sábado, 25 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7037: Recortes de imprensa (30): A guerra do José Corceiro, CCAÇ 5, Canjadude, 1969/71 (Correio da Manhã)


1. O nosso Camarada José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos, Canjadude, 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem com data de 22 de Setembro de 2010:

Camaradas,

Aqui estou eu a enviar para o Blogue o depoimento que mandei para o Correio da Manhã, para a série a “Minha Guerra”, para ser publicado na revista ”Domingo” que acompanha o Jornal, nas edições dos Domingos.
É lógico que em função do extenso conteúdo que eu enviei para publicação na rubrica “A Minha Guerra”, e atendendo ao limitado espaço que a revista reserva para a edição do artigo, não me surpreendeu a súmula que saiu no jornal, são peças jornalísticas.
Eis pois o depoimento que eu enviei para o Correio da Manhã, em função das perguntas feitas pela Jornalista:
A MINHA GUERRA (DEPOIMENTO ENVIADO PARA O CORREIO DA MANHÃ)
1) - Fez parte de que Batalhão?
Em 24 de Maio 1969, por volta do meio-dia, deixo o Porto de Lisboa no N/M Niassa, rumo à Guiné, como rendição individual.
Foi emocionante e comovente, ver aquela moldura humana de familiares e amigos a despedirem-se.
No cais, eram uns com lenços nas mãos a acenar, outros com lenços nos olhos, no nariz, na boca, outros deitavam as mãos à cabeça, enquanto outros apertavam a barriga, cada familiar e amigo expressava queixume e desespero com o sentimento de gesto diferenciado.
Um quadro impressionante que me fez cogitar e questionei-me:

- Será, que é a atitude mais acertada, eu empenhar-me a defender a Pátria e as cores da Bandeira, neste caso?

- Será, que têm razão os que desertam, como fizeram alguns da minha terra?

Fiquei confuso, ao ver tanto rosto carregado de tristeza, fisionomias que transpiravam sofrimento e mágoa e deu para pensar muita coisa. Perplexo, olhava as pessoas que gostavam de mim.
Eu fui mobilizado para a Guiné, em rendição individual e já na Guiné, no Aquartelamento dos Adidos, no dia 3 de Junho de 1969, informaram-me que tinha sido colocado na CCAÇ.5, uma Companhia de Africanos, cognominados – Os Gatos Pretos – Metropolitanos éramos cerca de 40 militares e Nativos 220 a 230, sediados em Canjadude - Sector Leste - Nova Lamego.

Destacamento de Canjadude.

2) - Quando é que chegaram?

Dia 29 de Maio 1969, por volta das 21.00 horas, cheguei ao Porto de Pidjiguiti em Bissau, só desembarquei no dia 30.

Levaram-me para o DGA (Depósito Geral de Adidos), onde logo que cheguei, quis a minha fada madrinha, estrelinha da sorte, que encontrasse por mero acaso, um amigo, tínhamos estudado juntos.

3) - Soube logo para onde ia?

Só no dia 3 de Junho de 1969, fui informado que tinha sido colocado na CCAÇ. 5, em Canjadude, e nesse dia deixei Bissau, estrada rio Geba, rumo Bambadinca numa LDG, onde iam militares e civis acomodados como sardinha em lata.

Além da massa humana, havia muita mercadoria e os civis levavam de tudo, desde alfaias agrícolas, produtos alimentares, pilões, gaiolas com galinhas e pintos, todo o tipo de animais, que barafunda, até cabras iam!

O Sol era abrasador, sombra ou lugar para me sentar não havia, isto tornou-se fatigante, se ao menos houvesse um mínimo de conforto, para quem gosta de Natureza como eu, isto era um mimo, pois a paisagem nas margens do rio, que se avistava do barco, parecia-me deslumbrante, só que nestas condições desconfortantes, não havia serenidade e predisposição para apreciar e desfrutar o meio circundante.

O Geba era bastante largo e o barco deslocava-se na parte central.

