quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26100: (In)citações (267): Memorando sobre a Escola São Francisco de Assis, em Timor, entregue ao primeiro-ministro Xanana Gusmão através do embaixador Dionísio Babo Soares, representante do país nas Nações Unidas (João Crisóstomo)



Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  O João Crisóstomo com Xanana Gusmão:
 e "a expressão de surpresa deste por ver a Escola São Franciscoo de Assis em páginas do  blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné"…



Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  O João Crisóstomo, à direita, com 3 timorenses, da esquerda para a direita: 
(i) Luís Guterres, embaixador de Timor Leste em Washington;  (ii) Dionísio Babo Soares, embaixador de Timor nas Nações Unidas;  e (iii) uma senhora, possivelmente a ministra da educação do govermo de Xanana Gusmão


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2024). Todos os direitos reservados 
[Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Crisóstomo, um "advogado de causas 
justas e solidárias"


1. Mensagem de João Crisóstomo, com data de 4 do corrente, dando conta aos amigos de Timor da correspondência trocada com o embaixador timorense nas Nações Unidas, Dionísio Bobo Soares, depois do encontro que teve em Nova Iorque, em 23 de setembro último,com o primeiro-ministro Xanana Gusmão.

Sabemos que o embaixador Dionísio Babo Soares já encaminhou para o seu governo o memorando, feito pelo João Crisóstomo, na sua qualidade de sócio da ASTIL,  sobre a ESFA - Escola São Francisco de Assis. Fazemos votos para que estas diligências tinham um fim feliz, por mor das crianças de Liquiçá, Manatti / Boebau.


(i) Senhor Embaixador Dionísio Babo Soares, Representante de Timor Leste nas Nações Unidas Nova Iorque, 4 de Outubro de 2024

Creio que os dias de grande azáfama nas Nações Unidas devem ter passado ou pelo menos estarão agora reduzidos a programas menos prementes que lhe permitam já um pouco de merecido descanso. Por isso permito-me enviar o que segue, conforme acordado por Vossa Excelência depois do encontro com o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão.

Minha esposa Vilma associa-se a mim na certeza da nossa amizade e apreço pela sua atenção e os nossos respeitosos cumprimentos.

João Crisóstomo


(ii) Ex.mo Senhor Embaixador Dionísio Babo Soares

Mais uma vez o meu "Muito muito Obrigado" pela oportunidade e convite que nos permitiu encontramo-nos de novo no dia 23 de setembro, o que me permitiu ainda o encontrar-me com Sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão (*), Embaixador Luís Guterres, Senhora Elisabeth Exposto e tantos outros que fizeram desta ocasião um dia extraordinário.

Como sabe,  aproveitei a ocasião, e em boa hora o fiz, para pedir a sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão o favor da sua ajuda para a escola S. Francisco de Assis (por coincidiência hoje, dia 4 de outubro, é o dia de S. Francisco de Assis na Igreja Católica).

Conforme instruções do senhor Primeiro-Ministro, junto uma sinopse do que julgo ser o que Sua Excelência tinha em mente nas instruções que me deu:
 
  • A Escola S. Francisco de Assis é uma escola construida em 2017 nas montanhas de Liquiçá por iniciativa de alguns amigos de Timor Leste em Portugal e Estados Unidos, que para isso fundaram uma organização de solidariedade, a ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste ). 
  • Esta escola foi inaugurada a 19 de Março de 2018.
  • A "Escola S. Francisco de Assis, Paz e Bem” está localizada no Município de Liquiçá, Suco de Leotalá, povoação de Boebau e lugar de Manati.
  • A Escola S. Francisco de Assis está integrada na rede escolar do Ministério de Educação de Timor Leste com o número 36. 
  • O seu objectivo é providenciar às crianças de Manati /Boebau que por razões de distância e outras não têm acesso a escolas, os programas escolares instituídos pelo ministério de Educação de Timor Leste para os graus pré-escolar e ensino básico.
  • A Escola preocupa-se em formar os seus alunos no quadro dos valores universais e da cultura timorense, com especial ênfase para o ensino da língua e cultura portuguesa com  destaque para a música.
  • Quando em plenbo funcionamento a escola tem capacidade para 180 alunos, contabilizados nos dois períodos matinal e vespertinos.
  • Dadas as limitações e dificuldades ainda existentes a escola desde a sua inauguração tem funcionado e providenciado cada ano ensino apenas para 80 a 85 alunos.

Todos os encargos e despesas de construção, manutenção, ensino e outros relacionados têm até ao momento sido suportados essencialmente pelos membros da ASTIL e amigos.

A ASTIL tem neste momento 85 sócios. Deve-se a esta o seguinte :

(i) Construção da "Escola S. Francisco de Assis, Paz e Bem”, localizada no Município de Liquiçá, Suco de Leotalá, povoação de Boebau e lugar de Manati.

(ii) Construção de uma casa/residência, T3, para uso dos professores.

(iii) Construção de uma cozinha. (Esta porém como está é pequena demais e precisa de ser remodelada para maior eficiência.)

(iv) Um muro, que neste momento está ainda em vias de construção para proteção da escola e dos alunos

(v) Fornecimento de todo o equipamento escolar incluindo todo o mobiliário.

(vi) Fornecimento de formação gratuita , em média de 84 alunos, do ensino pré-escolar e ensino básico.

(vi) Pagamento das compensações, até ao momento a três professoras e um responsável de manutenção da escola. O seu bom funcionamento porém é mais devido ao sentido de solidariedade do que pelos benefícios derivados por emprego.

(vii) Os uniformes ( fardamento) e materiais escolares têm sido totalmente gratuitos.

À ASTIL se deve ainda :

(viii) A construção de uma casa /residência T3 para um antigo comandante de guerrilha em Ailok-Laram, já falecido em 2021,  que tinha uma grande família, mas que vivia em grandes dificuldades.

(ix) O fornecimento de ajuda a crianças pobres através dum programa de apadrinhamento criado pela ASTIL. Neste momento 41 crianças são ajudadas por membros da ASTIL, famílias portuguesas ou de origem portuguesa a residir no estrangeiro, nomeadamente nos Estados Unidos.

(x) Ajuda a dois jovens universitários, um de Liquiçá , que se licenciou em Gestão na Indonésia, e uma jovem, também de Boebau, que, graças também à ajuda da UNPAZ, se licenciou em Relações internacionais. Esta jovem é agora uma das professoras nesta escola S. Francisco de Assis.

