quarta-feira, 17 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14758: Os nossos seres, saberes e lazeres (101): Tomar à la minuta (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Concentrei-me nesta viagem no casco histórico e redondezas. Andei à procura dos sinais do tempo, e é bem verdade que há pedras que falam, estas ruas tem majestade, mas há para aqui uma descrição ou um recato muito portugueses, o que fazer as coisas numa dimensão humana, veja-se a sinagoga ou o edifício onde está o acervo de arte contemporânea doado por José-Augusto França. E arrebata, percorrendo a Tomar multisecular, pressentir que todos estes lugares e memórias mexem e remexem com todas as gentes, pois também daqui houve nome de Portugal, da cristandade, do delírio artístico, da ousadia henriquina e da fé inquisitorial de D. João III. Percorre-se Tomar e o seu cadinho de contradições que são as contradições em que nos habituamos a viver.

Um abraço do
Mário


Tomar à lá minuta (4)



A primeira tentação era sair de casa e deambular pela berma da estrada até à capela de S. Lourenço, depois andar à volta do padrão comemorativo da junção das tropas de D. Nuno Álvares Pereira com as de D. João I, daqui singraram para Aljubarrota e mudaram o curso da história. Findos estes encontros, seguia pela Estrada de S. Lourenço e entrava na Corredoura, sentia-me ansioso para calcorrear o casco histórico da cidade. Mas veio a modorra, encurtei o propósito e segui diretamente para a Corredoura. As ruas laterais são estreitas e os moradores socorrem-se destes “frades” para evitar destruições nas paredes, há aqui um sabor medieval a que se junta muita pedra à vista, mais adiante mostro portas bem sulcadas pelo tempo.


Guardo uma boa coleção de postais com mais de um século trocados entre a minha avó Ângela e os seus familiares aqui residentes. Uns fazem parte da coleção da Havaneza de Tomar, outros são anónimos. No entanto, a loja do Barateiro produziu bilhetes-postais, li no suplemento de “O Templário”, com data de Agosto de 2008, um soberbo guia onde se compara a Tomar de outras décadas com os tempos atuais, edição comemorativa dos 20 anos do novo “O Templário”, uso-o como bússola. Felizmente que o interior da loja mantém os toques e os tiques do que foi o seu comércio multifuncional, estas vitrinas e portadas Arte Deco são uma das marcas de classe desta rua Serpa Pinto do comércio elegante, de outras e destas eras.


Deu-me a veneta, saí da Corredoura e desandei por ruas laterais, e assim descubro uma porta aberta, um corredor longo e um estendal com lençóis ao fundo, não é proeza nenhuma captar toda esta alvura com uma determinada luz ao fundo do corredor, intervalada com estas manchas de castanho. Mas é um pouco dos mistérios tomarenses a que me acostumei e de que não me quero privar.


Mais uma guinada, parece que me sinto atraído pelo Nabão ou pelo Mouchão, mas não é verdade, sinto-me bem nestas ruas às vezes quase vielas ou ruelas, e assim me deparo com a entrada de uma casa cheia de arte contemporânea doada pelo professor José-Augusto França à sua terra-natal. Não vou entrar, fica para mais tarde, aliás de vez em quando venho aqui regalar os olhos com o Vespeira e outros artistas. Quedo-me nesta escultura do José Guimarães e ao fundo um painel de Eduardo Nery, as obras acasalam muito bem e penso como esta beleza sossegada tão bem se enquadra na placidez do cosmopolitismo tomarense, com tanta paisagem rústica à sua mercê.



É manhã de mercado, atravesso a ponte Arantes e Oliveira e mergulho na cor da comida e da roupa. Como ainda tenho outros desígnios para este calcorreio, fiquemos por aqui, imagens de frutos secos, há para ali também cheiro a açafrão e talvez caril, são lembranças da Índia que não se apagam no nosso ADN de descobridores e depois sinto a atração pela fruta do tempo, carnuda, polposa, vermelhusca, estou seguro que nem o mais hábil pintor encontraria pigmento para avivar as cores destes morangos e cerejas.


Tomar distinguiu-se pelas suas moagens e fiação, agora temos a lembrança, mais do que arqueologia industrial estes equipamentos irão ganhar vida, estarei à espreita para ver o que daqui sai, mas que está tudo formoso está, oxalá que lhe deem bom caminho, seja para formação, para espaço lúdico, hotel de charme ou de encontro entre o passado e o presente, e enquanto procuro o melhor ângulo para aconchegar esta beleza até questiono se não se devia pôr aqui o museu municipal de Tomar, há a casa Lopes Graça, a sinagoga, o museu dos fósforos, e a cidade multicentenária não precisa de um espaço para questionar o seu brilhante passado?




