sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22904: Tabanca dos Emiratos (8): O nosso blogue em números: os seguidores nas "Arábias" (Jorge Araújo)


Emiratos Árabes Unidos > Dubai >  Setembro de 2021 >  Os camelos-árabes do deserto. Imagens do Deserto do Além

Fotos (e legenda): © Jorge Araújo (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].





Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); nosso coeditor, a viver neste momenyo em Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos.


► Comentário ao P22885 (07.01.22) (*)


O camarada Luís Graça, de acordo com a sua cultura/formação científica, recorrendo à fonte de dados de que dispõe no Blogger (contador de visualizações ao blogue), vai partilhando no fórum, pelo menos uma vez no ano, à laia de “relatório de contas”, a análise estatística e a competente representação gráfica das variáveis quantitativas contínuas e discretas colectadas em cada caso.

Daí que, também através de números, enquanto conceito matemático que representa quantidade, medida ou ordem, continua a “fazer jus” ao princípio de que este blogue colectivo de ex-combatentes no CTIG é (e continuará a ser!) uma fonte de informação e conhecimento… de verdadeiro serviço público.

Assim, na sequência do parecer solicitado no P22885 (07.01.2022), onde fiquei surpreendido com os números apresentados relativos a “visitas” ao blogue da Tabanca Grande realizadas a partir dos Emirados Árabes Unidos (mais de vinte e sete mil). Seguramente que estes milhares de visualizações foram realizadas por diversos “visitantes”, ainda que aceite ter contribuído com algumas centenas no decurso dos últimos dois anos (2020/2021).

Entretanto, em diálogo com a Diáspora Lusa mais jovem, nascidos maioritariamente nas décadas de 70 e 80 do século passado, residente em Abu Dhabi (capital) e no Dubai, e que fazem parte da nossa rede social local, temos vindo a constatar que os seus pais/avós e outros familiares mais próximos foram, tal como eu, combatentes nos diferentes TO ultramarinos e que, talvez por esse facto, tenham sido tocados pela curiosidade de contacto com o nosso blogue, depois de tomarem conhecimento da sua existência.

Neste contexto, é relevante referir que residem neste país, no presente, cerca de quatro mil portugueses (informação oral), entre trabalhadores e seus familiares (esposas e filhos). No grupo dos primeiros vamos encontrar empresários, quadros superiores, engenheiros, arquitectos, psicólogos, informáticos, docentes universitários, enfermeiros, desportistas, guias turísticos, gráficos, empregados de hotelaria e de restauração, entre outras profissões.

Quanto ao contributo para o aumento das “audiências” vindas do exterior, achei interessante a imagem simbólica ou metafórica utilizada pelo editor, nomeadamente as “renas” da Suécia, e os “camelos” dos Emirados Árabes Unidos.

Em relação às primeiras, o camarada José Belo deu já o seu parecer no P22888.

No que concerne aos segundos – os “camelos” – existem duas espécies: o camelo-árabe ou dromedário (Camelus dromedarius) de uma corcova (bossa), e o camelo-bactriano (Camelus bactrianus) de duas corcovas (bossas), sendo ambas as espécies domesticadas pelo Homem.

No caso em apreço, estamos perante o primeiro exemplo – o camelo-árabe ou dromedário –, cuja expectativa média de vida se situa entre os 40 a 50 anos, podendo alcançar em adulto/crescido os 1,85 metros até ao ombro e 2,15 metros de comprimento. A corcova (bossa) mede 75 cm e a velocidade pode ir até aos 65 km/h.

Em função da geografia do país, existem duas categorias de camelos-árabes (dromedários) domesticados: os do “deserto” e os da “cidade”. Seguidamente, apresentaremos imagens dos dois contextos obtidas recentemente.

 Fotogaleria: 

► OS CAMELOS-ÁRABES DO DESERTO

▬ Set’2021 - seis fotos no Deserto de Além (Dubai - UAE) (Vd. fotos acima

► OS CAMELOS-ÁRABES DA CIDADE

▬ Dez’2021 - fotos junto ao «Forte Al Hosn» (Abu Dhabi - UAE) (Vd. fotos abaixo)

Espero que este apontamento de “reportagem” de Abu Dhabi, e dos seus camelos-árabes (dromedários), tenha sido do vosso agrado.(**)

Continuação de um óptimo ANO de 2022, com muita saúde.

Com um forte abraço de amizade.

Jorge Araújo.

11Jan2022


Emiratos Árabes Unidos > Abu Dhabi  > Dezembro de 2021 > Imagens tiradas junto ao «Forte Al Hosn»

Fotos (e legenda): © Jorge Araújo (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22885: O nosso blogue em números (75): Globalizados, somos vistos em muitos países, com natural destaque para Portugal (40%), EUA (25%), Brasil (5%), França (5%) e Alemanha (4%)... Pela primeira vez, aparece a Suécia no "Top 10" e a Guiné-Bissau no "Top 20"

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22903: Efemérides (361): À uma e meia da tarde, à saída do reordenamento de Nhabijões... Em 13 de janeiro de 1971... Quando o teu relógio parou... (Luís Graça)



Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Da esquerda para a direita, os ex-furriéis milicianos António Fernando  Marques e Luís M. Graça Henriques, da CCAÇ 12 (1969/71), em amena conversa ou talvez disputando amigavelmente o "lugar do morto" (que era ao lado do condutor). Caiarão, ambos, meses mais tarde, em 13/1/1971, com 20 meses de comissão, numa mina A/C, à saída do destacamento de Nhabijões... 