A presente situação desta escola, mesmo nas condições presentes,  não é sustentável indeterminadamente. Temos feito vários contactos, nomeadamente com o Senhor Dr. Roger Soares, coordenador das escolas CAFE de Timor Leste.

A "Escola S. Francisco de Assis Paz e Bem “ para que possa continuar a funcionar precisa agora da ajuda das entidades oficiais de Timor Leste, especialmente na concessão de professores acreditados, para que possa funcionar e providenciar o ensino e ajuda a estas crianças.

O mentor e motor principal desta escola é o professor Rui Chamusco , cujos contactos são  (...).

Se achar que precisa de mais algo por favor não hesite em me contactar ou diretamente ao professor Rui Chamusco. 

João Crisóstomo (**)

(Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG)
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Notas do editor

(*) Vd.poste de 24 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26072: (In)citações (266): Será que é desta ?... Se Xanana Gusmão não vai à nossa Escola nas montanhas de Liquiçá, a nossa Escola vai ter com ele em... Nova Iorque (João Crisóstomo)

(**) Último poste da série > 26 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26082: (In)citações (267): Não às armas nucleares e às mudanças climáticas: carta do Papa Francisco e o testemunho dos Hibakusha (os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki), cuja organização, a Nihon Hidankyo, acaba de receber o Nobel da Paz de 2024 (João Crisóstomo, Nova Iorque)

Guiné 61/74 - P26099: Roteiro dos museus e outros lugares de memória e cultura, abertos (ou a abrir) ao "antigo combatente" (2): Museu da Marinha, Fragata Dom Fernando,. Submarinbo Barracuda, Planetário e Aquário Vasco da Gama... Vale a pena, mas é tudo "a pagantes"


Lisboa > Mosteiro dos Jerónimos > 
Ala oeste, com as duas torres neomanuelinas >
Entrada do Museu da Marinha.
Foto de Felix Koenig (2014)
Fonte: Adapt. de
Wikimedia Commons

1. Continuando a nossa viagem pelo roteiro dos museus e monumentos nacionais... a que têm acesso (gratuito) os antigos combatentes, bem como de outros museu, regionais, municipais e particulares a que queremos ver também reconhecido o nosso direito de visita...


Abrimos aqui, no passado dia 10, uma campanha de informação e sensibilização para que o nosso benefício (social) se alargue também, pelo menos (e para já), aos museus municipais, sociais e privados... (e mais tarde, aos monumentos) (*).
 
Vamos procurar, com a ajuda dos nossos leitores,  identificá-los e ajudar a "sensibilizar" os proprietários e gestores desses museus e núcleos museológicos (autarquias, misericórdias, Igreja, etc.) para o seu interesse também em estender aos antigos combatentes o acesso gratuito. 

Se ainda somos 400 mil (*), com as nossas famílias, facilmente ultraprassamos o milhão de potenciais visitantes...mesmo com a idade a pesar e a perda quer de mobilidade quer de poder de compra,  fatores que não nos deixa viajar para muito longe.

Teríamos que incluir nesse número (com direito a cartão de antigo combatente) a diáspora lusófona, os nossos camaradas do continente e "ilhas adjacentes" (Açores e Madeira) que deixaram a "Pátria ingrata" e foram para o Brasil, a Venezuela, os EUA, o Canadá, a França, a Alemanha, o Luxemburgo, a Suiça, o Reino Unido, a Austrália, a África do Sul, e por aí fora... 

Infelizmente, uma parte deles perdeu o contato com as suas raízes... Agora, reformados, muitos regressam, nem que seja por uns meses,  e precisa de (re)conhecer (e reconcilioar-se com) o país onde nasceram e lutaram...

2. Ora apontem mais um à vossa lista (mais um ou mais quatro):




É tudo gerido (o museu e od demais equipamentos culturais) pela Comissão Cultural da Marinha, tutelada pela Direção Cultural da Marinha, a quem compete:

(i) contribuír ativamente para o desenvolvimento da vertente cultural da Marinha;

(ii) constitui um fator de prestígio e de marcante afirmação de identidade da Marinha.

(...) "A par da sua componente operacional, a Marinha detém uma diversificada e rica área Cultural, fruto de uma história secular que se confunde com a própria identidade do país.

(...) "A Direção Cultural da Marinha tem um papel de primeira instância na abertura à sociedade, no sentido da conservação, valorização e divulgação do património Cultural, histórico e artístico da Marinha, e com esse objetivo tem vindo a desenvolver, com êxito, uma série de novas iniciativas e projetos." (...)

Ver aqui o mapa do sítio. São 4 equipamentos culturais, com destaque para o Museu da Marinha.  É uma visita que vale a pena.

(...) O Museu ocupa uma área total de cerca de 50 mil metros quadrados, dedicando 16.050 metros quadrados à exposição permanente. O espólio é constituído por mais de 20.000 peças museológicas, estando expostas apenas seis mil.

O acervo do museu é constituído por modelos de Galés, embarcações fluviais e costeiras e navios desde os Descobrimentos até ao século XIX.

Também possui uma vasta colecção de armas e fardamentos, instrumentos de navegação e cartas marítimas.

O Museu inclui um centro de documentação com 14.500 obras, um arquivo de imagem, que reúne, aproximadamente, 120 mil imagens, e um arquivo de desenhos e planos com mais de 1.500 documentos de navios portugueses antigos.(...) (Fonte: Wikipedia).


3. Mas  é tudo a "pagantes" ... Não há borlas para os antigos combatentes... Nem para os marinheiros aventureiros que andaram a chafurdar nos tarrafos, rias, rios, braços de mar e bolanhas da Guiné ?!... 

Posso ter visto mal, mas acho que não, que não há borlas... Para ver tudo, o preço completo para um "sénior" (+ 65), como eu, seria de 20,5 euros (se não fiz mal as contas; em alterantiva, pode-se comprar o passe CulturaMAR, por 11 euros).
 
