Guiné > Região de Quínara > Fulacunda 3ª C/Bart 6520/72 (1972/74) > "Porto fluvial" (!) de Fulacunda (a 3/4 km do aquartelamento): reabastecimento quinzenal: mantimentos, caixas de munições, sacos de arroz para a população, bidões de combustível e de vinho, artigos de cantina, etc.; como não havia pontão, ou cais, a descarga era feita manualmente para as viaturas da tropa (GMC, Berliet...). Uma tarefa penosa, feita na maré-cheia, dentro de água...
Fotos (e legenda): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > "Porto fluvial", no Rio Fulacunda, afluente do Rio Grande de Buba, que ficava a sul > Chegada de uma LDP com reabastecimentos, vinda diretamente de Bissau.. A LDP e LDM eram mais práticas, podendo abicar na praia,o que facilitava a descarga de bidões e barris,
[ Foto do álbum de Jorge Pinto, ex-alf mil da 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), professor de história reformado; natural de Alcobaça, vive na Grande Lisboa e é também membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca da Linha]
Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O melhor assistente de IA para sabermos coisas sobre os nossos comes & bebes na Guiné ? São os nossos "intendentes" e os nossos "vagomestres", pois claro. Infelizmente são poucos. Mas felizmente que temos o nosso Albino Silva, que tem sido inexcedível na sua vontade em partilhar informação (oral e escrita) sobre estas matérias, que já estão tão esquecidas da maior parte da malta...
Perguntei a alguns de nós se se lembravam do "per diem", a verba para a nossa alimentação diária... Já ninguém se lembrava da quantia em escudos (24$50), que o gen António Spínola, no relatório do comando relativo à situação em 1971, propunha que passasse para 33$00 (um aumento de mais de 1/3), face ao aumento do "custo de géneros de 1ª necessidade" bem como do "custo dos transportes da Metrópole para a Província". (Não sabemos se até ao final da guerra houve alteração da verba para a alimentação diária no CTIG.)
Era com esses 24$50 que o vagomestre tinha de nos alimentar diariamente (3 refeições).
Além de informador privilegiado como vagomestre e como gestor da cantina de Nova Sintra, ao tempo em que esteve com a sua companhia, CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), o Aníbal Silva é um excelente e afável contador de histórias e lembra-se de coisas do arco da velha.
O Aníbal (que fez a Escola Comercial e foi bancário ou técnico de seguros) tem especiais competências em matéria de numeracia: só podia, pois, ser o homem certo no lugar certo. E ainda hoje guarda (o que é incrível!) documentação daquela época, e que faz questão de partilhar com o nosso blogue.
Mensagem recente, de 22/10/2025, 09:10Bom dia, caríssimo Luís
Depois da nossa conversa telefónica de ontem, que muito me honrou, procurei e encontrei o livro sobre a alimentação, o "missal" dos vagomestres, que tem umas dezenas de páginas e do qual envio em anexo meia dúzia dessas páginas, digitalizadas.
Caso pretendas, para os teus estudos e análises, posso enviar-te pelo correio os dois "documentos". Na afirmativa, fico a aguardar que me facultes o teu endereço. (...)
De acordo com as ementas nºs 5 e 6 a ração diária de vinho, dos militares, nos anos da guerra do ultramar, era de 0,5 l (0,2 l ao almoço, e 0,3 l ao jantar).
2. O que transcrevo a seguir é um apanhado das conversas que vou tendo com ele ao telemóvel (ele vive em Arcozelo, se não erro, freguesia de Vila Nova de Gaia, já prometemos encontrarmo-nos quando eu for à Madalena).
2.1. São João, frente a Bolama, era abastecido diretamente por Bissau. Tite também. E Fulacunda. E Bambadinca.
A via fluvial ainda era a mais rápida, económica e relativamente segura (rio Cacheu, na zona Oeste; rio Geba, na zona Leste; canal do Geba e de Bolama, para a região de Quínara; o rio Cumbijã e o rio Cumbijã e o rio Cacine, para a região de Tombali).
.O vinho era transportado de Bissau em barris de 100 litros (mais tarde bidões de 200 l, mas já não é do tempo do Aníbal Silva, nem do meu, somos de 69/71,.
