Guiné - Guerra e Descolonização…
Mexia Alves
Quem me conhece sabe que tenho as emoções à "flor da pele", que rio e choro com a mesma facilidade, que me empenho nas causas e com elas sofro e me alegro, que não tenho problema em mostrar as minhas emoções e que como referências da minha vida, para além de Deus em primeiro lugar, tenho a amizade, a fidelidade, a gratidão.
Este intróito é para vos dizer que ontem, ao ler o post 18 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2959: A guerra estava militarmente perdida? (19): MIGS e Aliados. Juvenal Amado. M. Beja Santos. ", me irritei, com uma irritação daquelas que fazem sair de dentro de nós golfadas de revolta, e que nos "tiram do sério" como se costuma dizer.
Sentei-me ao computador e comecei a escrever, mas depois, como já me vou conhecendo ao longo destes 59 anos de existência pensei:
"Joaquim, irritado como estás, vais fazer merda. Vais escrever coisas que depois perceberás que não querias escrever ou que colocarias de outro modo."
Assim, levantei-me dali, fui dar uma volta, estar com a família e depois voltei.
Fui alegremente surpreendido com a minha "declamação" no Encontro de Monte Real, (obrigado Luís), o que logo acalmou o meu espírito e me trouxe uma qualquer água aos olhos.
Decidi então que a noite é boa conselheira e portanto que deixava para hoje a minha resposta, ou melhor, os meus considerandos sobre o referido post.
E então o que é que tanto me irritou?
O que tanto me irritou foi isto:
"Quanto se utiliza o relato de actos de bravura dos nossos soldados, para se negar o que era inegável.
A derrota militar era uma realidade.
As derrotas militares são normalmente precedidas do sofrimento das populações civis. O Povo Português estava casado de sofrer.
Se não se tem promovido etnias em desfavor de outras. Se não se tem promovido a cavaleiros do Império, soldados oriundos das populações indígena, que fizeram em muitos casos o trabalho ‘sujo’, a guerra teria durado ainda menos.
Quando li as opiniões de alguns nossos camaradas sobre a questão, fiquei perplexo.
Parece que falam de outra realidade.
Na opinião deles, este país que vivia num atraso tal que competia com as próprias colónias, tinha condições para se manter como a última potência colonial. Contra tudo e contra todos.
Na minha opinião há de facto falta de realismo nesta visão e 34 anos após a revolta dos que lá combatiam, alguns ainda mantêm o sonho inexplicável do Império Colonial."
Apetecia-me responder ponto por ponto ao que aqui está escrito, mas confesso não tenho paciência para isso.
Mas mais uma vez vou dizer aquilo que tenho repetido até à exaustão:
Não gosto da guerra, não queria a guerra, fiquei muito feliz por a guerra ter acabado, e não tenho nenhum sonho com o Império Colonial.
E tenham paciência, é inadmissível que torçam as palavras e que se retire delas o que elas não contêm.
Quando iniciei esta "polémica" foi no sentido de afirmar que à data do 25 de Abril a guerra na Guiné não estava militarmente perdida, e neste desiderato não coloquei quaisquer intenções politicas, ou outras que sejam a não ser a afirmação de que, para mim, a guerra na Guiné, na altura do 25 de Abril, não estava militarmente perdida.
Vir-se agora com conotações políticas, chamando colonialistas e sei lá mais o quê a quem defende esta afirmação, é no mínimo trazer argumentos políticos para uma discussão que nada tem de político, (embora a guerra envolva o político, obviamente), e é vir colocar labéus infelizes sobre camaradas que respeitam e devem ser respeitados.
"Parece que falam de outra realidade.”
Porquê? Também lá estive e até estava nessa altura, ou será que a realidade de uns é mais realidade que a dos outros?
Quanto aos guineenses que lutaram connosco apenas digo que tenho muito orgulho neles e tenho muito orgulho em os ter comandado.
Quanto aos considerandos da guerra deixo ao Graça de Abreu a resposta que já deu, e que o faz bem melhor do que eu, mas deixo a talhe de foice, que por esses tempos a CCaç 12, comandada brilhantemente pelo Cap. Bordalo, numa operação, salvo erro na zona do Xime, eliminaram em combate, (andei a escolher a palavra), o comandante da zona do PAIGC, Mário Mendes.
Quanto a ti meu caro comandante e amigo Mário Beja Santos já to disse uma vez e volto a repetir:
Estou-me borrifando, (desculpa porque não é menos consideração por ti, que a tenho como sabes), para o Kissinger, Nixon, Marcelo Caetano e todos esses políticos que apenas falam do que julgam saber.
É curioso reparar que mesmo ao nível dos militares a diferença é abissal nas opiniões sobre este assunto da guerra perdida ou não militarmente:
Aqueles que nela mais se empenharam e participaram operacionalmente são da opinião que não estava perdida, aqueles que ocupavam outro tipo de posições e depois se voltaram mais para a política têm opinião contrária.
Já agora deixa-me dizer-te que Freire Antunes não é, nem de perto nem de longe, o oráculo fiel da guerra de África e que se percebe nalgumas entrevistas que a opinião dos entrevistados já vem influenciada pelas mudanças, em boa hora (repito em boa hora), ocorridas no país.
Como é mesmo o "motivo" do nosso blogue?
Não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti.