Segundo o sítio oficial,   que consultámos, o Passe CulturaMAR é um bilhete conjunto, com validade de 4 meses,  para uma entrada em:

  • Aquário Vasco da Gama, 
  • Núcleo Museológico Fragata D. Fernando II e Glória (Fragata e Submarino Barracuda), 
  • Museu de Marinha 
  • Planetário de Marinha, 
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Guiné 61/74 - P26098: Lembrete (48): Biblioteca Municipal de Gondomar, sábado, dia 9 de novembro de 2024, lançamento do livro "Crónicas de Paz e Guerra" (2014, 221 pp.; posfácio de Mário Beja Santos)







1. Recorde-.se que é já no já no próximo dia 9 de novembro, sábado, pelas 15 horas, que se vai realizar, na Biblioteca Municipal de Gondomar,  a apresentação pública do meu livro, com posfácio do camarada Mário Beja Santos~(*). 

A apresentação está acargo do dr.  Manuel Maria. Todos os meus amiogos e camaradas estão convidados (**).  

Edição: Lugar da Palavra Editora, Rua Guedes de Oliveira, 126, 4435-274 RIO TINTO | www.lugardapalavra.pt | editora@lugardapalavra.pt | telef  22 099 4591 / 91 54 16141 | Depósito legal nº 535279/24 | ISBN : 978-989-731-215-1C) | 1ª edição: setembro de 2024


CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA

O SOLDADO

Nas sortes não se safou,
já homem bebeu e fumou,
em braços em casa entrou,
aa farda não se livrou.

A sorte Guiné ditou,
estúpida guerra enfrentou,
três gritos por quem lá ficou,
pelo povo se emocionou.



Posfácio 

Por considerar humanamente relevante

por Mário Beja Santos (pp. 219-221)


Quando Joaquim Costa e a sua unidade de intervenção, a briosa CCAV 8351, chegam à região de Tombali, no Sul da Guiné, decorriam modificações na manobra do Comando-Chefe, general António de Spínola, e já num quadro político-militar altamente inquietante, de profundo desalento. 

Para se entender as atividades impostas a esta unidade militar, inicialmente sedeada em Aldeia Formosa, a de reocupar posições na região do Cantanhez, onde o PAIGC circulava bastante à vontade, há que refletir sobre o que se estava a passar tanto do lado português como no pensamento estratégico de Amílcar Cabral.

Em 1972, Spínola já não tem ilusões sobre a vitória militar, disse-o frontalmente no final do ano anterior no Conselho Superior da Defesa Nacional, a situação é crítica, carece de mais recursos humanos e de novos armamentos para retomar a iniciativa, o Governo de Lisboa nada tem para oferecer. 

Na cena internacional, acentuava-se o isolamento português, a Operação Mar Verde gerou fortes anticorpos, inclusive junto de aliados tradicionais de Lisboa, levara a que a Marinha soviética estacionasse na República da Guiné. Spínola encontrou-se com Senghor, encontro amistoso, o presidente senegalês faz propostas, Spínola vem a Lisboa revelá-las, Marcello Caetano recusa categoricamente negociações, em caso extremo prefere a derrota militar. 

Do lado do PAIGC, avança-se a todo o vapor para eleições para uma assembleia popular que diga sim a uma declaração unilateral de independência e à aprovação de uma constituição do novo país, peças que o líder do PAIGC considera fundamentais para angariar apoios na ONU, na Organização da Unidade Africana, junto dos países amigos, sobretudo do bloco liderado por Moscovo. 

É nesse contexto que Spínola decide uma mudança na quadrícula, escolhe a região do Cantanhez, onde não há tropas portuguesas em permanência, e muito menos populações afetas à soberania portuguesa; envolve o Exército, a Marinha e a Força Aérea, inevitavelmente as forças especiais – a Operação Grande Empresa é posta em marcha, Joaquim Costa e a tropa comandada pelo capitão Vasco da Gama vão subir o rio Cumbijã, fundar aqui um aquartelamento e procurar outro, de nome Nhacobá, onde o PAIGC tem sustento em arroz, tudo isto muito próximo do chamado corredor de Guileje, uma linha absolutamente vital para a circulação de homens, mantimentos e armamentos do Exército do PAIGC e suas populações. 

A Grande Empresa é uma iniciativa militar arrojadíssima, é dela que Joaquim Costa irá falar.

Mas o seu livro de memórias não se confina ao que ele viveu no Tombali, tem um muito antes, o seu meio familiar, a cultura que o embebeu e de que se orgulha, os usos e costumes do seu lugar, a religiosidade, todo aquele ambiente em que ainda era impensável falar-se na sociedade de consumo, naquela atmosfera havia baldios, mercearias e tabernas e viagens extenuantes até ao local de trabalho, como ele testemunha. 

E os preparativos para a guerra, para ser furriel percorreu Caldas da Rainha, Tavira, andou em recrutas em Chaves, especializou-se em Estremoz, juntou-se à sua unidade militar em Portalegre, daqui marchou para a Guiné, Cumbijã é o destino e Nhacobá é também outra lembrança para toda a vida.

Até esta narrativa do livro de memórias, estou absolutamente seguro de que o leitor ficará cativado pela ternura que emana destas recordações do pai José, da mãe Gracinda, do elenco dos manos, dos acontecimentos do quotidiano, tudo numa aldeia onde o Minho acaba e o Douro começa, vida dura, aliviada por feiras e romarias e o embasbacamento da descoberta do cinema e também da televisão.

O autor, também conhecido por o Furriel Pequenina, falará da guerra sem alardes de heroísmo ou farroncas de que andou de peito feito às balas. Em dado passo começará um parágrafo por dizer “Por considerar humanamente relevante”, considerei a expressão um achado de tudo quanto escreveu quer na primeira edição quer na segunda. 

Fez bem em enxugar a prosa, a literatura da guerra colonial tem centenas de relatos sobre as viagens da ida, o contacto com a temperatura tropical, a má comida, aos poucos a descoberta de África, as minas e emboscadas, a profunda solidão, a chegada do correio, os mortos e os feridos, lembrança irreprimível, uma dor nem sempre discretamente contida.

Lá foram numa LDG até Buba, daqui até Aldeia Formosa. Nada de excessos no batismo de fogo, mas muita ênfase será dada às minas, as anticarro e as antipessoal. E depois do Natal em Aldeia Formosa chega a hora de partir para Cumbijã, uma terra de ninguém, um posto abandonado, também aqui se vai reocupar um lugar do Cantanhez.

E assim nasce Cumbijã, confesso que me emociona imenso as imagens daqueles tijolos amassados, vivi peripécia semelhante noutras paragens da Guiné, mais propriamente no regulado do Cuor, no Centro-Leste, uma flagelação brutal reduziu a cinzas dois terços das moranças e assentos militares, tivemos de fazer algo análogo ao que o autor descreve, Cumbijã a sair do nada e com flagelações de canhão sem recuo bastante frequentes. 
E é muito bonito saber que o forno deixado em Cumbijã ainda hoje coze pão para toda a região. 