Eu ia no lugar do morto e ele atrás... Eu saí "ileso" da explosão, ele ficou dois anos a recuperar dos graves ferimentos ... Costumamos, todos os anos (, nomeadamente desde que o blogue existe), recordar esta trágica efeméride. Acabei, mesmo agora, de escrever-lhe a seguinte mensagem: "Foi há 51 anos...Felizmente estamos vivos, mesmo com mazelas físicas e/ou psicológicas. Lembro o pobre do nosso sold cond auto Soares , que perdeu a vida nesse dia fatídico... 'Carpe diem', curte a vida com a tua Gina e os teus...Luís"... E ele respondeu-me de imediato: "Muito obrigado pela tua mensagem. Curte também na companhia da Alice e dos teus. Hoje saímos e almoçamos fora. Um grande abraço. Marques".

Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



À uma e meia da tarde...

pro Luís Graça


Ao António Fernando Marques, ex-fur mil at inf, 
e à memória do  Manuel da Costa Soares,
ex-soldado condutor auto,
que deixou um filho que nunca verá crescer, 
ambos da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)


Era uma hora e meia da tarde
quando o teu relógio parou,
na estrada de Nhabijões-Bambadinca.


... O sol dos trópicos desintegrou-se,
o céu tornou-se de bronze incandescente,
mil e um pedaços de sol riscaram o ar,
e o  mamute de três toneladas deu um urro de morte,
ao ser projetado sob a lava do vulcão.

Uma súbita explosão,
um trovão que ecoa até ao Mato Cão, a norte...
E depois o silêncio, o silêncio da morte.

...À uma e meia hora da tarde
na estrada de Nhabijões-Bambadinca.


Gritaste:
– Agarrem-se que a viatura vai despenhar-se!
Foste projetado ao lado do condutor,
batendo violentamente
com a cabeça na chapa do tejadilho.
Conseguiste equilibrar-te
dentro do caixão de ferro.
Não vias nada,
e a espessa nuvem de pó, envolvente,
exalava um forte cheiro a enxofre.
Mas ainda conseguiste pensar:
– O ar está rarefeito,
milhões de partículas de pó barrento
bloqueiam-te os pulmões,
vais sufocar dentro desta maldita cabina!

... Foi quando parou o teu relógio,
à uma e meia da tarde
do dia 13 de janeiro de 1971,
à saída do reordenamento de Nhabijões.


… Um curto-circuito ocorreu no teu cérebro,
como se tivesses sido eletrocutado,
ficaste rigidamente colado ao assento,
a G3 entrelaçada nas pernas,
e a estranha sensação
de que a massa encefálica te tinha saltado da caixa craniana.
O olhar vidrado de quem mergulhou 
nas profundezas da terra,
o gélido terror de quem entrou 
num mundo desconhecido,
a antevisão da viagem no barco do barqueiro  
do Rio de Caronte,
o calafrio da morte, 
trespassando o teu corpo da cabeça aos pés.

...À uma e meia da tarde
na estrada Nhabijões-Bambadinca.


Nunca saberás ao certo
quantos segundos se passaram,
mas houve um solução de continuidade,
essa fração de tempo
em que a tua consciência esteve bloqueada,
e os pulmões falharam,
e o sangue gelou,
e o coração parou, de puro terror,
escreve, não tenhas pudor, de puro terror...
até compreenderes que a velha GMC
tinha acionada... uma mina!
– Outra mina, meu Deus!, que horror!
E instintivamente agarraste-te àquela carcaça de mamute,
mal refeito da surpresa de estares vivo.

...À uma e meia da tarde,
à saída do reordenamento de Nhabijões.


Quando saltaste para o chão,
tinhas, sob o olhar aterrado, os destroços duma batalha:
corpos por todo o lado,
juntamente com espingardas, cartucheiras, cantis,
canos de bazuca e de morteiro, granadas de bazuca e de morteiro, 
granadas de mão, dilagramas, 
um rádio, bocados de chapa e de borracha, 
quicos, botas, restos de camuflado,
tudo numa profusão indescritível,
corpos que gemiam, que gritavam, ou que talvez já fossem cadáveres.

...No vulcão de Nhabijões,
a oeste de Bambadinca,
Setor L1, 
Zona Leste,
Teatro Operacional da Guiné,
África subsariana,
Planeta Terra!


– Mortos! Tudo mortos! – gritava-te o puto Umaru,
os braços abertos, o pânico estampado no seu belo rosto de efebo,
menino fula feito soldado,  sem o seu inseparável pequeno cachimbo,
que sempre usava para lhe dar o ar de falso Homem Grande.

E logo ali o Transmissões, o primeiro ferido que reconheceste,
todo encolhido junto ao colosso de ferro amalgamado,
numa postura fetal, de defesa, em estado de choque.

Abeiraste-te depois do comandante da 1ª secção,
teu companheiro de quarto,  o Marques,
o teu querido Marquês sem acento circunflexo, 
como o gostavas de  tratar,
mas ele já não reagia à tua voz
nem às bofetadas que lhe davas no rosto,
o olhar vidrado dos moribundos...
Aparentemente não tinha qualquer fratura exposta
mas de um dos ouvidos, o do lado direito,  corria-lhe um fio de sangue,
um fiozinho,  vermelho e logo negro,
rapidamente oxidado em contacto com o ar.
Procuraste desesperadamente os seus sinais vitais,
mas sua respiração era cada vez mais fraca,
e o pulso escapava-se-te, entre os teus dedos,
como a areia da ampulheta.

Trágica ironia!, um minuto antes,
ao subirem os dois para a viatura,
haviam disputado amigavelmente o 'lugar do morto'.
– Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...

… À uma e meia da tarde de um dia treze,
ao vigésimo mês de Guiné,
em janeiro de 1971.


Acabaste por ser tu a ir para o 'lugar do morto',
ao lado do condutor.
Mas daquela vez, e para sorte tua,
a mina rebentaria sob um dos rodados duplos traseiros 
da GMC, embora do teu lado.
A velha GMC do tempo da Guerra da Coreia,
que gastava cem aos cem...
e que acabava de fazer a inversão de marcha,
de regresso ao quartel, em Bambadinca.

