machado, o Bilocas da Cooperativa (Humberto Reis)
(...) "És o mesmo que animou algumas noites no nosso quarto (também conhecido por quarto das putas, não por elas que não existiam, mas por ser um quarto de rebaldaria só habitado por gente bem: eu, o Tony Levezinho, o Joaquim Fernandes, o Henriques - hoje, Luís Graça, o editor do nosso blogue - e o José Luís Sousa - o madeirense -, em Bambadinca, juntamente com o Vacas de Carvalho, do pelotão Daimler, e o Gabriel Gonçalves, o cripto da minha CCAÇ 12 ?" (...).
(***) Vd. poste de 24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)
Guiné 63/74 - P3581: A História dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (1): Apresentação e Chegada a Bissau
1. Mensagem de Vasco da Gama (*), ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, com data de 4 de Dezembro de 2008:
Mesmo agora, ao iniciar a minha prosa, depois de muito ter hesitado em expor a história da CCAV 8351, sinto-me um pouco nervoso e a fluidez com que os meus pensamentos me ocorrem, esbarram na dificuldade em lhes dar letra de forma.
Vou começar por me apresentar, pois assim será mais fácil entrar no ritmo.
Como disse no relato intitulado antes da Guiné, chamo-me Vasco Augusto Rodrigues da Gama, sou licenciado em Economia pela Universidade do Porto, nasci e moro actualmente na Figueira da Foz, embora tenha feito praticamente toda a vida em Coimbra, onde fui professor do Ensino Superior desde 1976 até 1999, primeiro e durante quatro anos no, hoje, designado Instituto Superior Miguel Torga, na altura Instituto Superior de Serviço Social, e depois durante cerca de vinte anos exerci funções docentes ininterruptamente no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra.
Paralelamente à actividade docente, fundei com outro economista em 1984 uma fábrica de cerâmica decorativa que exportava a quase totalidade da sua produção.
Entre 1999 e meados de 2007, após ter abandonado, a meu pedido, o ensino, dediquei-me a tempo inteiro à administração da fábrica, imitando os comandantes dos navios dos filmes que víamos na nossa meninice. Afundei-me com a nau, gosto mais assim e condiz mais com o meu nome, e desde então, aguardo que cheguem os 65 anos para ter direito à reforma, sem que de momento, tenha direito a emprego, pois aos sessenta e dois anos sou velho; nem subsídio de desemprego, pois fui arrais da lancha naufragada.
Como nunca chafurdei na gamela de nenhum partido político, vou aguardando com serenidade que seja suficientemente velho para que chegue a reforma. Julgo que, como antigo combatente, terei direito a um chorudo subsídio que fará de mim um homem rico, pois um rico homem sempre fui e continuarei a ser (é o que diz a minha mulher, companheira de um casamento que já dura há 38 anos).
Corria o ano de 1972, estava eu posto em sossego no RI7 de Leiria, cansado de jogar dados e crapeau, quando o oficial de operações me chamou ao seu gabinete e com um ar ainda mais desolado do que o que normalmente afivelava me disse:
- Gama, foi mobilizado. - Parou, olhou e como nada escutasse do Gama, acrescentou: -Para a GUINÉ.
Todos os que ainda vão tendo paciência para ler este meu arrazoado adivinharam a minha exclamação:
- ****-**!
E lá foi o Gama para o Regimento de Cavalaria n.º 3 em Estremoz, onde viu pela primeira vez os camaradas da CCAV 8351, que faziam a instrução juntamente com a CCAV 8350 que teve como destino Guileje e a CCAV 8352 que foi para (?).
A instrução já decorria desde o dia 10 de Julho e a chegada de um novo elemento causou natural estranheza, pelo que o estudo mútuo, entre a minha pessoa e os meus novos camaradas, foi um desafio interessante, com ambas as partes a jogarem o seu jogo, mas passados dias já não havia necessidade de fazer sempre cara de mau, tendo particularizado a minha atenção no desenvolver de laços de camaradagem entre todos, tentando fazer-lhes chegar os poucos conhecimentos que tinha acerca da Guiné e mostrando-lhes que a união era fundamental nos difíceis tempos que se avizinhavam. Atribuí o lema à nossa companhia que viria a ser baptizada de OS TIGRES, numa locução que identificava esse pensar: ET PLURIBUS UNUM. (**)
A semana de campo entre finais de Agosto e inícios de Setembro, cimentou entre todos nós a Confiança, o Respeito e a Tolerância, bases fundamentais para uma amizade vital para os tempos que se aproximavam e que ainda hoje funciona praticamente entre todos. Alguns episódios curiosos se passaram que não cabem nesta narrativa, mas sim no relato isolado de algumas historietas, que hoje nos fazem sorrir ou lamentar.
Terminada a instrução, gozámos umas férias de dez dias, preenchidos por uma ansiedade crescente, pelo entristecer da família, pelo aumento enorme dos silêncios entre o casal. A Guiné já se fazia sentir...
