Foto: © Rui Vieira Coelho (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]
1. Resposta, a um comentário de LG. (*), enviada pelo Rui Vieira Coelho, médico reformado, ex-alf mil médico BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74) [, foto acima, em 1973, no mítico Rio Corubal, no Saltinho]
Data: 16 de Outubro de 2014 às 01:30
Assunto: Desidratação
Na Guiné pedia aos operacionais para não se esquecerem de tomar um anti-palúdico do Laboratório Militar, de nome Pirimetamina, ás quintas e domingo,para evitar as crises palúdicas, que por vezes tomavam características graves como o Paludismo Cerebral.
Por vezes sentia-me a pregar aos peixes como Santo António, pois o pessoal achava que se tomassem os comprimidos teriam alterações negativas no seu desempenho sexual.
Enfim, boatos que corriam em surdina entre os operacionais e que prejudicavam o desempenho da operacionalidade dos grupos de combate, das companhias e dos Batalhões .
A Maria Turra na emissão da Rádio do PAIGC utilizava por vezes o prejuízo que acarretava a toma de determinados medicamentos pelos nossos militares, explorando psicologicamente o temor fazendo com que os boatos se tornassem realidade tentando agravar a saúde psicológica e física das nossas forças. A contra-informação era uma realidade e uma arma poderosa da guerrilha também a ser explorada.
A pressão sobre os profissionais de saúde era grande e por vezes a desconfiança era a má conselheira, fazendo no meu caso pessoal com que tomasse os comprimidos na frente do pessoal na altura das refeições, para anular os boatos que pudessem persistir.
Nas crises palúdicas o tratamento era feito com Resochina em soro polielectrolítico e aplicação endovenosa e dava sempre uma incapacidade de alguns dias, sobrecarregando os colegas e diminuindo a capacidade operacional do grupo de combate a que pertenciam ou levando á substituição por outro pessoal o que moral e eticamente era reprovável no caso de serem feridos em combate.
O meu Gin Tónico pela manhã tinha o efeito de, além de me sedentar, desentupir a gorja e também como medicamento visto a água tónica ter Quinino, outro anti-palúdico.
Pela noite depois do jantar lá vinha o wisky com água Perrier, para acompanhar um bom bate papo no alpendre da messe de oficiais fazendo correr o tempo até chegar o grupo de combate que diariamente saía para patrulhamento. Só depois de ter a certeza que todos tinham chegado bem, é que eu me recolhia para dormir depressa, pois acordava sempre pelas 6 horas da manhã, seco como as palhas á espera de um novo Gin para me restaurar a esperança de que esse dia seria muito melhor que o anterior.
Um abraço do Rui Vieira Coelho
Enviado do meu iPad
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Nota do editor:
Último poste da série > 15 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13741: Os nossos médicos (79) Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (11): A água, a água da bolanha de Galomaro, a água de Lisboa, as pastilhas de sal, a cerveja, o uísque, o gin tónico, as bajudas... e os operacionais que nos guardavam as costas
Comentário de Luís Graça:
Meu caro Rui:
(...) Quanto às tuas preocupações de médico com o risco de desidratação do pessoal em operações no mato... Em Bambadinca nas messes de oficiais e sargentos, a distribuição dos pacotinhos de sal e da pastilha de quinino estava assegurada pelo pessoal de serviço que punha a mesa ... Mas as praças, será que não se esqueciam frequentemente de tomar as "pastilhas" ? Os nossos soldados tinham mesmo que se desenrascar...
Já não me recordo com que frequência se tomava o medicamento para a prolilaxia do paludismo... Já não me recordo do nome... Já quanto ao "comer sal" todos os dias ao almoço, tornou-se um hábito saudável... Hoje é um das coisas que evito, o sal, o acúcar e a gordura...
Em todo o caso, a nossa alimentação era desiquilibrada... À boa maneira portuguesa, procurávamos fazer uma boa refeição ao almoço... E o resto era petisqueira, para quem podia... O pior era quando andavámos no mato: aí rapava-se fome, mas a tensão era grande, e a preocupação com o regressar são e salvo ao quartel amigo mais próximo inibia-nos de sentir fome... Um homem pode passar vários dias sem comer, mas não sem beber... Gerir 2 cantis de água para um operação de 2 dias era dramático... Por isso fazíamos a guerra de noite e de madrugada...
A desidratação e a perda de peso eram dois grandes problemas com se defrontavam os operacionais como eu... Cheguei a perder 4 a 5 kg. numa só operação... Por sistema, não levava ração de combate, mas apenas fruta e às vezes um frasquinho de uísque...
