sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5302: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (14): Alcobaça. Doces. Licores. Coisas do Céu e da Tabanca. Paixão. Amizade. Camaradagem (José Eduardo Oliveira)



Alcobaça > XI Edição de Licores & Doces Conventuais de Alcobaça > 15 de Novembro > O JERO, à direita, juntamente com o Belarmino Sardinha, o único representante (oficioso, mais a Antonieta) do nosso blogue na festa de Alcobaça (O Belarmino é uma camarada solidário e prestável que vive ora em Odivelas, ora no Cadaval; foi 1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau).

Texto e fotos: JERO (2009).


1. Mensagem do JERO, com data de 16 do corrente, dando conta do cumprimento da Operação Barriguinhas de Freira, Papos de Anjo, Toucinho do Céu, Pudim dos Frades, Papão Anjo, Natas Conventuais, Fatias de Bispo, Queijinhos do Céu, Mexidos dos Anjos, Pudim Abade de Priscos, Pescoços de Freira, Cavacas de Santa Clara, Madalenas do Convento, Creme da Madre Joaquina, Lampreias de Ovos das Clarissas de Coimbra, Sopapo do Convento, Pão-de-ló do Mosteiro de Alcobaça, Bolo podre conventual, Creme de Abadessa, Sopa Dourada de Santa Clara, Mexericos de Freira, Hóstias de Amêndoas e... uf!, Bolo do diabo... (que não é assim tão feio como o pintam!).

VISITAS DE TERTULIANOS DA “NOSSA TABANCA GRANDE” AOS DOCES CONVENTUAIS DE ALCOBAÇA

por JERO

Vinte quatro horas depois do encerramento da XI Edição dos Doces & Licores Conventuais de Alcobaça, que teve lugar de 12 a 15 de Novembro p.p., venho fazer um primeiro balanço da adesão dos tertulianos ao meu (singelo) convite (*).

Todas as minhas expectativas – mesmo as piores – foram ultrapassadas. Tive um tertuliano (e sua mulher) em Alcobaça. Alentejano (do Cadaval), o Belarmino Sardinha veio até mim. Sim, senhores, esteve comigo 1 (UM) tertuliano!

E passámos umas horas bem agradáveis, cuja confirmação (por escrito) já está em meu poder.

Mas antes desse pormenor, que tratarei mais à frente, sinto-me na obrigação de começar por fazer uma primeira leitura estatística da adesão de tertulianos ao meu convite de 5 de corrente: Vd. Postagem 5220 > Agenda Cultural (42) (*).

Felizmente tenho muitos amigos e no que respeita a estatísticas (e sua análise) lembrei-me de um conterrâneo que trabalha no MAI [, Ministério da Administração Interna,] bem perto do Gabinete do nosso Ministro Rui Pereira, a quem dei conta dos números (ou melhor do número – 1 visitante) que tive nos Doces Conventuais deste ano.

E bem depressa tive uma resposta com uma leitura optimista em relação à percentagem de adesões. Em relação ao ano anterior – zero visitas – o aumento deste ano (1 visita) era verdadeiramente significativo.

Também outro número podia ser equacionado e este bem mais recente e não menos importante. A nossa economia cresceu no último trimestre 0,9% e afinal eu tinha tido 1 (!) (ponto de exclamação). Melhor dizendo 1,0 visitante. Esse aumento não era desprezível e eu não o podia ignorar.

Fiquei algum tempo calado – a informação era telefónica – mas lá me recompus e, ao fim de um longo silêncio, agradecia-lhe a atenção. Ele não deixava de ter razão.E a leitura fria dos números é mesmo assim.

Portanto, é já um pouco animado, que me dirijo ao fundador, administrador e editor do blogue Luís Graça para lhe dizer que não sabe o que perdeu. Ele e todos os outros que me ignoraram.

Perguntem ao Belarmino Sardinha que, mesmo angustiado como sportinguista que é (e não renega neste momento difícil da vida do seu clube de sempre), não deixou de vir até a Alcobaça. Perguntem-lhe.

Cabe aqui dizer que no dia da sua visita a Alcobaça (13/11/09) ainda se falava de José Saramago para treinador do Clube de Alvalade, não se perfilando ainda a candidatura, (confirmada), de Carlos Carvalhal, a quem desejo - como desportista (e benfiquista) - as maiores felicidades a partir da 12º. Jornada…

Voltando ao Belarmino Sardinha foi um grande prazer conhecê-lo e evidentemente que muito falámos da Guiné e do “nosso” blogue. Fomos (obviamente) almoçar com as preocupações inerentes a uma dieta conventual (frango na púcara).

