terça-feira, 12 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4326: Estórias cabralianas (49): Cariño mio... Muy cerca de ti, el ultimo subteniente romántico (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, ex- Alf Mil Art, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71)

Amigos!
A propósito do Mato Cão (*) aí vai estória.
Luís, prepara o prefácio.

Abração,
Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas > Da Enfermeira Cubana aos Tubarões no Geba

Dois dias depois de chegado a Bambadinca em meados de Junho de 69, fui mandado montar segurança no Mato Cão. Periquitíssimo, cumpri todas as regras, vigiando a mata de costas para o rio, sem sequer reparar na beleza da paisagem.

Mal sabia então, que ali havia de voltar dezenas de vezes, durante o ano que passei em Missirá. Pelo menos uma ida por semana para ver passar o Barco, no que se transformou numa quase agradável rotina.

Se a hora era propícia até lá batíamos uma boa sesta e certamente algum turra passeante se surpreendeu com os meus estridentes roncos, os quais numa estória que conto aos miúdos, assustavam os tubarões do Geba.

Tubarões no Geba? Claro que sim!

Pois não relatou o meu avô, militar em Moçambique na Guerra do Mouzinho, que marchou um dia inteiro por cima de uma jibóia?

Aí por Março de 71, chegou-me uma informação mais que duvidosa, mas que eu quis acreditar – em Madina existia uma enfermeira cubana. Ora na altura tinham-me mandado afixar nas árvores do Mato Cão, uns panfletos, convidando os turras à deserção.

Quais turras, quais quê? Eu só pensava na Cubana, que a minha imaginação transformara numa bela andaluza cheia de salero. Ela sim, seria bem-vinda a Missirá.

Assim em vez dos panfletos deixei uma mensagem:

“Se habla español. Mui cerca de ti, Cabral, el último alférez romántico”...

Que terão pensado os guerrilheiros?

Não sei. Mas hoje acredito que foi por esta e por outras que o Missirá do Cabral nunca foi atacado.


Jorge Cabral

3. Comentário de L.G.:

Não resisto, embora quebrando o meu dever de isenção, a fazer um comentário a mais esta estória cabraliana. O Jorge, que na vida real é professor universitário, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, onde coordena a pós-graduação de Criminologia e onde lecciona matérias como Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito de Menores, não é dos tabanqueiros mais assíduos. Sei que nos lê religiosamente todos os dias, mas é mais parco na colaboração escrita. Não sendo prolixo, é contudo um dos autores mais queridos do nosso blogue, tendo inclusive um clube de fãs...

Fico feliz por ele, expressamente, me convidar para prefaciar o seu futuro livro, que ainda não tem título nem editor. Claro que aceito, logo de caras. E vamos fazer tudo para que se tranforme no sucesso editorial do ano. Ele, Cabral, bem o merece. E, com ele, o nosso blogue, a nossa Tabanca Grande, os seus leitores, os/as seus/suas admiradores/as, incluindo muitos dos seus alunos/as da pátria de Cabral (do outro, o Amílcar).

Quanto à história de hoje, não podia ser mais apropriada. 12 de Maio é o Dia Internacional do/a Enfermeiro/a. Faz anos que nasceu a mulher que fundou a moderna profissão de enfermagem, a inglesa Florence Nightingale (1820-1910).

Por outro lado, a enfermeira internacionalista cubana fazia parte do imaginário (ou das miragens) do Zé tuga, na Guiné ... Por todo lado, víamos hospitais no mato e, à nossa espera, uma enfermeira cubana, imaculada, vestida de bata branca (***)...

Que dizer destas pequenas jóias literárias do nosso Cabral (o único, o autêntico, o nosso) ? Falo com ele ao telefone, de vez em quando, e ele deixa-me sempre bem disposto, mesmo quando não me trás boas notícias da nossa Guiné (que lhe chegam em primeira mão, através dos seus alunos, incluindo os filhos da nomenclatura)... Ontem, dizia-me que continua a querer voltar a Fá Mandinga para ir buscar uns papéis, seguramente imnoportantes, que deixou escondidos, em 1971, no alto do depósito de água, num buraco bem calefatado... Ele diz-me isto sem se desconcertar, com a maior naturalidade do mundo... É por isso que o seu humor é tão sui generis... Talento que lhe vêm no ADN, ou não tivera ele um avô, militar, que lhe contava histórias do realismo fantástico, como essa de andar a marchar toda a noite, em Moçambique, por cima de uma jibóia tão comprimida como a picada...

