quinta-feira, 21 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11288: (De) caras (13): Guerra Ribeiro, natural de Bragança: de administrador colonial no tempo do Schulz a intendente no tempo de Spínola (Paulo Santiago / Cherno Baldé / António Rosinha)


Foto 1> Guiné > Zona leste > Bambadinca > BART 2917 (1970/729 > Março de 1972 > Carreira de tiro > Da direita para a esquerda: (i) na primeira fila: o general Spínola  e o ten cor Polidoro Monteiro (comandante do BART 2917); e atrás, na segunda  fila,  (ii)  o  antigo administrador de Bafatá, o então intendente Guerra Ribeiro.



Foto 1> Guiné > Zona leste > Bambadinca > BART 2917 (1970/729 > Março de 1972 > Carreira de tiro > Da direita para a esquerda: (i) na primeira fila: Comandante do CAOP 2, General Spínola,  e o ten cor Polidoro Monteiro (comandante do BART 2917); e atrás, na segunda  fila,  (ii) o Paulo Santiago (,de bigode e óculos escuros, o ten-cor Tiago Martins e o  antigo administrador de Bafatá, o então intendente Guerra Ribeiro.



Foto 2-A > Guiné > Zona leste > Bambadinca > BART 2917 (1970/729 > Março de 1972 > Carreira de tiro > em primeiro plano, dois civis, da administração colonial , sendo o segundo o Guerra Ribeiro), no meio de militares, com o gen Spínola ao centro; ao fundo, à direita o nosso grã-tabanqueiro Paulo Santiago, na altura instrutor e comandante de companhia de milícias.


Foto 2 > Guiné > Zona leste > Bambadinca > BART 2917 (1970/729 > Março de 1972  > Foto de conjunto das autoridades civis e militares em visita à carreira de tiro de Bambadinca.

Fotos (e legendas): © Paulo Santiago (2013). Todos os direitos reservados [Fotos editadas pro L.G.]


1. Mensagem do Paulo Santiago [ex-Alf Mil At Inf, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72], com data de ontem:

Olá,  Luís

No P 11281 (*) fala-se do Guerra Ribeiro, Administrador de Bafatá. Conheci a pessoa num dia em que apareceu no Saltinho,e lá pernoitou.

Mais tarde,apareceu em Bambadinca na cerimónia de encerramento do curso de Milícias. Nesta altura, já não era Administrador, era Intendente, e penso que estava em Bissau, mas sei muito pouco sobre estes cargos da Administração Civil. [Voltei a Bambadinca em Janeiro de 72 e, durante o novo curso de milícias, tive duas visitas do Com-Chefe, uma aí pelo meio e a outra no final tendo, desta vez, sido cumprido todo o programa de encerramento, que incluiu uma deslocação de viatura à carreira de tiro, que ficava para lá do destacamento da Ponte de Udunduma, a caminho do Xime].

Nas fotos juntas, Março de 72, aparece o então Intendente Guerra Ribeiro. Na primeira, é a pessoa de farda amarela, atrás do Polidoro Monteiro e do Spínola. Na segunda, está a olhar para o lado esquerdo, e vê-se, também fardado,um outro elemento da Administração Civil que não sei quem é. (**)

Abraço, Paulo Santiago


2. Comentário de Cherno Baldé ao poste P11281 (*):

O Guerra Ribeiro, Administrador da Circunscrição, depois Concelho de Bafatá nos anos 60, era o terror dos nativos "indígenas" que viviam nos arredores ou visitavam a cidade, por força de uma medida administrativa que mandava prender e açoitar todos os nativos que nela entrassem de pés descalços.

A medida era inédita, controversa e paradoxal, porque no seu ambiente natural, salvo raras excepções (personalidades politicas ou religiosas), o nativo guineense, em geral, não usava sapatos no seu dia-a-dia e, também na fase inicial da colonização, o uso de sapatos entre o "gentio" ou era mal visto ou simplesmente proibido pela administração.