No que respeita a dietas, pedi um “parecer” a um especialista – um bom amigo e Professor de História, em Leiria, de nome António Valério Maduro - , que reproduzo à parte.

Sugiro que o leiam para saberem como comiam os monges no Sec. XVIII. É o mínimo que me podem fazer depois do desgosto que me deram com a vossa ausência nesta XI Edição dos Doces & Licores Conventuais de Alcobaça.

Mas, se Deus quiser, para o ano há mais e o meu convite mantém-se. Até lá... se vieram para estes lados do litoral Oeste (Alcobaça) digam alguma coisa.

Um grande abraço do JERO.

2. Comentário de L.G.:


Meu caro IERO: Tomei boa nota, na minha agenda, do teu generoso e indeclinável convite, com data de 5/11/09:

Boa noite Luís

É tempo de abrir a agenda e escrever:"Alcobaça. Doces. JERO".. Falta uma semana. A XI Mostra vai decorrer no Mosteiro de Alcobaça de 12 a 15 de Novembro corrente.
Falta uma semana.É uma oportunidade única.Garanto à fé de quem sou. Para quem vier cedo podemos ir aos doces e visitar ,depois de almoço, o Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota que fica a cerca de 10 kms. de Alcobaça. Quem precisar de ajuda ou tiver alguma dúvida contacte-me por favor - telef. 963147683.

Recordo que ALCOBAÇA é Terra de Paixão. E quem passa por Alcobaça (**)...


Meu caro JERO:

Simplesmente o raio do fim de semana foi curto como a manta do pobre. A gente bem estica o tempo, mas ele não é elástico... E Alcobaça, de facto, aqui tão perto, no centro do nosso querido Portugal!...

Que decepção, que vergonha! ...

Mas eu sei que o teu coração, grande e generoso, sabe perdoar, enquanto a cabecinha prepara a vingança, que se há-de servir fria... Por exemplo, por que não fazer o próximo encontro, o quinto, nacional, da nossa Tabanca Grande, lá para finais de Abril de 2010, na tua terra, de que muitos dos nossos camaradas não conhecem os segredos, os encantos, a história, a cultura, a gastronomia, o património, a natureza, as gentes... E que melhor guia do que tu, jornalista e homem de cultura, para levares os nossos tabanqueiros até à (re)descoberta da tua milenária Alcobaça onde não há santo nem combatente nem turista que resista à tentação de um doce e de um licor dos grandes e sábios monges de Cister...

Para aqueles que dizem que conhecem a tua terra, vamos pô-los à prova, com este verso da canção da tua terra:

(...) Sua lembrança não passa
Porque não pode passar.
Por mais que tente e que faça,
Quem passa por Alcobaça
Tem de por força voltar. (...)


E assim, amor com amor se paga... Luís

PS - Agradece, em nome de todos nós, ao teu amigo Maduro este bem documentado, leve, humorado e didáctico texto sobre o "ventre de Alcobaça" (se não maior, seguramente mais requintado que o "ventre de Bruxelas")... Para a próxima explica-nos lá o alcance (filosófico) deste provérbio conventual, agora tão apropriado à época de frio que se aproxima: "Freiras e frieiras, é coçá-las e deixá-las"... É um bom tema para a nossa tertúlia, seguramente mais divertido do que o pum!pum!pum! dos nossos soldadinhos de chumbo...


2. A Alimentação dos Monges Cistercienses de Alcobaça no século XVIII
´

por António Valério Maduro


O que comem os monges reflecte, em grande medida, as posses da comunidade, o seu estatuto social e os princípios ideológicos que a norteiam. Vamos então observar os produtos que chegavam à mesa monástica.

Começamos pelo pão e para não haver confusões falamos de pão de trigo alvo, dado que o povo dos coutos consumia um pão negro em virtude da fraca taxa de peneiração, que irá ser substituído pela broa de milho. Aliás, o pequeno pão ou merendeira, designado por micha, que os monges distribuíam diariamente aos pobres na portaria do Mosteiro e junto às Granjas, era constituído, essencialmente, de farinha de milho, algum centeio e rolão de trigo (desperdício do pão consumido pelos monges).

