quarta-feira, 25 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2985: Homenagem ao meu professor da Academia Militar, Hélio Felgas (António Costa, Cadete aluno nº 11/650, Curso ART 1964/67)

António José Pereira da Costa,
membro da nossa tertúlia,
ex-Cap Art Pereira da Costa
(hoje, Coronel),
CART 3494
(Xime e Mansambo,
1972/74)



1. Mensagem de António José Pereira da Costa, enviado à nossa tertúlia com conhecimento a Miguel Felgas Resende, neto do Maj Gen Hélio Felgas (1920-2008) (1):


Assunto - Morreu o Major General na reforma Hélio Felgas

Caros Camaradas

Quero deixar aqui a minha homenagem ao "tenente-coronel" Hélio Esteves Felgas.
Foi assim que o conheci e que foi meu professor de uma "perigosíssima" cadeira que se denominava Estudos Ultramarinos. Perigosíssima pelo conteúdo descritivo e porque dada com verdade e, acima de tudo, sem arrobos de grandiloquência.

Não apresentava a imagem fácil de um contestatário à política então vigente, mas sim como alguém que conhecia o Ultramar por nele ter estado e tê-lo conhecido com profissionalismo. Ou seria paixão?

Falava a verdade e nós, jovens cadetes, verificámo-lo à chegada a cada um dos três Teatros. E foi doloroso verificar que era assim...

Se analisarmos a Lista de Antiguidades desse tempo, reparamos que ele foi professor dos cursos que mais se implicaram no 25 de Abril (os cursos de entrada na AM em 1963 e 1964). Precisamente aqueles que, mais cedo, se confrontaram com a realidade, munidos da preparação que nos deu. Um mistura explosiva: o espírito de jovens cheios de certezas e a autencidade dos conhecimentos de que dispõem.

Considero que, nunca tendo ido a uma reunião do MFA, foi um dos seus maiores impulsionadores, apenas porque foi professor. Falava de África com a clareza de quem tinha o conhecimento cimentado e bem assimilado.

Tanto quanto julgo saber, não foi compulsivamente passado à reserva (nem havia motivo para tal), mas antes atingido por uma descida de limites de idade, portanto uma medida administrativa que abrange um largo universo de militares. Tenho vaga memória de que recebeu uma carta em que alguém responsável lhe apresentava uma justificação para o sucedidos...

Aqui fica o meu sentido obrigado e espero voltar a ter acesso à sua palavra no programa A Guerra, no qual deixou uma marca de análise brilhante, dificil de igualar.

António Costa
Cadete-aluno n.º 11/650
do Curso de Artilharia de 1964/67
__________

Nota dos editores:

(1) Vd. postes recentes relacionados com o tema:

25 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

24 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2981: Hélio Felgas, com Spínola, em Bambadinca (Jaime Machado)

24 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

Major General Hélio Esteves Felgas (1920-2008): duas comissões na Guiné, um dos militares portugueses da sua geração mais condecorados, autor de dezenas de livros e artigos sobre a "luta contra o terrorismo", a guerra ultramarina... Comparou a Guiné ao Vietname. Também considerava que a solução para a Guiné não era militar mas política... Foi, todavia, um crítico de Spínola que lhe terá roubado, entretanto, a ideia dos reordenamentos (aldeias estratégicas) (1). Um oficial intelectualmente brilhante mas controverso, dizem alguns dos seus pares, mais novos.

Foto gentilmente cedida pela filha, Dra. Helena Felgas, advogada.



Reprodução da assinatura do então brigadeiro Hélio Felgas, em documento, de 1995, de que o Paulo Raposo me facultou fotocópia.

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Todos os direitos reservados.





Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 > 1968 > Antes de partir para a zona leste (Galomaro e Dulombi)... O Alf Mil Paulo Enes Raposo, que anda agora mais arredio do nosso blogue... Na I Série (Abril de 2005/Maio de 2006) teve um papel muito activo na animação bloguística. Dele publicámos um longo e interessantíssima depoimento sobre a sua comissão na Guiné (O meu testemunho e visão da guerra de África. Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira Documento policopiado. Dezembro de 1997). 

.Foto: © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados


1. Entretanto recebemos hoje do seu (e nosso) camarada e amigo Rui Felício, a seguinte mensagem, respeitante à morte do Maj Gen Hélio Felgas: 

" Luís Graça, chocado com a notícia, reafirmo a admiração que sempre tive por esse Homem, um verdadeiro militar à moda antiga e, mais do que isso, uma pessoa com um sentido de justiça e um humanismo que só em muito poucos consegui encontrar na minha vida militar. Um abraço, Rui Felício"...

O Rui perdeu 11 dos seus homens na Op Mabecos Bravios. No total, a sua companhia, a CCAÇ 2405, perdeu 17 (num total de 46 vítimas, militares metropolitanos), nessa trágica manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969.


2. O Paulo Raposo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2405, organizador do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006, mandou-me,  em devido tempo, uma fotocópia de um depoimento do então Brigadeiro Hélio Felgas, sobre a trágica retirada de Madina do Boé.

Se bem me lembro (uma vez que não tenho aqui à mão o documento em suporte de papel), esse depoimento terá sido escrito em 1995, a pedido dos baixinhos de Dulombi, os ex-Alf Mil Felício, Raposo, Rijo, David e , e demais pessoal da CCAÇ 2405, que perderam 17 homens na travessia do Rio Corubal, em Cheche, 6 de Fevereiro de 1969. Só o Rui Felício perdeu 11 homens do seu Grupo de Combate (2).

Estive no velório do Major General na Situação de Reforma, Hélio Felgas, onde conheci a sua filha, Helena Felgas, advogada, mãe do jovem Miguel Felgas Menezes, o neto que nos deu a notícia da morte do avô, e que não o pode acompanhar até à última morada por se encontrar em Toronto, Canadá, em viagem profissional. 

A família decidiu não adiar o funeral, que teve honras militares, repousando os seus restos mortais no Talhão dos Antigos Combatentes do Cemitério do Alto de São João. Pormenor revelador de uma personalidade: foi o próprio quem redigiu a notícia necrológica, saída hoje no Diário de Notícias.

Também conversei com Jorge Casal, actual marido da Dra. Helena Felgas, e antigo combatente em Angola, donde regressou nas vésperas da independência. Era alferes miliciano da Manutenção Militar. Tive com ele uma amável conversa sobre o sogro, a sua carreira militar,as relações com a Guiné, etc. Conheci igualmente a viúva do major general, a quem repeti a história da conversa telefónica, de há uns meses atrás, pedindo autorização para publicar este depoimento que, em princípio, é inédito. A família também não se opôs, embora reconheça que a recordação deste episódio continuou, pela vida fora, a ser triste e doloroso para o antigo comandante da Op Mabecos Bravios.

Agradeço ao Paulo Raposo e à família do ilustre militar Hélio Felgas, em especial à viúva e à filha (que viveram em Bula, na 1ª comissão 1963/64), a possibilidade de enriquecer, com este depoimento (inédito), o dossiê sobre Madina do Boé, um topónimo que, por razões diversas, faz parte do nosso imaginário e das nossas dolorosas memórias da guerra da Guiné. 

Reproduzimos aqui esse texto, com o respeito que é devido por este antigo combatente, que agora nos deixou, depois de vários anos de sofrimento devido a doença.

Entretanto, recebemos também do José Colaço o seguinte comentário:

 "Paz à sua alma, a guerra não resolve nada, veja-se os casos de todos os Países ou negociaram livremente ou aconteceu-lhe o mesmo que a Portugal, ter que negociar sem condições para o fazer. José Colaço.".

Registe-se, finalmente, a mensagem que o Torcato Mendonça mandou para o neto, Miguel Felgas Rezende:

"Recebi, há momentos, a triste notícia. É, com Profundo Pesar que lhe apresento as minhas sentidas Condolências. Torno-as extensíveis á Senhora sua Avó e Família. Fui oficial subalterno de seu Avô, quando do Seu Comando no Sector Leste – Bafatá. Mereceu-me, sempre, o mais profundo respeito como Homem e Militar. Manterei, na minha memória, viva a sua recordação. Cumprimenta, Torcato Mendonça. Apartado 43, 6230-909 Fundão. torcatomendonca@gmail.com "

3. A retirada de Madina do Boé 

pelo Brigadeiro Hélio Felgas (2)

Digitalização, fixação e revisão do texto e subtítulos: L.G.

Todo o sudeste da Guiné, ao sul do rio Corubal, era uma região praticamente despovoada onde só havia dois postos administrativos: Beli e Madina do Boé.


(i) Um ponto sem valor estratégico

Já antes de, em 1968, eu ter assumido o comando do sector Leste [, Agrupamento nº 2975, com sede em Bafatá], Beli fora abandonado. O pelotão que aí se encontrava fora transferido para Madina, completando a companhia aí instalada.

Madina fica a cerca de 5 quilómetros da República da Guiné-Conacri. Não tinha qualquer população civil e só dispunha de um ou dois pequenos edifícios. Nem ruas tinha. Havia sido apenas uma minúscula tabanca (aldeia nativa), sem importância de qualquer espécie.

À medida que o PAIGC aumentava o seu poder de fogo com morteiros pesados e artilharia, os bombardeamentos e flagelações a Madina, executados em geral a partir do lado de lá da fronteira, passaram a ser quase diários.

Por isso a guarnição dormia em abrigos, escavados 4 ou 5 metros abaixo do nível do solo. Muitas vezes os bombardeamentos nada destruíam, caindo os obuses e granadas fora do perímetro do aquartelamento. Mas outras vezes causavam estragos e baixas que, em caso de necessidade, eram evacuadas de helicóptero para o hospital militar de Bissau.