E segue-se uma descrição sumária da Operação Balanço Final, o assalto a Nhacobá, só que, depois de muita peripécia, os Altos-Comandos decidem o seu abandono. 

Estava a fazer esta leitura e assaltou-me à mente a recordação de um outro acontecimento militar análogo, que se passou em 1968, também perto do corredor de Guileje, ao tempo do governador Schulz foi determinado construir um género de fortim que ficou conhecido pelo nome de Octógono de Gandembel, deu para muito sofrer e muito morrer, a explicação que Spínola deu para o seu abandono é que não havia população para defender (no melhor pano cai a nódoa: também não havia população a defender nestes aldeamentos por onde andou Joaquim Costa, era tudo estratégia, uma tentativa de intimidação do PAIGC, um jogo do gato e do rato).

A Grande Empresa será um assunto arrumado pelos acontecimentos de 1973, nomeadamente com a Operação Amílcar Cabral, que levou à retirada de Guileje e aos terríveis acontecimentos de Guidaje e Gadamael. Tanto sofrimento para nada.

Se já houve o antes e o durante a guerra, temos o depois, as histórias do regresso, a vida de professor depois de acabar o curso, um saltitar por Santo Tirso, Portalegre, Santarém e muito mais, um encanto de memórias avulsas, mas aonde a questão central foi o que se viveu e como se fez homem naqueles pontos do Tombali, no aceso de uma temível guerra de guerrilhas, onde aquele jovem vindo de uma aldeia entre o Minho e o Douro aprendeu que há uma camaradagem que ficará para toda a vida.

Um abraço fraterno a este contador de histórias, um narrador de afetos, exímio no que deve ser o nosso dever de memória.

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Guiné 61/74 - P26097: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (39): Gabu, a antiga Nova Lamego... tem apenas uma rua de jeito


Foto nº 1A


Foto nº 1B


Foto nº 1, 1A e 1 B > Guiné > Gabu > 27 de outubro de 2024  > A melhor rua em Gabu...tirei poucas fotos,  tive vergonha de tirar a mais Fotruas.



Foto nº 2


Foto nº 2A

Foto nº 2 e 2A > Guiné > Gabu > 27 de outubro de 2024  > Estrada por detrás do Hospital



Foto nº 3


Foto nº 3 e 3A > Guiné > Gabu > 27 de outubro de 2024 > Traseira do hospital


Foto nº 4


Foto nº 4A

Guiné Foto nº 4 e 4A >  Guiné > Gabu > 27 de outubro de 2024  > depósito de água da cidade de Gabu na estrada que vem de Pirada. 

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do Patrício Ribeiro:, com data de 29 do corrente, terça, 00:12:


Estou de volta a Bissau. Mando-te algumas, poucas, fotos da cidade de Gabu. 

Uma é a da melhor rua em Gabu...Tirei poucas fotos, tive vergonha de tirar a mais ruas. Noutras duas mostro a estrada para o hospital e a traseira do hospital. 

Uma quarta é a do depósito de água da cidade de Gabu na estrada que vem de Pirada. 

De manhãzinha, às 6:30 estava em Bafatá, a tirar fotos à casa do Amílcar. Passadas umas horas, estava no Gabu. As fotos que te envio foram tiradas entre as 12:20 e as 14:20.

Mantenhas,
Patrício.

2. Comentário do editor:

Segundo a Wilipedia, e o censo de 2009,  o sector de Gabu tinha  uma população de c. 81, 5 mil  habitantes. A cidade em si concentrava cerca de  41, 6 mil.   A  área territorial é de 2 122,8 km². Era então a mais populosa cidade do país, depois de  Bissau (de que dista 263 km). Há uns anos atrás funcionava como um relativamente importante centro de comércio.

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26093: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (38): Bafatá, terra natal de Amílcar Cabral (1924-1973)

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26096: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (30): quem é que não andou descalço na rua ?!...



Pàgina do Facebook da Càmara Municipal de Lisboa > 5 de dezembro de 2020. 17:00 > Aconteceu no dia 5 de Dezembro de 1931...

“Uma disposição acertada.

"O pé descalço nas ruas de Lisboa acabou. Começou hoje a vigorar a determinação do governo civil que não permite trânsito pelas ruas da cidade às pessoas que se apresentem descalças. Como se sabe, não era apenas por miséria, mas sim por hábito, com muitas pessoas sobretudo pertencentes a colónia ovarina que resolviam andar descalças, oferecendo à maioria da população o espectáculo impróprio de uma capital. Já em tempos o falecido comandante da Polícia senhor Ferreira do Amaral, tomou providências no sentido de acabar com o pé descalço. A breve trecho, porém esta disposição caiu em desuso, voltando o pé descalço a fazer a sua aparição nas ruas de Lisboa, sem ser incomodado pela polícia."  Fonte: "Diário de Lisboa", 5 dezembro 1931
Imagem do “Notícias Ilustrado” | Hemeroteca Municipal | Adapt. livre do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)




Liga Portuguesa de Prolifaxia Social (LPPS) > Porto > Maio de 1928 > Prospeto, impresso na Tipografia Empresa Guedes, usado na campanha contra o "pé descalço"... Quis-se acabar, "por decreto"(neste caso, por edital do Governador Civil do Porto) com o secular hábito de transitar na cidade de pé descalço... Tudo por mor da saúde pública, da cidadania, da civilização, da economia... Portugal estava há já dois anos a viver em regime de Ditadura Militar... Mas em meados dos anos 60 ainda a LPPS batalhava contra o "hábito tão nocivo, anti-higiénico e anti-económico" (sic) do pé descalço...


Imagem: Cortesia da página do Facebook do Arquivo Distrital do Porto Arquivo Distrital do Porto > 21 de julho de 2020


1. Afinal, a "proibição do pé descalço" não era só em Bafatá, vilória (e depois... cidadezinha) da antiga Guiné Portuguesa, ao tempo do administrador, transmontano Guerra Ribeira (intendente na parte final do consulado de Spínola, por volta de 1972/73) (*).

