sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (33): Teixeira Pinto - Perdidos (2)

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 22 de Setembro de 2010:

Meu Amigo Carlos Vinhal
Como ao que me apercebo, recuperaste todas as forças (será?) e mais algumas, cá te mando mais um troçozito da minha ”Viagem…”, que não foi antes, nem acoplado ao anterior, por querer inserir a história transcrita por um dos actores na época, em documento que… nunca mais me chega às mãos.

Assim cá vai e depois… se o doc acabar por chegar (tem que chegar, só não sei quando… também o darei a conhecer.

Vistas bem as coisas, naquela vida e idade, um “gajo” ao “mínimo” pretexto aproveitava para… beber uns copos, não seria? Se calhar nem seria preciso outro pretexto do que… estar lá naquela “vidinha” !!

Um abraço para os que vão tendo a paciência de me ir lendo.
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (33)

Teixeira Pinto – Perdidos (2)

Estávamos em retirada, depois de um confronto nas matas do Balanguerez. (vd. Poste 6990*)

O temporal era de fazer medo e à forte chuvada que se misturava com o suor peganhento que nos toldava a vista, juntavam-se relâmpagos que, já a anoitecer, começavam a fazer as matas dançar ao nosso olhar, confundindo-nos as definições e as distâncias do observado.

Com azimute pré-definido, a “bicha de pirilau” avança como usual, ziguezagueando em corta-mato para local escolhido, junto à estrada antiga Teixeira Pinto – Cacheu, onde emboscará para passar a noite. No trajecto damo-nos conta que a ultima meia dúzia de Rapazes tinham ficado para trás, perdidos (vd. P-6990*).

Após uma noite tenebrosa de dilúvio e mordidelas que mais pareciam queimadelas - provocadas por aquela mosquitada pequenina e negra que se entranhava por tudo o que era sítio, se embrenhava pelos cabelos queimando-nos o couro cabeludo e torrando-nos a paciência - o dealbar encontra-me metido na valeta, com água até ao peito e sem que tenha conseguido pregar olho, devido ao aguaceiro caído dos céus e especialmente à mosquitada que não havia meio de se afogar.

Era altura de fazer os tiros de sinalização, a ver se os “perdidos” respondiam. Assim foi feito… respondem de pronto e logo começa a aparecer, um a um, a “Jericada” (como dizia o Castro), saídos da orla da mata. Por fim íamos ficar a saber o que se tinha passado mas, antes havia que levantar arraiais e procurar outro poiso para emboscar… não fosse o diabo tecê-las.

Depois de, na certa, terem ouvido daquelas bocas ”foleiras” em titulo de comentários jocosos, - demonstrativas de proximidade, afinidade e de afecto, - usuais por aquelas paragens e situações, começam a contar, mais coisa menos coisa, que “após uma breve paragem, o bi-grupo recomeça o andamento e o Barros (Alf), que ia nos últimos lugares, pára por momentos para apertar as botas, mijar ou o “car… que o fo…”, sem avisar quem ia à sua frente. Claro que os que íamos atrás também parámos!”…

Já ao anoitecer e com aquele temporal, foi o suficiente para ficarem isolados. Foram seguindo os tiros de localização, mas não responderam por receio que o IN percebesse eventualmente o que se passava.

Continuam : “ouvíamos os tiros e não percebíamos porque não respondíamos e às tantas o Lobo (4.º GCOMB) começa a magicar que o Barros era preto da Guiné e se calhar tinha-se feito perder de propósito (!?) para se poder passar para o outro lado, naquela ocasião em que eles (IN) andavam ali por perto. “

Teixeira Pinto - Sold.Lobo (4.º GCOMB) com MG

Diz o Lobo: “Às tantas parámos e ele (Barros) pega no mapa e na bússola e quer que eu fique com aquilo. Digo-lhe que não percebo nada de mapas nem de bússolas, que não aceito e começo a pensar que afinal o fdp sempre se quer passar e vai-nos deixar aqui no meio da mata. Não, não nos vais f…, não vais conseguir… antes eu mando-te p´ró ca… e logo atrás dele, não o larguei da ponta da arma.”