(ii) A rotina dos bombardeamentos e flagelações

Apesar desta situação certamente pouco agradável, o moral da guarnição era levado. Lembro-me da primeira vez em que fui pernoitar a Madina. Pouco antes do anoitecer comecei a ouvir os soldados à porta dos seus abrigos gritando “Está na hora! Está na hora!”. O comandante da Companhia elucidou-me que era a altura de o PAIGC começar o usual bombardeamento e os homens já tomavam aquilo como uma brincadeira, habituados como estavam ao estrondo do rebentamento das granadas. Por acaso nesse dia as granadas só de madrugada caíram e não causaram baixas nem prejuízos.

Claro que a nossa guarnição respondia com morteiros e com canhão sem recuo e toda a gente estava sempre preparada para disparar a curta distância do arame farpado. Que eu saiba, porém, nunca o adversário tentou assaltar o aquartelamento.

Na manhã seguinte um destacamento saía do recinto e percorria os arredores procurando descobrir o local de onde teria sido feita a flagelação. Umas vezes tinha êxito e o local era cuidadosamente assinalado nas nossas cartas de tiro. Mas outras vezes nada se descobria pela simples razão de o bombardeamento ter sido feito a partir do território da Guiné-Conacri e os nossos militares cumprirem escrupulosamente a ordem que tinham de não atravessar a fronteira.

As viaturas da Companhia encontravam-se dispersas pela área do aquartelamento, em especial junto às árvores para melhor protecção. E até ao princípio de 1969 havia algum gado para consumo do pessoal. O último boi foi porém abatido por uma granada do PAIGC e a isso se referia com certo humor o relatório-rádio do comando local, confirmando assim o bom moral da unidade.


(iii) Missão: defender-se a si próprio!

De qualquer forma, tornou-se pouco a pouco evidente a inutilidade da presença de uma Companhia em Madina.

A tropa estava na Guiné para defender a população civil que nos era afecta, tentando suster o seu compulsivo aliciamento pelos guerrilheiros do PAIGC vindos do Senegal, a norte, ou da Guiné-Conacri, a sul e a leste. Procurava também evitar ou dificultar a penetração desses guerrilheiros em território então considerado nacional. E pretendia ainda impedir a destruição das estruturas económicas e administrativas: pontes, estradas, edifícios, etc.

Ora em Madina e em todo o sudeste guineense a sul do rio Corubal, não havia população alguma. Não havia estruturas de qualquer importância. E a fronteira era totalmente permeável em dezenas de quilómetros.

Então, se a tropa não estava a proteger qualquer ponte nem qualquer tabanca e não tinha a menor possibilidade de impedir penetrações territoriais, o que é que estava a fazer em Madina ?

A resposta era simples: a Companhia de Madina estava lá “para se defender a si própria”! Quando, afinal, fazia tanta falta em outros pontos da Guiné!

Por outro lado, ponderou-se também a possibilidade de o PAIGC aproveitar uma possível evacuação de Madina pelas nossas tropas, para declarar a região como “libertada”.

Mas isso podia o PAIGC fazer em qualquer outro ponto, do imenso sudeste guineense. Na zona de Beli, por exemplo, que nós abandonámos havia muito tempo e onde nunca íamos por falta de objectivo.

Aliás, mesmo com a Companhia em Madina, o PAIGC podia declarar o sudeste guineense uma “zona libertada” e até lá levar jornalistas estrangeiros, como parece que fez.


(iv) Evacuação: riscos calculados

Todas estas considerações foram devidamente estudadas, bem como os principais riscos que a evacuação podia acarretar.

Entre esses riscos contavam-se várias possibilidades de actuação dos guerrilheiros do PAIGC. Como por exemplo:
- Aumentarem as flagelações e bombardeamentos sobre Madina nas noites anteriores à manhã da “descolagem” quando as viaturas da Companhia, já meio carregadas, se encontrassem mais expostas;
- Lançarem sobre Madina um bombardeamento maciço na madrugadas da partida, quando parte da coluna de viaturas já estivesse fora do aquartelamento (cuja exiguidade não comportava toda a coluna); tanto nesta possibilidade como na anterior, contava-se que o PAIGC certamente detectaria o movimento desusual no interior de Madina;
- Montarem emboscadas à coluna em diversos pontos da estrada Madina-Cheche; esta estrada corria quase a direito no sentido norte-sul e, aqui e ali, era flanqueada por pequenas colinas de onde, em deslocamentos anteriores, os guerrilheiros haviam lançado emboscados; estava além disso minada com poderosas minas anticarro soviéticas;
- Tentarem dificultar a travessia do rio Corubal no Cheche.

Claro que, ao reconhecerem-se estes riscos, admitiam-se baixas da nossa parte pois a operação não era simples.


(v) Operação Mabecos Bravios

Mas tudo se fez para que tais baixas fossem mínimas. Em Bafatá, no comando do Sector, começou a ser elaborada a Ordem de Operações [O. Op.].

No Gabu (então Nova Lamego) construiu-se uma nova jangada que depois foi levada para o Cheche onde a que lá estava foi devidamente reforçadas. Estas jangadas eram constituídas por um forte estrado dotado de vedações laterais e assente em bidões vazios e em três “barcos” formados por grandes troncos de árvores escavados. Estrutura esta que, com a jangada descarregada, colocava o estrado a cerca de um metro da água.

As jangadas eram consideradas muito seguras e incapazes de se voltarem ou afundarem, desde que não fossem excessivamente carregadas. Calculava-se que aguentariam um peso de dez toneladas. Mas para maior segurança a O.Op. proibia que fossem transportados mais de 50 homens de cada vez.

Por seu lado, em Madina, os motores e as suspensões das viaturas da Companhia foram cuidadosamente revistos, não tendo o comando local tido pouco trabalho no carregamento de todo o material, incluindo a parte delicada das munições, até então guardadas em paióis subterrâneos.

No princípio do ano [ de 1969], a O. Op. foi levada ao Comando-Chefe, em Bissau, e apreciada e aprovada em reunião de comandos. O dia da evacuação foi marcado para 9 de Fevereiro de 1969, sendo a operação designado por Mabecos Bravios.

Aos comandos das unidades que forneciam contingentes de reforço foram dadas as respectivas ordens, com indicação dos locais onde as suas tropas deviam ser colocadas (de helicóptero). Alguns destes locais ficavam nas colinas de onde anteriormente haviam sido lançadas, sobre a estrada, emboscadas contra as nossas tropas. Outros ficavam na margem sul do Corubal, próximo do Cheche.


(vi) Uma manobra de diversão

Fui para Madina na manhã da véspera do dia D. Comigo foram 5 helicópteros pois eu queria executar com eles uma operação de diversão que consistia e, por duas ou três vezes, enviar os helis (vazios) para os locais de onde o PAIGC costumava bombardear o aquartelamento. Dava assim a ilusão de que estava colocando forças nesses locais, em emboscada.

A medida deve ter resultado pois nessa noite não houve bombardeamento a Madina.

Foi em completa calma que a complexa coluna auto se formou, com a parte dianteira já na estrada do Cheche.

Ao amanhecer iniciou-se o movimento com as viaturas e respectivos reboques completamente carregados e a grande maioria dos homens a pé. Como era costume eu seguia à frente com o meu guarda-costas e o homem do posto-rádio. Só os picadores nos precediam, picando cuidadosamente a estrada com compridos ferros pontiagudos. E excelente trabalho fizeram pois nenhuma mina rebentou embora tenham sido levantadas 12 ou 14.



(vii) A visita do Bispo [com-chefe, gen Spínola]

A progressão poderia ser lenta mas parecia segura. De tempos a tempos passávamos por camiões e autometralhadoras destruídas em emboscadas anteriores. Também vi os restos de um avião mas não sei se teria caído por acidente ou sido abatido. E conseguiu-se recuperar uma autometralhadora que se encontrava abandonada na berma da estrada.

A dada altura um helicóptero sobrevoou-nos. Contactei pela rádio e verifiquei que era o Bispo, ou seja, o General Spínola. Quase todas as manhãs o Comandante-Chefe saída de Bissau num helicóptero e ia observar as principais operações que se realizavam na Guiné. Mandei parar a coluna e montei segurança ao lado da estrada. O heli pousou e o General Spínola acompanhou-me a pé durante alguns quilómetros, demonstrando assim o apreço que a execução da operação lhe estava merecendo. Depois foi-se embora, satisfeito.

Chegámos ao Corubal ao princípio da noite sem termos sofrido qualquer emboscada. A travessia do rio começou imediatamente com as jangadas trabalhando alternadamente. Havia um cabo de aço estendido de uma margem à outra, a ele ficando ligada a jangada em serviço, a qual era empurrada por um pequeno barco com motor for de bordo.

O rio tinha uma corrente muito forte e uns 100 a 150 metros de largura. O motor do barquito levantava uma pequena ondulação que formava um V.

Atravessei para o Cheche cujas instalações eram semelhantes às de Madina, isto é, quase tudo abrigos enterrados.

Durante toda a noite assisti ao vai-vem das jangadadas. Parte dos destacamentos de reforço foram os primeiros a atravessar o rio, formando logo uma coluna auto na estrada que partia de Cheche para Nova Lamego. A Companhia de Madina [, a CCAÇ 1705,] seria a última a fazer a travessia, juntamente com dois Gr Comb da [CCAÇ] 2405.


(viii) O desastre da jangada

Cerca das 9 ou 10 horas da manhã apareceu um helicanhão que sobrevoou demoradamente toda a zona. Depois pousou e eu fui ter com ele procurando informar-me do que a tripulação tinha visto. Mas tinha chegado, apareceu um soldado correndo para mim a gritar que a jangada se estava afundando, logo após ter partido da margem sul. Pedi imediatamente ao piloto para... [ linha inteira cortada na fotocópia] depois para a margem do Cheche onde eu estava. Parecia vir normalmente carregada com homens e material.


(ix) Um comandante também chora

Quando chegou é que eu soube que diversos homens tinham caído ao rio, não aparecendo mais. Verifiquei tratar-se do pessoal que realizava a última travessia.

Quando se fez a chamada, viu-se que faltavam quarenta e tal homens, seis dos quais nativos.