Outra filha de puta de mina,
não detetada pelos nossos picadores,
fora acionada, na berma da estrada,
às portas do reordenamento de Nhabijões,
a coqueluche do comando do batalhão, e do Spínola,
300 moranças para os "turras", diziam os teus soldados fulas!

Porra, camaradas, 
a escassos metros da anterior, já fora da estrada!

… À uma e meia da tarde de um dia 13, 
que nem sequer era sexta-feira 13,
era uma vulgar quarta-feira,
mas foi 13 de azar!


Estavas de piquete, quando duas horas antes 
uma viatura do destacamento acionara uma mina.
Um frágil burrinho, um Unimog 411,
ia buscar o almoço para o pessoal do reordenamento.
O condutor, o Soares, teve morte imediata,
o furriel Fernandes, também da CCAÇ 12,
o alferes sapador Moreira e outro militar,
ambos da CCS do batalhão,
ficaram feridos, com gravidade…

Mas só agora reparaste  
no velho Tenon, no Ussumane, no Sherifo,
mesmo ao teu lado, a teus pés,
sem darem acordo de si.
E ainda no Quecuta, no Cherno e no Samba, teu bazuqueiro,
arrastando-se penosamente sobre os membros superiores,
como lagartos cortados ao meio.

…À uma e meia da tarde
na estrada da morte,
com as palmeiras de Samba Silate
e o Rio Geba ao fundo.


As duas secções que seguiam atrás, na GMC,
tinham sido projetadas pelo vulcão de trotil,
como se fossem cachos de bananas.
Caso se seguisse uma emboscada,
então seria um massacre, pensaste tu!
Tu que eras o único que tinha uma arma na mão,
mas inútil, inoperacional, encravada,
devido ao choque sofrido…
Não deixaste de sentir um calafrio
ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG
e sob o matraquear das 'costureirinhas' e das Kalash.

… Ali, à uma e meia da tarde,
em Nhabijões, na Guiné, longe de Saigão,
'far from the Vietnam'.


Tinhas acabado de fazer o reconhecimento das imediações,
detetando o trilho dos guerrilheiros, até ao rio.
Durante a noite, eles tinham vindo pôr as minas assassinas…
Eles faziam a guerra deles, tão cruel e tão suja como a tua,
e esse trilho, mais fresco, acabava por confundir-se
com os usados pela população de Nhabijões
que, como tu sabias, não morriam de amores pelos "tugas"…
Hoje sabes os seus nomes,
os nomes dos que te montaram as duas minas,
a ti e aos teus:
Mário Mendes, chefe de bigrupo,
e Mário Nancassá, sapador.
Não podes deixar de sentir ódio, 
mais de meio século depois,
por aqueles que te quiseram matar, 
a ti e aos teus camaradas.

Pedes SOS, evacuação Ypsilon,
vais a correr para o heliporto,
sem soro, sem garrotes, sem pensos,
sem maqueiro, sem mala de primeiros socorros,
sem picador, sem arrebenta-minas à tua frente!

...Numa luta desvairada contra o tempo,
na estrada Nhabijões-Bambadinca.


Era possível, entretanto, que houvesse mais minas
pela estrada fora,
anda hesitaste em mandar picar o terreno,
mais alguns metros em redor,
mas não podias perder nem mais um segundo,
para logo seguires, de imediato,
para os helis que aguardavam os feridos mais graves,
no heliporto de Bambadinca.
Mais até do que a solidariedade entre camaradas de guerra,
mais até que a tua amizade pelo Marques,
de repente o que te terá movido,
o que te deu a força anímica dos gigantes,
o que te deu uma raiva imensa de vulcão,
foi o brutal sentimento do absurdo da morte,
do absurdo daquela guerra,
a raiva contra aquela guerra,
na véspera de fazeres 24 anos, dali a dias!...

… À uma e meia da tarde
nessa maldita picada do inferno.


Foi uma corrida louca, aquela, na estrada de Nhabijões,
na fronteira indefinida que separava a vida da morte,
no primeiro Unimog 404 que te apareceu à mão,
e que levava um carregamento letal de feridos,
três deles estavam em estado de coma
e tinham como destino outro inferno,
o hospital de Bissau
os Alouettes III, roncando como o macaréu,
sobre o Geba, largo e medonho,
a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte
aos vinte e poucos anos de idade.

…No dia 13 de Janeiro de 1971,
num dia  13 que nem sequer era sexta-feira,
mas que foi de terrível azar,
às treze e meia da tarde,
quando o teu relógio parou
à saída da grande tabanca de Nhabijões,
finalmente reordenada
e controlada…


Luís Graça, Bambadinca, 13/1/1971 / Madalena, V.N. Gaia, 13/1/2023
[Revisto nesta data, pela "enésima" vez...]

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22876: Efemérides (360): Os 50 anos da Corrida de São Silvestre no Saltinho, 1971/72 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

Guiné 61/74 - P22902: (Ex)citações (398): Topónimos de origem árabe: Missirá, Amedalai, Medina, Meca... Curiosidades, controvérsias (Cherno Baldé, Bissau / Fernando Ribeiro, Porto)


Guiné > Região de Bafatá >  Sector L1 (Bambadinca)  > Regulado do Cuor >  Missirá > Pel Caç Nat 52 > c. 1968/69.

"Um momento de Missirá: à esquerda. Madiu Colubali, baixo de corpo, grande de coragem. Grande conhecedor do Corão e da escrita marabu; à direita, o régulo Malã Soncó, em perfeito traje de chefe mandinga - figura bíblica, bravura sem igual. Atrás, o pequeno monumento que os rebeldes destruíram e nós reconstruímos. Ao fundo, à esquerda, a mesquita. À direita, cubata destruída no ataque de [6 de ] setembro [de 1968]. Tudo tão belo"...