Sinceramente, é despiciendo identificar-se este património respeitado, usufrua-se o zelo e por certo o dever de memória que os proprietários quiseram ver preservado, o que interessa é o que é bonito de ver, aqui respira-se a ondulação do tempo e como ele desagua naquele conceito largo que designamos pela nossa pátria bem-amada, aquele salutar princípio de que somos um velho povo, tão antigo que as suas pedras nos ressoam pelos nossos passos perdidos onde pisamos presente e futuro.






Eis a sinagoga de Tomar, construída em meados do século XV, e que andou em bolandas desde que o Senhor D. Manuel I, o mesmo que mandou construir a edificação que embelezou para todo o sempre a Charola do Convento de Cristo, expulsou os judeus e nos privou deste ramo precioso da cultura, da ciência e dos negócios, Aqui sente-se a influência oriental e quem entra leva uma injeção de sabedoria sobre o simbolismo das colunas e capitéis, fala-se nas 12 tribos de Israel, nas 4 matriarcas de Israel, exalta-se a acústica do templo. O que mais me interessa é a harmonia do seu interior, a sua porta principal que está no prédio ao lado, e sair para a Judiaria, marcho impante por estes trabalhos, pelo desvelo da guia e pela luz que fica nestas imagens. O deus único fala por si.

(Continua)
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Notas do editor

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3 comentários:

Luís Graça disse...

Leia-se na página de João Schwarz, em francês ("Des gens intéressants"), este t6exto sobre a história da inagoga de Tomar, e do interesse que o Samuel Schwarz lhe dedicou, logo desde a sua "redescoberta", em 1921, por uma equipa de arqueólogos. O edifício, mal tratado, foi comprado pot ele e oferecido depois, em 1939, ao Estado português, com a cobndiação de nele ser instalado um museu luso-hebraico...

Schwarz era engenheiro de minas, de origem polaca, que ficou em Portugal com a I Guerra Mundial. A sua filha, Clara Schwarz, nasceu en Lisboa, em 1915. Como é sabido, é nossa grã-tabanqueira, a decana da nossa Tabanca Grande.

http://www.desgensinteressants.org/samuel-schwarz/synagogue-de-tomar.html

(...)

Luís Graça disse...

Sinagoga de Tomar

(Continuação)

http://www.desgensinteressants.org/samuel-schwarz/synagogue-de-tomar.html

(...) La synagogue de Tomar est à ce jour le Temple Hébreu le plus ancien du Portugal à se trouver encore en relativement bon état de conservation. Bien qu’il y eut une communauté Juive à Tomar dés le début du XIVème siècle, comme le prouve l’inscription sur la pierre tombale de Rabbi Ioseph de Tomar, décédé à Faro en l’an 1315, elle ne connut une réelle importance qu’au XVème siècle, lorsque sa Synagogue fut érigée, entre 1430 et 1460.

Celle-ci ne fut utilisée comme lieu de culte et de réunion des Juifs que très peu de temps. En effet , en Décembre 1496, le Roi D. Manuel, sur l’insistance de sa fiancée la Princesse Castillane D. Isabel, faisait publier un édit imposant un délai aux Juifs, jusqu’à Octobre 1497, pour qu’ils se convertissent au Christianisme ou quittent le Portugal.

Quelques Juifs acceptèrent de recevoir le baptême, d’autres y furent contraints, devenant alors « les Nouveaux Chrétiens ». Mais beaucoup, bien que baptisés, continuèrent à pratiquer la religion juive en secret et furent surnommés les « Marranos ».

A cause de l’édit de 1496, la synagogue de la communauté de Tomar fut désertée. Désaffectée du culte hébreu, elle fut rachetée par un particulier qui la vendit plus tard, vers 1516, dans l’optique d’y faire installer la prison, qui jusque là se trouvait dans le château de la ville.

Il est curieux de noter que les Nouveaux Chrétiens de Tomar par lettre de privilèges exceptionnels, donnée par D. Manuel en 1516, ne pouvaient pas y être emprisonnés, Ce qui s'explique peut-être par le fait que la prison publique étant installée dans l’ancienne synagogue, y être incarcéré aurait représenté pour les anciens Juifs le dernier des affronts.