Também na "cabeça do império", a que chamávamos "metrópole", ainda há camaradas nossos que se lembram (ou lembravam, em 2013) de a malta andar descalça, até pelo menos ao final dos anos 50/princípios dos anos 60. Vejam-se alguns comentários ao poste P11288 (*):

(i) José Câmara:

Este caso não é assim tão inédito. Na cidade da Horta, Ilha do Faial, era proibido o pé descalço na cidade. Essa regra também dificultava a vida das pessoas campesinas que, na sua labuta diária, andava quase toda descalça.

Estou-me a referir aos meus tempos de estudante liceal.



(ii) Luís Graça:


No Norte do país também era prática corrente nos anos 50 e 60,  os camponeses irem descalços para a feira, mas à entrada das vilas enfiavam os chinelos ou as tamancas, com medo da GNR... 


(iiii)  Henrique Cerqueira:

No Porto também era proibido andar descalço na via pública. Era frequente verificar as mulheres que vendiam galinhas de porta a porta e se chamavam de "galinheiras" . Como carregavam grandes cestos com galinhas, era normal vê-las descalças e,  quando viam o polícia, calçavam de imediato as socas ou chinelos.

Era frequente haver polícias de mau carater se colocarem estrategicamente emboscados à espera dessas mulheres para as multar e então era nosso prazer de crianças estragar o esquema do policia avizando as mulheres do local onde estava o policia. Claro que esse policia não descansava enquanto não nos apanhasse a fazer alguma asneira, tal como a jogar a bola na rua e quase sempre descalços.

Isto se passava quase sempre nos jardins da Rosália, na Praça da Galiza em frente à Escola Gomes Teixeira. Quem é do Porto sabe onde é. (...)

21 de março de 2013 às 09:35

(iv) Belarmino Sardinha:
 
Para que conste, em termo de comentário, gostava de lembrar que em Évora,  minha terra natal e onde cresci e vivi até aos 18 anos, também existiam algumas regras sobre os "pé descalço", havia mesmo o Albergue Distrital de Mendicidade de Évora para onde eram levados e ali ficavam semi-aprisionados todos os que fossem apanhados descalços ou a pedirem esmola. Não eram presos em celas, mas não podiam de lá sair e tinham que trabalhar a terra de onde extraiam os produtos agrícolas...

Quanto ao trabalho posso também acrescentar que aquele que hoje é ainda um edifício actual e bem parecido onde funcionam o tribunal, registo civil etc, ao largo das Portas de Moura, que se chamava e creio manter o nome de Palácio da Justiça, foi construído, não sei se na totalidade, talvez não, mas com a mão d' obra dos presos da cadeia de Évora.

Todas estas situações eram medidas, creio que, generalizadas por todo o País, nada tendo que ver com outros aspetos de cor ou etnia...

(v) Antº Rosinha:

Havia alguns alferes milicianos, oriundos das nossas pequenas cidades, que não sabiam que muitos mancebos das grandes aldeias apenas calçavam botas diariamente quando iam para a tropa.

Muitos sabiamos como era o uso habitual de socas e tamancos no mundo rural português. Alguns sabemos o que era regar os campos "a pé".

Quem não sabe que no nosso mundo rural dos anos 50 e princípios de 60 imensos pastores e trabalhadores braçais apenas iam ao mercado comprar sapatos e ir ao alfaiate fazer um fato quando iam à inspeção militar?

Quem não sabe que havia pares de calças só ia para o lixo quando os remendos já ocupavam maior área que o tecido original?

Estranhei ver na televisão recentemente um grande escritor,  ex-oficial miliciano da guerra do ultramar, relatar como grande admiração, para um entrevistador estrangeiro: imagine que um dia um soldado me disse que a" primeira vez que calçou botas, foi quando veio para a tropa". Só um soldado?

Claro que os oficiais,  oriundos da Linha de Cascais,  não sabiam o que se passava na Linha do Vale do Tua nem na Linha do Minho.

Curioso que os angolanos, guineenses e alguns brasileiros, conheciam-nos melhor que nós próprios.

21 de março de 2013 às 12:17 

(vi) Tony Borie (EUA):


Saúdo todos, em especial o Paulo Santiago, que é oriundo de Águeda, terra onde nasci. Gostei de ler as histórias do "pé descalço"!.

Nos meus escritos, menciono algumas vezes os "Primos de Lisboa", pois ela,  a minha prima, era filha da minha tia, irmã do meu pai, oriunda dos "palheiros" das praias do lado de lá da Figueira, e que em tempos vendia peixe, com uma canastra à cabeça, pelas ruas de Lisboa, e contava a minha prima, que a minha tia, comprava um par de "chinelas" que duravam uma eternidade, pois usava a esquerda, até acabar, e depois usava a direita, também até acabar, caminhando pelas ruas de Lisboa, mancando, ora da direita, ora da esquerda, com um pé calçado, mas dentro da lei, pois andava calçada, embora só num pé!.



(vii) C. Martins:

Vai inseguro e descalço, 
caminhando sobre a calçada...
Será policia, será gente,
Gente não é certamente,
bota do policia não bate assim.

Podia-se andar descalço... 
não podia, ..mas andava-se.
Dinheiro para o calçado não havia, 
mas devia andar calçado...
devia, mas não podia..
Devia e não podia,
devia e não podia..

23 de março de 2013 às 04:20 



(com a devida vénia..:)


2. Facebook...ando, encontrei aqui um curioso prospeto da centenária Liga Portuguesa de Profilaxia Social  (LPPS) (criada no Porto em 1924),  documento esse que fez parte de uma campanha contra o "pé descalço" (Vd. prospeto acima). (**)

Reproduz-se, com a devida vénia, a seguinte postagem da página do Facebook do Arquivo Distrital do Porto, com data de maio de 1928.


Arquivo Distritakl do Porto > 21 de julho de 2020 


A PROIBIÇÃO DO PÉ DESCALÇO na cidade do Porto surgiu na sequência de uma campanha da Liga Portuguesa de Profilaxia Social contra "o indecoroso, inestético e anti-higiénico hábito do pé descalço".

Dias depois de o governador civil do Porto proibir o pé descalço na cidade, o governador de Lisboa tomou a mesma decisão para a capital.

De repente uma população com muitos pobres via-se obrigada por lei a andar calçada. Dado que se tratava de um hábito muito enraizado nos portugueses, em termos práticos, tratou-se de uma campanha longa, intensiva e rica em materiais de divulgação.