Gosto de gin tónico mas na Guiné preferia a água (filtrada) com uísque ou o uisque com água de Perrier. Pequenos luxos que nos ajudaram a sobreviver. Mais difícil era o "desmame", depois de passarmos à peluda... Hoje não bebo (ou só raramente bebo) um uísque. Na Guiné tinha outro sabor, outro encanto (...)
(...) Quanto às tuas preocupações de médico com o risco de desidratação do pessoal em operações no mato... Em Bambadinca nas messes de oficiais e sargentos, a distribuição dos pacotinhos de sal e da pastilha de quinino estava assegurada pelo pessoal de serviço que punha a mesa ... Mas as praças, será que não se esqueciam frequentemente de tomar as "pastilhas" ? Os nossos soldados tinham mesmo que se desenrascar...
Já não me recordo com que frequência se tomava o medicamento para a prolilaxia do paludismo... Já não me recordo do nome... Já quanto ao "comer sal" todos os dias ao almoço, tornou-se um hábito saudável... Hoje é um das coisas que evito, o sal, o acúcar e a gordura...
Em todo o caso, a nossa alimentação era desiquilibrada... À boa maneira portuguesa, procurávamos fazer uma boa refeição ao almoço... E o resto era petisqueira, para quem podia... O pior era quando andavámos no mato: aí rapava-se fome, mas a tensão era grande, e a preocupação com o regressar são e salvo ao quartel amigo mais próximo inibia-nos de sentir fome... Um homem pode passar vários dias sem comer, mas não sem beber... Gerir 2 cantis de água para um operação de 2 dias era dramático... Por isso fazíamos a guerra de noite e de madrugada...
A desidratação e a perda de peso eram dois grandes problemas com se defrontavam os operacionais como eu... Cheguei a perder 4 a 5 kg. numa só operação... Por sistema, não levava ração de combate, mas apenas fruta e às vezes um frasquinho de uísque...
Gosto de gin tónico mas na Guiné preferia a água (filtrada) com uísque ou o uisque com água de Perrier. Pequenos luxos que nos ajudaram a sobreviver. Mais difícil era o "desmame", depois de passarmos à peluda... Hoje não bebo (ou só raramente bebo) um uísque. Na Guiné tinha outro sabor, outro encanto (...)
7 comentários:
E, já agora, parabéns ao velhinho LM, que, em 27 de fevereiro de 2014, celebrou o seu 96º aniversário!...
Conhecido pelas suas "pastilhas & mesinhas", marca LM, no TO da Guiné, o Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF) remonta historicamente à I Guerra Mundial e ao envio de um contingente português para a Flandres...
Foi o embrião da nossa indústria farmacêutica!...
Obrigado ao LM pela Pirimetamina (que eu tomava reliosamente duas vezes por semanam, recorda-me agora o nosso doutor Rui Vieira Coelho) e outros produtos farmacêuticos que usei na Guiné, incluindo a pomadinha antivenérea...
http://www.exercito.pt/sites/LMPQF/Noticias/Paginas/96%C2%BAANIVERSARIODOLABORATORIOMILITAR.aspx
O LM é um dos quatro dinossauros que "sobreviveram" à guerra colonial... Leia-se este pequeno artigo do JN... LG
_____________
Uma herança deixada pela guerra colonial
JN – Jornal de Notícas
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1598650
C. V.
| 21.06.2010 - 00:30
A Manutenção Militar, as Oficinas Gerais de Fardamento do Exército, as Oficinas Gerais de Material de Engenharia e o Laboratório Militar constituem infra-estruturas que ganharam maior primazia com a Guerra Colonial e a necessidade de o país manter e sustentar forças em três teatros de operações - Angola, Guiné e Moçambique.
(…) A MM acabou por ser a entidade que ganhou maior protagonismo público, uma vez que era a responsável pelo fornecimento de géneros aos 200 mil homens que combatiam em África. Era responsável pela aquisição de alimentos e combustíveis que tinham como destinatário final o combatente, enquanto às OGFE cabia a produção das fardas e equipamentos de combate.
Com o fim da guerra, em 1975, as Forças Armadas começaram a adaptar-se aos novos tempos, com a redução de recursos humanos, mas também com o crescente envolvimento de privados na área do fornecimento e apoio aos três ramos militares, retirando missão e espaço de manobra às quatro empresas, que nunca beneficiaram de qualquer alteração substancial que lhes permitisse fazer face à nova realidade do país.
O Exército, por exemplo, passou de 200 mil homens para os actuais 25 mil, mas a MM reduziu a metade o número de funcionários - de dois mil para mil. A descida correspondeu a menor volume de trabalho.