A carne que chegava à cozinha do Mosteiro não provinha toda de animais criados nas terras dos coutos de Alcobaça. A falta de pastos condicionava a criação de gado bovino. Durante o século XVIII, a maior parte dos animais de trabalho e açougue eram importados do Minho. A inexistência de vacas leiteiras obrigava o Mosteiro a adquirir barris de manteiga para abastecer a sua requintada cozinha. Já os rebanhos de ovinos do Mosteiro provinham em grande parte da região transmontana.

A cozinha recebia grande quantidade de galinhas e frangos. De Maio de 1747 a 1748 regista-se a entrada de 7.788 galinhas e 519 frangos. Para igual período de tempo temos um consumo de 51.589 ovos. Por seu turno, a coelheira do Mosteiro, uma das maiores da Europa, abrigava cerca de 6.000 animais.

Para além dos animais de criação, a gastronomia monástica era prendada por variadas peças de caça, entre as quais se contam coelhos e patos bravos, perdizes, codornizes, galinholas e ades (designação genérica atribuída às aves palmípedes). No lote de aquisições da cozinha do Mosteiro encontram-se lombos de porco, pedaços de toucinho, presuntos, enchidos, como as morcelas de Arouca, paios, leitões para assar, entre outros acepipes.

O peixe fresco consumido pelos monges provinha dos portos da Pederneira e de Peniche. Temos referências a cambadas de chernes, pargos, congros, corvinas, robalos, besugos, pescadas, sardinhas. Para além do peixe fresco, o Mosteiro adquiria pescada seca de Vila do Conde e de destinos mais longínquos, como a Holanda e a Irlanda, cação de Buarcos, grandes quantidades de bacalhau… Sáveis, enguias e lampreias, muitas lagostas e amêijoas, polvos e lulas, entravam regularmente na dieta alimentar dos monges brancos.

No capítulo dos queijos, ao requeijão e queijo fresco produzido nas queijarias locais, juntavam-se os queijos importados do Alentejo, de Parma, Flandres.

O vinho que acompanhava as refeições era produzido nas adegas do Mosteiro. Trata-se de um vinho produzido pelo método de bica aberta, temperado com maçãs camoesas, cascas de laranja e arrobe, cujo grau e sabor frutado cativou tantos e ilustres visitantes. Estima-se num quartilho (0,5 l) a quantidade de vinho ingerida a cada refeição pelos monges, mas este quantitativo podia ser mais elevado, dado que os copos em que se servia o vinho levavam bem, na opinião do Marquês de Fronteira e Alorna, meia canada (1 litro).

As árvores de fruto tão acarinhadas pelos monges nos seus jardins e pomares repartem-se em frutos de caroço, pevide e espinho. Temos as maçãs camoesas e baionesas eleitas nos foros, as doces laranjas da China, ginjas, cerejas, damascos, figos, pêssegos e ameixas e nos frutos agros, as limas e limões. Para além da fruta fresca, o consumo também privilegiava as frutas secas, nomeadamente as passas de camoesas e peras de almíscar aparadas, de ameixas caragoçanas, etc.

A doçaria está bem representada pelas extraordinárias compras de açúcar, arroz e leite indispensáveis ao arroz doce e manjar branco, pelos barris de manteiga, pelos inúmeros ovos, por arrobas de amêndoa (de Torres Novas), por chocolate… As artes da doçaria e conserva requisitavam grandes quantidades de peras, laranjas, pêssegos, cidras, abóboras e figos. A pêra e a abóbora cobertas eram consumidas em épocas festivas. Importavam-se bolos de Almoster, queijadas...

A indústria apícola facultava o mel de tão grande utilidade no receituário de doces e também noutros pratos requintados e bebidas fermentadas.

António Valério Maduro
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5220: Agenda Cultural (42): Doces & Licores Conventuais em Alcobaça (José Eduardo R. Oliveira)

(**) Letra da canção

Quem passa por Alcobaça...


Quem passa por Alcobaça
Não passa sem lá voltar.
Por mais que tente e que faça,
É lembrança que não passa.
Porque não pode passar.


Não se esquece facilmente
Dos seuS mercados a graça.
E o seu mosteiro imponente
Recorda constantemente,
É lembrança que não passa.