A título de exemplo, hoje partilhamos (...) a publicação da LPPS que faz referência ao edital do Governo Civil que proibirá o pé descalço no Porto, a partir do dia 20 de maio de 1928.
códigos de referência:

PT/ADPRT/ASS/LPPS/DIR/015-001/0587 (publicação LPPS)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11288: (De) caras (13): Guerra Ribeiro, natural de Bragança: de administrador colonial no tempo do Schulz a intendente no tempo de Spínola (Paulo Santiago / Cherno Baldé / António Rosinha)



Guiné 61/74 - P26095: Historiografia da presença portuguesa em África (449): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Não houvera circunstância, no texto anterior, de incluir o tratado de paz celebrado em Buba entre Fulas e Biafadas, por intervenção do Governo da Província, trabalho a que já se acometera o Governador Pedro Ignácio de Gouveia, e tinha agora o seu remate feliz. O que mais impressiona neste ano de 1886, e já estou em julho, é não haver uma só palavra quanto à perda do Casamansa, nem uma só menção à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, paradoxo maior não conheço, até porque posterior à data desta convenção ainda o administrador de Cacheu dá informações sobre o estado de saúde em Ziguinchor... O que verdadeiramente me impressiona é o relatório elaborado pelo facultativo Damasceno Isaac da Costa, não é a primeira vez que este nome vem à baila, na coleção de reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa há trabalhos por ele assinados; mas este relatório irá ser publicado às pinguinhas desde 27 de março, em quatro números de abril, em dois boletins de maio, um de junho e outro de julho impressionam pelo acervo informativo, mesmo com a inclusão de alguns dislates e imprecisões, que o leitor facilmente deterá. Dada a extensão do relatório, dar-lhe-emos sequência no próximo texto.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (8)


Mário Beja Santos

Antes de se passar diretamente para 1886, importa fazer uma referência ao Boletim Official n.º 50, de 12 de dezembro de 1885, abarca um conjunto de documentos relativos ao tratado de paz celebrado em Buba entre os Fulas e Biafadas, por intervenção do Governo da Província, é um conjunto de três atas. Na primeira, referem-se as presenças, entre outras do Governador e do comandante do Batalhão de Caçadores n.º 1, dá-se notícia das intimações ao chefe dos Fula-Forros Bacar Quidaly: entrará na praça de Buba sem representação de força nem grandeza; apear-se-á fora da paliçada, bem como a sua comitiva, e aí deporão as armas e mais símbolos de guerra; esperará que um oficial lhe comunique a permissão de entrar na praça, onde só tem ingresso Bacar Quidaly e o seu Estado-maior, todo o resto da sua gente ficará fora da paliçada; o Governador deseja ter explicações muito sérias com Bacar Quidaly, pois que o seu procedimento não tem sido dos mais corretos com o Governo, mas só será recebido nas condições acima apontadas, e em caso de recusa da sua parte o Governo tomará tal facto como um ato de desobediência às suas ordens.

Na segunda ata, referente a acontecimento ocorridos no dia seguinte (25 de novembro de 1885), Bacar Quidaly pedia permissão para ter ingresso na praça, mas para que a conferência tivesse lugar na casa que serve de quartel, para se ver próximo da sua gente, o régulo precisa de manter a autoridade sobre o seu povo, satisfez-se o pedido do régulo; a terceira ata contém a essência da reunião, quem nela participou, esteve por parte do régulo Mamadu e mais chefes Fulas e seus conselheiros, um conjunto de chefes Biafadas, tanto do Cubisseco como de Boduco. Declararam ambas as partes quererem e aceitarem a paz que o Governo lhes propõe, esquecem agravos e ressentimentos que os tornaram inimigos, procurará cada um dos povos por sua parte animar o comércio nas feitorias e estabelecimentos que existem já nos seus territórios, tomam o Governo como fiador e garantia desta paz. O Governador trazia também as suas reivindicações, estabelecia-se os limites do território do Forreá. O documento iria ser assinado por todas as partes envolvidas. Vai ganhar realce ao longo de um conjunto de boletins a publicação do relatório do serviço da delegação da Junta de Saúde da vila de Bissau, referente ao ano de 1884, pelo facultativo de 2.ª classe do quadro de saúde da Guiné, Damasceno Isaac da Costa, é um documento que transcende pela riqueza de informações tudo o que até agora nos foi dado de ler em relatórios de idêntica circunstância, é tal o acervo de informações que vale a pena aqui reproduzi-las, no seu cotejo essencial.

Começa por dizer que o concelho de Bissau compreende a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior e todos os demais pontos ocupados e a ocupar nas margens dos rios de Bissau, Corubal e Geba. Localiza a ilha de Bissau, dirá que está dividida em dez tribos com as seguintes denominações: Antula, Antim ou Intim, Cumuré, Prábis, Safim, Torre, Biombo, Bigemeta e Quitexe. O régulo de Antim tem a presunção de descender de alta prosápia, isto é, dos antigos reis da lha; o de Bandim alimenta a mesma presunção nobiliárquica. Refere o trabalho desenvolvido pela companhia de Grão-Pará e Maranhão e a construção da fortaleza, não faltaram atos de selvajaria dos gentios à volta dela. Para pôr cobro a tais hostilidades, o rei D. Pedro II ordenou ao 1.º capitão-mor de Bissau, José Pinheiro, que construísse uma fortaleza com 40 praças, um capitão-mor e um feitor da fazenda. A povoação assim amparada possuía 200 cubatas e 5 casas cobertas de telha, habitadas pelos negociantes portugueses, comissários das casas comerciais inglesas de Gâmbia e francesas de Goreia e pelos Grumetes, uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição e um hospício para os missionários. A fortaleza durou apenas 66 anos, houve que a demolir.

Depois de um largo conjunto de citações, alude aos ziguezagues fluviais no rio Geba. Dirá que os Biafadas que outrora ocupavam as margens do rio Geba fechavam a navegação quando queriam, especialmente em ocasiões de guerras que travavam com os Fulas, exigindo avultadas indemnizações às embarcações que com grandes dispêndios e grandes carregamentos transitavam no rio. Em 1847, o Governador da Província de Cabo Verde ordenou que se suprimisse a verba vexatória que a título de presentes era abonada a esses piratas que desde aquela época poucas vezes se repetiram casos de semelhante natureza. Para levar em efeito esses atos de pirataria, os Biafadas amarravam uma corda na árvore de uma margem, que passando pela superfície de água, ia terminar igualmente noutra árvore da margem oposta. Os extremos da corda traziam duas campainhas para anunciar a chegada de qualquer embarcação que tocasse a corda. Em tempos que não vão longe, esses piratas foram acossados pelos Fulas-Pretos e desde essa época cessou aquele sistema de saque às embarcações. Os Balantas, para a execução do tão mencionado plano seguem-se de troncos de árvores que espetam no rio.