E, de repente, nos anos 60, o Administrador de Bafatá confundiu a mentalidade dos nativos com esta medida que intrigava muita gente e teria sido motivo para o surgimento de casos caricatos que ainda hoje se contam e são motivo de divertidas gargalhadas.

Com esta medida histórica, quem tivesse que passar por Bafatá, por qualquer motivo, sabia de antemão ao que era obrigado, mesmo que, por isso, tivesse que arrastar os pés ou andar como um coxo, porque os cipaios de Guerra Ribeiro estavam lá para fazer cumprir a ordem.

Assim, na região de Bafatá a história do uso de sapatos está intimamente ligada ao nome de Guerra Ribeiro, e a maioria dessas pessoas compravam o seu par de sapatos exclusivamente para satisfazer
o Senhor Administrador de Bafatá.

O nome de Guerra Ribeiro está também ligado a construção do Bairro-de-Ajuda, o único Bairro digno deste nome na periferia da antiga Bissau,  construído na base de trabalho obrigatório.

É por estas e outras coisas que, hoje, face a situação actual do pais, muita gente questiona (em especial os mais velhos) se não era melhor manter a ordem e a disciplina coloniais.

 3. Comentário do António Rosinha ao poste P11281 (*):

Sempre houve chefes de Posto, ou Administradores coloniais,  que deixaram marcas como este Guerra Ribeiro que talvez o nosso Cherno só já conheceu de ouvir falar.

Mas não sei se existiu mesmo uma lei colonial ou não que se contava: "Nas Repartições do Estado, não podem entrar nem cães, nem pretos descalços".

Mas o trabalho obrigatório como o bairro da Ajuda já fora da Chapa-Bissau (moderno), esse trabalho teve mais ou menos o mesmo processo do trabalho criticado políticamente pelos movimentos PAIGC, MPLA...que era os "contratados" em Angola.

Também lá em Angola eram os Chefes de posto ou Administradores que, como Guerra Ribeiro, arrebanhavam, convocavam, obrigavam, "contratavam" os jovens das tabancas a prestarem trabalhos
temporários, que eram sempre remunerados e com normas.

E,  como diz o Cherno, a "disciplina colonial", também eu digo sempre, que os velhos régulos "gostavam" dos chefes de posto. Mas não é fácil de explicar, quem poderia explicar bem era um Luís Cabral, um Nino, e mesmo Amílcar Cabral.

Os que politicavam antes da guerra diziam que,  se se produz tanta riqueza para o branco com trabalho obrigatório, quando for a trabalhar para nós...imagine-se.

Ainda trabalhei com guineenses na Tecnil que conheceram esse muito afamado Guerra Ribeiro, para o povo era tão afamado como Spínola. Sempre que ouvia falar nele era no tom como aqui se fala do Salazar, quando se diz agora só "dois salazares".

A minha vida em Angola foi trabalhar com "contratados", e só soube analisar o que isso era depois de trabalhar 13 anos na Guiné com "voluntários". E cá, com brasileiros, guineenses, moldavos e ucranianos.

4. Comentário do editor:

A expressão "Guerra Ribeiro - Bafatá" aparece num documento, de 5 páginas, manuscrito, de Amílcar Cabral, sem data, disponível no Arquivo Amílcar Cabral:  "Título: Ordens de Missão. Assunto: Apontamento com Ordens de Missão manuscrito por Amílcar Cabral. "Guerra Ribeiro - Bafatá". Data: s.d. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral (Organização Militar, Organização do Lar, Estratégia Militar)".