Não consegui controlar-me e desatei a chorar, tal como aliás vi muitos valorosos militares a fazerem. Foi assim que me encontrou o General Spínola que nesse dia também quisera ir ter comigo.

Aguardámos horas, com o helicóptero sobrevoando o local na esperança de localizar alguns dos desaparecidos. Dois ou três bons nadadores também mergulharam na zona onde acorrera o acidente. Nada foi encontrado.

Interroguei diversos militares mas alguns nem podiam falar. Outros disseram-me que a jangada, logo após ter partido da margem sul, tinha-se afundado um bocado, ficando o estrado rés-vés com a água. Este afundamento era aliás natural desde que não fosse excessivo. O estrado, como dissemos atrás, ficava a cerca de um metro da água quando a jangada estava vazia. Esta distância diminuía conforme o peso do carregamento mas o estrado normalmente nunca chegava a ser coberto pela água.

Segundo parece, alguns dos homens que seguiam junto às vedações laterais assustaram-se quando alguma água começou a cobrir o estrado. Teriam então descido para o rio procurando segurar-se às travessas laterais do estrado e continuar assim a travessia. Desta forma o peso da carga diminuiria e a jangada subiria. Só que não se lembraram de que com o equipamento e as munições cada um pesava mais de cem quilos.

Foi desta forma que uma operação que decorrera sem qualquer baixa (ao contrário do que inicialmente se esperava), viu o seu final tragicamente enlutado. Durante toda a noite, desde as seis da tarde da véspera até às 10 ou 11 da manhã seguinte, as jangadas tinham trabalhado sem qualquer anomalia. Fizeram dezenas de travessias. E o azar logo havia de aparecer na última e de forma tão dolorosa.

Nem o facto de na altura terem ocorrido acidentes semelhantes (ou talvez ainda mais graves), com jangadas em Moçambique, podia servir de lenitivo para o que nos sucedera na Guiné. Dezenas de homens que tinham vivido longos meses sob bombardeamentos quase diários, acabaram por morrer afogados.

Hélio Felgas, Brigadeiro

_______________

Notas de L.G.

(1) Hélio Felgas, nascido em 1920, fez duas comissões na Guiné, durante a guerra colonial (Bula, 1963/64; Mansoa, Tite, Bafatá, 1968/69). 

Na última, ele começou por “chefiar o Estado-Maior do Sector de Mansoa”, depois passou ao “Comando do Batalhão de Artilharia de Tite, no sul” [BART 1914] e, por fim, ficou à frente do “Sector Leste, que abrangia cerca de metade do território e incluía batalhões das três armas combatentes, os quais, naquele tipo de guerra, actuavam concertadamente”.

Entre esses batalhões, contava-se o já nosso conhecido BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Quando ele, como o posto de coronel, comandou a Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969), era então comandante do Agrupamento 2957 (sediado em Bafatá). Repare-se que o brigadeiro, como disciplinado e disciplinador militar de carreira que era, nunca identifica as unidades a que se refere…

Esta nota biográfica é respigada de Os últimos guerreiros do império (Amadora: Erasmo, 1995), livro donde constam entrevistas com o Comandante Rebordão de Brito, o Coronel Caçorino Dias, e o Alferes Marcelino da Mata, entre outros. Nele, o então Brig Hélio Felgas faz um depoimento (polémico) sobre a guerra da Guiné.

Já aqui publicámos a última parte do depoimento ("algumas considerações acerca da Guiné Portuguesa"), onde ele é intencionalmente polémico, comparando a Guiné com o Vietname... Nessa parte do livro (pp. 135 e ss.) , ele revela - 27 anos depois ! - algumas ideias do relatório que terá enviado, no final do ano de 1968, ao General Spínola, "onde defendia que a concessão da independência à Guiné Portuguesa não iria agravar, antes pelo contrário, a situação em qualquer das outras Províncias Ultramarinas" (p. 135).

Outra peça de antologia é o seu relatório da Op Lança Afiada, onde não se coibe de fazer críticas à falta de apoio aéreo e de outros meios (não-participação das forças pára-quedistas e dos fuzileiros).

O Brig Hélio Felgas, condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (1970), passou compulsivamente à Reserva, a seguir ao 25 de Abril, data em que estava em comissão de serviço em Angola.

(2) Vd. poste de 12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) Acabei de ler um texto escrito pelo camarada José Martins onde relata a sua experiência na zona de Madina do Boé. Embora tenha reconhecido que não assistiu directamente ao que se passou no célebre e lamentável desastre do Cheche, ocorrido no fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969, o José Martins conheceu bem o local e a região e desenvolveu a sua descrição socorrendo-se de relatos e documentos alusivos ao sucedido.Deduz-se daquele relato, publicado no blogue, que o desastre teria acontecido essencialmente devido a três factores:

(i) Os militares descomprimiram e tentaram encher os cantis com água do rio, o que terá provocado, depreende-se, o desiquilíbrio da estabilidade da jangada;

(ii) Teria sido ouvido um som abafado, semelhante a uma morteirada, que teria provocado agitação entre os militares e, em consequência, desiquilibrado a jangada;

(iii) Que, após o acidente, a água do Rio Corubal terá tomado um tom avermelhado, querendo com isso dizer-se que os crocodilos que habitavam as águas do rio, teriam consumado a morte dos militares que cairam à água.

(...) 2. O filme da SIC sobre o desastre do Rio Corubal

O mais curioso é que no filme, da autoria de José Saraiva, realizado por Manuel Tomás, que foi visto há uns anos atrás, por muitos milhares de portugueses através da sua transmissão pela SIC e pela distribuição de um vídeo feita na mesma altura pelo Diário de Notícias, são apresentadas aquelas mesmas razões como causas imediatas do desastre.

Já nessa altura contestei as conclusões do filme, e fi-lo por escrito e em reunião pessoal com o Director de Informação da SIC, Dr. Alcides Vieira, estando presente o realizador Manuel Tomás, que dirigiu a realização do filme.

Refiro que a carta entregue na SIC foi subscrita não só por mim mas por dezenas de ex-militares da CCAÇ 2405, que, por coincidência nessa mesma altura, no almoço de confraternização anual, a leram e assinaram.

A contestação dos factos descritos no filme foi feita nessa reunião na SIC, com a prévia concordância do Comandante da Operação, Brigadeiro Hélio Felgas, e estando presentes, além de mim próprio, o Capitão Miliciano José Miguel Novais Jerónimo e o Alferes Miliciano Paulo Enes Lage Raposo.

E ela foi por nós solicitada à SIC em virtude do impacto que a exibição do filme teve nos ex-militares que a ele assistiram e que tinham estado presentes na jangada naquele dia do desastre.Com efeito, no próprio dia da exibição do filme comecei a receber telefonemas de antigos camaradas, um tanto decepcionados e alguns até revoltados, pela inexactidão dos pormenores que ali eram descritos.

Todos nós três, presentes na dita reunião, participámos na operação de evacuação de Madina do Boé, e todos estavamos presentes no local do acidente no Cheche naquele dia 6 de Fevereiro de 1969.O Capitão Jerónimo, comandante da CCAÇ 2405, e eu próprio, estávamos na jangada no momento do acidente, onde se encontrava também o Alferes Miliciano Jorge Rijo, oficial da CCAÇ 2405, com o seu pelotão.O Alferes Miliciano Paulo Raposo, também oficial da CCAÇ 2405, já tinha feito a travessia do rio na viagem anterior, e encontrava-se na margem norte do Corubal com o seu pelotão, observando a tragédia.

Na referida reunião da SIC, o realizador Manuel Tomás argumentou que o filme fora realizado com fundamento em entrevistas e em documentos oficiais militares a que tinha tido acesso, pelo que considerava o filme suficientemente documentado.E disse que esses documentos atestavam as razões acima referidas, isto é, que a jangada se virou porque, no essencial, teria havido disparos de morteiro que, supostamente vindos do IN, teriam criado o pânico nos militares, os quais, ao agitarem-se, teriam provocado o desiquilíbrio da jangada.

Perante a irredutível posição da SIC em manter a versão veiculada pelo filme, nada mais nos restou do que desistirmos do pedido que lhe fizémos para que fosse proporcionado esclarecimento público sobre as conclusões desse filme.

Foi dito, nessa reunião, ao Dr. Alcides Vieira e ao Sr. Manuel Tomás que, por muito credíveis que pudessem parecer os documentos militares em que fundamentaram a versão filmada, nenhum deles jamais desmentiria ou apagaria da minha memória e dos meus camaradas o que realmente se passou.

Mais importante que os documentos preparados no silêncio dos gabinetes militares, sabe-se lá com que inconfessados motivos, era a indesmentível memória daqueles que tinham sido protagonistas e vítimas do desastre.

É com o mesmo espírito de esclarecimento da verdade dos factos que volto hoje ao assunto, desta vez no ambiente mais acolhedor de um blogue criado e gerido por alguém como o Luis Graça que, tendo estado na Guiné, sabe melhor que ninguém que não queremos honrarias, distinções ou protagonismo público. Queremos tão só que a história seja o mais verdadeira e exacta possivel...

Esse é o legado que queremos deixar aos vindouros, para que jamais seja ignorado o sacrificio de uma geração inteira, retirada à sua despreocupada juventude para fazer uma guerra em longínquas terras, em nome dos seus deveres e obrigações para com a sua Pátria. (...).

terça-feira, 24 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2983: Dando a mão à palmatória (14): O Régulo Iero não veio na coluna (Jorge Picado)



Jorge Picado,
ex-Cap Mil,
CCAÇ 2589 e CART 2732,
Guiné 1970/72




1. No dia 22 de Junho recebemos uma mensagem do nosso camarada Jorge Picado, com uma correcção ao poste 2807 (1), entre algumas ideias que também expõe.