O rio Corubal é bastante extenso e importante pela grande quantidade de âmbar que roja às praias. É quatro vezes mais largo do que p rio Geba até a uma maré de distância, onde se estreita para tornar a alargar. Esta estreiteza constitui a baliza dos territórios ocupados pelos Biafadas e Fulas. É junto a este lugar que está situada uma feitoria francesa denominada Granja. Raso em toda a sua extensão, o rio Corubal é somente navegável junto à margem esquerda. Da estreiteza acima mencionada, transporta-se facilmente e em menos de 24 horas para a praça de Buba, atravessando as tabancas do régulo Fula-Forro Mamadi Paté, derrotado pela nossa força militar em 28 de setembro de 1882. Segundo afirmam pessoas de todo o crédito, o rio Corubal tem a sua origem no território do Futa-Djalon e vem desaguar no oceano próximo da ilha de Bissau. Nas margens do rio Corubal, divisam-se extensas e graciosas colinas e vales, notando-se no fundo destas águas que brotando de diversas rochas e lugares correm com sussurro para desaguar no rio.

Em todos estes rios e canais habita o crocodilo, o hipopótamo, o tubarão e uma infinidade de variados peixes. Nas espessas e copadas matas que revestem as margens dos mencionados rios e no feracíssimo solo de Bissau, Geba, Corubal e outros pontos das suas dependências, encontram-se o elefante, onça, pantera, leopardo, hiena, lobo, gazela, porco-espinho e diversos outros animais, muitos dos quais são bastante interessantes.

Nas margens do rio Geba encontram-se diferentes feitorias e o facultativo refere os seus nomes dizendo que há muitas outras que estão agora abandonadas em consequência das opressões dos Fulas que habitam as margens do rio Geba. E prepara-se agora para falar da vida em Bissau.

Notícia do falecimento, em 16 de dezembro de 1885, de D. Fernando II
Ao consultar a publicação Jornal da Europa, ano de 1926, encontrei esta imagem de Bissau, a qualidade não é famosa, mas permite visualizar a zona do Pidjiquiti, as embarcações no Geba e ao fundo os poilões da Fortaleza da Amura
Imagem muito conhecida da Conferência de Berlim, 1884-1885
1.ª página do Estatuto da Província da Guiné, 1956, veja-se a definição da superfície da Província com base na Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886
A influência portuguesa na Goreia, Dacar.
Fotografia de Robin Taylor, publicada na página do Instituto Camões. Com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26071: Historiografia da presença portuguesa em África (448): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26094: Estórias do Zé Teixeira (65): Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará - O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (2) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Em mensagem de 28 de Outubro de 2028, o nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) enviou-nos o relato da aventura do seu amigo Sáculo que ambicionava a qualquer custo vir fazer a sua vida em Portugal. Hoje publicamos a segunda e última parte


Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará
O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (2)



– Pois é! Talvez não soubesses que quando se caminha sem orientação, sobretudo no deserto, temos tendência a andar em círculo  
–  disse-lhe eu.

– Andar em círculo porquê? Nós seguimos em frente, sempre em frente 
– esclareceu o Sáculo.

– Só consegues andar em linha reta, quando te orientas pelo sol, ou pela lua. As pessoas, normalmente, têm uma perna mais comprida que a outra e por consequência o tamanho do seu passo, não é igual, ou seja, a perna mais comprida dá um passa mais largo, o que leva a pessoa a fazer um desvio sistemático nessa direção. Este andar em círculo, que pode ser maior ou menor, em função da diferença na altura da perna. Eu, por exemplo, tenho uma diferença de cerca de meio centímetro. Talvez o meu círculo seja grande, e também temos de considerar a possibilidade de termos uma perna mais forte que a outra, o que também pode afetar a direção, quando não temos referências, porquanto a perna mais forte tem tendência a ser mais rápida.

– Desconhecia esses fenómenos. O certo, é que, sem querer, estávamos de regresso ao Senegal. Talvez tenha sido a nossa salvação. A polícia de fronteira prendeu-nos de imediato. Ali ficámos dois dias, mas como não tínhamos nem dinheiro nem comida, éramos um problema para a polícia. Quando passou o primeiro camião, o comandante mandou-nos subir e ordenou ao motorista que nos levasse para Linguère e nós lá fomos.

E prosseguindo:

–  Só que o camião não ia para esta cidade e o motorista deixou-nos num cruzamento, a meio do caminho. Tentámos arranjar trabalho, mas fomos apanhados pela polícia que nos voltou a prender. Eram muitas bocas a pedir pão e a polícia não tinha dinheiro, nem soluções. Eu era o único que sabia falar francês e ia-me desenrascando. Ao fim de dois dias, por ordem da polícia, voltamos a subir para outro camião que passava, que nos levou até Dacar. Procurei o meu primo que era pescador, fomos à Embaixada da Guiné-Bissau regularizar a minha situação e fui para pescador com o meu primo.

– Regressado à tua terra acabou-se a aventura, e que grande aventura!

– Já tinha outro plano em mente. Eu continuava a sonhar com Lisboa. Se não podia ir por terra, tinha de ir por mar. Fiquei em Dacar e fui à pesca na canoa do meu primo, para ganhar algum dinheiro e para me habituar a andar de barco. Nos primeiros dias não pesquei nada. Passei o tempo a vomitar estendido no fundo da canoa. Com o tempo fui-me habituando e até cheguei a apanhar um susto. Valeu-me a forma como os pescadores estavam organizados para sua segurança, ou seja, cada canoa tinha quatro horas para andar no mar, e só podia ir para determinada área. Se ao fim de quatro horas não regressasse, os pescadores que estavam em terra iam à sua procura.