Foto (e legenda): ©  Mário Beja Santos (2006). Todos os Direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


1. Comentários ao poste P22891 (*):




Caros amigos,

Com a partida do "Alfero" Jorge Cabral, o unico, o Blogue, os Veteranos da Guerra da Guiné e todos nós, perdemos um Homem bom e invulgar, um excelente Humorista e Comediante nato. Aproveito esta oportunidade para endereçar os meus sentimentos de pesar à familia enlutada e aos amigos mais próximos.

Sobre o Poste de hoje (*), gostaria de apresentar algumas notas, a titulo de curiosidades, que, certamente, o "Alfero" e todos os que passaram pela região, gostariam de saber.

No último parágrafo do seu Conto de Natal o "Alfero" Cabral escreve: 

"Foi em Novembro, estava calor, o Menino era Braima e não Jesus, nenhuma estrela iluminava o céu, e o Alferes não se parecia com os Reis Magos. Porém ainda hoje, ele acredita, que ali no meio do mato, naquela tarde, aconteceu Natal".

Num comentario a um dos Postes anteriores escrevi, mais ou menos isto: Não era o menino Jesus, mas estava o menino Braima que é o maior dos Profetas das trés religiões conhecidas. Braima ou Ibrahima vem do Árabe "Ibrahim" e que corresponde ao Abrão ou Abraham dos Cristãos.

O topónimo Missirá (nas línguas dos povos muçulmanos da Senegâmbia) vem, também, do Árabe "Misr" ou "Misra", ou seja o nome dado, pelos árabes, ao Egipto. 

São da mesma origem topónimos como Hamdalaye (cidade de Allah), Keruane ou Quereuane (cidade de Cairo), Madina (Medina, cidade do Profeta, na Arábia Saudita onde foi enterrrado o Profeta Mohammed) e muitos outros. 

Curiosamente, não tenho ouvido nenhuma localidade com o nome de Maca (Meca) que, mesmo sendo considerada a cidade santa, não merece muita reverência, provavelmente devido ao facto da sua longa resistência e luta tenaz movida pelo clã dos Kuraisitas (Clã do proprio Profeta) contra a religião islâmica e ao próprio Profeta,  obrigando-o a fugir e refugiar-se na região mais ao Norte onde encontrou apoio entre os clãs de Medica.

Na região da Africa Ocidental, especialmente nos paises de maioria muçulmana, são muitos os topónimos de origem Árabe devido  influência da religião islâmica que aconteceu nos séculos anteriores à colonizaçao europeia, e fundamentalmente no século XIX com a entrada em cena dos povos Fulbés ou fulanis (fulas, em português) e a fundação de importantes reinos teocráticos que alteraram radicalmente o cenário politico, demográfico e sócio-cultural da região, desde o Oceano Atlântico (Senegal/Mauritânia) até à África Central (Camarões e RCA). 

Estes movimentos e reinos nascidos das "Djihads" de letrados Fulbhées da região foram depois vencidos ou subjugados através de politicas de Protectorados pelas potências coloniais. Todavia, assistimos de novo ao recrudescer do fenómeno "Djihadista" sob outras roupagens e caracteristicas, fundamentalmente fruto de políticas erradas e de governos exclusivos e a marginalização de povos inteiros que não se reconhecem nos governos e lideranças nascidos das independências precipitadas e mal geridas, cujas consequências e impactos ninguém pode prever, por enquanto.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

9 de janeiro de 2022 às 13:51

(ii) Fernando de Sousa Ribeiro

Caro amigo Cherno Baldé e restante pessoal

Existe em Portugal uma localidade chamada Meca. É uma pequena aldeia situada a norte de Alenquer. Fui lá uma vez há muitos anos e deparei-me com uma grande e imponente igreja, grande e imponente demais para uma aldeia tão pequena, o que não é caso único em Portugal. Todos os anos realiza-se no adro fronteiro à igreja uma cerimónia de bênção do gado. Os criadores de gado da região reunem as suas ovelhas, cabras e bois no largo, para que o padre abençoe os animais, aspegindo-os com água benta.

Embora a igreja e o ritual sejam católicos, o nome Meca pode ter origem muçulmana, pois os árabes ocuparam a região durante cerca de quatro séculos e deixaram numerosos vestígios. O topónimo Alenquer, por exemplo, é de origem árabe. Por outro lado, um vulcão extinto existente nas proximidades da aldeia poderia ter sido um local para rituais pagãos realizados muitos séculos atrás, dos quais a bênção do gado poderia ser um sobrevivente.

Guiné 61/74 - P22901: Parabéns a você (2025): Maria Ivone Reis, Major Enfermeira Paraquedista Reformada (1961/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P228887: Parabéns a você (2024): António Murta, ex-Alf Mil Inf MA da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22900: Tabanca Grande (530): José Carlos Rocha da Silva, ex-Fur Mil Inf da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4518/73 (Dulombi e Nova Lamego, 1974) que se senta no lugar 857 da nossa tertúlia

1. Mensagem enviada ao nosso camarada e novo tertuliano José Carlos Rocha da Silva (foto à direita), ex-Fur Mil Inf da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4518/73, (Dulombi e Nova Lamego, 1974), em resposta a uma mensagem sua deixada no Formulário do Blogger:

Caro camarada de armas José Carlos:

Muito obrigado pelo teu contacto.

Teremos o maior gosto em receber-te na nossa Tabanca Grande onde reservamos desde já um lugar bem à sombra do nosso poilão sagrado.
Manda-nos por favor uma foto actual e outra dos tempos de Guiné assim como nos diz qual foi a tua especialidade e os locais por onde andaste, tanto quanto sei a companhia foi desmembrada em pelotões.