Amigo Carlos

Já se passaram alguns dias sem dar notícias, mas não foi por esquecimento. Apenas para além das obrigações com os meus netos, tenho agora a passar uns tempos cá na terra, o meu único irmão ainda vivo, emigrante nos USA, está doente… de forma que a minha disponibilidade diminuiu ainda mais. Mas não me esqueci de aparecer por aí e espero fazê-lo numa das vossas quartas-feiras. Depois aviso-te para me indicares como lá chegar, indo de combóio até ao Porto e depois de metro.

Fiz algumas tentativas para contactar ex-camaradas da minha CCAÇ 2589, pois agora não me conformo por não os ver a contar os seus sofrimentos e também as boas recordações muito mais ricas que as minhas.

Já estive pessoalmente com um ex-1.º Cabo de Trms Victor Vieira e falei pelo telefone com o ex-Alf Assude, mas com este foi uma conversa relativamente curta e não foi possível obter alguns esclarecimentos que desejo sobre o assunto de 12OUT70 (P2807).

No quase dia que passei com o Victor Vieira pressionei-o bastante para transmitir ao papel a sua vida de militar na Guiné, porque é riquíssima de factos operacionais e de militância de Apsico. Eu já sabia algo, mas agora ainda fiquei mais impressionado pelo muito mais que me contou, já que nada sabia sobre o ano anterior à minha chegada à CCAÇ.

Vou só referir que desde o 1.º dia que desembarcaram em Bissau assumiu as funções de comando duma Secção do seu Pelotão (logo como se fosse Furriel) porque o Sargento do quadro respectivo instalou-se imediatamente em Bissau (até montou um negócio, acho que de batatas fritas!) e depois de 8 meses de actividade operacional por Mansoa, Porto Gole e Bindoro, foi encarregado de acções de Apsico (sem no entanto ser dispensado das operacionais) fundamentalmente no Infandre, onde praticamente cumpriu o resto da comissão, ainda que tenha desenvolvido algumas em Braia.

Deu a instrução primária a muitas crianças de ambos os sexos e até a adultos das milícias.

Tenho de conseguir que ele não deixe perder todo o manancial de factos que, graças à sua excelente memória armazena. Pena é que sobre o 12OUT70, pessoalmente não tenha assistido, porque estava de férias na Metrópole quando se deu tal acontecimento, mas confirmou-me que era o Pelotão do Alf Mil Assude que estava em Braia e foi ele que acorreu em socorro, estando o Alf Mil Almeida no Infandre, como aliás eu tinha na ideia.

Sobre este Alf Mil Almeida (que julgo era licenciado em letras) aí dos teus lados (Porto?, Matosinhos?, Póvoa?), ninguém mais conseguiu contactar com ele, apesar de terem tido conhecimento que trabalhou na empresa das Páginas Amarelas. Creio que bloqueou o seu contacto.

Quero para já, mesmo antes de obter quaisquer informações do Assude que promovas umas correcções no meu P2807 se for possível, pois a verdade acima de tudo.

“Referi que o Régulo Iero também veio na coluna e que depois foi capturado.”

Não é verdade pelo que me penitencio, mas tenho uma desculpa. Lembrava-me que tinha deixado de ver este régulo no Infandre. Sabia quanto ele tinha a cabeça a prémio.

Dada a sua posição como régulo do Cubonge, por direito ancestral e mansoanca como era, tinha muito prestígio e exercia uma grande influência sobre todos os chefes das Populações vizinhas estando totalmente ligado às NT.

Enganei-me porque a sua captura tinha acontecido quando eu me encontrava de férias na Metrópole de 5JUL-9AGO70 e por isso passou-me. Transcrevo o que consta da História da Unidade (HU) no Cap II/Fasc 12 : “Em 111630JUL70, foi raptado o Régulo IERO BAMBA, empenhado na recuperação de um chefe In importante”.

Será que conseguirei ver esta e outras histórias contadas pelo ex-1.º Cabo de Trms da CCAÇ 2589 Victor Vieira? Tenho uma certa esperança, porque agora não o vou largar até que ele se decida.

Quanto ao posicionamento dos Pelotões da CCAÇ naquela época, posso agora afirmar que no Infandre estava o Pelotão do Alf Mil Almeida (um ex-camarada da zona metropolitana do Porto). Pelo que a foto que está no P2162 (2) onde se identificam os Furriéis Serralha e Simões (pertenciam ao Pelotão do Almeida) não é desse período.

Em Braia estava estacionado o Pelotão do Alf Mil Assude. Em boa verdade a ideia que guardava na memória era a de que tinha sido o Assude que me informara que a coluna não tinha parado, que ele tinha acorrido logo que possível, tinha mandado fazer fogo de morteiro para a zona adjacente à medida que avançavam e que tinha dado com o Augusto Djaló ferido.

Este ex-2.º Sarg Mil, louvado e condecorado em 20AGO70 por S.Exa. o Ministro do Exército, também tinha a cabeça a prémio, pela sua posição militar e social.

Da HU Cap II/Fasc 15 (Período de 01OUT70 a 31OUT70) A – Situação Geral

2.Inimigo, pode ler-se: - “Em 121230OUT, numeroso grupo In (mais de 100 elementos), utilizando Mort, LGrGog e Arm Aut, emboscou uma coluna que se dirigia a Infandre, na região MANSOA 5 F3. O In, que chegou ao corpo a corpo, provocou 10 mortos (01 Furriel), 09 feridos graves (01 Furriel) e 08 feridos ligeiros e reteve 01 praça.”

Depois em B – Actividades e relativo a 14OUT pode-se ler : - “… notícia C-3 refere que o grupo In que fez a emboscada à coluna de Infandre em 12OUT, passou por NHAÉ, nessa mesma noite, em direcção a QUERÉ”. E mais à frente - “Em 22OUT70, notícia B-2 refere que o ataque à coluna de Indandre em 12OUT, foi executado por dois grupos, com cerca de 50 elementos cada, sendo um de SANSABATO (armas pesadas) e outro de QUERÉ.”.

Anexo também o esquema da emboscada que já digitalizei.

Esquema da emboscada à coluna de Infandre em 12 de Outubro de 1970, enviado por Jorge Picado

Para já é tudo.
Um abraço e até à próxima oportunidade.
J Picado
_____________

Notas de CV:

(1) Vd poste de 3 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2807: Estórias de Jorge Picado (1): A emboscada do Infandre vivida pelo CMDT da CCAÇ 2589 (Jorge Picado)

(2) Vd. poste de 7 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)

Guiné 63/74 - P2982: Tabanca Grande (76): José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 4152 (Guiné 1974)

Guiné >Região de Tombali > Gadamael - Porto > Tabanca, reordenada pelas NT.

Foto: Autores desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: © AD -Acção para o Desenvolvimento (2007).


1. Em 23 de Junho passado, recebemos uma mensagem do nosso novo camarada José Gonçalves que passamos a apresentar

Luis
Eu sou o anónimo que respondeu a polémica de quem ganhou ou perdeu a guerra na Guiné relatando a minha experiência em Gadamael e obviamente dando a mnha opinião.

Não é normal fazer comentários anonimamente, mas como comentaste eu não tenho usuário do Google mail.

Como podes também verificar, eu tentei apresentar-me aqui há uns tempos atrás e por duas vezes mandei este e-mail (aqui anexado) o que nunca vi publicado no Blog.

Também tenho dialogado com o Nuno Rubim acerca de Gadamael e tentar ajudá-lo sobre o pedido dele, mas não tenho muito conhecimento de como o quartel era durante o tempo quente de Maio de 1973.
O Nuno Rubim também me disse que o conhecimento que eu tenho do Pós 25 de Abril poderia ser interessante para este Blog. Eu estou disposto a colaborar naquilo que nos aconteceu em Gadamael durante 1974 até entregarmos o quartel ao PAIGC.

A minha memória já não é o que era, mas há acontecimentos que nunca nos esquecemos apesar de os nomes de algumas personagens estarem apagadas da minha memória.
Podes publicar as estórias que aqui envio e se quiseres fotos, posso mandá-las, mas talvez possa demorar algum tempo porque vou de férias a Portugal por algum tempo.
O Nuno Rubim tem muitas fotos que lhe mandei e se quiseres tens a minha autorização de as usar.

Um abraço do
José Gonçalves

2. Já em 16 de Março este nosso camarada tinha reenviado a mensagem que se segue com a sua apresentação. A original tinha data de 23 de Fevereiro de 2008. Ei-la:

Luís
Não sei se recebeste este meu email pois agora verifiquei que o tinha mandado para um endereço que não é o actual. De qualquer maneira aqui vai.

Caro camarada Luís.
Apresenta-se o Alferes Miliciano de Operações Especiais José Gonçalves.

Antes de mais tenho que pedir desculpa pelas acentuação e ortografia (1) uma vez que vivo no Canadá (já lá vão 33 anos) o meu teclado não tem acentos e a minha língua agora é o inglês.

Sei que, ou te encontras na Guiné ou vais em breve para a Guiné para o Simpósio sobre Guilege. Espero ler o teu parecer sobre este acontecimento.

Tenho vindo a acompanhar este teu/nosso blog que aprecio muito, e dou os meus parabéns a todos os responsáveis e participantes pela capacidade de reviverem da sua memória com toda a emoção que lhes vai na alma a sua história da Guiné que por vezes é bastante dolorosa.

Também é emocionante a galhardia como muitos dos nossos camaradas prestam homenagem aos seus companheiros de batalha.

Pela minha parte decidi desde início esquecer tudo aquilo que para mim foi algo traumático principalmente pelo esforço e sacrifícios inúteis que todos nós fizemos por uma Pátria que valorizava mais um helicóptero ou um jacto do que um dos seus filhos a morrer no mato.

Todas estas experiências e recordações foram esquecidas e raramente contadas porque não via razão para recordar tais experiências.
Achando e lendo este Blog muitas coisas me vieram à mente e aqui encontrei coragem de recordar e de uma certa maneira reviver alguns momentos que julgava perdidos.

