terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé)


Alcunha  (do árabe al-kunia, sobrenome) s. f. > Epíteto, geralmente fundado nalguma particularidade física ou moral do indivíduo ao qual ele se atribui.
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O Velho, o Bispo, o Homem Grande de Bissau, o Aponta Bruno, o Caco, o Caco Baldé...

De todas estas alcunhas  já ouvimos falar, a propósito do homem que foi o comandante chefe de muitos nós, e em relação ao qual há (ou havia) uma estranha relação de amor-ódio: António de Spínola, ou Spínola, simplesmente. [, foto à esquerda]

Admirado por uns, idolatrado por outros, temido por muitos, odiado por outros tantos, caricaturado por alguns... Morreu como marechal do exército português, pertence agora à história, e como tal merece-nos o respeito de todos aqueles que da lei da morte se foram libertando.

Não sei como o PAIGC o tratava, em Conacri, na Rádio Libertação, por que alcunha (se é que a tinha, como devia ter,  já que todos na guerra têm alcunha, e por mais razão ele, objeto de especial ódio de estimação por parte do IN).  De qualquer modo, estamos ainda em  tempo de averiguar (ou simplesmente especular) sobre a origem da alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epíteto por que era mais conhecido, Caco Baldé,  não só entre os tugas como entre os fulas e outros grupos da população guineense que Spínola (re)conquistou com a sua política Por uma Guiné Melhor...

Fomos desencantar postes dos muitos que a ele se referem (são já cerca de 150)  como figura incontornável (quer se goste ou não) do cenário de guerra na Guiné, e nomeadamente durante o seu consulado (1968/73). Aqui vão alguns excertos. A amostra é de conveniência, não aleatória, logo não representativa...

Caco Baldé (ou simplesmente Caco)  era a a alcunha por que era mais conhecido o General Spínola entre os seus soldados. O Velho, era como ele era tratado entre o seu estado maior.  O Bispo era nome de código, e era assim  que o tratavam os nossos camaradas da FAP.

Caco Baldé... Caco queria referir-se ao vidrinho ou monóculo que ele usava... Baldé era um dos apelidos mais vulgares entre os fulas, aliados de Spínola... Esta é explicação commumente aceite por todos nós...Mas há outras teorias, como a do Cherno Baldé... 

2. Cristina Allen [, a ex-esposa de Mário Beja Santos, foto à direita, c. 1970]

(...) Dançando o tango com o Caco Baldé (...)

(...) Apressava-me, na saída, não fosse encontrar Spínola, que, diariamente, visitava os seus doentes. Atrasei-me três vezes e três vezes me aconteceu encontrá-lo à porta de armas (chamava-se assim?) do hospital. Andávamos, ao que parecia, cronometrados…

Havia um toque (A recolher? Por causa dele? Nunca perguntei). Mas via aquele homem passar para a mão esquerda o pingalim, encostá-lo firmemente à perna, pôr-se em sentido, crescer, enchendo o peito de ar, o ventre liso, o braço direito, o cotovelo, a mão, na mais perfeita continência que jamais vi. Ficava desmesuradamente imenso, desmesuradamente rígido, só o monóculo coruscava.

Estarrecida, não sabia que fazer dos pés, das mãos, da mala, da mini-saia, parava, cruzava as mãos, endireitava-me (postura por postura, não baixaria a cabeça, olhava-o nos olhos, ou, melhor dizendo, no olho e no monóculo). Acudiam-me ideias bizarras – que o meu avô materno fora lanceiro e, certamente, teria sabido fazer aquilo mesmo; que ele, Spínola, escorregara em Missirá, numas cascas de batata e fora ao chão, pose, pingalim, monóculo e tudo, soltando palavrões… que aquele homem era o… “Caco Baldé”! Apertava os lábios para não me rir: este é o Caco, Caco Baldé…

Mas este era apenas o primeiro acto desta farsa. O segundo, começava com a questão “Passas tu ou passo eu?”. No terceiro, resolvia eu recuar, só então ele passava e, perfeito cavalheiro, punha-se de lado e cumprimentava: “Muito boas tardes, minha senhora”. E eu respondia-lhe: “Muito boas tardes, Senhor Governador”. Afinal de contas, era fácil dançar o tango com Spínola. Dobrado contra singelo, diria que, em seus tempos, o teria dançado na perfeição, sem pisar os pés do par…

Deixemos, por ora, o Mário na sua cama, entre dois outros perturbados, que, continuamente, discutiam…

Quando, escassos anos volvidos, leria atentamente Portugal e o Futuro, fecharia o livro, e, olhos cerrados, para mim mesma o interpelava: “Então, meu Caco, só agora?!”

Para todas as coisas há o seu tempo. Nos anos de brasa que decorreriam, e, mais ainda, nos outros que vieram, ele seria, talvez, uma das mais contraditórias e inquietantes personagens.

Recordo, hoje, os quatro majores que, num gravíssimo erro de cálculo – ou num quase infantil erro de cálculo – ele enviou para o martírio e penso em tantos jovens anónimos que perderam suas desgraçadas vidas. Nos estropiados, nos cegos, nos perturbados, nas nossas lágrimas.

E, todavia, ele, feito Marechal António de Spínola, será sempre, para mim, a mais trágica figura do braseiro que outros atearam, sem ele, com ele, ou em seu nome.

Que Deus e a História sejam clementes para com este homem. (...)
cionário Priberam de Língua Portuguesa


3.  Luís Graça [, foto à esquerda, Bambadinca, 1970]

(...)  Excertos do Diário de um Tuga (L.G.)

Ponte do Rio Udunduma, 3 de Fevereiro de 1971

De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de cães grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande, o Caco Baldé). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivente da Wermacht nazi.

Mas o que é que faz correr este velho soldado, como ele próprio gosta de se chamar ? É difícil adivinhar-lhe a sua paixão secreta, o seu móbil, sob a sua impassibilidade de samurai (ou de figura de cera?): a mitomania, o culto da personalidade ou, hélàs!, a presidência da república ?

Há qualquer coisa de sinistro na sua voz de ventríloquo, no seu olhar vidrado ou no seu sorriso sardónico: talvez seja a superioridade olímpica do guerreiro.

Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba…

A visita-surpresa do Deus-Todo-Poderoso foi o meu único monumento de glória em toda esta guerra… Ao fim de vinte meses!... Só quero regressar, são e salvo, a casa, daqui a um mês e, se possível, levar comigo a barba que deixei crescer… na Guiné, longe do Vietname. (...)

4.  Jorge Cabral [foto à direita, Xime, c. 1971]

(...) Quando Sexa o Caco, em Missirá, ia perdendo o dito...

Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.
-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados.

(Estou tramado, o quartel está uma merda. Que visto? Apresento-me em estado de nudez? Não há tempo a perder. O pássaro já poisou e o General avança. Enfio uns calções antigamente verdes, umas chinelas, e claro uma boina, para poder fazer a devida continência).

Eis-me assim, garboso Comandante, apresentando a tropa, e os milícias, todos eles mal fardados, como era habitual. Sua Excelência, pede um intérprete, pois vai botar discurso. E começa:
- Debaixo desta bandeira… - e aponta o braço na direcção onde pensava que a mesma existia. Fica-lhe o braço no ar, mas continua:
- ... A Pátria… - , e notando a atrapalhação do tradutor, pergunta-lhe:
- Sabes o que é a Pátria?
- Não - responde aquele.

(Lixei-me! Vou ser despromovido, talvez preso. Dentro de mim um turbilhão de maus presságios começa a fervilhar. Mentalmente preparo réplicas. Não é necessária bandeira, pois a Pátria está dentro de nós, e por isso, meu General, é indefinível, responderei).

Mas o Caco nada me pergunta. Vem acompanhado de três majores e um capitão. Querem ver tudo. Primeiro a Escola. Onde funciona?

(Escola? Qual Escola? Pensa rápido, Jorge! Inventa!)

- Sabe, meu Major, estas crianças também frequentam o ensino corânico, que decorre ao ar livre. Por isso considerei que a nossa escola não devia ser enclausurada, pois tal podia traumatizá-las.
- Ainda assim…- começou o Major, impedido de continuar por um olhar do Com-Chefe.
- E o Heliporto? - indagou um outro Major - Parece muito atrasado.
- É que, meu Major, faltam os materiais e também operários especializados.
- Operários especializados? Então e os seus soldados?!
- Todos homens de Fé, meu Major. Tirando a actividade operacional, dedicam-se à reflexão.

Nem respondeu este Major. Logo outro se adiantou, interrogando o Amaral, sobre as povoações mais próximas. Em sentido, sério, calmo, respondeu o Amaral:
- Mato a Norte, mato a sul, mato a leste, mato a oeste, meu Major.

(Ah! Grande Amaral, vais fazer-me companhia na porrada!)
Mas o pior estava para vir! Sua Excelência queria testar o plano de defesa:
- Qual o sinal, nosso Alferes?
- Uma granada - improvisei eu.

