1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2014:
Queridos amigos,
Prossegue a viagem pelo Norte de Espanha.
Tive o palpite que Logroño traria surpresas. E trouxe mesmo. Não está nas principais rotas turísticas, não compete com Granada, Sevilha, Ávila ou Toledo. Tem uma harmonia soberba entre a urbanização moderna e o casco histórico. O povo é simpático, os estrangeiros deambulam aos magotes, são os peregrinos de Santiago, vêm fazer os trilhos do caminho francês. A arquitetura religiosa é valiosíssima, há para aqui a imagem de um tímpano medieval que nos deixa assarapantados. E que deliciosos são os vinhos de Rioja!
Um abraço do
Mário
Biblioteca em férias (12)
Em Logroño, e já a pensar nas catedrais de Burgos e León
Beja Santos
A viagem de Bilbau até Logroño faz-se lindamente de comboio, primeiro são os maciços pétreos, não sei se espinhaços ou se cordilheiras, são rochedos que às vezes intimidam o passageiro, parece que vão rolar lá das alturas. E quando toda esta pedra desaparece, o comboio anda na berma do Ebro, são campos extensos, nunca vi tanto milho, até que os vinhedos tomam conta da paisagem, abeiramo-nos da comunidade autónoma de La Rioja. Sai-se numa estação de caminho-de-ferro moderna e logo se entra em quilómetros de habitação, só mais tarde me apercebi do facto que a cidade de aproximadamente 160 mil habitantes mais que duplicou dos anos 1970 para cá. Arrumados os pertences, percorrem-se avenidas largas e sempre perguntando onde é o casco histórico, é esta a razão da visita, ver os peregrinos de Santiago de Compostela, procurar duas ruas afamadas em todo o mundo onde se comem tapas e se bebe o supremo néctar da região. O calor é sufocante, a temperatura inusual, a rondar os 30 graus. Começa-se a ver referências ao General Espartero, vê-se mesmo que é um ícone da terra. À noite fui retirar referências deste Baldomero Espartero, Príncipe de Vergara, Duque da Vitória, Duque de Morella, Conde de Luchana e Visconde de Banderas, Regente do Reino durante a menor idade de Isabel II, fixou a sua residência em Logroño e aqui morreu em 1879. Ainda não sei que no dia seguinte lhe vou visitar a casa onde terei uma das maiores surpresas desta viagem, o museu de La Rioja é surpreendente, depois direi porquê.
Chegámos ao casco histórico e estamos na concatedral de Santa Maria de La Redonda, tem duas imponentes torres gémeas do século XVII, o interior é faustoso, e por detrás do altar podemos ver uma crucificação atribuída a Miguel Ângelo.
Entardece, já estou ambientado aos horários espanhóis, o estômago pode muito bem esperar pela hora da ceia, depois logo se vê o que há de tapas e de néctares de La Rioja. E vai-se deambulando até à igreja de São Bartolomeu, iniciada no século XII. O tímpano da fachada principal é esmagador, mais a mais esta construção tem uma excelente torre em estilo mudéjar. Meu Deus, que beleza de tímpano, vejam lá se eu não tenho razão, se este estilo protogótico não conclama o sopro do divino:
E agora a última visitação, antes de ir aos comes e bebes. Chama-se Igreja Imperial de Santa Maria de Palacio, construída entre os séculos XII e XIII, estava em obras, encerrada, fica aqui a imagem da torre sineira, mais imponência não se pode ter:
É no casco histórico de Logroño à noite que se percebe a intensidade da sua restauração noturna. Há duas ruas que constam dos roteiros dos viajantes de todo o mundo: a San Juan e a Laurel. O movimento é febril, as bodegas iluminadas e ruidosas prometendo tapas e pinchos a preço módico, tal como o preço do Rioja a copo. É uma tentação não andar a petiscar tortilha, croquetes, coisas do fumeiro, daquelas lojas emanam odores convidativos, as ardósias que nos convocam com iguarias e preços de ucharia são fartas. E por ali se anda, é uma deambulação de feira, nada de tão belo e inesperado no senso gastronómico se suspeitava. E aqui fica a recordação de uma dessas ruas icónicas, para que conste dos possíveis roteiros de quem amavelmente acompanha esta viagem:
Agora vou à deita, o tempo finalmente esfriou, nem ligo o televisor, vai por aqui uma histeria descomunal com as manifestações da Catalunha, vi em Bilbau muitas bandeiras da Escócia, felizmente que no nosso terrunho só somos surpreendidos episodicamente pelas diatribes do Alberto João Jardim, quando quer desviar as atenções. Começo o dia pelo museu de Rioja, depois as muralhas e as pontes, a seguir comida de Rioja e regresso à estação ferroviária, a meio da tarde sigo para Burgos.
É um pequeno museu, mas com uma organização primorosa. Aproveita a estrutura do Palácio de Espartero, aqui viveu o tal ícone com a sua mulher Jacinta Martínez Sicilia, depois de se ter retirado definitivamente da política em 1856. O museu foi ampliado em 2003, tem salas dedicadas à Pré-História, ao período da romanização de Rioja, chega à pintura dos séculos XIX e começo do século XX. Impressionou-me a museografia, sugestiva, didática, apelativa, devorei tudo do princípio ao fim. Fixei-me numa pintura antiga, num quadro de São Francisco e o irmão Leão, saído da oficina de El Greco e acima de tudo, à má fila, captei um São João Baptista do século XIII, que me encheu as medidas:
Volto às ruas de Logroño, captei mais imagens, uma delas ficou muito boa, a da fachada do museu. Passeei-me de novo junto da igreja de São Bartolomeu, desta vez consegui apanhar a torre mudéjar, num românico sóbrio, do mais bonito que vi. Segui para a rua Vieja, a zona dos peregrinos, passei pelo Centro de Cultura da Rioja, uma intervenção moderníssima num edifício que me pareceu às moscas, passei a ponte de ferro sobre o Ebro, do lado de lá desfruta-se uma bela panorâmica de Logroño. O tempo passa, o estômago está a dar horas, Logroño convenceu-me, small is beautiful, recupero os meus pertences, sigo para a estação, vejo mais peregrinos estrangeiros que demandam Santigo, agora vou a ler o que me espera em Burgos e Léon. Depois conto, está prometido. E aqui seguem as últimas imagens de Logroño, seguramente que convenceram os últimos vacilantes de que Logroño é um refrigério para a alma e para os olhos:
Agora é que me despeço mesmo, ficaria mal comigo se não vos mostrasse a fachada de uma casa senhorial na rua Vieja, temos a mania que só cá é que deixamos arquitetura esplendorosa em ruínas, pois este palácio aguarda melhores dias, resignado. Oxalá que na próxima visita a Logroño ele já esteja reabilitado, nem que seja um hotel de charme… Até à próxima!
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de Outubro de 2014 >
Guiné 63/74 - P13708: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (11): Viagens pelo Norte de Espanha: Bilbau é muito Bilbau, e ainda bem. E sigo para Logroño