Já que pertences à geração do fim da guerra, poderás contar-nos a tua experiência de contacto com o ex-IN na fase de entabulamento de conversações e entrega de aquartelamentos.
Se tiveres fotos, também serão bem-vindas. Digitaliza-as e envia-nos acompanhadas das respectivas legendas que, se possível, deverão indicar os locais, datas e fotografados.

Contamos com a tua colaboração já que da tua Companhia nada sabemos. Manda as tuas coisa para este meu endereço e para o do editor Luís Graça (luis.graca.prof@gmail.com).
Para saberes o que temos sobre o teu Batalhão, acede a este marcador:

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BCA%C3%87%204518

Ficamos a aguardar o teu novo contacto.
Segue um abraço em nome da tertúlia e dos editores
Carlos Vinhal


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2. No mesmo dia recebemos esta resposta do José Carlos:

Chamo-me José Carlos Rocha da Silva, nascido na freguesia de Lagoa, concelho de Vila Nova de Famalicão, a 19 de Março de 1952.

Fui incorporado a 22 de Janeiro de 73, no RI 5.

De Abril de 73 a Junho do mesmo ano, frequentei o curso de Sargentos Milicianos no CISMI, especialidade de atirador de infantaria.

De Julho a Setembro de 73 estive no RI 8, em Braga, a ministrar uma recruta.

Em Setembro de 73 fui para o RI 15, em Tomar, onde formei o Batalhão 4518.

Em 29 de Dezembro de 73 embarquei no navio NIASSA, com destino à Guiné. Aqui, inicialmente o batalhão foi para a ilha de Bolama, onde tivemos a formação do IAO. Depois a CCS ficou em Galomaro e a nossa companhia, a 1.ª do batalhão, foi colocada em Dulombi.

Em Março de 74 o quartel do Dulombi foi abandonado e a nossa companhia passou a companhia de intervenção da CAOP 2, em Nova Lamego, donde regressámos em Setembro de 74.


José Carlos Silva, "hoje"
José Carlos Silva, "ontem"
Um momento de lazer na piscina de Bolama
À porta de armas do quartel de Nova Lamego
O momento da entrega de um dos nossos quarteis a elementos do PAIGC
As lavadeiras na bolanha de Nova Lamego

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3. Comentário do editor:

Caro camarada de armas e amigo José Carlos, estás apresentado formalmente à tertúlia. És mais um antigo combatente da Guiné a engrossar as fileiras do nosso Blogue, no ano passado muito desfalcado por motivo do falecimento de alguns dos nossos companheiros que nos acompanhavam há anos.

Como te disse já, a tua 1.ª CCAÇ não estava representada na Tabanca Grande, logo cabe-te a responsabilidade de construir a sua história aqui.

Vai-nos mandando as tuas memórias e as tuas fotos, que nesta página ficarão para memória futura. Cabe-nos a responsabilidade de contarmos nós a história da guerra vivemos na primeira pessoa, antes que outros, que nunca lá estiveram, o façam por nós.

Ficas com o lugar 857 da nossa tertúlia, igualzinho a todos os outros porque aqui não se destaca ninguém, seja pelo posto militar, formação académica ou profissão. O teu nome, José Carlos Silva, passa agora a constar na badana do blogue, a coluna estática do lado esquerd
o: Vê em dos TABANCA GRANDE - LISTA ALFABÉTICA DOS 857 AMIGOS & CAMARADAS DA GUINÉ, na secção dos Josés (que são, contigo, 83).

Deixo-te o habitual abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores e colaboradores permanentes deste Blogue.

Guiné 61/74 - P22899: Historiografia da presença portuguesa em África (298): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Março de 2021:

Queridos amigos,
Para quem está a acompanhar o laborioso levantamento de factos e feitos, da memória que Senna Barcelos prometeu à Academia das Ciências,não podem subsistir dúvidas que após o desgraçado período vivido na União Ibérica, as parcelas coloniais sofreram e muito os impactos na guerra da Restauração e, em concomitância, a crescente cobiça de franceses e britânicos. Faltava tudo no que restava da Senegâmbia Portuguesa, e as citações que aqui se deixam são concludentes dessa atmosfera degradada e degradante. Senna Barcelos teve o enorme mérito de proceder a uma organização escritural que permite hoje aos historiadores ir do século XV até aos princípios do século XX. É evidente que hoje há fontes muito mais ricas, para além de arquivos ainda inexplorados. Mas exalte-se este levantamento como um dos pontos de partida que contribuíram para lançar as bases da historiografia guineense e de tudo quanto se pode e deve estudar em Lisboa, em Bissau e em todos os outros espaços de investigação. Isto para enfatizar que Senna Barcelos é incontornável.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (3)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que agora nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense. Esclareça-se que o autor não se apresenta como historiador, aliás não faz conexões nem análises, esta memória apresentada à Academia Real das Ciências de Lisboa tem a forma de um levantamento de factos e feitos, trabalhou estrenuamente, não poupou esforços nos arquivos e a sua narrativa tem um caráter personalizado, desanca nos políticos corruptos, nos governadores ineptos, na selvajaria dos negócios, nunca ilude as desgraças e inclemências da natureza em Cabo Verde, a falta de presença portuguesa na Guiné e a permanente hostilidade dos autóctones com os portugueses.

Foi profundamente crítico do reinado de D. João V, procurou que o reinado de D. José fosse mais auspicioso. Diz mesmo que muitas súplicas se dirigiram a D. João V para fortificar Bissau e que D. José, com melhores olhos, compreendeu a necessidade de dar vida a esse riquíssimo domínio, onde só tinha uma praça fortificada, Cacheu, na foz do rio Farim.