No museu da RTP há um outro documento se ciat o nome do Guerra Ribeiro: trata-se do texto do programa "Crítica literária, por José Blanc de Portugal", que passou na Emissora Nacional, em 27 de julho de 1966, às 14h50

Nesse programa fala-se do livro  de crónicas do jornalista e escritor Amândio César, Guiné 1965: Contra-ataque. Numa dessas crónicas, aparece o nome de Guerra Ribeiro, que faz de tradutor para o Amândio César, numa cerimónia de juramento de bandeira de soldados do recrutamento local, em Nhacra, cerimónia essa que é abrilhantada com cânticos e danças mandingas. Diz o José Blanc de Portugal:, citando o cronista "Eu não, eu não sou terrorista. Sou português da Guiné Portuguesa". E comenta Amândio César: "Era o fim desta maravilhosa. Os versos traduzia-mos Guerra Ribeiro, um bragançano que se encontra há muito na Guiné Portuguesa. O povo continuou a comemorar aquela festa de ronco pelo dia adiante. Tinha direito a esta festa que era portuguesa e pelos pretos da Guiné portuguesa" (...). 

Noutro documento do museu da RTP, disponível na Net, Amândo César refere-se a Guerra Ribeiro como administrador de Bissau.

Ficamos, portanto, a saber que o administrador Guerra Ribeiro era  natural de Bragança, bragançano ou bragantino.

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de março de 2013 >  Guiné 63/74 - P11281: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte VII): Bafatá, uma piscina para três mil...

(**) Último poste da série > 9 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10133: (De) caras (12): Foi com um arrepio que voltei ao Xime e a Mansambo, ao ver o vídeo sobre o quotidiano da Cart 2339 (António Vaz, ex-cap mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)

9 comentários:

Anónimo disse...

Caros amigos e camaradas,

Este caso não é assim tão inédito. Na cidade da Horta, Ilha do Faial, era proibido o pé descalço na cidade.

Essa regra também dificultava a vida das pessoas campesinas que, na sua labuta diária, andava quase toda descalça.

Estou-me a referir aos meus tempos de estudante liceal.

Abraço,
José Câmara

Luís Graça disse...

No norte do país também era prática corrente nos anos 50: os camponeses iam descalços para a feira, mas à entrada das vilas enfiavam os chinelos ou as tamancas, com medo da GNR... LG

Henrique Cerqueira disse...

No Porto também era proibido andar descalço na via pública.Era frequente verificar as mulheres que vendiam galinhas de porta a porta e se chamavam de"Galinheiras" . Como carregavam grandes cestos com galinhas era normal vêlas descalças e quando viam o polícia calçavam de imediato as socas ou chinelos.Era frequente haver polícias de mau carater se colocarem estratégicamente emboscados á espera dessas mulheres para as multar e então era nosso prazer de crianças estragar o esquema do policia avizando as mulheres do local onde estava o policia.Claro que esse policia não descansava enquanto não nos apanhasse a fazer alguma asneira,tal como a jogar a bola na rua e quase sempre descalsos.Isto se passava quase sempre nos jardins da Rosália,na Praça da Galiza enfrente á escola Gomes Teixeira.Quem é do Porto sabe onde é.
Mas sabem uma coisa? Nessa época havia polícia de proximidade.E salvaguardando a maioria dos visados nessa altura as"luvas"que alguns calçavam eram bem mais pequenas que as de agora...e até nem precisam de estar em "proximidade". Enfim avansemos senão este comentario fica a "cheirar mal dos pés descalços"
Não há volta a dar e veremos o que aí virá?????
Henrique Cerqueira

Anónimo disse...

Para que conste, em termo de comentário, gostava de lembrar que em Évora minha terra natal e onde cresci e vivi até aos 18 anos, também existiam algumas regras sobre os "pé descalço", havia mesmo o Albergue Distrital de Mendicidade de Évora para onde eram levados e ali ficavam semi-aprisionados todos os que fossem apanhados descalços ou a pedirem esmola. Não eram presos em celas, mas não podiam de lá sair e tinham que trabalhar a terra de onde extraiam os produtos agrícolas...
Quanto ao trabalho posso também acrescentar que aquele que hoje é ainda um edifício actual e bem parecido onde funcinam o tribunal, registo civil etc, ao largo das Portas de Moura, que se chamava e creio manter o nome de Palácio da Justiça, foi construído, não sei se na totalidade, talvez não, mas com a mão d'obra dos presos da cadeia de Évora.
Todas estas situações eram medidas, creio que, generalizadas por todo o País, nada tendo que ver com outros aspectos de cor ou etnia...
BS

Antº Rosinha disse...