Por mais que tente e que faça,
Ninguém se pode esquecer
Das margens do rio Baça,
Nem do Alcoa que passa
Por ser mais lindo de ver.


Sua lembrança não passa
Porque não pode passar.
Por mais que tente e que faça,
Quem passa por Alcobaça
Tem de por força voltar.

Autor da letra: Silva Tavares
Música: Maestro Bello Marques
Interpretação: Maria de Lurdes Resende

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5289: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (13): Distintivos das Unidades mobilizadas para o antigo Ultramar Português (Carlos Coutinho)

5 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Caro Jero

Compreendo bem o quanto te custou, apesar do avantajado aumento de visitantes ( de o para 1) à exposição da tua terrinha, Alcobaça, a ausência de tertulianos.

Sei bem que devíamos ter aceite o convite, mas, não o tendo aproveitado, não merecíamos o "castigo" aplicado: O belo texto de António Valério Maduro, "A Alimentação dos Monges Cistercienses de Alcobaça no século XVIII"

Sendo da zona (Leiria) sempre ouvi dizer da grandeza (espaço e saber) da cozinha de Alcobaça, mas nunca apurei o meu conhecimento como agora.

Se passar por aí, claro que entrarei em contacto contigo, quanto mais não seja para te dar um abraço, mas tenho de deixar a diabetes em casa.

Já agora, aceita o repto: Porque não proporcionar um encontro da tertulia, no mesmo distrito em que tem sido realizada (Leiria) mas um pouco mais a sul, ou seja Alcobaça, a tal de Pedro e Inês.

Um abraço

José Martins

Anónimo disse...

Caros Luis Graça e José Marcelino Martins

Repto aceite. Terei o maior gosto e orgulho em organizar - ou a ajudar a organizar - o próximo encontro da tertúlia em Alcobaça.
Acreditem que já estou a "ferver" com o tema e tenho já uma primeira ideia de esquema programático.
A saber:
Tarde de um sábado e domingo seguinte.
1) Quem quiser vir de véspera e pernoitar em Alcobaça ou arredores poderá visitar durante a tarde o Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota, que fica em S,Jorge a 17 kms. de Alcobaça.
Seguir-se-ia um jantar leve e visita a "capelinhas". Esta visita (opcional) poderia englogar 3 grupos etários: a) os "putos" com idades até 59 anos. b)os de meia idade, de 60 a 68 anos e c) os Veteranos, ou seja, os que já tenham feito 69.
Regresso ao hotel até às 6.00.
Domingo. Alvorada o mais cedo possível. Recepção frente ao Mosteiro até às 11H00; Missa às 11H30 seguida de visita guiada ao Mosteiro; Almoço às 13.00 na Quinta do Pinheiro (a 3 kms. de Alcobaça); convívio com acompanhamento musical de um grupo da região (Soão,danças e cantares); visita opcional (para ajudar a fazer a digestão) à Pequena Terra, que é uma quinta pedagógica na mesma região (tem uma colecção de aves raras notável).
Quem quiser fica para jantar. Regresso a penates.
Para a visita guiada ao Mosteito tenho dois historiadores amigos :- Rui Rasquilho, antigo Director do Mosteiro, e António Valério Maduro, Professor de História, e autor do texto anexo a esta postagem. Está claro que,com a devida antecedência, gostaria muito de ter uma visita vossa para conhecerem os locais que refiro no meu Projecto.
Digam coisas.Um grande abraço do JERO.
S-Para o Luis.Aguardo um parecer sobre o provérbio das "freiras e frieias".Conto dizerr alguma coisa dentro em breve.

Joaquim Mexia Alves disse...

Por acaso eu, que vivo longe "comó caraças" de Alcobaça, ou seja, para mais de um dezena de quilómetros bem podia ter ido beber um licorzinhoe comer um docinho, mas lá está, «santos de casa não fazem milagres».

Mas acho muito boa a ideia do próximo almoço em Alcobaça, (tem uma pontinha de interesse próprio dada a distância que terei de percorrer) e sobretudo com um anfitreão que se revela magnífico é coisa para eu querer já marcar lugar.

Abraço camarigo para o Jero e para todos

Joaquim Mexia Alves disse...

Em tempo:

Está mais que provado que o pessoal daqui da zona é bom nos comes e bebes!!!

Unknown disse...
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