Tendo-me dirigido à arrecadação não encontrei nenhuma granada ofensiva. Peguei então numa defensiva, e zás, lancei-a. Tudo tremeu! Manteve-se de pé o General, mas o caco caiu. Entretanto os meus soldados, querendo mostrar heroicidade, encostaram-se ao arame, de peito descoberto, alguns mesmo sem arma.

(Agora sim, está tudo perdido! Que vergonha! E logo eu, neto de um herói de Chaimite).

Recomposto o Caco, olhou-me uma última vez e disse:
-Já vi tudo!.

Ao encaminhar-se para o helicóptero, ainda lhe ouvi comentar para a comitiva:
-Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!

Deve porém ter ficado impressionado, pois três dias depois voltou. Eu não estava. Tinha ido a Fá, buscar uma garrafa dewhisky, prenda mensal do Capitão João Bacar Djaló (3). Contou-me o Branquinho (4) que quando o informaram da minha ausência, Sua Excelência exclamou:
- Ainda bem! (...)


5. Manuel Lucena / Carlos Fabião [, foto à esquerda, c. 1971/73, quando era comandante do Comando Geral de Milícias, na sua 3ª comissão no TO da Guiné]

(...) Manuel de Lucena: O general Bettencourt Rodrigues disse-me uma vez que tinha as mais vastas dúvidas sobre isso da popularidade do general Spínola na Guiné e estava a falar das populações. Um grande
chefe, mas …

Coronel Fabião: O Caco Baldé! [, Alusão irónica ao monóculo (caco …) do general e ao apelido mais comum na Guiné (Baldé), como se fosse «Silva»]. (...)



6. Cherno Baldé [, foto atual, à direita]

(...) “Caco Baldé” tem origens no meio e língua fulas, é uma alcunha bem conseguida e duplamente interessante. Caco,khaco ou haco, originalmente, quer dizer cor castanha (a cor das folhas secas), na língua fula, e servia inicialmente para designar a cor da farda das autoridades administrativas e/ou da tropa colonial.

Mais tarde, para simplificar, este termo seria simplesmente utilizado para designar, de forma disfarçada e caricatural, as autoridades coloniais ou seus representantes.

O apelido Baldé seria lindamente encaixado em acréscimo, certamente, seguindo a lógica da brincadeira muito habitual entre grupos que se consideram primos por afinidade (sanguínea ou territorial) - “Sanencuia”.

Por exemplo, os Djaló são primos dos Baldé por afinidade sanguínea, da mesma forma que o grupo fula, na sua generalidade, é primo do grupo etnolinguístico mandinga que abrange Saracolés, Soninqués, Bambaras etc., por afinidade territorial.

Também é bastante lógico se tivermos em conta que a maior parte dos chefes tradicionais fulas (régulos) e colaboradores das autoridades coloniais, no chão fula, ou pertenciam a esta linhagem ou tinham este apelido, de modo que é uma homenagem e, ao mesmo tempo, uma caricatura dirigida a linhagem dos Baldé, na minha opinião bem conseguida, por um primo, resultante da brincadeira entre grupos de afinidade, usando a figura da maior autoridade portuguesa, de então, no território da Guiné.

Não tenho a certeza e trata-se de uma conjectura da minha parte como pista para uma pesquisa mais aprofundada. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série 30 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7697: O Spínola que eu conheci (23): No serviço de estomatologia, no HM 241, e eu a segurar-lhe o monóculo (Mário Bravo)

(...) Aproveito para contar um episódio ocorrido com o Marechal Spínola [, na altura general]. Como todos sabemos, o Marechal usava de modo constante um monóculo que era a sua imagem de marca. Um dia teve necessidade de consulta de Estomatologia e lá foi ao Hospital Militar. Era sempre um momento de alguma confusão e eu lá estava a tentar aprender a tirar dentes.

É evidente que quem o tratou foi o Chefe, mas havia necessidade que alguém tomasse conta do monóculo e logo me tocou a mim. É engraçado que senti aquele receio de ser o fiel depositário de tão solene objecto. Mas consegui não o deixar cair !!!

O Hospital Militar de Bissau, era na época um exemplo fantástico de modernidade e eficácia. (...)



Guiné 63/74 - P11023: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (34): Exame do 5.º ano, problema de matemática

1. Em mensagem do dia 22 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (34)

Exame do 5º ano 
Problema de Matemática

Na prova escrita de Matemática do meu 5º ano, na Álgebra, havia um problema – a questão mais valorizada do exame – com o seguinte enunciado resumido: largado num plano inclinado, que velocidade atinge um carro ao fim do tempo tal e com a aceleração tal?

Determinado examinando, entendeu que aquela questão, devido, provavelmente, a descontrolo do “fazedor” da prova, estaria no local errado… àquela hora. Entendeu que se tratava muito simplesmente de um problema de Física, que, por lapso, aterrara na prova de Matemática.

O aluno, em absoluto, não se lembrou das “sucessões numéricas”. Assim sendo aplicou a fórmula que havia aprendido nas aulas de física: ; creio que a fórmula era mesmo esta; o resultado foi, fisicamente, correto – 1800m/m.

Acabada a prova, os alunos iam saindo para o corredor; como habitualmente o Sr. Almeida, mestre daquela disciplina, encontrava-se no local e a cada um dos seus alunos que aparecia, ia perguntando qual era o resultado do problema.

Chegada a sua vez, o tal aluno respondeu convicto: - 1800 metros por minuto.

- Está certo! Comentou o Sr. Almeida.

O mestre não imaginava qual havida sido a fórmula utilizada – erradamente – para atingir aquela conclusão cujos números eram corretos; de acordo com o velho rifão: atingiu o resultado certo… por linhas tortas.

O sr. Almeida, ao proferir o seu comentário, não imaginou – nem podia – qual havia sido a fórmula usada (erradamente naquele caso) para chegar a uma conclusão que até estava certa. Temos de concluir que a Física também é uma ciência de precisão.

O mestre nunca recebeu, mesmo a posteriori, tal informação; ele poderia reagir – reagiria mesmo – imprevisivelmente.

Mais vale prevenir… nunca se sabe o que podia acontecer em tal situação.

Janeiro 2013
BT

P.S a quem não se apercebeu, informo que o tal examinando... é o autor do texto
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10994: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (33): A pior turma em cada ano lectivo

Guiné 63/74 - P11022: Do Ninho D'Águia até África (48): Guiné... Minho e... Algarve (Tony Borié)

1. Quadragésimo oitavo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (48)


No Arizona, Novo México, Colorado e em outros estados dos Estados Unidos, houve aldeias de naturais, foto recente do Tony, em baixo, a que chamavam “Indios”, e nas histórias dos livros de quadradinhos, que o Cifra lia, quando criança e nessa altura se chamava To d’Agar, e que o Carlos, filho do Santos dos correios, que tinha vindo dos lados de Leiria, lhe trazia, e aí, até “Peles Vermelhas” lhe chamavam, eram os “Cheyennes”, “Apaches”, “Comanches”, “Navajos”, “Seminoles” e outras tribos, que viviam de produtos que a natureza lhes oferecia.


Todos eram guerreiros, embora uns fossem caçadores, outros pescadores, outros agricultores, outros feiticeiros, e alguns até eram única e simplesmente chefes, com uma grande coroa de penas na cabeça, e um grande pau na mão representando a cabeça de uma águia, ou qualquer outro animal, com que indicavam o norte ou o sul, onde iriam caçar os búfalos, com um arco e uma flecha, e com uma pontaria que fazia inveja a qualquer campeão olímpico de tiro.

Quando o Cifra esteve na nossa então província da Guiné Portuguesa, também havia exactamente o mesmo, embora em menos área de terreno, e com muito mais etnias, ou seja, havia “Papeis”, “Balantas”, “Fulas”, “Bijagós”, “Mandingas”, “Felupes”, “Manjacos”, “Biafadas” “Nalus”, diziam na altura que havia quase vinte e quatro diferente etnias. Embora houvesse mais percentagem de uma etnia do que outra em algumas áreas, se verificarmos bem era quase uma etnia por vila ou aldeia, desculpem o exagero. Todas tinham, ou o Cifra pensava que tinham, o seu chefe, a sua língua, para se expressarem, e se deviam reger pelas suas leis, pelo menos era o que o Cifra pensava.


Onde o Cifra esteve estacionado por dois anos, foto em baixo, havia os “Balantas”, que eram guerreiros, caçadores, pescadores, pastores e agricultores, e normalmente viviam em agregado familiar. Tinham uma cultura muito própria, só deles, que o Cifra tentou aprender, e seguir com todo o respeito, a princípio foi difícil aceitarem-no, mas com o tempo, foram vendo as suas intenções e começaram a acreditar, e como eram um povo que vivia com muito pouco contacto com europeus, e como o Cifra já explicou de outras vezes, era preciso primeiro, cheirar o corpo, sentir o sabor da pele e então sim, se acreditassem, dedicavam-se, e consideravam essa pessoa como família, o Cifra, sempre admirou este povo e esta cultura, mas era muito diferente daquela a que estava acostumado, a ver no seu Portugal, que era um país europeu.