2.2. Em Nova Sintra, era através de um afluente do rio Grande de Buba.
Como não tinham outro sítio para os guardar os barris de 100 litros, utilizava um antigo galinheiro, que estava vago; claro que era um sítio de fácil acesso aos "ladrões de vinho" (não havia "guarda á adega").
Uma vez aberto um barril, durava dois a très dias... E a opinião que a malta ainda hoje tem é que vinho que se bebia em Nova Sintra até era de boa qualidade, tinha bom paladar; e de resto toda a gente bebia vinho.
E interessante a informação de que um barril de 100 l dava só para 2 ou dias. Ou seja, não havia risco de oxidar.Utilizava-se um tubo de borracha para encher recipientes mais pequenos como garrafões. Também já não é do seu tempo o uso de garrafões de 10 l, empalhados, para o transporte de vinho (deve ter sido prática dos primeiros anos de guerra).
2.3. Claro que também aqui havia pequenos furtos: havia sempre ums "jeitosinhos" que, com uma broca manual, fazia um furinho na tampa, e com uma borrachinha ia lá encher o cantil.. "Pró petisco".
Tal como havia malta que, no dia de descascar batatas para o rancho levava as calças de camuflado para encher os bolsos..."pró petisco". Os iam de calções, que era o traje habitual...
Tal como havia malta que era capaz de, numa coluna logística ao porto fluvial, no reabastecimento mensal, e antes da chegada ao quartel,. , "desviar uma ou duas caixas de cerveja", gurdá-las no mato em sítio seguro e ir lá depois buscá-las, passadas 24 ou 48 horas.
2.4. Mas também havia a ração de aguardente. A meio da comissão, a Intendência mandou perguntar se a companhia tinha barris de aguardente. O Aníbal disse que não. Passados uns tempos, foi abrir um barril (que julgava ser de vinho) e viu que era aguardente. Havia 300 litros (3 barris) de aguardente, em "stock", intactos!... Bom, deu para o resto da comissão, enquanto a malta esteve em Nova Sintra antes de ir para Tite. Uma ração de aguardente passou a ser distribuída pelos abrigos.
2.5. O Aníbal, vagomestre, tirou a especialidade em Póvoa do Varzim, ficou também, em Nova Sintra, com a cantina, ao tempo do segundo capitão da companhia que detectou irregularidades na gestão anterior. Havia um "buraco" nas contas que era preciso sanear... E que ele saneou... (Como "prémio", ficou, no fim, na "comissão liquidatária" da companhia e do batalhão, um "pincel" que ninguém queria, podendo atrasar o regresso a casa.)
Não havia máquinas de calcular, naquele tempo, as contas eram feitas à mão, uma, duas, três, quatro vezes, até baterem certas. E havia um lençol, o famigerado mapa modelo 1, que era um a quebra-cabeças para qualquer vagomestre.
2. Falando há dias com um antigo comandante de companhia, hoje cor art ref, o nosso grão-tabanqueiro Morais da Silva, disse ele que "nunca bebeu vinho em Gadamael". Nem ele nem os seus alferes e furriéis,. Bebiam cerveja. Aliás, deixou de beber vindo desde que ue veio de Angola. onde fez o curso de comandos.
Já não se lembrava do "per diem" nem da ração de vinho diária...Vai perguntar ao vagomestre que é hoje um quadro superior do BCP, reformado. Gaba-se de ter tido excelentes colaboradores em todos os setores de apoio, da saúde (onde teve um 1º cabo aux enf excecional, e de quem toda gente perdeu o rasto) às transmissões, da intendência ao material.
O Humberto Reis, ex.fur mil op esp /ranger, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e colaborador permanente do nosso blogue também confirma que os nossos soldados, pro serem resarranchados, recebiam mais 750$00 por mês.
Quando o Gr Comb dele, o 2ª, ia para o destacamento do rio Undunduma, o pessoal metropolitano recebia o seu rancho, confeccionado em Bambadinca, mas a viatura trazia os "tachos de arroz" que as mulheres dos nossos soldados cozinhavam para eles na tabanca... Cada um tinha um lenço da sua cor.... Em operações no mato, também levavam a sua "marmita" (arroz cozido embrulhado num lenço)...
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Nota do editor LG:
Último poste da série > 2 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27340: A nossa guerra em números (42): com um "per diem" (verba de alimentação diária) de 24$50 (hoje 4,10 euros) dava para fazer uma... ometela simples mas saborosa!