A MM só produz pão e exclusivamente para algumas unidades de Lisboa e Porto, enquanto os supermercados destinados aos militares e famílias que ia mantendo nas unidades foram gradualmente fechando, até pela concorrência suscitada pelas grandes superfícies privadas.
O próprio Laboratório Militar tem a sua produção resumida à metadona, se bem que durante a fase da gripe A tenha tido algum papel. Quanto às OGME, há a possibilidade de virem a ser transferidas para Alcochete, para o Serviço de Material.
(...)
Tive paludismo duas vezes e na primeira estive mesmo mal e quase fui evacuado.
A verdade é que deixado ao nosso livre arbítrio sobre o tomar ou não tomar, a maioria não tomava.
Para mais sendo eu bem como os condutores da CCS, mandados para todo o lado em diligência ou mesmo em colunas que demoravam mais que um dia, era fácil que aos dias da toma não estivéssemos no quartel e assim passávamos em branco. Por ignorância e ingenuidade talvez, não era assunto que nos preocupasse e por isso, não tínhamos o cuidado de fazer a nossa toma logo que oportuno.
Tudo mudou a partir de um surto de paludismo em Galomaro, quando o médico mais enfermeiros, passaram a estar ás entradas do refeitório a obrigar-nos a tomar o milagroso comprimido e fazendo prova que o tínhamos engolido.
Essa prática iniciada ainda pelo dr Pereira Coelho, foi depois seguida no "consulado" do dr Vieira Coelho com bons resultados não há duvida.
Dr um abraço e mande mais pois é sempre um prazer ler o que nos conta, pois na maioria das vezes refrescamos a memória
É curioso, que só me lembrava de uma toma por semana (quinta-feira) da referida Pirimetamina e devo confessar que foi ao único medicamento que não me furtei. Aprendi esse hábito de mandar embalagens inteiras para serem distribuídas no refeitório durante o treino operacional em Bigene e mantive-o sempre até ao fim da comissão. Felizmente nunca tive o paludismo nem estive doente de coisa nenhuma durante a comissão, costumava dizer a título de brincadeira que o cheiro dos medicamentos na enfermaria imunizava os enfermeiros.
Quanto ao fazer mal à tusa, só agora é que começo a sentir os efeitos da cânfora no vinho e da pirimetamina duas vezes por semana.
Abraços amigos para todos, adeus, até ao meu regresso.
Adriano Moreira
Fui vítima do paludismo. Passei mal quer na Guiné quer no Porto. Cumpri sempre as prescrições médicas. Possuo, intactas, diversas embalagens de comprimidos.
Postei-as, no Facebook, em GALOMARO, DESTINO E PASSAGEM.
Passados estes anos é agradável ler e ver o que o Dr. Rui Vieira Coelho nos retrata de forma tão realista.
Gostei de reviver locais, de Galomaro, que conheci e pisei em 1970/72.
Conheci somente o Prof. Dr. Pereira Coelho, médico do BCaç.3872.
Meu caro Doutor.
Eu, enfermeiro me confesso. Lembro-me lá da prevenção. Sim, à rapaziada eu mandava dar, mas o rapaz eu nunca tomou. Se tive paludismos? Sim, tive. Manada de vezes. Por razões profissionais tenho muita África percorrida ao longo da vida. Não, nunca fiz prevenção. Porquê? Porque entendia eu, a prevenção servia para mascarar a doença. Já agora, essa do enfermeiro só o fui no tempo de tropa, sem que nada justificasse que o fosse. Coisas que estão por mim, contadas nestas páginas. O que me deixou boquiaberto foi essa da Resochina endovenosa. Em 69/71, lá por por Bula e Bissorã, foi coisa que nunca passou pela minha enfermaria. Tê-la teria sido bem melhor para o fígado dos que a tiveram que tomar, no célebre formado 4.3.3.
Aceite um abraço.
armando pires
Mesinhas,pomadas,comprimidos LM,manga deles.
A maioria da "rapaziada" pensava que os comprimidos LM eram todos iguais.
Qualquer doença real ou inventada o "enfermero" dava um comprimido LM.
Para mim a "maria turra" tinha razão,eu tomava religiosamente a pirimetamina, e não é que não tinha "tusa" nenhuma...bem adiante.. e quanto a "ataques" de paludismo tive vários...quem me mandava a mim logo pela manhanzinha andar a dar de comer às mosquitas.
Actualmente a quase todos os antipalúdicos o f.p. do plasmodium falciparum é resistente.
C.Martins
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