Também pensei que poderia juntar algumas passagens pós 25 de Abril que ainda não vi contadas.
Eu como a maioria dos participantes deste Blog também estive na Guiné em Gadamael Porto desde Janeiro de 1974 até Junho do mesmo ano, quando o mesmo quartel foi entregue ao PAIGC.

De Gadamael, a minha Companhia (CCAÇ 4152) foi para Cufar e aí também entregou o quartel ao PAIGC. (...) (2)

3. Caro José Gonçalves
É com imensa alegria que recebemos cada camarada que se nos apresenta, mais ainda quando nos escreve alguém da diáspora.

Finalmente estás apresentado aos camaradas e leitores do nosso Blogue.
Contigências várias concorreram para que só agora chegues ao conhecimento de todos os tertulianos.

Quando puderes, manda as fotos da praxe, a antiga e a actual (tipo passe de preferência, já agora em JPEG) para constar da nossa fotogaleria, em construção, que servirão também para encabeçar os teus trabalhos publicados.

Aguardamos as tuas estórias vividas no pós 25 de Abril, aí na Guiné, pois é um período pouco tratado no nosso blogue.

Para evitar desencontros com a tua correspondência, deverás enviar as tuas mensagens para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, com conhecimento para os endereços pessoais dos editores. Ficamos desde já ao teu inteiro dispor.

Por agora recebe um abraço de boas vindas em nome dos editores e de todos os tertulianos.
Carlos Vinhal
___________________

Notas do co-editor:

(1) - Os editores corrigem os textos de modo a apresentar uma ortografia correcta a quem lê.
(2) - Esta mensagem é muito extensa e vai ser alvo de um poste, a publicar pelo Editor do Blogue. Neste, fica só o essencial.

Guiné 63/74 - P2981: Hélio Felgas, com Spínola, em Bambadinca (Jaime Machado)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > 1969 > Visita do Gen Spínola, acompanhado pelo Coronel Hélio Felgas: este de costas, em primeiro plano de camuflado, e tem à sua frente, também de camuflado, o Gen Spínola que se dirige aos militares da CCS do BCAÇ 2852 e unidades adidas. O Pel Rec Daimler 2046 estava adstricto a este batalhão.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > 1969 > O Coronel Hélio Felgas, comandante do Agrupamento de Bafatá, ao volante de um jipe em Bambandinca,com o Com-Chefe, Gen Spínola e o Ten Cor Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852. Há também um piloto de helicóptero na foto.

Fotos e legenda: ©
Jaime Machado (2008). Direitos reservados.


1. Duas mensagens do Jaime Machado, com data de hoje:

1.1. Caro Luís

Conheci pessoalmente o então Coronel Hélio Felgas quando o General Spínola se deslocou a Bambadinca por duas ou três vezes e ele estava presente.

Na foto vê-se o Coronel Hélio Felgas de costas, em primeiro plano de camuflado e mais à frente também de camuflado o Gen Spínola.

Que descanse em Paz (1).

Um abraço

Jaime Machado
ex-Alf Mil Cav
Pel Rec Daimler 2046
Bambadinca
1968/70


1.2. Caro Luís: Mais uma foto do Coronel Hélio Felgas ao volante de um jipe em Bambamdinca, com o Gen Spínola e Ten Cor Pimentel Bastos [, comandante do BCAÇ 2852].

Um abraço

Jaime
___________

Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

Hélio Felgas, num fotografia tirada presumivelmente em Tite, em 1967 ou 1968. Cortesia do blogue Batalhão de Artiharia nº 1914, Tite, onde se pode ler:

"A CCS do Batalhão de Artilharia 1914 esteve aquartelada em Tite, no Sul da Guiné, de Abril de 1967 até Março de 1969. Estiveram em Tite durante esse tempo a Comp de Artilharia 1743, o Pelotão de Morteiros 1208, o Pelotão Daimler 1131 e uma Secção de Obuses. Faziam parte desta Unidade o destacamento do Enxudé, no rio Geba, S. João, Nova Sintra e Jabadá. Lembraremos neste blog 'aqueles que se foram da lei da morte libertando', dando generosamente a própria vida". (Com a devida vénia...)


1. Texto do editor do blogue, L.G.:

Amigos e camaradas de terúlia:

Acabo de receber a seguinte mensagem:

É com profundo pesar que informo que o meu avô Major General Hélio Felgas faleceu hoje dia 23 de Junho de 2008. O seu corpo vai estar em velório na Igreja do Campo Grande. O funeral será esta Terça, dia 24 de Junho, às 14h30, no Cemitério do Alto de S. João.

Gostaria de agradecer àqueles que fazem durar as notícias e histórias do grande homem e exemplo que foi o meu avô. Nunca o vi como tal, para mim sempre foi um Pai.
Descansa finalmente em PAZ .
O Neto - Miguel Felgas Rezende

miguel.rezende@sapo.pt


Publicámos bastantes postes, na I Série do nosso blogue (Abril de 2005 a Maio de 2006), com referências a este controverso mas brilhante militar que estava na Guiné quando eu lá cheguei, em Maio de 1969. Nunca o conheci pessoalmente. Para mim está sobretudo associado à trágica retirada de Madina do Boé (1) e à grande e polémica Op Lança Afiada (2), em Fevereiro e em Março de 1969, respectivamente.

Era então o comandante do Comando de Agrupamento nº 2957, com sede em Bafatá. Foi, para todos os efeitos, o comandante de toda a Zona Leste (que incluía o Sector L1, Bambadinca). Já como Brigadeiro, Hélio Felgas foi condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, em 1970, por feitos praticados na Guiné (onde dfez duas comissões), tendo passado compulsivamente à reserva, a seguir ao 25 de Abril de 1974. (Esatva em Angola nessa altura). Sempre se considerou vítima de um saneamento político-militar. Era decididamente um homem da direita político-militar, nunca o escondeu. Mas não menos patriota, e com uma brilhante carreira profissional.

Não conheço em detalhe a sua biografia e o seu currículo militar, mas sei que foi também um homem da palavra, escritor e conferencista, autor de dezenas de publicações (vd. Memória de África), talvez o nosso maior teórico militar da Luta contra o Terrorismo, Professor Catedrático da cadeira de Estudos Militares, na Academia Militar e, nessa qualidade, professor de muitos dos homens que estiveram por detrás do Movimento das Forças Armadas (MFA), incluindo capitães de Abril como o Otelo Saraiva de Caravalho.

Sabíamos, no nosso tempo, que as relações entre ele e Spnínola, não eram as melhores. Mas tudo isso, já faz parte da história. Era, ao que parece, um homem com uma personalidade forte, quiçá autoritário, mas popular entre os soldados que com ele privaram. Era um homem de grande verticalidade, que não escondeu a Spínola o que pensava de uma possível concessão da independência da Guiné (de que já se falava em finais de 1969). Comparou a Guiné ao Vietname... Sobre a Guiné, escreveu:

"Conheci praticamente toda a antiga colónia portuguesa e da forma que menos se esquece: a pé e de jipe. Nas 84 operações que comandei, percorri 7000 km de más estradas, piores picadas e pantanosas bolanhas (arrozais). Nelas sofri 26 emboscadas, além de meia dúzia de flagelações aos aquartelamentos e tabancas (aldeias nativas) onde pernoitava". Veja-se o depoimento dele em Os últimos guerreiros do império. Amadora: Erasmos. 1995. 131-132. No nosso blogue publicámos diversos excertos (3).

Estava há vários anos doente e acamado. Ainda há uns meses atrás, telefonei-lhe para casa, aqui em Lisboa, para lhe pedir autorização para publicar no nosso blogue um escrito dele, com a sua versão do desastre do Cheche. Atendeu-me, muito gentilmente, a esposa. Expliquei-me a razão de ser do telefonema. Ouvi a conversa da senhora com o marido, que devia estar perto... Ainda me recordo das suas palavras, em que se percebia a voz do velho comandante:
- Diz-lhe que a culpa foi do alferes, a culpa foi do alferes... [Julgo que se queria referir ao Alf Mil Diniz, responsável pela segurança da travessia do Corubal... Julgo, mas não tenho a certeza, que esse alferes pertencia à CCAÇ 1790, evacuada de Madina do Boé, e que era comandada pelo então Cap Inf Aparício, que, após o 25 de Abril, veio a assumir a função de Comandante Geral da PSP de Lisboa].

Prometi à senhora que foi muito gentil para comigo, que ia publicar o texto, e que que depois lhe mandava cópia. Acabei por não o fazer, por falta de oportunidade editorial. Vou finalmente cumprir essa promessa, até como homenagem a um dos nossos comandantes da Zona Leste que acaba de morrer, aos 87 anos, depois de largos de anos com uma doença crónica, do fororespiratório.

Foi o Paulo Raposo que, em tempos, me fez chegar esse documento. Não sei se eram amigos, mas o Paulo falava dele com admiração e respeito. Sempre que morre alguém, nosso camarada ou superior hierárquico na guerra da Guiné, é um pouco de nós que morre também. Independemente das nossas maneiras de avaliar as pessoas e as situações, das nossas idiossincrasias, das memórias, das nossas posições de ontem ou de hoje, etc.

Vou fazer uma notícia, um In Memoriam, no nosso blogue. Fico a aguardar depoimentos sobre o Major General na Situação de Reforma Hélio Esteves Felgas, de quem o conheceu, realmente (o que não é o meu caso). Se puder, ainda irei passar rapidamente, à hora do almoço, pela capela mortuária do Campo Grande, para dar um abraço ao neto, Miguel, cujas palavras singelas e sinceras merecem destaque, e a quem agradeço a gentileza de nos dar, através do blogue, a triste notícia da morte do seu avô, a quem prestamos a nossa última homenagem:

"Gostaria de agradecer àqueles que fazem durar as notícias e histórias do grande homem e exemplo que foi o meu avô. Nunca o vi como tal, para mim sempre foi um Pai.
Descansa finalmente em PAZ".