Um homem tinha três, quatro e cinco mulheres, que viviam todas em comunidade, debaixo do mesmo tecto, tratavam dos filhos umas das outras, ajudando-se, o homem exercia uma espécie de “escravatura”, nas suas mulheres, pois elas é que trabalhavam nos serviços mais duros na cultura do arroz, muitas com os filhos pendurados nas costas, e baixadas na bolanha, tratando da planta do arroz, por vezes enterradas até aos joelhos, creio que todas essas bolanhas eram propriedade do homem, que o Cifra nunca soube se era o seu marido, ou simplesmente “dono”, pois por mais perguntas que fizesse, a resposta não tinha tradução, ou ele não compreendia, que consoante a sua riqueza, mais mulheres podia adquirir, iam apanhar lenha na floresta, cozinhavam, algumas até subiam às palmeiras, para irem apanhar o fruto e fazer aguardente, que os homens bebiam, enfim eram uma espécie de “escravas”, desses mesmos homens, que a maior parte do tempo, ficavam deitados na rede, mascando cola, e com uma espécie de bengalim nas mãos, com que afugentavam algumas moscas do seu corpo, por vezes batiam nas nádegas, dessas mesmas mulheres, para que se movimentassem um pouco com mais rapidez.

Pelo que o Cifra observava, a mulher, só depois de uma certa idade, quando já o marido não a usava mais, passe o termo, é que teria uma vida mais pacata, pois normalmente, iria viver numa morança com outras da sua idade, sempre próximo da morança do seu marido, ou “dono”, pois o Cifra nunca soube qual era o estatuto dessa mulher, e aí tomava conta dos filhos das suas companheiras mais novas, cozinhava a panela do arroz, fumava o seu tabaco, bebia o seu trago de aguardente de palma, que fazia, e que normalmente estava a curtir num balaio, coberto com umas folhas de bananeira, em qualquer lugar da morança, mas à sombra, sem apanhar sol, e descansava, berrando e dando conselhos às suas companheiras mais novas, que nessa altura eram as eleitas, e estavam na companhia do seu antigo marido.


O Cifra sempre acreditou, pelo que via, que os filhos e as filhas, foto em cima, eram propriedade do marido, que normalmente, “vendia”, passe o termo, ou única e simplesmente cedia, as filhas, ao amigo “homem grande”, ou talvez a quem melhores garantias lhe desse. Quando uma rapariga atingia a idade de catorze, quinze, pois desasseis anos já era um pouco tarde, tinha que arranjar marido, ou talvez “dono”, pois se não o fizesse, já não era bem vista, e perguntavam, o que é que estava de mal com ela, que ainda não tinha parido. Isto foi o que o Cifra observou na região onde esteve estacionado por dois anos.

Em Portugal, e na província da Beira Litoral, portanto na Europa, de onde o Cifra era oriundo, isto não era possível, mas sim, na então província da Guiné, que estava situada na África, que tinha os seus usos e costumes não europeus, mas que o Cifra sempre respeitou, e afinal não era, como ele tinha aprendido na escola primária da vila, a que a sua aldeia do vale do Ninho D’Aguia pertencia, onde lhe diziam que a província da Guiné tinha as mesmas leis, tal como a província do Minho, do Alentejo, ou do Algarve, pois tudo eram províncias de uma só nação, que era Portugal.


O Cifra, depois de frequentar outras escolas no estrangeiro, verificou que tanto ele, como a maior parte da sua geração, na escola primária que frequentou em Portugal, de proveito para o seu futuro, única e simplesmente retirou de bom, alguma disciplina forçada, saber ler e escrever em português com algum rigor, fazer algumas operações com algarismos, mas num estilo complicado, como por exemplo contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir, conhecer o mapa de Portugal, onde havia algumas cidades e vilas, alguns rios, estradas e caminhos de ferro, e o orgulho por ter nascido nesse cantinho da Península Ibérica, que é Portugal, com um povo sofredor, sol brilhante, à beira mar plantado, tudo o resto que o professor Silvério lhe explicava por horas, e exigia que a sua mente jovem absorvesse, porque de outro modo lhe batia com uma régua de madeira nas mãos, e com uma cana fina e seca nas orelhas, eram assuntos sem qualquer interesse para o seu futuro, alguns até nem eram verdadeiros, que induziam a sua mente jovem, num tremendo erro, que o futuro veio mostrar, alguns anos depois.

O Cifra, só agora verificou que já está a ir longe de mais, perdoem lá.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 26 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11007: Do Ninho D'Águia até África (47): Iafane, o barqueiro (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11021: Parabéns a você (529): Luís Graça, fundador deste Blogue, ex-Fur Mil da CCAÇ 2590 /CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11010: Parabéns a você (528): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário (BA 12) (Guiné, 1967/68)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11020: Facebook...ando (21): Joaquim Ruivo, ex-1.º cabo mec obus 8.8, BAC 1 (Santa Luzia, Bissau, out 61/ fev 64): Tocando os "Olhos Negros", no seu bandolim...




Vendas Novas > 23 de dezembro de 2012 > O Joaquim Ruivo, tocando no seu bandolim, os "Olhos Negros... Fonte: Página pessoal no Facebook (reproduzido com a devida vénia...)



"Com o Sancho do meu amigo Alfredo. O que tem piada é que nós íamos daqui, com a ideia de que os macacos eram uns animais muito espertos e os guineenses nenhum queria ser parecido com eles. Queriam antes ser parecidos com as gazelas"...




"Eu, ao lado do homem que extrai o vinho de palma. O instrumento que ele tem à volta do pescoço, serve para subir às palmeiras e é feito de materiais recolhidos da natureza, mas que lhes dá total segurança".



"Trepando à palmeira para a recolha do vinho de palma. (eu nem com um cabo de aço de 20mm, me atrevia a estar naquela posição àquela altura)"...




Foto sem legenda...  [O Joaquim e a sua "pasteleira"]... Esta e as outras fotos acima  devem ser dos primeiros  tempos de Bissau,  Santa Luzia, c. 1961/62.


Fotos (e legendas): © Joaquim Ruivo (2013). Todos os direitos reservados



1. O Joaquim Ruivo já aqui foi apresentado. Foi 1º cabo mecânico de obus 8.8. É um dos nossos camaradas mais velhos... Ele é mais velho do que a guerra! Ou melhor, como ele diz, tem "mais tempo de paz do que de guerra".

Em boa verdade, chegou à Guiné em outubro... de 1961. Já a guerra tinha rebentado em Angola. E o seu amigo e conterrâneo Domingos Samúdio, passados dois meses, ficaria prisioneiro na Índia (em, 19 de dezembro de 1969). O Joaquim teve mais sorte: colocado na BAC (Bateria de Artilharia de Campanha), em Santa Luzia, passou a maior parte do tempo em Bissau (, presumo eu). Nas vésperas da Op Tridente, esteve em Catió a "afinar" os obuses 8.8. Não sei se chegou a ir ao Como, julgo que não. Logo a seguir regressou a casa, em fevereiro de 1964.

Sente-se honrado por  pertencer à Tabanca Grande. E nós também,. É natural de Brotas, Évora. Nasceu em 1939, e vive em Vendas Novas. Tem uma página no Facebook (desde 6 de novembro de 2010), é um ativissimo feicebuqueiro...

É um homem que parece estar bem na sua pele, é uma fonte de inspiração, para todos nós, pela sua sabedoria,  alegria de viver, sentido de família, sociabilidade, participação na vida da sua comunidade... Enfim, é também um bom exemplo daquilo  a que nós, em saúde pública, chamamos o "envelhecimento ativo" . (Segundo a Organização Mundial da Saúde, é o o processo de optimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, com vista à melhoria da qualidade de vida das pessoas que envelhecem). 

Em suma, temos que aprender com ele. E, a esse propósito,  eu não resisti a incorporar, com a devida vénia, o vídeo, acima, em que ele mostra as suas habilidades com o bandolim (não, não  é a viola campaniça....). É, de resto, um homem que gosta de música e sabe ler pautas de música!... Mas que belíssimos 73 anos! (Carlos, aponta aí, ele faz 74, no próximo dia 3 de agosto!)...

 Publicamos mais algumas fotos singelas do seu álbum. E que são testemunhas também da pacatez da vida em Bissau (e arredores) no seu tempo... Com um abraço de homenagem ao Joaquim Ruivo e a todos os cmaradas da "farda amarela" que ainda conheceram a Guiné,  em 1961 e 1962, de antes da guerra... Não serão muitos, mais uma razão para serem aqui justamente lembrados e homenageados... Somos todos "piras" por comparação com eles... LG

PS - Já agora ouçam aqui uma versão coral dos Olhos negros (Trad. dos Açores / Ilha Terceira), com arranjo do nosso querido amigo e camarada, herói do Como, Mário Roseira Dias... ´É linmda a música (e a letra!)... Como veem, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

Olhos negros (Trad. dos Açores / Ilha Terceira)

Os teus olhos, negros, negros,
São gentios, são gentios da Guiné. (Bis)

Ai da Guiné, por serem negros,
Da Guiné por serem negros,
Gentios por não terem fé. (Bis)

Os teus olhos são brilhantes,
Semelhantes
Aos luzeiros que o céu tem. (Bis)

Os olhos negros, que eu preferi
E que nunca vi
De côr mais linda a ninguém (Bis)

Os teus olhos, negros negros...