Havia alguns alferes milicianos oriundos das nossas pequenas cidades que não sabiam que muitos mancebos das grandes aldeias, apenas calçavam botas diariamente quando iam para a tropa.

Muitos sabiamos como era o uso habitual de socas e tamancos no mundo rural português.

Alguns sabemos o que era regar os campos "a pé".

Quem não sabe que no nosso mundo rural dos anos 50 e princípios de 60 imensos pastores e trabalhadores braçais apenas iam ao mercado comprar sapatos e ir ao alfaiate fazer um fato quando iam à inspecção militar?

Quem não sabe que havia pares de calças só ia para o lixo quando os remendos já ocupavam maior área que o tecido original?

Estranhei ver na televisão recentemente um grande escriror ex-oficial milº da guerra do ultramar relatar como grande admiração, para um entrevistador estrangeiro: imagine que um dia um soldado me disse que a" primeira vez que calçou botas, foi quando veio para a tropa". Só um soldado?

Claro que os oficiais oriundos da linha-de-cascais não sabiam o que se passava na linha-do-vale-do-tua, nem na linha-do-minho.

Curioso que os angolanos, guineenses e alguns brasileiros, conheciam-nos melhor que nós próprios.

Cumprimentos

Tony Borie disse...

Olá Camaradas.
Saúdo todos, em especial o Paulo Santiago, que é oriundo de Águeda, terra onde nasci.
Gostei de ler as histórias do "pé descalço"!.
Nos meus escritos, menciono algumas vezes os "Primos de Lisboa", pois ela a minha prima, era filha da minha tia, irmã do meu pai, oriunda dos "palheiros" das praias do lado de lá da Figueira, e que em tempos vendia peixe, com uma canastra à cabeça, pelas ruas de Lisboa, e contava a minha prima, que a minha tia, comprava um par de "chinelas", que duravam uma eternidade, pois usava a esquerda, até acabar, e depois usava a direita, também até acabar, caminhando pelas ruas de Lisboa, mancando, ora da direita, ora da esquerda, com um pé calçado, mas dentro da lei, pois andava calçada, embora só num pé!.
Um abraço.
Tony Borie.

José Botelho Colaço disse...

Em 1965 estive em Bafatá cruzei-me algumas vezes com o chefe de posto de Bafatá, em todas elas houve uma que me deixou marca e porquê!Uns quatro ou cinco militares entre eles o Morujo Júlio que foi atleta do Sporting passeavam naquela rua onde havia as bombas de gasolina.
Em sentido contrário vinha o chefe de posto como o Morujo não saiu do passeio para sua excelência o chefe de posto passar ele ofereceu um soco no Morujo e só não passou à prática porque teve receio que o feitiço se voltasse contra o feiticeiro.
O morujo só lhe disse estas palavras você dá um soco e você leva outro.
Resultado o homem lá seguiu mas vociferando preto filho da p... e mais.
Um alfa Bravo.

José Nunes disse...

Na construção do Bairro da Ajuda houve uma bronca das antigas com os pilares,gastou-se muito ferro mas o mesmo não foi aplicado na obra,os pilares tinham sibe em vez de ferro,foi descoberto quando da montagem da rede electrica pois ao abrir buracos nos pilares para montar os pistaletes de suporte das linhas se encontrou sibe na estrutura do pilar,a obra foi interrompida,houve muito burburinho,depois mandaram fazer umas abraçadeiras a abraçar o pilar,e a obra fez-se.

Anónimo disse...

Vai inseguro e descalço
caminhando sobre a calçada
Será policia, será gente
Gente não é certamente
bota do policia não bate assim.

Podia-se andar descalço..não podia, ..mas andava.
Dinheiro para o calçado não havia, mas devia andar calçado..devia, mas não podia..
Devia e não podia..
Devia e não podia..

C.Martins