Luís Graça, editor e fundador do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné

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Notas de L.G.:

(1) Sobre o desastre do Cheche, no Rio Corubal, no âmbito da Operação Mabecos Bravios, e sobre Madina do Boé, vd. os postes publicados no nosso blogue (1ª e 2ª série). Há ainda uma depoimento de Hélio Felgas, a publicar em breve, e que nos chegou às mãos por intermédio do Paulo Raposo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2405.

17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)

12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

(2) O então coronel Hélio Fellgas comandou a Op Lança Afiada bem como a retirada de Madina do Boé, na qualidade de comandante do Agrupamento de Bafatá. Sobre a Op Lança Afiada, vd postes:

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

(3) Vd. por exemplo, e em especial o mais controverso, o último ("Ou se faz a guerra ou se acaba com ela")

4 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos

25 de Novembro de 20065 > Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas

29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIII: Antologia (29): depoimento de Hélio Felgas (3): os ataques aos acampamentos do IN

9 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIII: Antologia (32): depoimento de Hélio Felgas (4): "Ou se faz a guerra ou se acaba com ela"

Vd. também:

24 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIX: O Hélio Felgas do nosso tempo (A. Marques Lopes / David Guimarães)

13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2979: Exercício do meu direito à indignação (1): Simplesmente obnóxio, senhor anónimo (Vitor Junqueira)

1. Mensagem, com data do dia 20 do corrente, enviado pelo nosso camarada e amigo Vitor Junqueira, médico, organizador do nosso II Encontro Nacional, em 2007, residente em Pombal, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá ,1970/72)

Caros amigos,

Luís Graça, Virgínio Briote e Carlos Vinhal.

Como poderão notar, esta é uma reacção a quente a um post que acabei de ler no nosso sítio. É um daqueles temas que me fazem arripiar os cabelos do espinhaço, sobretudo pela forma como é tratado. Não aceito lições de fedelhos emplumados, cuja educação parece ter ficado na barriga da mãezinha.

Cordiais saudações,

Vitor Junqueira

2. Comentário ao post de um tal “anónimo”
por Vitor Junqueira


Se a estultícia fosse música, certos indivíduos valeriam por uma orquestra inteira. Se o autor anónimo do dito post não fosse um (alto?) quadro, eu diria que possui um dom natural para a asneirada, palavra não aplicável uma vez que apresenta indícios de derivar de asno, sendo por isso equivalente a burrice, e por tabela poderia estar a ofender os jumentos, onagros, jericos e toda a restante família asinina. Se o dito cujo fosse um pouco menos ignaro e tivesse sido convenientemente alfabetizado, do que duvido, uma vez que o editor encima o chorrilho com a advertência “revisão e fixação de texto: vb”, saberia um pouco mais da história de Portugal e dos Descobrimentos do que aquilo que vem na cartilha que lhe enfiaram na cabeça.

Se fosse uma pessoa assisada e prudente, não emitiria juízo tão pesporrente como aquele em que, dirigindo-se a alguém que nem conhece, afirma: “a sua missão na Guiné, como militar …foi igualmente a de opressão e tentativa de submissão de um povo”. Se tivesse sido enviado para o “exterior” numa fase mais precoce da sua vida, teria tido oportunidade de conviver com pessoas educadas e saberia que classificar de “debate estéril” semelhante a “definição do sexo dos anjos” a troca de opinião entre terceiros, é no mínimo descortês e revelador de má-criação.

Se fosse tão intelectual como quer fazer crer ao citar um ícone das letras Argentinas, saberia que ao moldar a argila de que é feito o passado, o presente se metamorfoseia de oleiro e, ao mesmo tempo que dá forma ao barro de que são feitos os humanos, vai edificando o farol que lhes permitirá rumar ao futuro, em segurança. Ao contrário do que pensa, o passado não é menos importante do que o presente. Se fosse corajoso, identificava-se, assinando o que escreveu.

Agora que está no “exterior”, oxalá encontre no “interior” o respeito dos seus concidadãos para que possa apreciar plenamente a “pátria, a bandeira, o hino e a dignidade” que os nacionalistas guineenses, nossos respeitáveis adversários de ontem lhe legaram, à custa de muito sangue, suor e lágrimas. Porque como diz Platão: “Não há nada mais vergonhoso do que alguém ser honrado pela fama dos antepassados e não pelo merecimento próprio”.

Como nota final, não posso eximir-me ao dever de atribuir uma nota ao post: Obnóxio !

Com respeito e amizade,

Vitor Junqueira

Guiné 63/74 - P2978: Pensar em voz alta (Torcato Mendonça) (13): A Guerra estava militarmente perdida... o 10 de Junho

Pensar em Voz Alta


Penso em voz alta e envio ou não? Se for, vagueará ciberespaço fora e pode aterrar; se não for ou não aterrar no destino, perde-se mais um amontoado de palavras ditas ou escritas.

Nesta tarde já de verão de 2008, quente e chata, resolvi tratar de assuntos para a segunda-feira que se aproxima. Li um bocado e abri o mail e a seguir o blogue.

1 - Faço por isso um breve comentário, puxando pelo que retive do que acabei de ler. O Texto (s) do Mário Fitas é uma reacção natural e epidérmica. O VB edita e não vem o nome de quem escreve. Mas ele sabe e certamente terá outra razão para o não fazer. Ser padre em certas freguesias é difícil ou deve ser. Creio eu. Assunto esclarecido e a polémica da guerra perdida ou ganha, a dar belo assunto de consulta, ao menos para memória futura, é pena ter acabado. Outra questões se levantarão.

2 – No texto escrito pelo Coronel Bernardo, em nota no ponto 2: diz o nosso Camarada Virgínio Briote ser responsável…meu caro Editor e Camarada, podes efectivamente ser – e és responsável – pela colocação do texto. Em tudo o mais, concorde-se ou não com o teor, todos os tertulianos se sentem sempre, penso eu e não me desiludam – claro que não…claro que não… – co-responsáveis pelos textos aqui, neste espaço colectivo, “postados”.
Se sentirmos a necessidade de comentar fá-lo-emos: - aprovando ou desaprovando!
No caso vertente, penso ser da mais elementar justiça que os nomes daqueles meus Camaradas venham a ter o nome deles no "Monumento". È assunto a levar páginas de escrita.

Só nota breve: foram cobardemente assassinados, pelo exército de libertação e sabemos, ou não sabemos?... Quem foram os responsáveis. Parece ser assunto a tratar um dia. Merece.
Há ainda tantos assuntos pendentes, tantos. Podem dizer ter eu um fraco pelo “Comando”. Certamente que sim e os Milícias e outros??? Bem…



3 – Não tenho escrito. Se escrevo não teclo ou se teclo directo como agora, muitos ficam. Motivos vários: expõe demasiado; pode provocar divergência e estou em tempo de pouca paciência; escrevo ao correr de…na recordação ou no avivar da memória daquele tempo, sentindo ainda hoje os verdes da mata, os putos e a alegria e risos de gente que sofria e mantinha a alegria; o pôr-do-sol; tudo isso e muito mais a virem brincar, ainda hoje, com os meus olhos e a entrarem calmamente na minha mente.

Um passado a virar presente, despretensiosamente, escrito da forma mais “primária” que consigo.
Relato a memória da guerra sem ir á guerra porca, á violência vivida. Era a guerra e…procuro não ir além de….

4 - Por isso se recebo e-mail de alguém, não em critica, talvez só em mera constatação – esse escritos perturbam…fico perplexo, daí talvez seja termo demasiado forte, admirado. Ai se eu fizesse o relato do que ficou gravado com “ferro em brasa”…

5 – Por formação sou solidário. Nem sei como se pode viver livremente sem essa prática. Pareço frio no trato ou na convivência. Vidas!
Isto a propósito do 10 de Junho do corrente:
Cá – não comento as palavras de um economista e dois "pensadores". Mas terão algo que comentar?!

Lá – há tempo, menos de dois anos, uma Senhora foi tratada de forma menos correcta por Militares. Ora um Militar, cidadão fardado tem o duplo dever de tratar correctamente todos e, mais ainda uma mulher. Está, hoje, um pouco esbatida essa questão do sexo ou de ser mulher. Sou velho e rejo-me por princípios de outrora e burro velho não aprende línguas. Mostrei, aqui neste espaço a minha solidariedade e disse que um militar tinha, por obrigação, um comportamento correcto. Devia ter ou não honrava a farda. Mas calei-me a pedido. Claro que sei que a democracia e a liberdade, como a entendo, ainda por lá lentamente se constrói…Desta vez nada digo.
Somente o lastimar e aproveitar para dizer: As Duas Faces da Guerra – ou as duas faces da Paz…

Tanto para comentar, tanto para dizer ou tanto para recordar. A assiduidade deve ser mantida.



Torcato Mendonça
Fundão
__________


Notas

1. Edição da responsabilidade de vb.

2. Caro Torcato:

O trabalho do editor está muito facilitado. As regras estão escritas no canto esquerdo, os tempos que levamos são de respeito pelo outro e as nossas idades também contam... E não estamos pressionados com shares. Mas vou pensar mais que uma vez antes de publicar um artigo não assinado.
Continua a Pensar em voz alta e não te esqueças de enviar.

Guiné 63/74 - P2977: Recortes de imprensa (6): a cidadã portuguesa, Cristina Silva, expulsa da Embaixada de Portugal em Bissau no 10 de Junho

1. Com a devida vénia: Correio da Manhã, 21 Junho 2008

Guiné-Bissau: Embaixador português ‘retaliou’
Expulsa por não cumprimentar


Uma cidadã luso-guineense foi expulsa da embaixada de Portugal na Guiné-Bissau pelo embaixador José Manuel Paes Moreira durante a cerimónia de 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, por não o ter cumprimentado, alegou o diplomata.

A visada enviou uma carta de protesto ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e outra para o Parlamento português.

