quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3603: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (13): Quatro actos para um ponto de vista...

Azar! Consegui chegar ao UMBIGO nº. 13.

Especialmente para o Luís: Obrigado pelas referências aos meus textos.
Para todos UM ABRAÇO do
Alberto Branquinho


NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (13)

QUATRO ACTOS PARA UM PONTO DE VISTA

ACTO 1 – In-formação

No bar da messe de oficiais de sede de batalhão, estavam um jornalista e o seu “cameraman”, encostados ao balcão, bebericando whisky com gelo. Tinham chegado nessa tarde, na Dornier do correio. Aliás, a tez pálida de ambos denunciava que não eram gente da terra nem da guerra. Faziam horas para o jantar.

Entrou um alferes em traje civil, que se sentou ao balcão.
- Boa tarde, cumprimentou-os. – Oh Bigodes, sai um whisky com Pérrier.
- E gelo?
O alferes fez que sim com a cabeça.
O jornalista aproximou-se:
- Permita-me que me apresente. Sou Amplexo da Silva do “Notícias Dia-a-Dia”.
- Alferes… quer dizer, Manuel Gonçalves. Prazer.
Cumprimentaram-se.
- O prazer é meu, em estar aqui entre combatentes da Pátria. Estou, quer dizer… estamos em missão de reportagem sobre a guerra na Guiné.
- Guerra?! Oh senhor jornalista, afinal há guerra aqui? O que aqui temos é uma insurreição armada, vinda e alimentada do exterior.
- Pois, mas há acções armadas, tanto quanto sei e eu sou… repórter de guerra.
- Mas o senhor sabe que aqui não há guerra, segundo a TV e os jornais da Metrópole.
- Já tive o prazer de conversar com o Senhor Comandante do Batalhão, a quem venho recomendado. Amanhã vou ter um briefing com o Sr. Oficial de Operações e depois de amanhã espero sair para o mato com uma unidade operacional, para sentir a realidade.
- Eu disponho-me já para o enquadrar no meu pelotão quando formos para uma zona de… porrada. Não é preciso ir muito longe.
- Sr. Alferes, muito obrigado. Vou falar da sua disponibilidade ao Sr. Comandante. Para onde o Sr. Alferes sugere que se deva ir?
- Sabe, estas coisas não dependem de irmos para norte ou para sul. Depende mais das fases da lua, da orientação do vento ou da humidade do ar…Com sorte ou com azar, pode alcançar a verdade e a vida a pouco mais que quatro/cinco quilómetros. Sempre será melhor que estar para aí a filmar a mata com meia dúzia de figurantes de armas na mão, tendo o homem da câmara encostado ao arame farpado…

Quando o Comandante chegou para jantar, convidou o jornalista para a sua mesa.

No dia seguinte o Comandante mandou chamar o Capitão Gomes. Disse-lhe para, com cuidado, dar umas voltas com o jornalista pelas tabancas mais próximas e terminou:
- Faça-me o favor de dizer ao seu alferes Gonçalves para ter tento na língua.

ACTO 2 – Passeios

A Dornier sobrevoou o aquartelamento e começou a fazer uma volta larga, para aproximação à pista.
- Segurança à pista!! Olh'ó correio!
Mal a aeronave descolou e tomou altura, abandonaram as posições defensivas à volta da pista e regressaram, ansiosamente, ao quartel.
Imediatamente o escriturário, à porta da secretaria, começou a gritar os nomes dos destinatários das cartas e aerogramas, à medida que os retirava do saco. Tinha à sua frente um amontoado de caras ansiosas, que levantavam a mão e empurravam os outros, quando ele berrava um nome.

O Fabiano recebeu o aerograma e afastou-se, com o coração aos pulos. Sentou-se contra uma parede e, ao abri-lo, quase rasgou a folha de papel. Começou a ler: “ Tu dizes que sais para batidas, patrulhas, operações e emboscadas. Ainda dás uns passeios. Eu para aqui estou e é só de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Passear, passear é só à missa nos domingos e……”
Voltou atrás para ler de novo.
Desolado, amarrotou o aerograma com a mão direita e ficou longo tempo a olhar para as biqueiras das botas.
Nunca mais escreveu.
Na aldeia constou que tinha morrido.

ACTO 3 – Conselhos de mãe

O Capitão, apontando no mapa colocado na parede, fazia, depois, uns traços, círculos e semicírculos sobre o papel branco colado ao lado, expondo aos quatro alferes o plano e a missão de cada um dos quatro pelotões quanto à operação que a Companhia iria executar, com a duração de três dias, saindo do quartel às três horas da madrugada.
Acabada a explanação, perguntou:
- Alguma dúvida?
- Meu capitão, eu não posso ir, disse o alferes Branco.
- Deixe-se de merdas! Porquê?
- Recebi hoje uma carta de minha Mãe, que me diz para eu não sair à noite e não apanhar muito sol.

ACTO – O problema é de “isolamento”

A professora de ensino primário, a exercer numa localidade próxima da fronteira com Espanha, lia pela terceira vez a carta acabada de receber:
“Prima Isabel,
Estou cansado, saturado e desiludido com tudo isto aqui na Guiné, para não falar da brutalidade e dos riscos que aqui corremos. Depois te contarei em pormenor.
Não sei se já te disseram que vou aí de férias em Julho.
Queria pedir-te que vás pensando e, com cuidado, fazendo contactos para me arranjares um “passador” que me leve para Espanha e, depois, me entregue a alguém que me passe para França. Preferia que fosse para o sul de França, saindo pela fronteira a norte de Barcelona, para, depois, ir para Marselha, onde tenho uns amigos.
Não fales disto a ninguém da Família, muito menos à minha Mãe ou ao meu Pai.
Um beijo do
Augusto."

A prima acabou de ler e ficou a olhar pela janela. Ao fundo, no horizonte, eram terras de Espanha.
Não demorou a resposta. Foi no dia seguinte. Com a autoridade que assumia por ser uns anos mais velha, foi assim:
"Augusto,
Tens que ter paciência e, além disso, ter juízo. Já viste o disparate que ias fazer?
Eu também estou para aqui isolada no meio da serra e só vou à Guarda de mês a mês. Daqui a dois anos espero ser colocada numa ……"
__________

Notas de vb:

1. Alberto Branquinho foi alf mil da CArt 1689, 1967/69. Andou por Gandembel, Empada, Bambadinca, Buba, Bedanda, Bafatá, Banjara...

2. para além de trabalho é uma diversão publicar estes "umbigos" do Alberto Branquinho. A série pode ser vista/revista em

2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

1 comentário:

Unknown disse...

Caro Alberto Branquinho. Não me lembro se nos chegamos a encontrar em Catió. Julgo que quando lá cheguei vocês tinham partido para Gandembel construir aquele resort.
Vou mandar algumas fotos para o LG de alguma malta que julgo terem pertencido à tua companhia, que encontrei lá.
Segue tambem uma foto, já velhinhos, da nossa equipa de futebol, sendo o Cuco o primeiro em pé da esquerda, devidamento fardado de guarda-redes.
Um abraç de amizade
Jorge Teixeira