As margens estavam praticamente ladeadas, em toda a sua extensão, por arvoredo compacto, pareciam ser matas virgens encantadoras, eram para mim, matas onde a pata do homem nunca tinha posto a mão, familiar para os meus olhos, só conheciam as palmeiras, de espaço a espaço viam-se habitações.

4) - O que sentiu quando chegou?

Foi desolador ver tanta pobreza e um modo de viver tão primitivo.

Surpreendi-me ao confrontar-me com os hábitos e condutas sociais dos habitantes de Bissau, que me pareceram conformados e felizes com o pouco ou nada que tinham.

O meu amigo e outro amigo dele, levaram-me a ver, e não só, umas lavadeiras numa bolanha, relativamente perto do DGA, não sei bem o local exacto, quando se ia de Bissau para o DGA, era do lado direito.

Sou por natureza bucólico, encanta-me o campo, a paisagem, a floresta, fiquei admirado, havia muito contraste entre o espaço que ladeava a estrada que ligava Bissau ao DGA, cujo terreno era árido e algo despovoado de arvoredo, destoando da Bolanha, onde me levaram, que tinha mata bem luxuriante.

Além disso, foi agradável ver lá as lavadeiras, algumas completamente nuas, uma mais atrevida e desinibida, vendo o nosso olhar maroto e malicioso, aveludado de concupiscência, dirigiu-se ao meu amigo nestes termos:

- Bu mamé é puta, sinon bu cá tinha nascido.

Não sei se será algum provérbio guineense, mas foi oportuno, nunca o esqueci.

Para o meu íntimo, estes momentos a que estava a viver, eram bem reveladores do fosso cultural existente entre nativos e metropolitanos, começava-me a aliciar a idiossincrasia e a genuidade do povo guinéu, despido de formalismos e preconceitos; para mim era pureza, esplendor natural, como que um ode à criação.

Ali continuou a estruturar-se o meu despertar e a avolumarem-se as minhas dúvidas, por um lado a intuição, por outro o raciocínio, comecei a ficar sobressaltado e a entender que era outra cultura, outra forma de ser e estar na vida, era a sua Pátria, os nativos estavam no seu habitat e adaptados aos costumes do seu Povo.

Só havia que aceitar e respeitar, eu estava desintegrado, era invasor!


Eu “Periquito” quando cheguei a Canjadude.

Eu na parada de Canjadude ainda “Periquito”.

5) - Como foram os primeiros tempos?

A adaptação foi dificílima. Sobretudo acomodar-me à alimentação e aclimatizar-me ao meio.

Eu sentia-me descompensado.

Era um calor tórrido e mortiço, atmosfera carregada e tensa, humidade misturada com as partículas em suspensão ameaçam explodir a qualquer momento, transpira-se preocupação e insegurança, paira incerteza e receio no ambiente, aproxima-se temporal, será chuva, trovoada ou vendaval, o desconforto e a palpitação são gerais, o suor é melaço e teima em não se deixar limpar, está tudo agitado, a brisa está calma, mas as folhas das árvores estão a baloiçar, os mosquitos põem à prova toda a astúcia e rebeldia, para fintar o indígena e conseguir a sua sugadela, as lagartixas, no quintal, andam num frenesim desenfreado e estonteante, como se hoje fosse o último dia das suas vidas, no quartel de Nova Lamego respira-se desconfiança, há muita movimentação militar, já vieram dois Pelotões de outro Destacamento, saíram três Pelotões para o mato na eventualidade de ataque estarem a postos, está tudo de prevenção, eu estou de Cabo de Dia ao Comando, é dia 9 de Junho 1969.


Eu junto da tabuleta que estava no local de entrada, vindo de Nova Lamego, onde anteriormente estava o arame farpado, antes do Aquartelamento ser alargado.

Cheguei a Canjadude, dia 13 de Junho de 1969, na parte de tarde.

Após a refeição do jantar, comunicaram-me que no dia seguinte, às 07.00h, devia estar pronto para alinhar na operação a nível de Companhia, ao Cheche.

De transmissões iam o Silva, o Carvalho (que era o mais velho de transmissões), e eu, o mais novo, que para me familiarizar acompanharia sempre o Carvalho.