Jorge, mãos à obra, vamos ultimar livrinho!

PS - Jorge, no exército cubano, não me parece que eles tenham esse tal posto de alferes... Pelo sim, pelo não, promovo-te, no título, a subteniente
, não acontecer que a carta não chegue a Garcia, por erro no remetente.
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. o postes de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu... rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)


(**) Vd. os últimos postes desta série:

8 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4155: Estórias cabralianas (48): A Bandolândia ou uma aula de história em... 2092 (Jorge Cabral)

(...) O Cidadão – Aluno XI7 frequenta a décima semana do Curso Unificado – Primário, Secundário, Universitário, o qual segundo as normas da Declaração de Cacilhas, lher irá conferir o Diploma da Sabedoria.

Claro que, quando entrou na escola, já dominava muitas das matérias que antigamente demoravam anos a aprender, pois logo em criança lhe implantaram um chip com todos os conhecimentos básicos. Porém XI7, hoje chegou à aula cheio de dúvidas. É que encontrou uma fotografia do seu trisavô, vestido com uma farda e empunhando um instrumento, talvez uma arma.(...)



2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4129: Estórias cabralianas (47): A minha mobilização: o galo dos Cabrais... (Jorge Cabral)

(...) Calma, simpática, acolhedora, a Vila de Vendas Novas. Bom vinho, petiscos, raparigas bonitas. Que mais podia aspirar o Aspirante? No Quartel fazia tudo, isto é, nada. Acumulara cargos, Justiça, Acção Psicológica, Revista, Cinema e ainda os discursos da Peluda.

Cumpria gostosamente um peculiar horário. Após o toque de alvorada, às vezes de ressaca, de cara por lavar e barba por fazer, corria para a Formatura Geral, onde... passava revista ao Pelotão. Meia hora depois, abancava no Bar e tomava um lauto pequeno almoço, antes de regressar à cama. (...)


31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

(...) Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau. (...)

2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

(...) Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais. Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando (...).

27 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

(...) O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse (...).

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

(...) Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:-Duas vacas, Alfero, duas vacas! (...)

26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

(...) Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só entrara em greve, mas no Batalhão acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos (...).


13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho (...).

4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

(...) Claro que lembro do Tosco! Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional (...).

(***) Sobre os serviços de saúde do PAIGC e a ajuda cubana, vd. por exemplo:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli (Luís Graça)

11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingos Diaz, 1966/67)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P956: Antologia (48): Félix Laporta, o primeiro cubano a morrer, num ataque a Beli, em Julho de 1967

14 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra

18 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P967: Antologia (51): Os combatentes cubanos ou a mística da guerrilha (Victor Dreke)

15 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2762: PAIGC: Instrução, táctica e logística (11): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XI Parte): A máquina logística (A. Marques Lopes)

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2955: PAIGC: Instrução, táctica e logística (12): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XII Parte): Saúde (A. Marques Lopes)

24 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3090: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação do cubano Ulises Estrada

2 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro Jorge Cabral

A gente já nem sabe o que dizer das tuas histórias!

É por essas e por outras que andam para aí uns sujeitos a dizerem que andámos em férias na Guiné!!!

O que os gajos têm é inveja de não saberem destas enfermeiras cubanas, que julgo que havia uma em cada sector!!!!

Ó homem já não te elogio a história, elogio-te o espanhol: muy gracioso!!!

Ora então toma lá também um abraço camarigo daqueles grandes e até já em Monte Real

Ó Luís estás autorizidassimo a quebrar esse tal dever de isenção.
O Jorge Cabral e as suas histórias merecem!

Luís Graça disse...

Claro que, quando eu disse que o Cabral (o nosso, o autêntico, o original, o único) tem um clube de fãs, eu queria/quero dizer "clube de fãs (m/f)"...

O raio da língua portuguesa é muito traiçoeira...