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Guiné 63/74 - P11019: Ser solidário (141): Primeiro almoço solidário na nova Tabanca Ajuda Amiga, dia 31 de Janeiro de 2013 na cantina da Associação de Comandos, em Oeiras

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Fortunato (ex-Fur Mil da CCAÇ 13), dirigente da ONGD Ajuda Amiga, com data de 28 de Janeiro de 2013:

Amigos e Camaradas
Junto envio uma noticia sobre mais uma tabanca, a Tabanca Ajuda Amiga, pedindo o favor de divulgarem a mesma no Blog.

Obrigado e um alfa bravo 
Carlos Fortunato 
(CCaç. 13)



I ALMOÇO SOLIDÁRIO DA TABANCA AJUDA AMIGA

Caros amigos e camaradas 
À semelhança de outras "tabancas" de amigos da Guiné, que foram criadas inspiradas nas amizades e convívios gerados a partir do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, nasceu agora a Tabanca Ajuda Amiga, criada com o apoio da ONGD Ajuda Amiga (http://ajudaamiga.com.sapo.pt).

Na próxima 5ª feira dia 31-01-2013 pelas 13h00 será efectuado o primeiro almoço da Tabanca Ajuda Amiga, na cantina da Associação de Comandos, sediada no Regimento de Artilharia de Costa, 3ª Bataria, na Laje, em Oeiras, o caminho para a mesma é por Paço de Arcos, pela Avenida Engº Bonneville Franco (junto à Marginal perto da Escola Naval), no fim da avenida segue-se por uma estrada de terra batida, que termina na referida antiga unidade.

É um almoço de convívio entre associados da Ajuda Amiga, antigos combatentes e amigos da Guiné, imbuído do espírito de solidariedade que tem caracterizado estas Tabancas.

O almoço é Coelho à Caçadora ou Bacalhau à Minhota e tem o custo de 8 euros. 
Devem ser feitas reservas até amanhã 3ª feira, para o 917 248 557 Sra. Marilia ou 934 125 679 Sra. Sónia, indicando o prato pretendido.

Um alfa bravo e até 5ª feira
Carlos Fortunato





Sítio oficial, na Net, da ONGD Ajuda Amiga.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 14 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10799: Ser solidário (140): A Tabanca Pequena de Matosinhos - Mais uma Tabanca do sul com água potável, Cautchinké, na Mata de Cantanhez.

Guiné 63/74 - P11018: Efemérides (120): 23 de Janeiro de 1963 - O fim do princípio ou o Princípio do fim - 50 anos depois (II Parte) (José Martins)

1. Segunda parte deste trabalho de pesquisa o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado ao nosso Blogue em mensagem do dia 24 de Janeiro de 2013:


23 de Janeiro de 1963
O Fim do Princípio ou o Princípio do Fim
50 anos depois

II Parte


No inicio do ano de 1960, a Província da Guiné tinha, como unidades da Guarnição Normal da província, duas Companhia de Caçadores Indígenas, a 1ª e a 4ª, uma Bateria de Artilharia de Campanha e um Centro de Instrução Militar. Os quadros eram oriundos da metrópole e as praças do recrutamento local.

Além das referidas forças, encontravam-se em reforço das mesmas, uma Companhia Expedicionária do Batalhão de Caçadores nº 5 (Lisboa), mais tarde Companhia de Caçadores nº 52; o Esquadrão de Reconhecimento do Regimento de Cavalaria nº 3 (Estremoz), mais tarde Esquadrão de Reconhecimento nº 54; e um Pelotão de Polícia Militar, oriundo do Regimento de Lanceiros nº 2 (Lisboa).

O regime recusa uma vez mais discutir, quaisquer que sejam as questões, com os “movimentos de libertação” dos povos das colónias portuguesas. Na linguagem usada, trata-se, apenas, de “organizações terroristas a soldo de potências estrangeiras”.

Numa directiva do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, de 20 de Janeiro de 1960, são alterados os objectivos estratégicos da defesa nacional, apontando para uma futura guerra no Ultramar.

A 25 de Janeiro de 1960 tem inicio a II Conferência dos Povos Africanos, em Tunes, em que representantes dos movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique. Dissolvem o MAC - Movimento Anti-Colonial e formam a FRAIN - Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas.

Em Fevereiro é publicado em Londres, o texto de Amílcar Cabral “Factos acerca das Colónias Africanas de Portugal”, sob o pseudónimo de Abel Djassi.

Amílcar Lopes Cabral (Abel Djassi) 19.09.1924 – 10.01.1973 
 © imagem: http://www.didinho.org/amilcarcabral.htm

O dia 4 de Abril de 1960 é o dia da independência do Senegal. O território da Guiné faz fronteira, com este país, em cerca de trezentos quilómetros a Norte.

A 22 de Abril de 1960 são publicadas as normas para as comissões de serviço dos militares no Ultramar.

Parecer, emitido em 29 de Abril de 1960, do Governo português sobre o artigo 73º da Carta das Nações Unidas, não reconhecendo competência à Assembleia-geral para exigir que os Estados membros iniciem a transmissão de informações sobre os territórios ultramarinos.

O PAIGC envia uma declaração ao governo português, datada de 25 de Setembro de 1960, reclamando a autodeterminação da Guiné e de Cabo Verde e propondo negociações para a concretização, por meios pacíficos, desse mesmo objectivo.

Nova reorganização territorial das forças terrestres, em 24 de Novembro de 1960, com a criação de cinco regiões militares, incluindo Angola e Moçambique, e sete comandos territoriais independentes, entre os quais o da Guiné.

Na sessão de 30 de Novembro de 1960, o Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, faz uma intervenção, dirigida à Assembleia Nacional, sobre a questão da unidade nacional, isto é, território do Minho a Timor.

Numa conferência realizada em Londres a 6 de Dezembro de 1960, os principais dirigentes dos movimentos de libertação dos povos das colónias portuguesas apelam uma vez mais ao governo de Salazar para que se disponha a encetar negociações. Caso tal não aconteça, restará apenas o cominho da luta armada.

A Assembleia-Geral da ONU aprova em dois dias, duas Resoluções e uma Declaração, sobre Portugal. A 14 de Dezembro de 1960, a Resolução 1514 (XV), conhecida como Declaração Anticolonialista; em 15, dia seguinte, a resolução 1541 (XV), constituída pelo Relatório dos Seis, elaborado pelo respectivo comité, contendo a definição de território não autónomo. No mesmo dia aprova a declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais – Resolução 1542 (XV). As colónias portuguesas são, explicitamente, abrangidas pelas declarações das Nações Unidas.

E o “ano de todos os acontecimentos” de 1961, começa com a recusa do governo em aceitar a eleição democrática, pelos próprios estudantes em Janeiro de 1961, da direcção da Associação da Casa dos Estudantes do Império, várias iniciativas de protesto são concretizadas na Academia de Lisboa. Fundada em 1945 acabou por se tornar num pólo do colonialismo português, de onde emergem alguns quadros dos futuros movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique.

Niassa – Um dos navios que transportou muitos militares portugueses. 
© Imagem: http://navios.no.sapo.pt/niassa.html

Ainda no mês de Janeiro de 1961, foram mobilizados para reforço da Guiné, quatro Pelotões de Morteiros, ao quais foram atribuídos os nºs 16, 17, 18 e 19, oriundos dos Regimentos de Infantaria nº 1 (Amadora), nº 3 (Beja), nº 5 (Caldas da Rainha) e nº 6 (Porto), respectivamente.

No inicio do mês de Fevereiro de “ano em que tudo acontece”, mais propriamente no dia 4, em Luanda, com o ataque concertado à Casa de Reclusão Militar, à Cadeia da 7ª Esquadra da polícia, à sede dos CTT e à Emissora Nacional de Angola. A 15 de Março tem inicio os massacres no norte da província. No dia 17 Salazar reage, indignado, designando de “terroristas” não só os intervenientes, mas também as organizações e países que os apoiam.

O Batalhão de Caçadores nº 5 (Lisboa) mobiliza mais uma companhia expedicionária, que embarca em Lisboa a 13 de Março de 1961 chegando a Bissau no dia 18, para substituir a Companhia de Caçadores nº 52, que termina a sua comissão de serviço. A companhia é redenominada de Companhia de Caçadores o nº 74, a partir de 8 de Abril seguinte.

Na cidade do Cairo, capital do Egipto, tem início a 23 de Março de 1961 a Conferência dos Povos Africanos, em que foi aprovada uma resolução política respeitante aos territórios portugueses.

Aprovação do decreto, datado de 24 de Março de 1961, que define a condução da política de defesa nas províncias ultramarinas.

