Zé
Só tu e poucos amigos me fazem saltar da apatia que cada vez mais toma conta de mim.
Depois de contar como foi o meu encontro com a mina que me lixou em São Domingos, e lendo agora o teu desabafo e crença em Deus por achares que ainda não era aquela a tua hora, o que muito respeito, vou contar um episódio que protagonizei, em Gandembel e ao qual surrealisticamente tenho catalogado na minha cabeça com o seguinte titulo:
O Perdigueiro
Num domingo de Dezembro de 1968 os Páras e os homens da CCaç 2317 envolveram-se num renhido jogo de futebol, dentro do arame, logo pela manhã.A coisa estava tão animada que os sentinelas não se aperceberam da instalação dum guerrilheiro numa árvore da orla da mata e que com toda a calma deste mundo ia desfazendo o meu Pelotão com uma bazookada. A sorte deles foi estarem semi-abrigados junto à lenha e só apanharam com os estilhaços. Mesmo assim os estragos foram grandes.
A flagelação revelou-se ineficaz e ficamos com mais um problema; porque não funcionaram as nossas minas que deviam estar colocadas nos trilhos à volta do aquartelamento?
Vá de ir ver.
Com a raiva que estava, porque fiquei com menos alguns homens, dei por mim no dia seguinte enfiado naquele capim, com o dobro da minha altura, à caça das nossas armadilhas.
O Furriel destacado para as localizar, tinha um cróquis muito rústico e nem tenho a certeza que ele as tivesse colocado.
Bicha de pirilau. À frente o Furriel seguido de um soldado pára-quedista e logo a seguir eu.
O passeio era à volta do aquartelmento, mas tendo as granadas e minas sido instaladas na época seca eram agora um problema, porque toda a paisagem estava alterada.
A primeira granada com arame de tropoçar estava no síto e lá ficou.
De repente vejo o Pára estancar, como fazem os bons perdigueiros a fitar as perdizes e algo me disse que estava lixado.
Imaginem um homem com uma MG nas mãos, e com um pé assente no chão e outro meio no ar com um arame de tropeçar entalado nos atacadores.
Os segundos seguintes foram de loucura. O Furriel já tinha passado e também ficou estarrecido quando viu aquilo.
O perdigueiro tinha consciência do que estava a passar e depois de eu ter mandado todo pessoal proteger-se e recuar, olhámoss uns para os outros e ainda estávamos vivos.
Os três em conjunto combinámos o que fazer e decidimos salvar as nossas vidas.
Mortos já nós estávamos...
O Perdigueiro não podia mexer-se nem que chovessem picaretas, enquanto o Furriel e eu, deitados no chão agarrávamos o arame ao mesmo tempo e faziamos força para fora de modo a aliviar a tensão do mesmo e evitar que a granada rebentasse.
Em minutos, ou segundos, sei lá, isso estava feito e o nosso valente Pára conseguiu tirar o arame dos atacadores.
Como havia necessidade de cortar o arame no meio das nosas mãos para tentar evitar o descavilhar duma granada que não sabíamos de que lado estava, foi o soldado pára-quedista que o fez, só depois se deitando no chão a dar graças a Quem o salvara daquela embrulhada.
A granada foi depois localizada e neutralizada, só não tendo rebentado, porque as chuvas a tinham enferrujado.
Dei por terminada a operação e desliguei mais uma vez o interruptor...
A minha hora havia de chegar mais tarde.
Hugo Guerra
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Notas de CV:
(*) Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55, Pel Caç Nat 50 e Pel Caç Nat 60, (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma
Vd. último poste de Hugo Guerra de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)
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