1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
As arquitetónicas fortalezas das formigas na Guiné
Baga-bagas, castelos de liberdade e de defesa
O tema não é original e já foi tratado aqui no nosso blogue por camaradas que, tal como eu, atreveram-se traze-lo à rama de um catálogo de conformidades onde proliferam histórias transversais e sempre encantadoras. Recentemente, ocorreu-me à memória os imponentes “castelos”, em “cimento armado”, que sobressaíam em zonas limítrofes aos brejos guineenses com os quais a rapaziada se deparava numa incursão ao mato: os baga-bagas.
Numa investida subtil à zoologia da Guiné-Bissau, recorro à originalidade do crioulo, idioma nativo que interligava as diversas estirpes genéticas que, não obstante os seus dialetos tribais, compõem as etnias guineenses, sendo que os baga-bagas são esplêndidas construções feitas pelas formigas cuja “raça” específica não me atrevo a pronunciar.
Havia quem dissesse que se tratava de formigas brancas, outros aplicavam-lhe o nome de formigas baga-baga, enfim, zeloso da minha ignorância numa matéria zootécnica que considero específica, não ouso atrever-me a lançar a “graça” sobre os referidos bicharocos.
Todos nós, antigos combatentes na Guiné, conhecemos as virtualidades desses retumbantes “monumentos” que nem uma rajada de arma ligeira, ou pesada, ou uma eficaz granada de bazuca, tentavam destruir. A sua construção, bem como o conteúdo de toda a sua estruturação, era simplesmente soberba.
Comentava-se, na época da guerrilha, que os baga-bagas eram eloquentes amparos aquando os confrontos com o IN no terreno. Falava-se nos quartéis, fluentemente, que houve camaradas que, refugiados atrás de um baga-baga, terão evitado o pior para o seu estado físico. Aquele muro inquebrável era um estilo dos velhos castelos que permanecem, ainda hoje, intocáveis pelas agruras do tempo.
Felizmente, jamais me vi confrontado com tal necessidade, restava porém as trocas de impressões tidas no mato com camaradas que, obviamente, viam naquele fabuloso “monumento” um hino à força da mãe Natureza.
Como e porquê aqueles pequenos seres vivos se envolvem em tamanhos trabalhos? Ficava a interrogação. A seguir vinha a incerteza que envolvia o trabalho familiar que levava aquele exército guerreiro, compactado em secções, pelotões, companhias e batalhões, a envolverem-se em fainas intensas donde resultavam arquitetónicas fortalezas.
Admitindo que a saliva daquele grupo de formigas é uma espécie de supercola “três” orientado para diversos fins, seguiam-se outras dúvidas: a inquebrável textura que compunha o contexto geral da obra e a sua efetiva planta.
Este tema, que considero interessante, surge constantemente à flor das minhas paixões absorvidas na guerra da Guiné. Lembro-me, perfeitamente, da azáfama permanente daqueles pequenos bicharocos. O seu constante vai e vem era motivo interessante para se consumirem mais uns minutos ao tempo de comissão.
Na minha aprendizagem sobre diversas temáticas em tempo de guerra, a figura, não de estilo mas real, é a constatação de diversos baga-bagas que conheci na região de Gabu. A sua arquitetura e simultaneamente a minuciosidade impostas por aquele tipo de formigas, conduziam-me, melhor, conduziam-nos a pressupostas interrogações sobre a vida animal naquele cantão de terra africano.
África, no seu melhor, é tão-só uma porção de território onde a imprevisibilidade do momento corteja um forasteiro cioso de conhecimentos que a história vagarosamente nos contempla.
A guerra na Guiné expôs-se, também, a atribuir-nos dados novos nos nossos estéreis conhecimentos acerca de uma guerrilha que não dava tréguas, sendo os baga-bagas – castelos de liberdade e de defesa - exemplos acabados da nossa estadia em território guineense.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
2 comentários:
O Ranger José Saúde, sempre atento a todos os fenómenos que caracterizavam a Guiné.
Um abraço
Alberto Grácio
Meu caro José Saúde
Estas tuas reflexões não são só sobre os 'baga-baga'.
Na verdade falas deles, como são construídos, por 'quem', para que serviram, etc., reflectes sobre isso, é certo, mas vais muito mais longe.
Mostras uma coisa muito mais interessante, que é mostrar como mesmo em tempo de guerra e se calhar até por causa disso, o 'olhar em redor', observar, ver com olhos de ver o que se passava à volta, a paisagem, a flora e a fauna, os prodígios da Natureza, eram uma forma de ultrapassar os aspectos negativos.
Abraço
Hélder S.
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