Era norma, o “periquito” chegado, pagar umas cervejas aos camaradas da secção e eu não fugi à regra. Mas não chegava.

Eles estavam concertados e queriam amigavelmente infernizaram-me a vida, mais parecia que me queriam praxar.

Eu era uma novidade, um “periquito” e estava muito verde… era um novato.

Eles diziam: “Nós já somos velhinhos!”.

O que queriam era “folia” e atormentar-me. Às tantas, um deles, causticamente, sai-se com esta:

- Tu chegaste hoje, dia 13 sexta-feira, e amanhã vais logo para o Cheche, onde há quatro meses perderam a vida perto de meia centena de militares (47), isto não é, convém que se diga, uma colónia de férias, para vires com discos e gira-discos na bagagem.

Isto aqui é a guerra, amigo, e não vais ter propriamente vida facilitada, até porque os nossos graduados não são flor que se cheire, as surpresas não vão ser glico-doces para o teu lado.

Eu a ouvir música em cima do abrigo, no gira-discos que levou da metrópole.

6) - Quando voltou?

Regressei à Metrópole, o dia 2 de Julho de 1971, no navio Angra do Heroísmo.

7) - Qual foi o dia mais marcante? E porquê?

No teatro operacional foi o dia 3 de Agosto de 1970, porque perderam a vida dois camaradas, um dos quais o enfermeiro Dinis que éramos amigos. E depois toda a polémica gerada em torno do caso…

8) - O que lhe lembra a guerra?

Só deseja a guerra, o homem que não tem paz interior e vive em conflito permanente com ele próprio.

Portugal não teve, infelizmente, um estadista à altura, para em tempo oportuno, ter encontrado uma saída politica honrosa para as duas partes, de forma a solucionar todo o problema Ultramarino, sem que houvesse necessidade de recorrer à via da guerra, que é sempre um desastre, sobre tudo para inocentes indefesos.

A guerra é uma atitude que embrutece os homens e os torna mais fracos…

Messe de Oficiais e Sargentos > Da direita para a esquerda: Capitão Costeira, Alferes Sousa, Alferes Luís Alberto Gil Duarte, Furriéis Ramos, Saúde e Gonçalves.

Jogo futebol na CCAÇ. 5 > Solteiros contra casados > Da direita para a esquerda: Sarg. Farinha, Fur. Laminhas, Sarg. Rodrigues, Sarg. Cipriano, Furs. Adelino, Gil e Saúde, Cap. Oliveira, Alf. Sousa, Furs. Gonçalves, Vieira da Silva, Rito, José Martins (um pouco adiantado do perfilado), Fur. Borges.

Troca de galhardetes no jogo de futebol > O Alf. Sousa oferece à equipa dos casados, um “Corno” e o Cap. Oliveira oferece à equipa dos solteiros, um “Vergalhinho dum cabritinho” > As personagens nesta foto são as mesmas que na foto anterior.

9) - Fazem-se irmãos?

Estive 40 anos sem ter contacto nenhum com Gatos Pretos, que tenham coexistido comigo em Canjadude.

Quando em Janeiro passado começo tibiamente e com certa timidez a estabelecer alguns contactos telefónicos, para os endereços que já existiam numa lista de alguns Gatos Pretos que me foi fornecida, constato que há um desejo desmedido para que se realize um encontro convívio, dos Gatos Pretos.

Exigia-se determinação e aplicação e, à medida que vou descobrindo mais uma morada, ou um telefone, dava-me um gozo de “êxtase,” porque era mais um Gato Preto que apanhava “c´o mão” (era clamor de guerra em Canjadude gritar-se: “Gato Preto apanha c´o mão”).

Assim, com a conivência de todos, se tem vindo a estruturar uma listagem, com dados de cada um, que já tem uma ninhada de mais de 150 Gatos Pretos.