Pendant combien de temps cet édifice a-t-il été ainsi utilisé ? Probablement jusqu'à l’installation définitive de la prison dans les locaux de la Mairie, entre 1542 et 1550.

Un document datant du début du XVIIème siècle, atteste d’une autre utilisation dévolue à l’ancienne synagogue après qu’elle eut servi de prison. C'est là un bien curieux chapitre qui se trouve dans les registres paroissiaux de l'église Sao Joao Batlsta (St. Jean-Baptiste), par lequel nous apprenons qu'il y eut dans la "Rua Nova" (Rue Nouvelle), une chapelle de Sao Bartolomeu (St. Barthélemy) où l'on célébra un mariage en 1613. Il n’a pas encore été possible de déterminer la date à laquelle elle fut profanée, mais selon Joao dos Santos Simoes, ceci se produisit au XIXème siècle. Le 1er Juin 1885, la Synagogue était une bâtisse d’un seul niveau et servait de grenier à foin. Elle appartenait à José Joaquim Araujo, qui la vendit à Antonio Vieira da Silva Neves. A la mort de celui-ci, son gendre Joaquim Cardoso Tavares, en devint propriétaire.

Le 10 juin 1920 lors d'une visite d'études, à Tomar, du colonel Garcez Teixeira et d'un groupe d'archéologues portugais, le petit monument était alors, prosaïquement, cellier et entrepôt d'une épicerie.

Par décret datant du 29 juillet 1921 l'édifice fût classé monument national. Environ deux ans plus tard, le 5 mai 1923, l'éminent ingénieur et investigateur hébraïste, Samuel Schwarz contractait l'engagement d'achat de l'édifice de la Synagogue, afin de le préserver d'un abandon total et de dévastation, il faisait procéder alors à de premiers "travaux de nettoyage, de déblayage et de fouilles. La nouvelle était publiée dans le journal local “Les Echos de Tomar” du 6 Juin 1923. (...)

Luís Graça disse...

Sinagoga de Tomar

(Continuação)

(...) A partir de 1933, le Comité de Tourisme a essayé d'obtenir l'achat et la cession, à titre gratuit, de l'édifice de la Synagogue par l'Etat, pour y installer un musée Luso hébraïque. Par manque de fonds la transaction ne s'est pas effectuée, mais le problème s'est résolu quand Samuel Schwarz, son propriétaire, fit don de l'édifice de la Synagogue à l'Etat portugais le 29 mars 1939, avec la condition formelle qu'il y soit installé un musée Luso hébraïque. (...)

(...) La création officielle du musée a été officialisée par dépêche ministérielle du 27 juillet 1939. On a commencé alors, à étudier la possibilité d'y installer non seulement le musée épigraphique, mais également un musée historique représentatif des activités culturelles des vieux Juifs portugais, dignes de la reconnaissance de la nation.

Un procédé d’acoustique remarquable à l’intérieur de la synagogue permet d’entendre une voix émise d’un coin avec la même intensité quelle que soit l’endroit dans lequel on se tient. Il n’est donc pas nécessaire d’élever la voix pour se faire entendre.

En 1985, quand le sol des dépendances de la Synagogue fut déblayé, le col d’une grande jarre apparut. Les travaux d’excavation commencèrent et mirent à nu en égout de briques recouvert de grandes pierres plates, un four destiné à chauffer l’eau et un mur du Mikvé (bain de purification rituel). Plusieurs pièces de monnaie datant de l’époque du Roi Afonso V et de ses descendants furent découvertes, confirmant ainsi que la Synagogue fut construite au milieu de XVème siècle et que le temple fut agrandi et reconstruit dans les années qui suivirent.

Depuis et a des intervalles réguliers, on y célèbre la mémoire de Samuel Schwarz mais rien ou pratiquement a été accompli depuis 70 ans, vu l’ambigüité qui règne entre ceux qui prétendent a gérer le Musée. En Juin 2011, fut crée l’Association des Amis de la Synagogue de Tomar qui s’est donné pour mission de sauvegarder et de promouvoir ce héritage de la culture juive au Portugal.

Il est récemment été porté à ma connaissance que Antonio de Oliveira Salazar, Président du Conseil du Portugal à l’époque de la création du Musée Luso-Hebraico, a rendu visite à la Synagogue avant d’accepter la donation de Samuel Schwarz et l’a félicité pour ses démarches. (...)