Regressados de férias e apresentados em Estremoz, recebemos no dia 25 de Setembro ordem para irmos para Portalegre, julgo que para o BC1, e aguardar embarque que se veio a verificar a 26 de Outubro.
Pela calada da noite, 23h00, seguimos de camioneta para a Base n.º 1 em Lisboa onde chegámos às três e meia da manhã. Ao meio-dia do dia seguinte a bordo de um avião dos TAM, que serviu de baptismo de voo à esmagadora maioria dos Tigres, e sem qualquer cerimónia de embarque, lá fomos nós… Acreditem que até essa data, nenhum profissional do exército me havia ensinado o que quer que fosse sobre a Guiné. Apenas e só, como já disse no primeiro texto que vos enviei, o Alf Beja Santos, era eu Soldado Cadete nos inícios de 1971, e ele comandante do meu pelotão, se referira à Guiné, sobretudo nos intervalos da instrução…
Nesta altura amadurece a primeira modificação na minha vida. De estudante para ir passando de ano, optando sempre por um bailarico, por uma boa lerpa jogada até de manhã, por uma jogatina de futebol em detrimento das frequências ou exames, encontro-me como aprendiz de Comandante de Companhia, a querer saber mais do que os professores me haviam ensinado. Dizia-me, com algum receio, o meu falecido pai, que havia pertencido à comissão de eleição para a Presidência da República do General Norton de Matos e mais tarde do General Humberto Delgado:
- Ó rapaz, não me digas que queres seguir a carreira militar.
Não se havia apercebido que o Vasquito era homem com grandes responsabilidades, responsabilidades essas que tinham modificado e de que maneira o seu modo de estar na vida.
- Deserta-se ou não, mulher?
- Vamos a isso - ajudava a minha, hoje, patroa! - Vamos para a Bélgica… O meu tio A arranja-nos emprego. Ou então para o Brasil, o teu tio João já te disse mil vezes para irmos ter com eles, inclusive arranja as passagens de um dia para o outro.
- E a minha mãe? - perguntava o Vasquito/Vasco!
A minha mãe, menina Adelaide, como foi sempre conhecida e ainda hoje é recordada, foi das primeiras pessoas operadas ao coração em Portugal, já lá vão cinquenta e cinco anos, e havia perdido, por doença, dois filhos que haviam nascido antes de mim e que eu não cheguei a conhecer, gozava de uma saúde precária e se o seu menino fugisse não mais o voltaria a ver, pois o meu pai não gozava da liberdade de um qualquer turista do regime.
Isto dava outra história!
E o que foi Soldado Cadete até meados de 1971, está um ano e picos depois feito Capitão e Comandante de Companhia com a responsabilidade de conduzir 150 homens, tendo sobre eles apenas a vantagem de ter estagiado quatro meses no leste de Angola, mais cinco anos de idade e pouco mais…
Chegámos ao Aeroporto de Bissalanca cerca das duas da tarde do dia 27 do mês de Outubro de 1972, seguindo toda a Companhia para o Cumeré onde recebeu o material de aquartelamento e fez durante três semanas a sua adaptação ao clima, treinando fundamentalmente o tiro, e acampando durante seis ou sete dias na região de NHACRA TEDA, fazendo diversos patrulhamentos diurnos e emboscadas nocturnas.
Em meados de Novembro desfilámos no C.M.I., perante o General Spínola que fez uma pequena alocução mais ou menos inflamada sobre o Soldado português mas que, de seguida se reuniu com todos os oficiais e sargentos permitindo uma abertura no diálogo onde, lembro-me como se fosse hoje, para além da minha pessoa um outro oficial bastante politizado, fruto da sua participação activa da crise estudantil de 1969 em Coimbra, onde cursava Direito, discordava das teses do Gen Spínola e onde, para arrepio de todos, manifestava a sua não concordância com um, enfim, demasiado à vontade. Termos como federalismo, solução política, PAIGC e outros eram trazidos à colação.
A CCAV 8351 cruzar-se-ia por diversas vezes com o Gen António de Spínola, como, se acharem que devo continuar, relatarei mais tarde.
Apenas uma nota de pé de página para a falta, pelo menos não tenho conhecimento de nenhum texto, do papel dos milicianos universitários no preparar da libertação do país. Muito gostava que da pena brilhante do Mário Beja Santos saísse um texto sobre, por exemplo, o que se passou em Mafra no segundo trimestre de 1971, ou será que já havia abandonado Mafra?
_______________
Notas de CV
(*) Vd. postes de:
11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3436: O Nosso Livro de Visitas (42): Vasco Augusto Rodrigues da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74
5 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3570: Tabanca Grande (102): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74
(**) Todos por um... Os Tigres passam a ser doravante designados por Tigres de Cumbijã (a cova que lhe coube no buraco da Guiné, algures na Região de Tombali, entre Mampatá e Guileje...). Em Guileje foram colocados, de finais de 1972 a 22 de Maio de 1973, os Piratas de Guileje (CCAV 8350).
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