Sem mais palavras.
Apenas para confirmar aquilo que já sabes, ou seja, que as informações, os relatórios, nem sempre correspondiam à verdade, digo-te aqui que a história oficial da minha companhia do Xitole, relata a certa altura uma tentativa de "golpe de mão" ao quartel pelo PAIGC.
Como nunca tinha ouvido falar em tal coisa perguntei aos meus camaradas e amigos que tinham ficado no Xitole como tinha sido: ficaram tão admirados como eu!!!
"Por favor, não se insinue que os militares portugueses estiveram associados ao colapso."
Não, caro Mário, não insinuo nada disso, nem sei onde vais buscar tal ideia!
Afirmo pelo contrário, que não houve colapso nenhum e que a não existência desse colapso, ou derrota militar, se deveu, apesar de todas as dificuldades que tão bem enumeras, à incrível valentia, coragem, empenho e heroicidade dos soldados, furriéis e oficiais portugueses, na sua esmagadora maioria milicianos.
Quanto a este assunto, dou por terminada a minha intervenção, pois me parece que é polémica sem fim, a não ser que algo me faça por imperativo de consciência voltar à liça, com o respeito e amizade que todos me merecem.
Duas palavras finais neste já longo escrito para dizer que gostei do texto do José Belo, no qual me revejo em muitas coisas e que foi uma alegria poder vir a saber que fomos colegas de colégio, em Lisboa, embora ele mais adiantado, porque nasceu primeiro!
A outra para os textos do Carmo Vicente e apenas para dizer que são muito vivos e impressionantes, mas desculpem-me porque para a guerra do "nós somos bestiais, e os outros não prestam", já dei e não volto a dar.
Os Fuzileiros fogem, os Comandos descansam, a Força Aérea não voa, os oficiais não prestam e a tropa do "arre-macho" é uma desgraça, apenas os Pára-quedistas se safam no meio disto tudo!
Termino como comecei, ou seja, com as emoções à "flor da pele", para dizer que tenho os braços do tamanho do mundo e que nunca os fecharei a ninguém, porque todos neles cabem, como eu acredito que caibo nos braços de todos.
Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
__________
Notas:
1. Adapatação do texto da responsabilidade de vb;
2. Mensagem perdida e recuperada graças ao Joaquim Mexia Alves;
2. vd. artigos relacionados em:30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3002: A Guerra estava militarmente perdida? (23). Comentário do Cor Amaro Bernardo.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
lamento que as minhas opiniões sobre o assunto te tenham enervado. Não era minha intensão faltar ao respeito a ti nem a ninguém.
De qualquer forma, continuo a acreditar que era só uma questão de tempo e o tempo, não jogava a nosso favor.
Acredito que mesmo assim o teu abraço, também é dirigido a mim e por mim é retribuido.
A qestão do tempo, meu caro Sacadura, é futurulogia! O amanhã não existiu, não existe, poderá acontecer. Será que somos Bruxos Adivinhos? Quem arranjou esta trapalhada toda, nunca respondeu às questões por mim postas.Meu amigo, não acham que já chega? Não soltem as abelhas! O brioso soldado Português está a ser desonestamente mal tratado!
Mário Fitas
Caro Joaquim M. Alves
Também quando li o post do J.Amado, tive uma grande vontade de lhe responder, taco a taco...mas como tu também dizes, não há paciência..e ainda por cima é uma pessoa do meu Batalhão (BCAÇ 3872).
Acabei por referir no meu post sobre o "regresso", o meu acordo sobre as tuas posições, do Graça Abreu, do Coronel Amaro Bernardo e de tantos outros, que parecem não alinhar no "politicamente correcto".
Parece que não estivemos no mesmo território, na mesma guerra.....
Caraças!!!!
Um abraço
Luís Dias
Meu caro Sacadura, que julgo seres o Juvenal Amado.
Não fiquei nervoso, fiquei talvez irritado, incomodado, porque ao longo de tantos escritos sobre o tema sempre afirmei que era contra a guerra, etc, etc, e o que estava a ler dava-me como alguém que pretendi a guerra e que era colonialista.
Para além disso eu sempre afirmei que este tipo de guerras estavam de uma maneira geral perdidas, por causa da politica, (excepção feita a Angola naquela altura).
O que eu afirmava e afirmo é que se quis dar uma hegemonia ao PAIGC que ele não possuia, e um dominio que também não tinha de modo nenhum.
A nossa situação em guerra era bem mais dificil que a deles pois tinhamos que ocupar terreno, proteger populações, construir infraestruturas.
O PAIGC atacava e regressava de uma maneira geral, repito de uma maneira geral, à segurança de além fronteiras, em outros paises.
Os escritos já passaram e quem me conhece sabe que eu digo o que tenho a dizer mas nunca ponho em causa as amizades, ou as relações que ligam as pessoas entre si, que são bem mais importantes que as polémicas, por isso venham daí esses ossos, e recebe um abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
É precisamente pela grandeza de carácter que o Joaquim Mexia Alves revela (e tem sempre revelado, é bom que se sublinhe)e que está bem patente neste último comentário dirigido ao Juvenal, que me sinto muito bem por, através deste blogue, ter podido contactar e até conviver com tal Homem, embora não esteja totalmente (escrevi totalmente de propósito) de acordo com ele.
Hélder Sousa
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