Em declarações ao Correio da Manhã, Cristina Silva, a vítima, manifestou-se indignada com a atitude do embaixador. "Fui chamada, por um segurança, para falar com o embaixador. Ele volta-se para mim e diz-me para abandonar a embaixada porque não o cumprimentei. Quando tentei explicar o que se passou, deu-me ordem de expulsão".

Cristina, casada com um professor de português que lecciona em Bissau, alega que chegou tarde à cerimónia. "Quando cheguei já tinham terminado os cumprimentos e não vi o embaixador. Isto não é caso para expulsão".

O gabinete de Luís Amado confirmou a recepção da carta e adiantou que a mesma "foi encaminhada para a secretaria-geral do Ministério para averiguar o que se passou". Recorde-se que, em Março último, as autoridades guineenses pediram a Lisboa a substituição do cônsul Eduardo Rafael acusado de "tratamento indigno" a guineenses.

Carlos Menezes


2. Nota do editor L.G. sobre a cidadã portuguesa em causa:

Nome completo: Cristina Ribeiro Schwarz da Silva (Pepas, para os amigos e familiares), filha mais mais velha de Carlos Schwarz da Silva, guineense, e Isabel Levy Ribeiro, portuguesa.

Tem 35, é licenciada em biologia marinha. Trabalha no IBAP- Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau. É Coordenadora para o Seguimento das Espécies.

Sobre a pessoa do embaixador de Portugal, que é posta aqui em causa (1), o nosso camarada e amigo J. L. Vacas de Carvalho não acredita tratar-se da mesma pessoa:

Luís e Pepito: Continuo a achar estranho. O nosso Embaixador na Guiné chama-se José Manuel Paes Moreira. Tem cerca de 60 anos e cerca de 60 Kg, usa bigode e é casado com uma amiga minha, que diz ser um indivíduo tímido mas muito educado.

Gostaria que me esclarecessem se é da mesma pessoa que estamos a falar.

Um abraço
Zé Luís

Resposta de L.G.:
Meu caro Zé: O teu amigo, ou o marido da tua amiga, como pessoa e como cidadão tem direito ao bom nome. Lamento o caso, por ti, por todos nós. Ninguém aqui vai fazer nenhum assassinato de carácter. Porém, como figura pública que é, está muito mais exposto, em termos mediáticos, à crítica da sua conduta pública. Além disso, é um funcionário público. E, para mais, é pressuposto representar-nos, a nós, portugueses e a ao nosso país, Portugal. Ora todos esperamos que os nossos diplomatas nos representem condignamente. A embaixada de Portugal em Bisssau é, para os guineenses (e para os portugueses que lá vivem ou que por por lá passam, em turismo, negócios, cooperação...), a montra ou o espelho de Portugal. É ou devia ser.
As notícias que nos chegam de Bissau, não parecem abonar algumas das condutas públicas do senhor embaixador. Não tudo o que se escreve ou diz, merece credibilidade, nem vou alimentar o blogue com este incidente (preferia chamar-lhe assim...). Acontece que o caso com a Cristina foi apenas a gota de água, ou é apenas a ponta do iceberg. Os numerosos portugueses que estiveram em Bissau, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje (29 de Fevereiro a 7 de Março de 2008) ficaram furiosos com a atitude dele, na altura. Foram ignorados olimpicamente por ele. Ser tímido é uma coisa, mal educado é outra.
Infelizmente, há coisas mais graves e muito mais importantes, para o futuro dos nossos dois povos, do que o eventual mau humor do senhor embaixador e a sua postura pouco ou nada institucional. Se ele for uma pessoa educada, dá-nos pelo menos a sua versão dos factos e, no caso de se ter excedido, pode (e deve) apresentar publicamente as suas desculpas. Errar é humano, diz o nosso povo. Mas também diz: Quem não se sente, não é filho de boa gente. É assim que as coisas funcionam entre pessoas civilizadas e, para mais, entre lusófonos.
Estamos solidários com a Cristina mas também com o Carlos Schwarz e a Isabel Miranda, da AD - Acção para o Desenvolvimento, que foram deliberada e ostensivamente postos na lista negra, não tendo sido convidados este ano - ao fim de 33 anos ! - para a festa de Portugal e dos portugueses, por razões que, não sendo de Estado, só podem ser pessoais e pequeninas (pequeno é uma palavra que vem latim parvulu, parvu, parvo, pequeno...).
Zé Luís: espero, ao menos por ti, que não estejamos a falar da mesma pessoa e, por todos nós, amigos e camaradas da Guiné, que não estejamos em vão a gastar o nosso precioso latim...
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. poste de 18 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2958: E os nossos assobios e pateadas vão para... (1): Um embaixador que não honra Portugal... (Luís Graça / Pepito)

Guiné 63/74 - P2976: Fórum Guileje (16): Como está a lusofonia em Bissau ? (António Rosinha / Luís Graça)


1. Mensagem do António Rosinha, com data de 15 de Abril de 2008. Recorde-se que o Rosinha foi Furriel Miliciano em Angola (1961) e, como civil, trabalhou na Guiné-Bissau, entre 1979/84, como topógrafo da TECNIL (1):



Assunto - O SIMPÓSIO DE GUILEJE E O QUASE DESAPARECIMENTO DO PORTUGUÊS E DO CRIOULO, DE UM PAÍS LUSÓFONO (2)


Luís, co-editores e co-tertulianos,

Penso que, ao lermos e vermos as reportagens sobre a referida viagem à Guiné [,por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008,], uma das coisas que mais chama à nossa atenção é o facto de quase não ouvirmos guineenses a falar a nossa língua.

E, eu digo, até o próprio crioulo está muitíssimo rarefeito.

Escreveu o Luís Graça, que o Presidente Nino falou em professores que Portugal podia enviar...

Agora não vai ser o politicamente correto que vai-me limitar a relatar aquilo que eu assisti, durante vários anos, que levou ao lento desaparecimento da língua portuguesa, da terra onde havia imensos guineenses, lusoguineenses, suecos, soviéticos, etc. que falavam a nossa língua tão corretamente como qualquer um de nós.

A primeira razão foi aparecer o que o IN resolveu chamar as "zonas libertadas". Na realidade não eram libertadas, mas sim pura e simplesmente abandonadas, não só pelo exército português, como pelo PAIGC, isto ao ponto de passados 20 anos após a independência em Madina do Boé, reconhecida na ONU, para dar um exemplo, toda aquela região nunca mais teve escolas, médicos... E as visitas dos governantes eram muito raras, isto entre a jangada de Ché-Ché, Boé e toda aquela região fronteiriça.

A segunda razão foi a fuga de imensos falantes de um português correcto, entre eles, professores, funcionários, comerciantes, etc., logo após o 25 de Abril. Muitos vieram para Portugal, outros para Caboverde, outros para a França, e até para os países vizinhos. Com receio a qual IN? Pergunto, mas não respondo.

A terceira razão foi a fuga de imensos falantes de um português correcto, entre eles, professores, funcionários, comerciantes, etc., logo após o 14 de Novembro de 1980. Muitos vieram para Portugal, por exemplo Luís, o irmão de Amílcar, outros para Caboverde, França, e até para países vizinhos. Com receio a qual IN? Pergunto, mas não dou resposta.

A quarta razão foi a fuga de imensos falantes de um português correcto, entre eles, professores, funcionários, comerciantes, treinadores de futebol e jogadores, militares, em 1998, em que Bissau esteve ocupado pelo exército senegalês, e a nossa Marinha acompanhou de perto e nós em Portugal tivemos ocasião de assistir pela TV ao desembarque de muita daquela gente em Lisboa. Fugiram a qual IN?

Existem outras razões para o desaparecimento do português/crioulo, por exemplo, imensos doutores que foram, alguns ainda durante a luta com 10 anos de idade, subtraídos aos pais, enviados para a então URSS, e vieram com 24/25 anos, sem domínio do portugês nem crioulo. E mesmo, dos muitos guineenses formados que nos países do leste, os desprotegidos, como os que se formaram no ocidente, os protegidos, nem sempre regressam à Guiné. Porquê?

E as fábulas de donativos de ONG e de vários países que, quer durante a luta como durante muitos anos seguintes, continuaram a dar quer para a educação como para a saúde, mas que por azar não se notou nada no desenvolvimento daquele país. Porquê?

Termino por aqui, apenas para dizer algo que se deu comigo directamente: Foi-me exigido, no meu currículo para um determinado trabalho na Guiné, falar francês.

Penso que ao abordar este assunto não é intrometer-me nos assuntos da Guiné, mas apenas dar uma ajuda para compreender um ponto de vista da nossa guerra.

Um abraço
António Rosinha

2. Comentário de L.G.:

António:

Regressaste, da Guiné-Bissau, há 24 anos... É muito tempo. Não sei se lá voltaste. De qualquer modo a situação da lusofonia não terá piorado, como tu afirmas. Os guineenses, com quem eu lido em Portugal (nomeadamente, profissionais de saúde, médicos, etc.), mesmo quando estudaram na China, em Cuba, ou nos ex-países comunistas da Europa Leste, dominam o português, escrito e falado, e muitas vezes muito melhor que a generalidade da população portuguesa. Dirás que têm essa obrigação, já que pertencem a uma elite escolarizada, com formação universitária, etc. Organizações não-governamentais como a AD - Acção para o Desenvolvimento e que empregam dezenas de quadros e colaboradores (alguns dos melhores quadros da Guiné-Bissau) têm o português e o crioulo como línguas de trabalho. Os seus relatórios são em português, e de bom português. No contacto diário com as populações interiores utilizam, naturalmente, o crioulo. Durante o Simpósio contactei com um parte deles, e sempre falámos em português, em bom português.

Em Bissau, na semana do Simpósio Internacionald e Guileje, tivémos duas audiências, uma com o primeiro ministro e outra com o Presidente da República: a única língua que se falou foi o português. O próprio Simpósio Internacional de Guileje foi em português, embora tenha havido algumas intervenções em crioulo por parte de antigos guerrilheiros.