Nos primeiros dias de 1753, partiu de Lisboa uma expedição com destino a Cacheu tendo à frente a nau Nossa Senhora da Estrela, a missão era levantar a fortaleza de Bissau. E veja-se o tom crítico do autor: “A praça de Bissau estava sem capitão-mor de nomeação régia, era governada por um preto boçal que desconhecia a língua portuguesa. Houve regozijo com a chegada dos barcos portugueses a Bissau, pois quem ali estava não podia comerciar pela belicosidade dos povos da vizinhança”. Começou um jogo de artimanhas entre portugueses e o régulo Palanca. Umas vezes celebrava-se a paz, outras vezes havia recontos sangrentos, voltava-se a pedir a paz, seguia-se nova arremetida do gentio, rechaçada. Então, Palanca mostrava-se amistoso, subia a bordo da nau e pedia para trocar um casal de negros por aguardente. Assim começou a construção da fortaleza de Bissau, obra que havia de durar quase dez anos (1766-1775). A Companhia de Cacheu falhara e em 1755 fora criada a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, tinha o exclusivo do comércio de todas as ilhas e da costa da Guiné desde o Cabo Branco até ao de Palmas. E o autor comenta: “Nada adiantaram as ilhas no reinado de D. José, que aturou as loucuras e espoliação da celebérrima Companhia do Olho Vivo, conhecida com o nome oficial de Grão-Pará e Maranhão”. Vamos de seguida fazer um apanhado de notas envolvendo o reinado de D. José até ao reinado de D. Maria I, ocasião em que o administrador da Companhia da Guiné informou que a Praça de S. José de Bissau estava completamente acabada e aportou elementos úteis para se ficar com uma ideia nítida do que era a presença portuguesa na Guiné no último quartel do século XVIII. E muito mais adiante iremos falar de outro período tormentoso, de 1816 a 1835.

Envia-se um relato, pois, falando da Praça de S. José, diz-se que está completamente acabada, mas que há edifícios em ruína, mesmo a igreja, o ofício religioso só se podia celebrar numa pequena capela na praça, na qual mal cabiam 40 pessoas. Não havia sacerdotes, a guarnição constava de 190 soldados, o autor dizia que a povoação tinha uma população de “700 pretos católicos, que viviam sem pensarem no espiritual”. E bem importante é o que o comandante da Companhia descreve a seguir:
“A povoação de Geba contava com mil católicos, não tinha sacerdote, falta que também se sentia nos cristãos dispersos pela Serra Leoa, tinham deixado de lá ir religiosos de Bissau. No rio Nuno havia mais de 18 anos que lá não ia um missionário. A guarnição de Bissau andava rota e esfarrapada. O governador, sem meios, faltava-lhes com o pagamento; como não recebesse géneros da Companhia, reinava grande descontentamento entre a guarnição da Praça. A praça de Ziguinchor estava sujeita ao comando de Cacheu, quase deserta por viverem os moradores com os gentios. O administrador João da Costa profetizara que apenas a guerra entre a França e a Inglaterra terminasse, era para recear que uma dessas nações tomasse conta de Ziguinchor por estar perto do rio de Gâmbia, e estar Cacheu num estado que a não podia socorrer; sendo essa praça tão importante e de onde se costumava enviar a maior porção de cera para Lisboa, e não menos de escravatura para outros pontos, era realmente para lastimar. A artilharia da Praça de Cacheu estava como a de Bissau, sem reparos; a guarnição sofrendo grandes faltas, e até os particulares, para comprarem géneros, vendiam os seus escravos para Bissau. Nas mesmas condições sofriam os de Farim”.

Suplicava-se à rainha que os deixasse com o monopólio do comércio, que lhes fosse oferecida uma embarcação que impedisse os ingleses e franceses de roubarem gado, escravos e forros.

Senna Barcelos dá-nos também informação de relevo sobre a situação de Ziguinchor, à entrada do século XIX:
“Em princípios de 1801, sendo comandante da Praça de Ziguinchor Manuel de Carvalho Alvarenga, a qual era dependente da Praça de Cacheu, que tinha por governador Manuel Pinto de Gouveia, atacaram repentinamente os gentios de Sandegú, próximo de Ziguinchor, umas embarcações mercantes portuguesas que se achavam na costa a negociar. O comandante de Ziguinchor deu conhecimento deste facto ao governador de Cacheu, e este mandou logo um gentio, velho e prudente, amigo dos portugueses, para ir a Sandegú saber o motivo das hostilidades, respondendo os gentios inimigos que não o atendiam. Em vista da resposta, ordenou o governador que se lhes desse um assalto, ficando eles derrotados e aprisionando-se alguma gente. Durante algum tempo ficaram mansos e subjugados, até que traiçoeiramente voltaram a atacar as embarcações, matando e aprisionando alguns marinheiros. O governador de Cacheu mandou então preparar 17 canoas, tripuladas por senhores e escravos, que seguiram para Ziguinchor, e ali com o auxílio do gentio vizinho, auxiliares, se organizou a expedição. Fora encarregado de uma das canoas Julião Mendes, alferes da companhia do Capitão Francisco Rabaça, do Corpo de Infantaria de Ziguinchor, sem vencimento, o qual conseguira essa patente do ex-governador de Cacheu, Farim e Ziguinchor, Lopo Joaquim Almeida Henriques. Julião Mendes tinha sido escravo e recebera a alforria em 20 de novembro de 1799. Ele tinha deixado a condição servil para ter a patente oficial e por isso não lhe causava repugnância cometer o crime de traição. Mandara ele avisar ao gentio de Sandegú, por um seu escravo, do assalto que lhe estava preparado e forneceu-lhe pólvora e bala. Com o mesmo gentio tinha ele já combinado que no caso de saírem bem da luta lhe fossem vendidos todos os escravos que ficassem prisioneiros. Indispôs algumas tribos aliadas da praça contra outros aliados que forneciam mantimentos, dando-lhes pólvora e bala, pois seria insustentável a Praça de Ziguinchor, faltando estes aliados, únicos que mantinham o comércio de víveres com ela. O velho gentio de Cacheu descobrira a traição estando já as embarcações em viagem e pelos gentios que Julião Mendes quisera revoltar soube a verdade de tudo. Houve grande desânimo entre os expedicionários, que duvidavam uns dos outros, por isso pensou o velho gentio de Cacheu de tornar ali mesmo público o procedimento de Julião Mendes, pois que a maioria estava falada para nos atraiçoar”.

