domingo, 14 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14744: Libertando-me (Tony Borié) (21): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (2)

Vigésimo primeiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Glória, Lola, a Ruça (2)

Hoje andamos de bicicleta, passámos pela praia, não vimos a Glória, a quem também chamavam “Lola” e, às vezes, “Ruça”, mas vamos continuar com a sua história, cá vai.

Os anos foram passando, a Glória, que também era a “Lola” e às vezes a “Ruça”, frequentou a escola primária de Castanheira do Vouga, vindo fazer o exame de segundo grau na escola de Águeda, onde obteve a classificação de quinze valores, já estava crescida, começou a ficar com uns peitos saídos, umas ancas largas, as pernas altas, as feições da cara modificaram-se, os lábios carnudos e rosados, o cabelo comprido com as tais madeixas louras, os vestidos já lhe eram curtos, quase toda a sua roupa lhe era curta, estava uma rapariga bonita.

Os rapazes na aldeia diziam:
- A “Ruça”, está boa como milho!

O pai Aniceto, quando ouvia isto, corria com um pau atrás dos rapazes, dizendo:
- “Ruça”, é a burra da tua mãe!

Quase todos os rapazes andavam de olho nela, ela não prestava atenção a nenhum, excepto ao Jorge, filho do ferreiro. O Jorge era mais velho do que ela uns meses, era um rapaz franzino, um pouco envergonhado, não convivia muito com os outros rapazes, pois ajudava o pai, o senhor Silvestre, na forja e, mais tarde, era ele que fazia as contas da oficina de ferreiro, eram só dois filhos, ele e uma irmã mais nova que tinha vindo mais tarde. Andou na escola com a Glória, ficava triste e, às vezes, até se envolvia com os outros rapazes, quando estes lhe chamavam “Ruça”. Não se importava muito que lhe chamassem “Lola”, até gostava, mas “Ruça”, isso não, ficava com alguma fúria e, quando se envolvia com alguém, perdia sempre, acabava por andar sempre com marcas na cara e no corpo, era por isso que não convivia com muitos dos rapazes da sua idade.

Quando se aproximava da Glória, ficava um pouco embaraçado, mas assim que começasse a falar com ela, todo o receio desaparecia, sentia-se muito bem na companhia dela, e ele percebia que a Glória também largava tudo para estar com ele. Iam-se vendo um ao outro, até que certo dia, ela lhe disse:
- Oh Jorge, nós gostamos tanto um do outro, temos que começar a namorar.

Ele, nem a deixou acabar de falar, disse, com o ar mais feliz do mundo:
- Oh Glória, pois tu, já és a minha namorada há muitos anos, não sei se já percebeste, pois eu sinto muitos ciúmes quando algum rapaz olha para ti.

Ela, com ar também feliz, dá-lhe um beijo na face, o que o fez corar. Passaram a ser namorados, a partir dessa altura, aprenderam um com o outro todos os segredos do amor. Tanto o pai Aniceto, como o senhor Silvestre, viram este namoro com bons olhos, só a mãe Madalena, é que ficou um pouco furiosa, pois via que ia perder a “mãe” dos seus filhos. Não perdia oportunidade para a repreender, e às vezes até a ameaçava com pancada se ela perdia tempo a falar com o Jorge e, deste modo, alguma tarefa ficava para trás, noutras palavras, fazia-lhe a vida negra.

Os irmãos, alguns já tinham saído da escola, continuavam a ver na Glória, a sua mãe, chamavam-lhe “Lola”, portanto ajudavam-na, e diziam-lhe:
- Oh “Lola”, vai namorar, que nós fazemos todas as tuas tarefas.

A Glória ficava algumas horas na conversa com o Jorge, o Aniceto e a Madalena, talvez preocupados, com a lida da lavoura, em arranjar o dinheiro para todas as despesas, mais o compromisso do pagamento aos senhores donos das terras que eles cultivavam, não reparavam que a Glória, já crescida, precisava de roupa nova e melhor. Como era a única rapariga na família, pois o último irmão também nasceu rapaz, era a que vestia diferente, alguma roupa que crescia da mãe, uns vestiditos de chita, umas camisolitas e uns sapatitos de lona, comprados na feira, que ao sábado se realizava na vila de Águeda, lá ia andando, ninguém reparava, que como a roupa lhe ia ficando mais curta, mais sobressaíam as virtudes que o criador lhe tinha dado, em outras palavras, quanto menos roupa tinha, mais jeitosa era à vista de todos.


Mas os pais tinham mais com que se preocupar, a Glória estava em casa para trabalhar e tomar conta dos irmãos, era como se fosse um objecto da casa, daquele sistema implantado desde sempre. O senhor Silvestre, preocupado com o futuro do seu filho Jorge, certo dia vem à fala com o Aniceto e diz-lhe: 

Oh Aniceto, temos que casar os garotos. O meu Jorge já está próximo da idade de ir “às sortes”, queria ver se o livrava da tropa, pois se for militar vai acabar na guerra do ultramar, e isso nunca vai acontecer, pelo menos enquanto eu for vivo.

Toda a gente no lugar sabia que o senhor Silvestre era “do contra”, não gostava do regime, uma certa vez até foi interrogado pela polícia do estado. Ele, como sabia as dificuldades do filho Jorge, franzino, pouco corajoso, mas com alguma inteligência, pois sabia de números, até lhe tratava das contas da oficina, na companhia da Glória iria ser outro homem.

A Glória era trabalhadeira, habituada a sacrifícios, criou os irmãos, vestia qualquer roupa, respondia aos rapazes da aldeia, quando lhe atiravam algum piropo mais atrevido, dizia:
- Vai dizer isso à tua irmã, cabrão!

A Glória era assim, desenvolta, activa e habituada a andar descalça, a acudir aos pedidos e choros dos irmãos, enfim habituada a sofrer. Tinha sido criada no meio de dificuldades, ela nem sabia o outro lado bom da vida, tudo isto era normal para ela. Na aldeia dizia-se:
- A “Ruça” vai ser uma mulher de armas!

O senhor Silvestre, pai do Jorge, também era um homem de trabalho, tinha algumas economias, tinha na ideia casar o filho e mandá-lo para fora do país, para fugir ao serviço militar, tinha alguns contactos e conhecimentos na vila, dos “amigos do contra”. A ideia era casar o filho, e com a desculpa da “lua de mel”, metê-los num avião para o México, mais propriamente para a colónia de férias de Acapulco. Daí, com os seus contactos, iriam atravessar a fronteira, clandestinos, para o outro lado, ou seja para os Estados Unidos. Este plano já tinha funcionado com algumas famílias “do contra”, portanto também iria funcionar com o seu filho Jorge e a sua futura esposa Glória, a quem também chamavam “Lola” e, às vezes, “Ruça”.

(Continua)

Tony Borie, Junho de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14710: Libertando-me (Tony Borié) (20): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (1)

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