Há excelente gente, na Guiné-Bissau, a escrever excelente português... a fazer teatro, a fazer música, a fazer cinema, a fazer jornalismo... Em português e em crioulo (este mais falado do que escrito). E aqui, justiça seja feita, cabe também um papel de relevo ao Centro Cultural Português (CCP), que é dirigido pelo Frederico Silva, o diplomata português que nos acompanhou na visita ao sul da Guiné-Bissau, em 1, 2 e 3 de Março de 2008, no âmbito do Simpósio Internacional de Guileje.

Por exemplo, recentemente realizou-se, em Abril passado, o Encontro do Teatro da Guiné-Bissau 2008, com o apoio do CCP (mas também dos nossos amigos e parceiros da AD - Acção para o Desenvolvimento). E sobre esta iniciativa, pode-se ler-se no sítio Oficinas em Movimento - Oficinas em Língua Portuguesa do PASEG (Programa de Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau)

(...) "O Encontro de Teatro da Guiné-Bissau 2008 contou com a participação de 13 grupos de teatro guineenses (dois deles do interior da Guiné-Bissau), com a realização de três ateliers na área do teatro (cada um com uma média de 25 formandos), dirigidos aos actores dos 13 grupos participantes, e com um debate final, no dia do encerramento, sobre o Teatro na Guiné-Bissau. Durante a semana do Encontro esteve ainda patente no Centro Cultural Português uma exposição permanente de fotografias, textos dramáticos, cartazes e históricos dos 13 grupos de teatro participantes.

(...) "O público foi incansável e, a cada dia, ia enchendo mais o Centro Cultural Português, onde cada grupo foi apresentando as suas peças de teatro. Nos dois últimos dias as actuações contaram com lotação esgotada! As apresentações do último dia, resultantes dos ateliers, foram de tal maneira enérgicas que o público permaneceu de pé a aplaudir actores e formadores. Foi difícil concentrar novamente os participantes na realização do debate sobre o Teatro na Guiné-Bissau, mas passada a euforia, os representantes dos grupos de teatro e o público trocaram ideias interessantes e capazes de inicar uma movimentação enriquecedora do teatro na Guiné-Bissau. No final, o PASEG ofereceu um Buffet a todos os presentes" (...).

Eu sei que a Guiné-Bissau não é o campeão da lusofonia, e está cercada por francófonos de todos os lados. Eu sei que a Guiné é uma frágil economia e está à beira de um garvce crise, devido à escalada e à escassez de bens essenciais, como o gasóleo e o arroz. Eu sei que os melhores fiulhos da Guiné-Bissau são hoje obrigados a emigrar. Eu sei que os sucessivos governos portugueses, depois do 25 de Abril, se calhar não têm feito, como é(era) esperado que o façam, o trabalho de casa, como deve ser, em matéria de cooperação com os países africanos de expressão oficial portuguesa... De qualquer modo, a escolha do português como língua oficial não foi imposta por nós, é uma opção livre e consciente dos guineenses! E isso é um motivo de orgulho para todos nós, lusófonos, e uma oportunidade de enriquecimento cultural mútuo. Implica também, naturalmente, direitos e deveres, de um lado e de outro.

Meu caro Rosinha, não podemos fazer da língua uma arma de arremesso, nem muito menos um instrumento de políticas neocolonilistas, ou um factor de divisão nas relações entre os nossos dois povos... Pelo contrário, deve ser um traço de união, uma ponte, entre nós... Por outro lado, nós, portugueses, não somos donos da língua portuguesa.... Às vezes comportamo-nos como se o fôssemos. Se não tivéssemos sido conquistados e colonizados pelos romanos, nunca Camões teria escrito os Lusíadas, nem Amílcar Cabral teria escrito em português: Mamãi Velha, venha ouvir comigo / o bater da chuva lá no seu portão... A chuva amiga já falou mantenha / e bate dentro do meu coração. Nem o Manuel Lopes ou o Pepetela ou o Mia Couto ou o Hondjaki ou a Paulina Chiziane teriam existido como escritores lusófonos.

Tudo isto parta te lembrar que os guineenses são também nossos parceiros na aventura da língua... Parceiros, pares, de igual estatuto, é bom não esquecê-lo!

E a propósito da lusofonia, vejam-se algumas citações constantes do sítio Portugal em Linha:

"A Lusofonia é o meu Bilhete de Identidade. Exibo-o (com orgulho, pois claro!) em Angola, Brasil, Cabo Verde, Galiza, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. A Lusofonia é, enfim, o ar puro que respiro onde quer que vá. A Lusofonia é a música com a qual exprimo os meus sentimentos. Canto-a alto e bom. A Lusofonia é a minha mátria, não largo os seus panos. O amor que nutro por ela é puro, verdadeiro. Por isso recuso-me a cultivar outra fonia que não a lusa" (Jorge Eurico).

"Por esse Mundo fora, literalmente, há mais de 200 milhões que se expressam através da Língua Portuguesa. Portugal em Linha consegue manter os cinco continentes unidos há 12 anos e o contributo desse esforço continuado é, muito provavelmente, mais relevante do que o trabalho desenvolvido por algumas instituições de designação sonora" (Paulo Silva).

"Porque partilhamos os mesmos valores, porque somos África e somos Europa, somos Mundo, é importante comunicar com Portugal…em linha" (Liliana Castro).

"A língua portuguesa é o principal veículo de comunicação de cerca de 200 milhões de falantes oficiais matizada pelas características impares de cada um dos 8 países e 1 região que a conjugam. E para isso conta com a ajuda inestimável do Portugal em Linha!" (Eugénio Almeida).

Não estou por dentro da situação do ensino do português na Guiné-Bissau, nem sequer acompanho com a atenção que devia, a actualidade política, social, económica e cultural da Guiné-Bissau. De vez em quando espreito os portais, as notícias, oiço a rádio e a televisão.... Mas tenho ideia que há hoje um maior empenhamento, por parte de Portugal, do Brasil, de Angola e de outros países lusófonos, em reforçar a lusofonia na Guiné-Bissau. Senti que o próprio Nino Vieira é hoje um dos paladinos da lusofonia, por razões estratégicas tanto internas como externas. O apelo que ele nos fez, pareceu-me sincero e sem complexos: mandem-nos professores de português, vocês que têm gente desempregada, e que aqui [, na Guiné-Bissau,] seriam preciosos!

Sei que a situação, à partida, é má. Já era muito má, no final dos anos 50, no início da guerra: vejam-se as conhecidas denúncias do fundador e líder histórico do PAIGC, um lusófono de grande nível intelectual, e que se orgulhava do português como língua, que escrevia em (e falava) um excelente português, e que impôs o português como língua (estrangeira) aos povos da Guiné que ele queria libertar...

Era o português que era ensinado nas escolas das tais regiões libertadas ou nas bases da rectaguarda, na Guiné-Bissau e no Senegal. Os manuais escolares do PAIGC, impressos na Suécia, eram escritos em português (e o primeiro foi em 1964)... O Amílcar Cabral podia ter escolhido o francês, para se libertar, mental, psicológica e culturalmente, pelo menos, da opressão dos colonizadores portugueses: porque não o fez ? ... Por que era um homem extremamente inteligente e culto, porque era uma estratego clarividente, porque era amigo do povo português, e porque o português foi a sua língua materna ou paterna (o pai, pelo menos, era professor pimário...). Este e outros factos não podem ser ignorados, escamoteados ou branqueados...

Sendo historicamente escassa a nossa presença humana no território da Guiné-Bissau, a situação da língua portuguesa também não melhorou excepcionalmente com a presença de algumas dezenas de milhares de soldados metropolitanos durante a guerra do ultramar / guerra colonial(1963/74). Houve alguns progressos, mas tardios. Recordo que, na altura em que eu estive na Guiné (1969/71), já sob o consulado de Spínola, os homens que faziam parte da minha companhia, a CCAÇ 12 (que nós fomos formar em Contuboel), não falavam nem escreviam português. Eram fulas, eram analfabetos (embora alguns soubessem algum árabe e algum francês), e por isso mesmo classificados e tratados como soldados de 2ª classe!!! Aprenderam a falar português comigo e com os outros camaradas, oriundos da metrópole... E alguns chegaram a graduados, depois de terem, com êxito, frequentado as nossas escolas militares e feito o exame da então 4ª classe, com manuais feitos em Lisboa, para as crianças portuguesas da Metrópole...

Rosinha: Há outras questões que levantas, e que eu agradeço, mas que não têm uma resposta fácil. De qualquer modo, nesta como noutras matérias, de natureza cultural, não me interessa tanto o passado, como sobretudo o que podemos fazer juntos, hoje e no futuro. Por que queremos justamente continuar a comunicar, mais e melhor, com os nossos amigos guineeenses, em português, em bom português. É por essa razão que eu não partilho, inteiramente, do teu pessimismo, mesmo sabendo que tens um grande carinho pelas gentes da Guiné, e que queres o melhor para elas.

Um grande abraço. Mantenhas. Luís Graça.
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Notas de L.G.

(1) Vd. postes de:

29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1358: Nostalgias (1): No cais do Xime, dois velhos Unimog pedindo boleia a algum barco (António Rosinha, ex-topógrafo da TECNIL)

14 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2178: Efemérides (6): 24 de Setembro de 1973... Quo Vadis, querida Guiné ? (António Rosinha / Leopoldo Amado)

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2201: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (2): Eu estava lá em 1961 e lá fiquei até 1975 (António Rosinha)

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2274: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (6): Luís Cabral, os assimilados e os indígenas (António Rosinha)

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2420: Notas de leitura (6): Amílcar Cabral, um lusófono fazedor de utopias (António Rosinha)

(2) 13 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2754: Fórum Guileje (15): Há ainda muita gente do PAIGC calada... Por medo ? Por falta de domínio da língua de Camões ? (Mário Fitas)