A história não acaba aqui, o traidor fugiu, foi apanhado, pediam ao governador para o enterrarem vivo, o governador preferiu mandá-lo degredado para o Pará toda a vida e foram-lhe sequestrados os seus poucos bens. Julião Mendes chegou ao Maranhão, iludiu o governador dizendo que estava inocente, veio até Lisboa queixar-se de que lhe tinham tirado os seus bens, foi mandado um sindicante a Ziguinchor para descobrir a verdade, e o que ele escreve dá mesmo muito que pensar, o sindicante achou que dos bens do tal Julião faltavam seis escravos e três embarcações, mas que os acusados não eram responsáveis por elas: “Que Julião Mendes nutria ódios contra José Domingos por este ter requerido contra ele, ao comandante de Ziguinchor, em Alvarenga, em 1800, como traidor, pois que tendo José Domingos concordado com os Grumetes-Forros de Ziguinchor para fazer guerra aos Balantas de Sandegú, que lhes aprisionaram três canoas, as quais foram vendidas em Cacheu e Farim”. E prossegue a descrição da trama com várias cambiantes de rancores e não é difícil perceber o envenenamento e a carga de ódios entre todos estes mercadores, prontos a escravizar quem quer que seja.

Neste levantamento de Senna Barcelos há também aspetos pícaros e não se registe a contar um:
“Em fevereiro de 1805 fora chamado Manuel Pinto de Gouveia pelo Conde da Anadia para ir governar a Praça de Bissau, que se achava abandonada por terem envenenado o governador desta, António Cardoso Faria. A tropa que guarnecia Bissau era composta de pretos, naturais do país, que conviviam com os gentios, que se negavam a fazer serviço. O novo governador pediu o posto de brigadeiro, e tendo ido ao paço solicitar ao príncipe regente este dissera-lhe: ‘Já estou bem informado do teu requerimento. O prémio não se procura antes da comissão feita. Sabe desempenhar ao que vais, e logo que as coisas estejam em paz pela secretaria te será remetido o que pretendes, pois vejo que é de justiça’. Seguiu Pinto Gouveia para Bissau, com 150 degredados tirados do limoeiro, facínoras e dos maiores crimes, tendo alguns destes a alva vestida, que lhes foi despida. Em Cabo Verde recebeu mais 80 homens de péssimos costumes, e com 230 soldados indisciplinados em Bissau formaria um batalhão de 460 desordeiros. Com muito trabalho montou o serviço militar, que estava relaxado, e restabelecia a paz entre os gentios”.

Não tem em conta as insubordinações na Praça de Bissau, os relaxamentos eram permanentes e as relações entre todos intoleráveis, veja-se este apontamento de Senna Barcelos:
“Havia quatro anos que o governador de Bissau não recebia os seus vencimentos; porém com ele vivia oficiais e negociantes que o acusavam de intriguista e turbulento, que negociava e proibia que os outros o fizessem, que vivia amancebado com uma Clara Gomes a qual saía a altas horas da noite da fortaleza, que ele absorvia os rendimentos reais, roubando a pólvora da fazenda para seu negócio e o dinheiro que lhe era remetido de Cabo Verde para pagamento da tropa e que falsificava os livros”. Por sua vez o governador queixava-se aos seus superiores de que havia amotinadores, apontava os cabeças de motim, desde oficiais a escrivães.
E Senna Barcelos dá-nos um parágrafo que clarifica o estado de desmando em que se vivia em Bissau:
“Em 12 de Julho deu-se nova insubordinação dos soldados. Ao toque da assembleia, às horas da parada da guarda, não quiseram os soldados entrar na formatura, e passando o governador ao quartel foi ali insultado, exigindo-lhe os soldados o pagamento no meio de ameaças, e pegando em armas, que não quiseram entregar. Retirou-se o governador e pela tarde daquele dia foi avisado de que os soldados tinham resolvido assassina-lo a golpes de baioneta, bem como a família, em vista do que o governador mandou logo dizer que no dia seguinte faria o pagamento com o seu dinheiro”.

E mais peripécias se podiam contar, mas este cenário não se modificaria tão cedo, anos depois, na sua famosa Memória da Senegâmbia, Honório Pereira Barreto não poupará pormenores ao estado calamitoso em que se vivia na Guiné.

(continua)

Fortaleza de S. José da Amura, na atualidade
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22877: Historiografia da presença portuguesa em África (297): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22898: Antologia (81): A grande paródia da guerra... "Pessoal, bó berra, ir no guerra bó persiste?... Nega!... Cá miste!" [Poema de Alberto Bastos (1948-2022), ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73), poeta, dramaturgo, encenador e ator, natural de Vale de Cambra]

 








Mais uns "instantâneos" do
 amigo Bastos. Aqui no lançamento do seu livro “A Máscara” (teatro), em 2015,  salvo erro na sua terra natal, Castelões, Vale de Cambra. Era assim,  alegre, teatral e jocoso (olhem o pormenor do adereço).

Fotos (e legenda): © Joaquim Pinto Carvalho (2022). Todos os Direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

















Fonte: Alberto Bastos - "Alguém". Lisboa: Círculo de Leitores, 2008, pp. 105/114. Seleção e digitalização: Joaquim Pinto Carvalho. Livro autohgrafado com a seguinte dedicatória: 'Ao meu especial amigo Joaquim A. Pinto de Carvalho com a magia dos 'bons velhos tempos'. O autor, (assinatura ilegível), 07/10/2009". Na contracapa, o Pinto Carvalho deixou este jsutíssimo e belo retrato físico, psicológico e moral,  do Alberto: (*)

(...) “Tem a fúria do viver no olhar, como um vulcão,
mas no verbo a leveza da corrente
genuína!