Fui ouvindo desabafos e desalentos, de uns e outros, que me diziam frases tais como:

- Todos os Batalhões e Companhias, tem anualmente o seu dia de festa e convívio, não compreendo como é que nós da CCAÇ 5, não conseguimos ter essa alegria;

- Era o maior sonho da minha vida e, podê-lo complementar com uma ida a Canjadude, sentir-me-ia realizado;

- Estou a ver que vou morrer sem ver concretizada a realização dum convívio dos Gatos Pretos, se o quiserem fazer em Canjadude desde já podes contar comigo…

10) - Esteve debaixo de fogo?

Eram 22.48h, do dia 11 de Julho de 1969, quando se precipitou inusitado ribombar, em que eu, o primeiro estrondo que ouvi, quis-me convencer que fosse um trovão, mas em milésimos de segundo, acordei o espírito e consciencializei-me que era o meu baptismo de fogo que estava em urdidura, estava a perder a virgindade de fogo no flagelo ao Aquartelamento de Canjadude.

Saltei da cama para o chão, da parte superior do beliche, quis encontrar uma G3, pois eu não tinha arma distribuída.

A lei da necessidade primária, sobrevivência, impôs que eu agisse e procurasse instrumento para me defender. Nestas décimas de segundo o gerador de energia eléctrica foi-se abaixo e ficou tudo às escuras, eu corro de mãos vazias para a saída do abrigo, saio e meto-me numa das valas, que me poderá conduzir ao abrigo do Posto de Transmissões.

Cá fora, os rebentamentos eram constantes e afiguravam-se ser mesmo por cima de mim, ouvindo-se um ruído sibilo a cruzar o espaço em todas as direcções.

Eu fiquei boquiaberto e pensei:

- Que festival de fogachal tão bem orquestrado é fogo de guerra mesmo para matar, parece que os deuses estão contra mim?!

O bramir das detonações, era incessante e havia ecos de explosões de proveniência indeterminada, vinham de todos os lados!

Eu cogitava: que razões assistem a estes seres para despoletar tamanha barbárie?

Fiquei cismado, atrapalhado, embora não estivesse nervoso, mas estava um pouco amedrontado! Sempre me imaginei a reagir, numa situação destas, com conduta bem pior do que esta que estava a revelar, ao defrontar-me perante uma bagunçada com esta factual perigosidade, para a minha integridade física.

Foi uma grande surpresa, para mim, esta minha atitude comportamental, diante de ameaça tão iminente, concreta e real.

O fogo continuava violento e insistente, desconcertante, indistinguível, não conseguia percepcionar, nem ajuizar qual a proveniência dos disparos, era uma barafunda de silvos na atmosfera envolvente e por cima da minha cabeça, que me deixava baralhado.

Os roncos dos rebentamentos são no ar, eram na frente, por trás e dos lados, era aterrorizador.

Da nossa parte a reacção é quase nula, não se fazem sentir esboços de defesa!

Mas logo que as nossas morteiradas do 81 começaram a ser certeiras e a colidir com as posições do inimigo, tudo amainou…

Dia 12 de Setembro de 1969 houve coluna a Nova Lamego.

Depois de termos feito picagem da estrada até Uelingará, subimos para as viaturas. Ainda não eram 8.30h, começamos a avançar.

Eu estava a estabelecer contacto via rádio, com Canjadude.

A viatura da frente arrancou, eu ia na segunda viatura, a última da coluna ainda não estava em movimento de progressão.

Neste intervalo de tempo ouviu-se um violento rebentamento, tudo à minha frente voou pelos ares, envolto em cortina de fumo e terra, devido ao rebentamento de mina anti-carro accionada pela primeira viatura.

Não sei como saltei do transporte onde eu ia, foi tudo tão rápido que só me lembro que estou no chão de pé e com uma G3 na mão, que não era minha, pois não tinha arma distribuída.

Olho em frente e vejo a escassos metros uma viatura atravessada na picada, com a parte frontal toda destruída e, o chão assolado com corpos humanos, pensei o pior, aproximei-me ajudei alguns a levantarem-se, mas deparei-me logo com um ferido que me inspirou muito cuidado e preocupação, caso que nunca esqueci e me marcou.