Continuando, diz o Sáculo:

– Eu fui pescar com dois amigos para uma área que já conhecia. Num momento, sem contar, a canoa virou-se e foi ao fundo. Conseguimos ficar agarrados a umas tábuas e ficamos a boiar. Aguentamos, uma hora ou mais, até vermos ao longe duas canoas que vinham em nosso socorro. Safamo-nos.... Eu tinha um tio em Lisboa que tu deves ter conhecido, mas já morreu. Era filho do Samba e estava na milícia no tempo da guerra. Soube que ele estava em Bissau, fui ao encontro dele e pedi para me trazer para Lisboa. Ele era embarcadiço num barco de carga, era o que eu precisava, mas ele esqueceu-se. Escrevi-lhe várias vezes para Lisboa, pedi à minha mãe para o chatear. Eu até já estava zangado com ele, quando recebo uma mensagem para ir falar com um sujeito que estava num cargueiro ao largo de Bissau. Escondi-me no cargueiro e vim parar a Tanger. Já estava perto de Lisboa. Depois foi fácil. E já lá vão trinta anos.

– Entraste em Portugal no ano de… deixa-me fazer as contas…

– Ano de 1994, quando cá cheguei. Ainda me lembro que estava muito frio e eu andei uns dias à procura da casa do meu tio. Depois fui para as obras e nunca mais parei.

– Bateste o recorde. Dez anos para chegar de Bissau a Lisboa. Foste um homem corajoso. Parabéns!

– Era um sonho que nasceu em mim, quando os militares vieram embora, em 1974. Agora é tempo de me reformar, mas não quero voltar para a Guiné. Gosto muito de Lisboa. Tenho cá a minha família, a mulher e os filhos, imãs e sobrinhos. Toda a gente está cá, está na Suíça, está na Alemanha… e sabes quem está nos Estados Unidos a trabalhar numa empresa de segurança privada? O Iero, o meu primo, que casou com a minha sobrinha, a Djuvae, filha da Auá, a minha irmã, tua amiga.

– O quê? O sacaninha do Iero está na América?

… … … ... ... ...

A conversa não ficou por aqui. Quis que eu e minha mulher, mais a Auá e a Djubae entrássemos para o seu carro, creio que um Fiat Punto, e fossemos dar uma volta por Lisboa. Foi tempo para eu e ele voltarmos à Guiné, aos meus tempos de enfermeiro militar e ele uma criança de seis anos que todos os dias me vinha dar os bons dias e ficava à espera de um naco de casqueiro.

A Auá teria uns vinte anos e estava casada com um soldado da milícia.

Nas minhas idas à Guiné reconheceu-me, chamou-me pelo nome, reavivamos bons momentos e reativamos a amizade. O Bemba, seu marido está na Guiné. Foi ferido em combate e conseguiu, muito mais tarde, com ajuda do seu antigo comandante, a cidadania portuguesa. Ela veio a Lisboa visitar a irmã e tratar a saúde.

Sempre que eu vou à Guiné, vou a casa deles comer cabrito. O Bemba já ca esteve e fui visitá-lo a Lisboa. Agora veio a Auá e fui almoçar a casa dela, um petisco à moda da Guiné.

Ela está de regresso à sua terra. O Sáculo fica por cá. Um dia vou trazê-lo a minha casa para fazermos umas contas. Quero saber quem se apossou da minha marmita com um saboroso naco de vitela assada na brasa, naquele dia 14 de novembro de 1968 em que fomos atacados à hora do almoço. Eu pousei a marmita para me proteger e fiquei sem almoço, eu e os meus colegas, que foram a correr defender as suas posições e afastar os intrusos que queriam almoçar connosco, o rancho melhorado ganho através de um tiro de G3 perdido na noite anterior que matou uma vaca do Régulo.

José Teixeira
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Nota do editor

Vd. post de 29 de Outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26091: Estórias do Zé Teixeira (64): Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará - O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (1) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

Guiné 61/74 - P26093: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (38): Bafatá, terra natal de Amílcar Cabral (1924-1973)



Foto nº 1 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > A casa onde terá nascido o Amílcar Cabraçl (1924 -. 1973), hoje convertida em museu. ;Mural numa das paredes com a efígie do líder histórico do PAIGC,filho de mãe guineense e pai cabpo-verdiano



Foto nº 2A > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-museu de Amílcar Cabral: uma citação famosa (em crioulo):


"Nô sta na luta pa prugresu di nô tera, nô ten ku fasi sakrifisu pa nô konsigui kumpu nô tera.

"Nô ten ku kaba ku tudu injustisa, ku tudu koitadesa i sufrimentu.

"Nô ten garanti pa kada mininu ku na padidu na nô tera aôs ô amanha, tene certeza di kuma nin un mura ô paredi ka pudi tadjal"

(Amílcar Cabral)


Tradução do crioulo (LG / VQ): "Estamos a lutar pelo progresso da nossa terra. Temos que fazer sacrifício para conseguir desenvolver a nossa terra. Temos que acabar com todas as injustiças, a pobreza e o sofrimento. Temos de garantir que cada menino que nasce na nossa terra, hoje ou amanhã, possa ter a certeza de que nenhum um muro ou parede o vai deter". (Amílcar Cabral)


Foto nº 2 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-museu de Amílcar Cabral > Mural


Foto nº 3 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-Museu Amílcar Cabral > Parede exterior com mural... Fica junto à casa da nossa amiga Célia.



Foto mº 4 > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > A rua que desce até a casa do Amílcar. Agora é uma valeta onde corre água das chuvas.


Guiné > Foto nº 5 > Bafatá > 28 de outubro de 2024 >Rua junto a casa onde podemos ver o Sporting... (à esquerda, a seguir)


Guiné > Foto nº 5A > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > O edifício do Sporting (e antigo cinema), em segundo plano... Com o telhado já em ruína.


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro:


Data - segunda, 29 out 2024 00:36
Assunto . Viagem ao Leste no final da chuvas 2024.


Luís, publica se entenderes.

Estas outras fotos de Bafatá, foram tiradas hoje, segunda feira,  às 6.30h ainda com pouca luz...antes do meu regresso, mais logo,  a Bissau. (Do Gabu, já te mandei também algumas fotos.)

Estas de Bafatá são tiradas  junto  à casa da Célia (onde vive há 53 anos) e à  casa onde dizem que o Amílcar nasceu. É a última rua paralela ao rio.

É uma zona onde moram poucos europeus, luso-guineenses e libaneses. Uma zona da cidade sem vida. Onde existem algumas repartições publicas.

Ab, Patrício.

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26086: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (37): Bafatá e a Célia Dinis, que merecia uma estátua e não uma medalha...