domingo, 7 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3583: O Perdigueiro, ou como um Pára cai numa armadilha (Hugo Guerra)

Estamos a publicar um comentário que o nosso camarada Hugo Guerra (*), fez no poste, Guiné 63/74 - P3559: Estórias do Zé Teixeira (30): Aquele Minuto (José Teixeira)


Só tu e poucos amigos me fazem saltar da apatia que cada vez mais toma conta de mim.
Depois de contar como foi o meu encontro com a mina que me lixou em São Domingos, e lendo agora o teu desabafo e crença em Deus por achares que ainda não era aquela a tua hora, o que muito respeito, vou contar um episódio que protagonizei, em Gandembel e ao qual surrealisticamente tenho catalogado na minha cabeça com o seguinte titulo:


O Perdigueiro

Num domingo de Dezembro de 1968 os Páras e os homens da CCaç 2317 envolveram-se num renhido jogo de futebol, dentro do arame, logo pela manhã.
A coisa estava tão animada que os sentinelas não se aperceberam da instalação dum guerrilheiro numa árvore da orla da mata e que com toda a calma deste mundo ia desfazendo o meu Pelotão com uma bazookada. A sorte deles foi estarem semi-abrigados junto à lenha e só apanharam com os estilhaços. Mesmo assim os estragos foram grandes.

A flagelação revelou-se ineficaz e ficamos com mais um problema; porque não funcionaram as nossas minas que deviam estar colocadas nos trilhos à volta do aquartelamento?

Vá de ir ver.

Com a raiva que estava, porque fiquei com menos alguns homens, dei por mim no dia seguinte enfiado naquele capim, com o dobro da minha altura, à caça das nossas armadilhas.
O Furriel destacado para as localizar, tinha um cróquis muito rústico e nem tenho a certeza que ele as tivesse colocado.
Bicha de pirilau. À frente o Furriel seguido de um soldado pára-quedista e logo a seguir eu.

O passeio era à volta do aquartelmento, mas tendo as granadas e minas sido instaladas na época seca eram agora um problema, porque toda a paisagem estava alterada.
A primeira granada com arame de tropoçar estava no síto e lá ficou.
De repente vejo o Pára estancar, como fazem os bons perdigueiros a fitar as perdizes e algo me disse que estava lixado.

Imaginem um homem com uma MG nas mãos, e com um pé assente no chão e outro meio no ar com um arame de tropeçar entalado nos atacadores.
Os segundos seguintes foram de loucura. O Furriel já tinha passado e também ficou estarrecido quando viu aquilo.
O perdigueiro tinha consciência do que estava a passar e depois de eu ter mandado todo pessoal proteger-se e recuar, olhámoss uns para os outros e ainda estávamos vivos.

Os três em conjunto combinámos o que fazer e decidimos salvar as nossas vidas.
Mortos já nós estávamos...

O Perdigueiro não podia mexer-se nem que chovessem picaretas, enquanto o Furriel e eu, deitados no chão agarrávamos o arame ao mesmo tempo e faziamos força para fora de modo a aliviar a tensão do mesmo e evitar que a granada rebentasse.

Em minutos, ou segundos, sei lá, isso estava feito e o nosso valente Pára conseguiu tirar o arame dos atacadores.
Como havia necessidade de cortar o arame no meio das nosas mãos para tentar evitar o descavilhar duma granada que não sabíamos de que lado estava, foi o soldado pára-quedista que o fez, só depois se deitando no chão a dar graças a Quem o salvara daquela embrulhada.

A granada foi depois localizada e neutralizada, só não tendo rebentado, porque as chuvas a tinham enferrujado.

Dei por terminada a operação e desliguei mais uma vez o interruptor...

A minha hora havia de chegar mais tarde.

Hugo Guerra
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Notas de CV:

(*) Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55, Pel Caç Nat 50 e Pel Caç Nat 60, (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma

Vd. último poste de Hugo Guerra de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)

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