Estava caído no chão, inerte, desconsolado, a gemer desfalecido com muito padecimento, não havia mobilidade e a visão daquela fácies hipocrática com a sua fisionomia de músculos contraídos, atestavam bem o sofrimento e dor porque estava a passar aquele ser humano, imagem que já mais apaguei da minha mente.

Verifiquei que não tinha contracções musculares nem sensibilidade nos membros inferiores, ajudei-o a apoiar a cabeça e pedi para que não o movimentassem, continuava a gemer desesperadamente e acabou por desmaiar.

Nunca mais tive notícias deste militar nativo, presumo que tenha sido mais uma vítima da guerra que ficou paraplégica.

Fui para a viatura de Transmissões para enviar mensagem a Canjadude, a pedir evacuações urgentes e apoio de enfermagem, pois havia muitos feridos, alguns com gravidade e deitados no solo em sofrimento, sequencialmente, pediu-se a Nova Lamego que enviasse um grupo de protecção e um pronto-socorro para levar a viatura acidentada (do local do acidente a Nova Lamego eram aproximadamente 15km).

Placar no refeitório de Canjadude, onde o Corceiro colocou um recorte de revista, que cortou da revista Salut les Copains, com a imagem da Francoise Hardy.

11) - A guerra marca para sempre?

Em Canjadude, passei 25 meses, com poucas ausências.

Foi muito tempo fora da civilização que eu conhecia, logo, desejava, confinado a um espaço tão limitado em condições tão carenciadas, privado das necessidades mais elementares, sem as quais o ser humano consegue harmonia emocional e física; tentava, conforme podia e deixavam, compensar o não gozo em pleno das três necessidades primárias dos seres vivos, e como podia tentava desequilibrar os pólos das baterias.

A Cády, uma bonitinha bajuda (rapariga) de Canjadude, de etnia mandinga.

Foi muito difícil a falta de presenças, de carinhos, de mimos, de pequenos nadas, os afectos… era a saudade… a tensão e a pressão que era preciso conter para não haver explosão.

Cada um refugiava-se e representava o que lhe ia na alma, o que lhe parecia mais plausível: álcool, bajudas, petiscos, escrita, leitura, simulações guerreiras e teatrais, afeição a animais, apegados às coisas mais inverosímeis, tentava-se suprimir as deficiências e lacunas do meio a que estávamos expostos, recorrendo aos mais variados hobbies para nos compensarmos, eram necessidades primárias desvirtuadas a actuar!

Talvez tivesse facilitado a minha integração e minimizado o meu desconforto, se o meu código genético tivesse no respectivo cromossoma um gene com aptidão mais guerreira que dominasse o alelo correspondente, ficaria por ventura mais acomodado no teatro de guerra, mas deixava de ser EU, eu batia-me interiormente com as minhas limitações, por valores que queria preservar e dignificar, queria, sem ser lírico ou utópico, (com toda a estima e consideração por eles) continuar a ser amante de diálogos, respeito, consensos e paz, não tinha preparação para este tipo de guerra, estava a ficar com a percepção que neste meio (teatro de guerra) obrigavam-me a renunciar à minha personalidade e a valores que eu queria acautelar, vivia num conflito ambíguo, meio externo (ambiente) guerra, meio interno (raciocínio) paz, esta ambivalência era morrinha para o meu EU!

Os meus hobbies, entre outros, foram a fotografia e o diapositivo (slide), tirei muito… milhares.

Eu em Canjadude, a digerir e organizar pensamentos, sentado na Bolanha que se recusava a secar mas onde a água se estava a acabar.

Nota Biográfica:

O meu nome é: José Manuel Silva Corceiro, natural de Vale de Espinho, concelho de Sabugal, data de nascimento 1947. Vivo em Lisboa, na Rua Pascoal de Melo.

O serviço militar, no meu caso, teve graves e nefastas implicações na orientação da minha vida profissional. Interferiu e muito, no que poderia ter sido o meu percurso de vida, entrei na Faculdade de Medicina de Lisboa, mas por razões diversas, que não interessam para o momento, não terminei o curso de medicina.