Por Decreto, de 30 de Março de 1961, a responsabilidade da condução da política de defesa de cada Província Ultramarina, é da responsabilidade dos Governadores-Gerais, mas dentro das directrizes recebidas do governo central.

Em 6 de Abril de 1961 embarca com destina à Guiné a Companhia de Caçadores nº 84, mobilizada no Regimento de Infantaria nº 1, aquartelada na Amadora, para reforço da guarnição normal.

Aprovação, em 20 de Abril de 1961 pela Assembleia-geral da ONU, da Resolução 1603 (XV), incitando o Governo português a promover urgentes reformas para cumprimento da Declaração Anticolonialista, tendo em devida conta os direitos e as liberdades fundamentais.

Em 27 de Abril de 1961 embarca com destina à Guiné a Companhia de Caçadores nº 90, mobilizada no Regimento de Infantaria nº 7, aquartelado em Leiria, assim como a Companhia de Caçadores nº 91, mobilizada no Regimento de Infantaria nº 15, aquartelado em Tomar, para reforço da guarnição normal.

Guião da Companhia de Caçadores nº 153 do Regimento Infantaria nº 13 
© Colecção de Carlos Coutinho

Em 2 de Junho de 1961 concretiza-se a fuga de Portugal, para o estrangeiro, de estudantes ultramarinos, muitos dos quais virão a desempenhar papel importante na luta nacionalista nos movimentos a que pertenciam.

Em 15 de Junho de 1961 embarca com destina à Guiné a Companhia de Caçadores nº 154, mobilizada no Batalhão de Caçadores nº 9, aquartelado em Viana do Castelo, para reforço da guarnição normal.

A 28 de Junho de 1961 embarca com destina à Guiné o Batalhão de Caçadores nº 238, mobilizado no Batalhão de Caçadores nº 8, aquartelado em Elvas, assim como o Batalhão de Caçadores nº 239, mobilizado no Batalhão de Caçadores nº 9, aquartelado em Viseu, com comando reduzido, para implementar e comandar as zonas operacionais.

Em 30 de Junho de 1961 embarca com destina à Guiné a Companhia de Artilharia nº 240, mobilizada no Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº 2, aquartelado em Torres Novas, para reforço da guarnição normal.

Em 14 de Julho de 1961 são difundidas as Novas Directivas Gerais de Censura, que exigem atenção especial aos títulos e subtítulos referentes a acontecimentos do Ultramar.

A 18 de Julho de 1961 embarca com destino à Guiné o Batalhão de Caçadores nº 236, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 3, aquartelado em Beja, assim como o Batalhão de Caçadores nº 237, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 6, aquartelado no Porto, com comando reduzido, para implementar e comandar as zonas operacionais.

Na noite de 20 para 21 de Julho de 1961, um grupo de guerrilheiros do Movimento de Libertação da Guiné ataca o aquartelamento português de S. Domingos, na fronteira da Guiné com o Senegal, que provocou quatro feridos militares. Há fontes que referem que a acção sobre São Domingos foi efectuada pela FLING, mas esta só veio a “aparecer em 1962.

A 27 de Julho de 1961, o Senegal corta as relações diplomáticas com Portugal.

Em 28 de Julho de 1961 embarca com destina à Guiné a Companhia de Caçadores nº 152, mobilizada no Regimento de Infantaria nº 8, aquartelada em Braga, para reforço da guarnição normal.

Guião do Hospital Militar nº 241 - Bissau 
© Colecção de Carlos Coutinho

No mês de Agosto de 1961, são criadas novas unidades para a guarnição normal: o Hospital Militar nº 241, é criado a partir do Destacamento Sanitário e da Equipa Cirúrgica, que tinha sido mobilizada no 1º Grupo de Companhias de Saúde (Lisboa) e é constituída a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas, que vai criar destacamentos na Zona Leste. Estas unidades são de rendição individual

Acções de sabotagem na Guiné, efectuadas pelo PAIGC, no dia 3 de Agosto de 1961, para recordar o massacre de Pidjiguiti.

Em 10 de Agosto de 1961 embarca com destina à Guiné a Companhia de Artilharia nº 250, mobilizada no Regimento de Artilharia Pesada nº 2, aquartelado em Vila Nova de Gaia, assim como a Companhia de Cavalaria nº 252, mobilizada no Regimento de Cavalaria nº 3, aquartelado em Estremoz, e a Companhia de Polícia Militar nº 257, mobilizada no Regimento de Lanceiros nº 2, aquartelado em Lisboa, para reforço da guarnição normal.

Procurando diluir os vectores legais e institucionais que contribuíam para a reafirmação da natureza colonial da dominação exercida pelo Estado Português sobre as populações das diversas províncias ultramarinas, através do decreto-lei número 43.893 de 6 de Setembro de 1961, é abolido o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, que havia sido promulgado pelo decreto-lei número 39.666 de 20 de Maio de 1954, concedendo a “plena cidadania portuguesa” a todos os habitantes daqueles territórios.

Criação do SPM - Serviço Postal Militar, em 9 de Setembro de 1961, que passa a assegurar a recepção e distribuição de correspondência e encomendas de e para os militares em serviço nas Províncias Ultramarinas.

Guiné – Guião do Comando Chefe 
© Colecção de Carlos Coutinho

Em Outubro de 1961, o Regimento de Infantaria nº 14 (Viseu) mobiliza o Pelotão de Canhões sem Recuo nº 29, o primeiro a ser enviado para o Teatro de Operações da Guiné, e em carta aberta ao governo português, datada de 13 de Outubro de 1961, Amílcar Cabral, presidente do PAIGC, reclama a independência da Guiné e de Cabo Verde, se possível em resultado de negociações. A resposta foi negativa.

Condenação, pela Comissão da Tutela da ONU em 13 de Novembro de 1961, da política colonial portuguesa.

Abandono por Portugal da sessão de 14 de Novembro de 1961, da 4ª Comissão da ONU, em protesto pela audição de dois dirigentes do Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde.

A comissão da ONU responsável pelo acompanhamento dos territórios ainda sob dominação ou tutela colonial condena explicitamente, no mês de Novembro de 1961, por oitenta e três contra três votos, o governo português pela atitude de intransigência que mantém no que diz respeito à possibilidade de negociação dos processos de autodeterminação e independência das respectivas províncias ultramarinas.

No mês de Janeiro de 1962, são mobilizadas novas unidades de pequeno escalão ou elementos para instalar novos serviços. O 1º Grupo de Companhias de Administração Militar (Lisboa), mobiliza o Destacamento de Intendência nº 223; o 1º Grupo de Companhias de Saúde (Lisboa), mobiliza elementos para a Delegação do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos e para a Chefia do Serviço de Saúde, e mobiliza o Destacamento de Inspecção de Alimentos nº 258; o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (Póvoa do Varzim) mobiliza elementos para a Chefia do Serviço de Intendência; o 2º Grupo de Companhias de Saúde (Coimbra) mobiliza o Pelotão de Auto Macas nº 15; e a Companhia Divisionária de Manutenção de Material (Entroncamento) mobiliza elementos para a Chefia do Serviço de Material e mobiliza os Destacamentos de Manutenção de Material com os nºs 243, 244, 245 e 246. Na província são reestruturados o Tribunal Militar Territorial e a Casa de Reclusão, e criados o Serviço Postal Militar nº 8 e a Delegação do Serviço de Fortificação e Obras Militares.

Guião do Centro de Instrução Militar – Bolama 
© Colecção de Carlos Coutinho

Em 17 de Janeiro de 1961 embarca com destino à Guiné a Companhia de Caçadores nº 273, mobilizada no Batalhão de Infantaria Independente nº 17, aquartelada em Angra do Heroísmo, assim como a Companhia de Caçadores nº 274, mobilizada no Batalhão de Infantaria Independente nº 18, aquartelada em Angra do Heroísmo, para reforço da guarnição normal.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Dr. Franco Nogueira, entrega ao Presidente do Conselho de Ministros, Dr. Oliveira Salazar, em 12 de Janeiro de 1962, um documento intitulado “Notas sobre a Política Externa Portuguesa”. Neste Documento, de dezoito páginas, era preconizada a entrega de Macau à China e Timor à Indonésia, enquanto à Guiné e São Tomé e Príncipe seria dada a autonomia e independência. Os territórios de Angola, Moçambique e Cabo Verde seriam mantidos como colónias essenciais.

Em 12 de Fevereiro de 1962 embarca com destino à Guiné o Batalhão de Caçadores nº 356, mobilizado no Batalhão de Caçadores nº 5, aquartelado em Lisboa, formado por Comando e Companhia de Comando e Serviços.

Em 1962, aproveitando a data do 31 de Janeiro, numa manifestação no Porto há gritos de ordem contra a guerra colonial, o que acontece pela primeira vez.

Durante o mês de Fevereiro de 1962 para seguirem para a Guiné, são mobilizados no Batalhão de Telegrafistas (Lisboa), a Delegação do Serviço de Telecomunicações Militares; no Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa (Queluz), o Pelotão de Artilharia Antiaérea nº 43; e no Regimento de Infantaria nº 2 (Abrantes) o Pelotão de Morteiros nº 41.