Tem nos gestos a garra e o voo do falcão
e a volúpia da serpente
que nos fascina!” (...)  (**)

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terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22897: Tabanca Grande (529): Alberto Bastos (1948-2022), ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), natural de Vale Cambra, o primeiro grã-tabanqueiro do ano, o nº 856, embora infelizmente a título póstumo

 

Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCS/BCAÇ 3852 (1971/73) >  De pé,  Manuel Gonçalves, alf mil manutenção (CCS); em 1º palano: da esquerda para a direita, Alberto Bastos,  alf mil op esp (CCAÇ 3399) e Carlos Santos, alf mil sapador (CCS)


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCS/BCAÇ 3852 (1971/73) > Da esquerda para a direita: Mesquita, alf mil (Artilharia antiaérea); Rodrigues alf mil (C CAÇ 3399) Alberto Bastos, alf mil op esp (CCAÇ 3399(; Manuel Gonçalves alf mil manutenção (CCS) (em pé); e António Faria, alf mil cavalaria.


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCS/BCAÇ 3852 (1971/73)

Da esquerda para a direita: Mesquita, alf mil (Artilharia antiaérea); Manuel Gonçalves, alf mil manutenção (CCS) (em pé); Rodrigues,  alf mil (CCAÇ 3399); Alberto Bastos, alf mil op esp (CCAÇ 3399); Trindade, alf mil médico (CCS) (em pé); e Carlos Santos, alf mil sapador (CCS).


Fotos (e legendas): © Manuel Gonçalves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Mafra > EPI > COM > 1970 > 3º Turno de Instrução > 6ª Companhia de Instrução > 4º Pelotão > O soldado-cadete  Alberto Tavares de Bastos, nº  127 (Imagem extraída da clássica fotografia de grupo. Cortesia de Joaquim Pinto Carvalho, que também pertenceu ao 4º Pelotão da 6ª Companhia)

Fotos (e legenda): © Joaquim Pinto Carvalho  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Alberto Bastos, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), foi o primeiro camarada da Guiné, que saibamos, a morrer este ano, logo no primeiro dia do ano de 2022 (*).

Foi desde logo nossa intenção, em honra da sua memória, integrá-lo na Tabanca Grande, a título póstumo.  Acabámos de receber  fotos dele do seu do tempo da tropa e da guerra,  enviadas pelos seus camaradas e amigos Joaquim Pinto de  Carvalho e Manuel Gonçalves.

Será, por outro lado,  o primeiro representante da CCAÇ 3399 no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. O seu lugar, à sombra do nosso poilão, será  o nº 856 (**) . E o seu nome passa a figurar na lista daqueles que "da lei da morte já se foram libertando" (Vd. badana do lado esquerdo do blogue, ou coluna estática).

Poeta  (e homem de teatro: dramaturgo, encenador, ator), com vários livros publicados, foi ele o autor da letra do hino do BCAÇ 3852, datada de 12/6/1971, e reproduzida no seu livro de poesia Alguém (Lisboa, Chiado Editora, 2008, pp. 125/126).

É também autor do poema "Na estrada do Cumbijã", dedicado ao cap mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351 (Cumbijã, 1971/73), "Os Tigres do Cumbijã" (, já publicado no poste P3640), e reproduzido, a pp. 138/139, no recentíssimo livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina (Guiné, 1972/74)". (Rio Tinto, Lugar da Palavra Editora, 2021.)

Deste batalhão, o BCAÇ 3852,  temos vários camaradas registados na Tabanca Grande:

  • Joaquim Pinto Carvalho,ex-alf mil at inf, CCAÇ 3398 (Buba) e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73) (nº 633)
  • Manuel Carmelita (ex-fur mil mecânico radiomontador, CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73) 
  • Manuel Gonçalves, ex-alf mil mec auto, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73) (nº 776);
  • Silvério Lobo, ex-sold mec auto, CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa e Buba, 1971/73

Da CCAV 8351, além do Vasco da Gama, temos também o Joaquim Costa (, imagem à esquerda), que todavia não privou com o Alberto Bastos, mas que escreveu no poste P22878 (*), surpreendido pela notícia da sua morte repentino, o seguinte comentário:


(...) "Fomos contemporâneos e pisamos o mesmo chão minado da estrada Mampatá-Cumbijâ. Nunca privei com ele mas era muito conhecido na região. No Cumbijã era conhecido por Poeta.

Vivíamos isolados no nosso buraco, pelo que só nos cruzávamos com camaradas de outras companhias em operações de risco onde apenas trocava-mos algumas palavras de circunstância.

"O poema que dedicou ao Cap Vasco da Gama, para além de pôr em evidência as suas qualidades literárias , mostra um homem atento ao que o rodeia, amigo e fundamentalmente solidário.

"O meu singelo livro de memórias é pequeno para a grandeza do poema que dedicou à CCav 8351 e ao seu Capitão. Como alguém já referiu: Um Poeta não morre.

Joaquim Costa. (5/1/2022)" (...)

O Joaquim Pinto de Carvalho (, imagem  à direita), que o conhecia bem desde o COM em Mafra, e na Guiné pertenceu ao mesmo batalhão, tendo ambos ficado amigos para a vida, fez-lhe o restrato físico e psicológico nestes versos (que constam da contracapa do livro de poesia Alguém, Chiado Editora, Lisboa, 2008);

(...) “Tem a fúria do viver no olhar, como um vulcão,
mas no verbo a leveza da corrente
genuína!

Tem nos gestos a garra e o voo do falcão
e a volúpia da serpente
que nos fascina!” (...)