Profissionalmente estive ligado ao ramo das telecomunicações, presentemente sou pré-reformado.

Sou casado, pai de três filhos, os dois mais velhos, um licenciado pelo IST em Engenharia (tecnologia e computação), outro licenciado em Química e o terceiro está no 12º ano.

Tenho dois netos descendentes do filho mais velho, o Tomás e a Laura.

Um abraço e boa saúde para todos,

José Corceiro

1º Cabo TRMS da CCaç 5

___________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7024: Recortes de imprensa (29): A guerra do António Branco, CCAÇ 16, Bachile, 1972/74 (Correio da Manhã, 24 de Agosto de 2008)

3 comentários:

Anónimo disse...

Boa noite Amigo José Corceiro!

Gosto de ler as vossas exposições, sobre o teatro de guerra em que estiveram envolvidos, e bem assim as vossas reacções,alusões,e sentimentos que mais se manifestavam perante um acontecimento para vós tão completamente desconhecido, e numa idade tão jovem, em que a insegurança e o medo, povoam certamente a vida de cada um.

Já li muitas vezes, que (foram crianças e voltaram homens):
ninguém duvida!
Mas ao ler o seu relato, constato a sua dificuldade em se inserir num meio tão hostil aos seus sentimentos e desejos, o que eu compreendo perfeitamente.
Vinte e cinco meses, convivendo com a iminência constante de ataques bélicos, com a falta de condições básicas e elementares, com a ausência dos seus, com um clima adverso, com uma má alimentação, são muitas guerras juntas!
Por isso, eu sempre me interessou saber como era a vossa reacção a todas essas adversidades.
Desconhecedora da realidade, era-me no entanto intrigante, a capacidade de rapazes da minha idade,para enfrentarem todos esses contras, essas adversidades de que falamos. Sabemos que para muitos se revelou extremamente difícil,senão para todos, mas cada individuo tem o seu carácter, a sua aceitação individual dos factos, e assim sendo, a mesma tragédia não tem o mesmo peso para todos, ou então, a capacidade, a força, a coragem, a vontade de voltar para os seus, movia montanhas.
Continuo a viver convosco esse tempo, a ler os vossos relatos, a querer compreender a coragem de uns, e a não compreender, "porque alguns" só se sentem bem provocando conflitos, onde envolvem a humanidade, que involuntariamente tem de participar, sem direito a dizer "NÃO".
Felizes os que regressam sãos e salvos!
Acho que aprendi mais um pouco, com a descrição da sua guerra.

Um abraço fraterno
da amiga

Felismina Costa

Anónimo disse...

Amigo José Corceiro,

Foi com grande prazer que li o teu depoimento sobre a passagem por terras da Guiné, uma descrição real, autentica de quem viveu as ambiguidades da guerra e sofreu, no intimo, pela miséria palpável daqueles que era suposto defender. Infelizmente, a realidade daqueles tempos não mudou ou mudou pouco, a pobreza continua a ser a marca mais visivel.

A expressão a que se referiu em crioulo é uma reacção a uma provável provocação. Alguém, dentre vós, a teria chamado de "puta" ou então ela teria assim percebido, se não as mulheres, em geral, são muito comedidas e discretas.

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Amigo CHerno Baldé

É com imenso prazer que te saúdo e desejo as maiores venturas, para ti e toda a tua família.

Em relação à expressão em crioulo utilizada pela jovem Guineense, eu achei-a duma beleza, simplicidade e pureza, uma obra de génio…

Nós, jovens miúdos, devíamos estar com olhos de querer comer a fruta toda, olhares libidinosos, daí a reacção de defesa da bajuda!

Eu na altura, assim o escrevi, interpretei a expressão da seguinte maneira:
Tu, (referente a ele) para nascer, também a tua mãe teve que se entregar a alguém e ter relações sexuais, tu não és geração espontânea…

Há que ter esperança, para ir diluindo a marca visível da pobreza que ainda sentes no teu querido País. Estou convicto, que com Homens como tu a Guiné tem que avançar…

Um abraço fraterno

José Corceiro