A Rádio Portugal Livre, emissora clandestina instalada em Argel, capital da Argélia, inicia em 12 de Março de 1962 as emissões regulares, em onda curta, que serão emitidas até ao ano de 1974.

Em 13 de Março de 1962 são presos em Bissau, pela PIDE, os dirigentes do PAIGC Rafael Barbosa e Fernando Fortes.

Carta do Comité dos Sete da ONU de 13 de Março de 1962, ao Governo português, solicitando informação sobre as condições de uma visita do Comité aos territórios sob administração portuguesa.

Em 23 de Março de 1962 o Governo português responde à carta do Comité dos Sete da ONU, recusando a visita do Comité aos territórios sob administração portuguesa.

Procurando diminuir os motivos de contestação à dominação colonial portuguesa, o governo liderado por António de Oliveira Salazar aprova o decreto-lei número 44.309 de 27 de Abril de 1962, através do qual se promulga o Código do Trabalho Rural, aplicável em Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor. Simultaneamente é revogado o Código do Trabalho Indígena, aprovado em 6 de Novembro de 1928 pelo decreto-lei número 16.119.

Repressão de manifestações de rua em Lisboa com palavras de ordem contra a guerra colonial, de que resulta um morto e várias dezenas de feridos em 1 de Maio de 1962.

Durante Junho de 1962, Amílcar Cabral apresenta, perante a Comissão da ONU para os territórios administrados por Portugal, de um relatório intitulado “O Nosso Povo, O Governo Português e a ONU”.

José Marques Ferreira - Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCaç 462 – Ingoré 1963/1965, a bordo do navio Sofala, na sua ida para a Guiné. 
© Foto do próprio, com a devida vénia.

O Regimento de Cavalaria nº 8 (Castelo Branco) mobiliza, durante o mês de Junho de 1962, o Pelotão de Reconhecimento nº 42. O Regimento de Cavalaria nº 8 (Castelo Branco) mobiliza, durante o mês de Junho de 1962, o Pelotão de Reconhecimento nº 42.

No mês de Agosto de 1962 são mobilizados e chegam à província seis pelotões de caçadores, que se destinam a reforçar unidades já instaladas no terreno, ficando dependendo, operacional e administrativamente dessas unidades: o Regimento de Infantaria nº 2 (Abrantes), mobiliza os Pelotões de Caçadores nºs 857 e 858; o Regimento de Infantaria nº 7 (Leiria), mobiliza o Pelotão de Caçadores nº 859; o Regimento de Infantaria nº 8 (Braga), mobiliza o Pelotão de Caçadores nº 860; e o Batalhão de Caçadores nº 5 (Lisboa), mobiliza os Pelotões de Caçadores nºs 870 e 871.

Fundação, em Dacar, da FLING - Frente de Libertação Nacional da Guiné, em Setembro de 1962.

Em 12 de Dezembro de 1962 é aprovada uma moção na ONU, recomendando um programa especial para educação e treino de dirigentes nacionalistas dos territórios sob administração portuguesa. No dia 13, Amílcar Cabral é apresentado na Comissão de Curadorias da ONU como representante do PAIGC.

Debate pelo governo português, em 18 de Janeiro de 1963, de um projecto de Lei Orgânica do Ultramar.

Início, em 23 de Janeiro de 1963, da luta armada na Guiné, com um ataque ao quartel de Tite pelo PAIGC. Amílcar Cabral tentou fazer-se ouvir, com propostas e apelos ao diálogo, mas é com pelas armas que a Guiné se torna na segunda frente de combate africana.

Nessa madrugada em que se deu o combate de Tite tombou o primeiro militar português, desconhecendo-se se por causa do fogo inimigo ou fogo amigo, sendo ele VERISSIMO GODINHO RAMOS, Soldado Condutor Auto Rodas nº 834/59, do Batalhão de Caçadores nº 237, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 6, no Porto, solteiro, filho de Joaquim Ramos e Ricardina Joaquim Godinho, natural da freguesia de Vale de Cavalos e concelho de Chamusca. Faleceu no dia 23 de Janeiro de 1963 durante o ataque a Tite, vitima de ferimentos em combate, Foi inumado no Cemitério de Vale de Cavalos.

Damos nota, também, dos dois últimos militares que tombaram, já no ano de 1976, sendo eles um africano e um metropolitano:

MALIQUE DJATA, Soldado Atirador nº 82018765, do recrutamento provincial, solteiro, filho de Jaime Djata e de Indangue Mané, natural de Ingoré concelho de S. Domingos, foi vítima de ferimentos em combate, na zona de Buruntuma, em 27 de Dezembro de 1967. Foi evacuado para o Hospital Militar Principal em 19 de Janeiro de 1968, onde veio a falecer, cerca de oito anos depois, em 15 de Fevereiro de 1976, tendo sido inumado no Cemitério do Lumiar, em Lisboa. Na altura que foi ferido, estava em serviço na Companhia de Caçadores nº 1588 / Batalhão de Caçadores nº 1894, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 15 em Tomar, embarcando para a Guiné em 30 de Julho de 1966 e regressando a 9 de Maio de 1968.

JOAQUIM FARIA GONÇALVES, Furriel Miliciano Atirador nº 07231271, solteiro, filho de Albino Ferreira Gonçalves e Maria de Jesus Miranda Faria, natural da freguesia de Faria concelho de Barcelos. Faleceu em 12 de Outubro de 1976, vitima de doença no Hospital Militar Principal, onde esteve internado cerca de dois anos, vindo a ser inumado no Cemitério de Faria. Fazia parte da Companhia de Comando e Serviços do Batalhão de Caçadores nº 4612/74, mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 16 em Évora, que embarcou para a Guiné em 12 de Julho de 1974 e regressou a 14 de Outubro de 1974.

José Marcelino Martins
19 de Janeiro de 2013

(Fim)
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Nota de CV:

Vd. poste da I parte de 27 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11014: Efemérides (119): 23 de Janeiro de 1963 - O fim do princípio ou o Princípio do fim - 50 anos depois (José Martins)

Guiné 63/74 - P11017: Agenda cultural (252): Apresentação do livro "Guineidade & Africanidade: Estudos, Crónicas, Ensaios e Outros Textos", dia 3 de Fevereiro de 21013, em Lisboa

C O N V I T E

Apresentação da obra de Leopoldo Amado "GUINEIDADE & AFRICANIDADE: Estudos, Crónicas, Ensaios e Outros Textos", dia 3 de Fevereiro de 2013, pelas 16 horas no Hotel Real Palácio, junto ao Marquês.


Sinopse:
Contrastando com a vistosa luta de libertação dirigida por Amílcar Cabral com o percurso sinuoso do país no período pós-independência, a Guiné-Bissau tem conhecido e registado múltiplos fenómenos que a caracterizam, cumulativamente, entre outros qualificativos depreciativos, como um país pobre, um “non State”, um país instável, um país inviável, um narco-estado, um país falhado e, amiúde, como um país demasiadamente problemático.

Ressaltam nítidas, destas contrastantes asserções, efectivamente dialécticas mas não necessariamente contraditórias, duas acepções que interpelam viva e persistentemente a Guiné-Bissau e aos guineenses, para além da própria comunidade internacional. De um lado, o passado histórico guineense e as modalidades de sua projecção na contemporaneidade histórica do país e, por outro, a resultante da forma como esta contemporaneidade histórica se articula com a emergência de uma nova entidade sociológica que é hoje a Guiné-Bissau, para o bem e para o mal, com todos os seus problemas e expectativas, certamente peculiares e diferenciados dentre as várias entidades e actores em presença, mas também com todas as suas contradições e clivagens, nomeada e inclusivamente as dinâmicas que comportam uma incidência secular, dentre as quais avultam as étnicas.

Neste sentido, “Guineidade & Africanidade: Estudos Crónicas, Ensaios e Outros Textos” é, para o autor, uma contribuição desinteressada mas direccionada, que resulta de uma compilação, em livro, de vários escritos reflexivos da sua lavra, seleccionados pelo próprio, e que visam, antes de mais, proporcionar aos guineenses e aos amigos da Guiné-Bissau, em jeito de contribuição, um exercício de cidadania susceptível de ocasionar um maior conhecimento e uma maior compreensão dos meandros históricos imbricados e complexos em que perigosamente se agigantaram e se agigantam as equações do problema na Guiné-Bissau, sem dúvida, segundo o autor, o passo sensato e o primeiro na procura de soluções minimamente duradouras.

Notas do editor:
O nosso tertuliano Dr. Leopoldo Amado sentir-se-ia honrado com a presença da tertúlia da grande Lisboa neste evento cultural.

Ver notícia no facebook em: https://www.facebook.com/events/130568393776409/
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10998: Agenda cultural (251): Últimos dias da exposição no Padrão dos Descobrimentos, Álbum de Memórias: Índia Portuguesa 1954.1962: A não perder!!! Encerra a 27, domingo... Já foi visitada por mais de 46 mil pessoas (EGEAC)

Guiné 63/74 - P11016: Notas de leitura (453): "A Mulher Portuguesa na Guerra", coordenação do Cor Alberto Reis Soares e "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,

Creio que a generalidade dos textos incorporados no livro “A mulher portuguesa na guerra” terão sido publicados na revista da Liga dos Combatentes.