Esclarece o Barros (Alf do 2. º GCOMB) que foram seguindo os sinais, mas era perigoso responder e que a dada altura começou a pensar : ” F… se somos apanhados… os fdp percebem que sou graduado e são capazes de me limpar o coiro. “

Prossegue: “então quis dar o mapa e a bússola ao Lobo (instrumentos usados pelos graduados) e assim, caso acontecesse, ele até beneficiaria e eu teria mais hipóteses. Mas… vi a reacção, senti o motivo da recusa e disse cá para mim, que se f…., o que tiver que ser… será. Notei que o pessoal tinha ficado um tanto inquieto e apreensivo pelo que lhes expliquei o que me tinha levado a propor aquilo. Ficaram então tranquilos achando até que devia ser levada avante. Não, não aceitei e a progressão continuou até à orla da mata onde passámos aquela tenebrosa noite emboscados, até que ouvimos a sinalização ao amanhecer. Estávamos nas imediações, respondemos.”

(Esta situação, à altura preocupante, dá agora azo a momentos hilariantes quando é recontada pelos intervenientes)

Novamente juntos faltava chegar as viaturas para nos levarem a porto mais seguro…Teixeira Pinto e à nossa bela vivenda, onde certamente se iria fazer uma “cerimónia” de truz.

Luís Faria
__________

Nota de CV:

(*) Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6990: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (32): Teixeira Pinto - Perdidos (1)

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Luís Faria

Eram mesmo situações do "c......" essas que podiam acontecer, assim dum momento para o outro.
Felizmente que tudo acabou bem para todos, mas vejam como as coisas, face àquele "clima", podiam descambar para o torto com tanta facilidade.

Gostei e já fui ler o Postado anterior.

Finalmente vejo transcrito, por quem os viveu, aqueles momentos que me deixavam angustiados, quando surgiam essas "hecatombes" meteorológicas e eu, debaixo de "telha", pensava nos que andariam pelo mato ou emboscados.
Aquelas trovoadas, ou melhor, aquelas descargas pavorosas que rachavam de alto a baixo, quais talos de capim, os seculares "bissilons", mexiam com os meus neurónios. E eu fui um felizardo...

Abração

Jorge Picado

Jorge Fontinha disse...

Não foi certamente por acaso que o Carlos Vinhal, juntou a minha última Estória á tua última viagem.Amanhã falaremos os dois acerca de binóculos e não só!Como me parece, que também fez contigo, mandou-me um Email, esclarecendo o equívoco.Aproveitei para lhe responder que a nossa amizada só se desfará, apoz a morte e que mesmo assim, aquele que lá chegar primeiro, providenciará a sua retoma.
~
Aquele abraço.

Jorge Fontinha

Jorge Fontinha disse...

A propósito.

Ainda não vi o teu comentário ao meu Post P7026, publicado no Blogue, ontem dia 24.
Ve se não te esqueces.
Abração.

Jorge Fontinha

Luis Faria disse...

Amigo Jorge Picado

Ontem ,na animada Festa da 2791 lá para Viseu,disseram-me desta publicação que não visto ainda.

Como sempre...deu para o tarde quando cheguei a casa e há pouco abri o "aparelho" e...não apareceu ... já estava fora da página.

Fui buscá-la à esquerda(sem conotações(!!)). Fiquei muito agradado por ver que retomaste estas "lides" e pelo comentario,que agradeço,cheio de vitalidade e de Alma,como Tu...és.

Classificas e bem, aqueles temporais. Mas tambem tinham o seu quê de espectáculo,de belo e até de... protecção !?

Há uma estória em temporal, que um dia talvez venha a contar,passada em T.Pinto e que talvez possas recordar.

Com um abraço e tudo de bom fico a aguardar mais umas estórias tuas,diferentes, sempre, do usual.

Luis Faria

Juvenal Amado disse...

Meu caro Luís

Essa do Barros ser preto da Guiné e ser por isso alvo de alguma desconfiança, não é coisa para nos admirarmos-nos.

Quando assentei praça em Coimbra estavam muitos mancebos trazidos de Cabo Verde.
Dizia-se à boca pequena que eles iam para Angola, pois se fossem para a Guiné, o mais natural era desertarem.

Pelo o menos eles não foram para a Guiné, nisso o jornal da caserna acertou.

Um abraço

Juvenal Amado