Os depoimentos das enfermeiras paraquedistas são muito interessantes, Maria Zulmira André conta como foi buscar um ferido e um oficial paraquedista, responsável pela missão, a informar que não podia de modo algum deixá-lo morrer. Soube mais tarde que se tratava do capitão Peralta, oficial cubano.

“A Pátria ou a Vida”, de Gertrudes da Silva, é um livro emocionante, porque justo, varonil no recorte das figuras que vão dar respiração a tudo quanto se segue, todos convergem para o RI 15, dali abalam para a Guiné.

É reconfortante encontrar tão bons nacos de prosa de que ninguém fala, até apetece tocar o sino e perguntar aos editores porque ignoram documentos de altíssima qualidade.

Um abraço do
Mário


"A mulher portuguesa na guerra"; "A Pátria ou a Vida"

Beja Santos

“A mulher portuguesa na guerra e nas Forças Armadas”, coordenação do coronel Alberto Reis Soares e edição da Liga dos Combatentes, 2008, reúne textos de mulheres que viveram a guerra, acompanhado familiares ou como enfermeiras paraquedistas, as primeiras profissionais na frente de combate. No que toca à Guiné, este livro acolhe textos de um ex-combatente da CCAÇ 1418, José Jesus Cristóvão, e textos das enfermeiras paraquedistas Ivone Reis, Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos e Maria Zulmira André.

Escreve José Jesus Cristóvão: “Partindo de Nova Lamego, íamos fazer uma operação a Madina do Boé. Deslocaram-se duas companhias, em viatura até ao Cheche, localidade junto do rio Corubal. A companhia que seguia à frente pisou uma mina e o militar que ia ao lado do condutor apanhou com a explosão em todo o seu lado direito. Já era noite, não foi possível a evacuação por helicóptero, tivemos que recolher num abrigo subterrâneo até ser dia para poder ser evacuado. Muito cedo, logo que foi possível ao heli, ele lá estava para evacuar o nosso camarada. O heli a poisar e já a maca corria (era levada) por dois camaradas nossos. Do heli salta uma enfermeira paraquedista agarrada à mala dos primeiros-socorros. Quando chegou junto do nosso camarada ferido, com a sua ternura feminina dá-lhe um beijo, ou mais do que um, acaricia-o, conforta-o e acompanha-o para dentro do heli… lá fomos atravessando o rio Corubal na precária jangada, em direção a Madina do Boé, tive este pensamento: que tamanha força pode fazer uma mulher na guerra! Ela não deu um beijo só ao meu camarada ferido… também deu um beijo a cada um de nós, que avançávamos!”.

A enfermeira Arminda tem um longo depoimento, intitulado “A minha vivência na Guiné”. Deixa-se o registo de algumas das suas memórias: “Eu tinha sido destacada para uma base de operações em alerta para evacuação urgente de feridos, desenrolava-se na zona de Cantanhêz uma grande operação militar. Numa evacuação o ferido mais grave era um turra, como se chamava na época. Vendo que o sol incidia sobre a sua cabeça, apressei-me a colocar-lhe a minha boina para o proteger, mas os outros feridos africanos indignaram-se porque era bandido. Porém, para nós, enfermeiras paraquedistas, era apenas mais um ferido a necessitar de todo o meu saber e empenhamento”. Descreve outra situação: “O avião foi puxado para junto dos bidões de areia e do arame farpado que protegia a área do quartel, onde o piloto e eu nos refugiámos. Os soldados à nossa volta deitados no chão com armas prontas a fazer fogo, montaram uma frente de proteção. O quartel foi posto às escuras e continuámos à espera dos feridos que nunca mais chegavam. Senti medo, pedi aos soldados que nos defendessem, porque, apesar de ter tido instrução de fogo, a nossa principal arma era a bolsa de primeiros-socorros. Fomos informados que um jipe com feridos estava a chegar. E agora que fazer, com feridos mas sem ordens para voar de noite? O ferido mais grave era um soldado com uma mão esfacelada e em estado de choque. Percebi de imediato que aquele jovem ia morrer se ali ficasse mais tempo, quanto mais se tivéssemos que esperar pelo amanhecer. O piloto e eu falámos sobre o assunto, ambos assumimos que íamos sair dali. Depois colocado a maca do ferido grave, os outros quatro feridos ligeiros foram distribuídos da melhor forma para me permitir um pequeno espaço de manobra. Com auxílio de uma lanterna de bolso, canalizei uma veia e pus o sangue a correr. O piloto deu instruções ao capitão para que o quartel se mantivesse às escuras, as autometralhadoras de proteção foram colocadas na pista no sentido da descolagem para que se acendessem e iluminassem quando o avião começasse a rolar. Dada a máxima força ao motor, o piloto iniciou a saída a acendeu-se um farol que existia no quartel (…) O piloto fez sair o avião numa linha de subida contínua e quando o ruído do motor mudou de som endireitou-o, evitando a copa das altas árvores. No ar, a caminho da nossa base, o fogo inimigo ainda tentou alcançar-nos, tarde de mais. Felizmente o ferido manteve-se vivo e o sangue posto a correr ia estabilizando a sua situação. Tanto o piloto como eu pensávamos que íamos ser castigados, mas tudo acabou em bem. Quanto ao ferido, ajudámos a salvar-lhe a vida”.


“A Pátria ou a Vida”, por Gertrudes da Silva, Palimage Editores, 2005, é uma grande, muito grande surpresa. É dedicada à CCAÇ 2785, que combateu na Guiné entre Setembro de 1970 e Setembro de 1972. É uma escrita escorreita, plausível, apresenta um grupo ilustrativo de atores, dá-lhes dimensão, o leitor navega facilmente pelo seu mundo.

Primeiro, João Benvinda, o mais velho de um ranchinho de 6 irmãos, já foi pastor de cabras e ovelhas, guardador de vacas e bezerros, cavador, mondador e mateiro: “E assim que os irmãos foram chegando à frente, fez-se jornaleiro de enxada, seitoira ou de gadanha nas mãos”. Foi de assalto para França, não resistiu ao chamamento da família, tinha de cumprir os seus deveres com a Pátria. O seu nome é mesmo João da Silva Rodrigues, depois deram-lhe um número mecanográfico. Apresentou-se na incorporação para a recruta no quartel de Viseu. Os seus melhores tempos eram os que passava no pinhal, a correr, a saltar e a rastejar. Seguiu para a cidade do Nabão. O cabo miliciano da sua secção é um gajo implicativo, o aspirante parece ser mais humano e o capitão também não parece ser mau sujeito. Gosta muito da Amélia, meteram-se em cavalarias altas, a rapariga está grávida, o melhor é acelerar as coisas para que ela não passasse pelas normais vergonhas destas irregulares situações.

Segundo, o 1º sargento Cebola, na sua criação passou por tudo, desde pastor a lavrador. Amparado por um tio que era irmão da mãe e guarda-republicano em Bragança, lá conseguiu tirar a 4ª classe nas escolas regimentais e depois a escola de cabos. Pensa com os seus botões que não vai propriamente em funções de combatente. Olha à sua volta e vê os cabos milicianos que são miúdos ainda mal acabados, os aspirantes até sabem-se dar ao respeito e o nosso capitão é outra coisa, mas envolve-se demasiado em tudo.

Terceiro, temos o gingão José Carlos Ribeiro Antunes, felizmente teve um pai com pulso, senão nem o 5º ano teria concluído, transpôs a porta de armas do RI 5, que era o centro de formação de sargentos milicianos, agora está na unidade mobilizadora que é o RI 15. Ofereceu-se para os Comandos e para os Rangers, em ambos os casos foi rejeitado por causa daquela maldita cicatriz que lhe apanhava toda a largura da coxa direita, sinal da parvoíce da queda numa brincadeira tola com uma motorizada.

Quarto, o aspirante Costa, nado e crescido até aos primeiros três anos em Ferreira do Alentejo, vila onde o seu pai teria sido colocado no final do curso de alistados da GNR. Recebeu rigorosa educação que lá em casa se distribuía com muita sopa e batatas cozidas, e pouco pão e menos carne. Andou pelo seminário, descobriu depois que gostava doidamente da Maria do Rosário, chegaram mesmo a um quase vias de facto. Foi depois para Coimbra cursar Direito, viu-se embrulhado no turbilhão da crise de 1969, após sumariamente interrogado e fichado pela PIDE/DGS, foi convocado para o curso de oficiais milicianos. À socapa, aderiu ao PCP. Adaptou-se a Mafra, juntou-se à insubordinação coletiva em reação à morte de dois camaradas num acidente com engenhos explosivos, na praia da Foz do Lizandro.

Dá gosto ler esta prosa sem arrebiques nem embaraços, a prova provada que a ficção não pode ser a realidade voltada do avesso. Segue-se a apresentação do nosso capitão.

(Continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11001: Notas de leitura (452): Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11015: Blogpoesia (320): Por mor da nossa saúde (Luís Graça)

[Foto à esquerda: crâneo de rioneceronte (ou hipopótamo ?), possivelmente trazido   por algum africanista das penumbras do passado.... Quinta de Candoz, 29 de dezembro de 2012. Foto de L.G.]


Por mor da nossa saúde 
Luís Graça

Por mor da saúde de todos nós.
Por mor da boa governação da coisa pública.
Por mor da abastança.
Por mor do nosso futuro.
Por mor da nossa memória futura.
Por mor de D. Quixote e seu criado Sancho Pança.
Por mor de Guerra Junqueiro
que escreveu o "Fim da Pátria".
Por mor dos vindouros e dos perdedores.
Por mor dos historiadores
que escreverão a história
em nome dos vencedores.
Por mor dos que vierem depois
de eu fechar a porta.
Por mor dos guardiões da Torre do Tombo.
Por mor de quem de direito.
Por mor dos pagantes e dos não-pagantes.
Por mor dos atores e dos espetadores.
Por mor dos marginais-secantes.

E dos rinocerontes africanos extintos.
Por mor do mercado 

e da bolsa de Lisboa
e da casa forte do Banco de Portugal.
Por mor do meu querido Portugal S.A.
que não quer dizer Portugal Sociedade Anal.
Por mor dos loucos e dos menos loucos.
Por mor dos poetas
que têm um pouco de loucos, de médicos e de gestores.
E dos gestores
que têm um pouco de loucos, de poetas e de médicos.
Mas também dos médicos
que têm um pouco de loucos,
de poetas e de gestores.
Por mor dos economistas, 
que são piores que os loucos, são treslouscos,
e que gostariam de governar o mundo
Este mundo, não o outro.
Sem esquecer os políticos
que gostariam de mandar nos economistas,
nos gestores, nos médicos e nos doentes.
Por mor daqueles dos políticos
que falam em nome do povo.
E daqueles que gostariam de mandar no povo.
Por mor do povo de esquerda, de centro e de direita.
(Abaixo a unicidade nacional!).
Por mor dos da lista de espera
que desesperam de esperar.
Por mor dos que vão morrer esta noite
nos Hospitais SA
e nos Hospitais SPA
e amanhã nos Hospitais EPE.
Por mor do Hospital Real de Todos os Santos,
a primeira parceria público-privada.
Por mor dos que foram hoje
ao serviço de atendimento permanente
do meu centro de saúde
e que deram com a porta na cara.
Por mor dos cirurgiões que afiam a faca
à espera dos da lista de espera.
Por mor dos doentes agudos.
E dos doentes crónicos.
E dos hipocondríacos.
E dos doentes da saúde.
E dos utentes da indústria da doença.
Por mor da saúde doente e das doenças saudáveis.
Por mor dos doentes terminais.
Por mor da saúde empresarializada.

Liofilizada.
Museologisada.
Por mor de todas as vítimas por todas as causas, 

dos terramotos, 
dos tsunamis,
da fome, 

da peste 
da guerra
e do bispo da nossa terra
(de que Deus nos livre!).
Por mor dos simples, 
dos utentes, 
dos pacientes, 
dos clientes,
dos beneficiários, 
dos misericordiosos,
dos velhos presos por arames,
e das crianças.
Sobretudo das crianças, meu Deus!
E todos os de mais.

Por mor das bem aventuranças.
Por mor das catorze obras de misericórida,
sete espirituais 
e sete corporais.
Por mor dos meus (con)cidadãos, 

os remediados e os ricos.
Por mor dos pobres, 
dos tristes,
dos descrentes, 
dos desempregados,dos cativos,
dos insepultos,
dos sós, 
dos deprimidos,
dos esquecidos
e dos desconsolados,
dos mais pobres dos pobres,
os da minha rua, 

os do meu bairro, 
os da minha cidade, 
os do meu país.
Sem esquecer os apátridas
e os que perderam a identidade.

E a dignidade.
Por mor dos meus camaradas 
que ficaram nas bolanhas da Guiné.
Por mor daqueles de quem um dia se disse
que eram os bem-aventurados
porque deles seriam o reino dos céus, amén.
Por mor do meu fornecedor da revista Cais
no semáforo da esquina 

da rua da alegria com a avenida da liberdade.
Por mor da minha ex-médica de família
que contava os dias
que lhe faltavam para a reforma.
Por mor do médico do gabinete ao lado
que se enganou na profissão que queria ter
e que está a atender os senhores da propaganda médica.
Por mor do boticário do meu bairro.
Por mor do meu barbeiro-sangrador.
Por mor de mim e de ti, meu amor.
Por mor do meu psicanalista, 
da minha psicoterapeuta,
do meu confessor 
e do meu curandeiro.
Por mor do meu hermeneuta.
Por mor do meu médico do trabalho
e do meu técnico de higiene e segurança do trabalho.
Por mor do ergonomista que está a desenhar
o meu sistema técnico e organizacional de trabalho.
Por mor dos habitantes da minha casa inteligente do futuro.
Por mor da minha cartomante preferida.
Por mor de ti, feiticeira.
Por mor dos mais distraídos.
Dos votantes.
Das debutantes.
Dos amantes.
Por mor do meu patrão
para que Deus lhe conserve a saúde e a riqueza.
E lhe aumente o empreendedorismo
e a capacidade de inovação e de exportação.

E que lhe baixe o colesterol que está alto.
Por mor dos meus dinossauros de estimação.
Por mor dos médicos da noite.
Dos médicos na noite.
Da noite de todos os pesadelos.
Por mor dos mercadores de sonho
que trazem com eles a peste onírica e bubónica.
Por mor do meu rico seguro contra todos os riscos.
Por mor do Estado,
que se quer menos Estado e melhor Estado. 

Ou até mínimo, de preferência.
(Quem disse abaixo o Estado, que levante o braço!).
Por mor dos que sofrem de insónias.
Por mor dos contínuos, porteiros e seguranças 

do Estado da flatulência.
Mais os cobradores de impostos.
E os pagadores de promessas.
E os guarda-costas dos figurões.
Por mor do Estadão.

Por mor do estado a que isto chegou.
Por mor da nossa jovem e frágil democracia.
Por mor dos gestores e administradores dos serviços de saúde.
Por mor dos que passam as noites e os dias a pensar
na reforma do serviço nacional de saúde.
Por mor dos reformadores de sistemas.
De todos os reformadores.
E das vítimas das reformas.
Dos reformados e aposentados.
Dos humilhados e ofendidos.
Das viúvas e dos órfãos.
Por mor da nossa frágil saúde.
E dos vírus que hão-de vir.
E do mal gálico.
E do mal italiano.
E do mal espanhol.
E do mal americano.
E do mal chinês.
E do mal português.
E do Ribeiro Sanches
que curava os males de amor
aos príncipes da Rússia.
Por mor do amor em carne viva.
Por mor da Rússia Imperial.
Por mor das doenças (re)emergentes
que nos querem matar.
Por mor das galinhas
e da gripe dos comedores de galinhas.
Por mor do vírus da gripe das aves do céu.
Por mor dos codificadores
de grupos de diagnósticos homogéneos de doença.
Por mor dos marcadores biológicos do Homo Sapiens Sapiens.
E sobretudo dos grandes arquitectos do genoma humano.
Por mor do meu antepassado troglodita
que era recolector-caçador
e que quando almoçava nunca sabia
onde (e o que) iria jantar.
Por mor do meu professor de economia
que me lembra que não há almoços grátis.
Nem entradas grátis
no céu, no purgatório ou no inferno.

Nem no palácio de Belém.
Cá se fazem, cá se pagam.
Por mor dos atuais e futuros ministros da saúde.
Por mor dos ministros do futuro.
Por mor da utopia do futuro sem ministros.
E até dos ministros sem futuro.
Por mor dos servidores do povo,
para que nunca esqueçam que ministro
vem do latim minus, pequeno,

e quer dizer servidor.
Para que os deuses iluminem os nossos governantes
e os pescadores que andam perdidos no mar alto.
E os pecadores dos sete pecados mortais.
Por mor dos nossos governantes e dos seus governados.
Para que o canto e o voo dos pássaros lhes sejam favoráveis.
E as vísceras lhes tragam bons augúrios.

Por mor do Zé Portuga.
Do Zé Manel.
Do Zé, simplesmente. 

E do Pedro. 
E do António.
E para que, eu, Blogador, me confesse
e nunca perca de vista
o essencial.
Por mor da minha terra, Portugal.

Por minha pátria, a minha utopia.
Por mor do meu planeta azul.
Por mor de todos nós, os do campo e os da cidade
Por mor..., 
como se diz em terras de Entre Douro e Minho.
Por mor de nós, que te amamos, 

ó meu Portugalzinho,
e dos que hão-de vir atrás de nós. 
Por mor do meu ponto de cambança
para a eternidade.
Por mor da parca herança 
que lhes deixamos.

Luis Graça (2005). Revisto em 27/1/2013


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Nota do editor

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