1. Continuação da primeira parte do comentário feito pelo nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado no Blogue "O Adamastor":
1.ª Parte do Comentário ao artigo
"Guiné,
Guileje e o desnorte do reino" (2)
“E quando se despediu
dele humilhou-o dizendo “regressa a Guileje e daqui a um ou dois dias irá lá
ter o Coronel Durão e você passa a adjunto dele”. Ou seja passou-lhe um
atestado de incompetência”.
Mais uma vez o Sr. Ten. Cor. deturpa o que aconteceu. O Sr.
General não me disse quando o Sr. Coronel Durão iria para Guileje.
Afirma que me passou
um atestado de incompetência. Conhecendo como eu conhecia o Sr. General Spínola
(tinha obrigação disso, porque trabalhei, sob as suas ordens, durante dois
anos-68/70), pude verificar que lidava muito mal com a incompetência, tendo
dado sobejas provas desse facto. Se me considerasse incompetente, teria sido
retirado do Comando do COP 5, na hora. A minha interpretação foi que tinha
perdido confiança na minha acção de Comando. Este sentimento era recíproco,
pois quando em 18 MAI 73, não foram feitas, a partir de Guileje, as evacuações
solicitadas, contrariamente à sua garantia dada na sua última visita, em 11MAI
73, perdi toda a confiança na sua palavra, o que foi partilhado pelos
militares, em Guileje.
Além disso, tendo o Sr. General Spínola, no final da minha
comissão no Comando Chefe, decidido atribuir-me um louvor, se me considerasse
incompetente era a admissão que se tinha enganado (louvando um incompetente), o
que não era propriamente o seu forte – admitir que errara.
Perante a decisão do Sr. General, podia ter declarado que,
perante a sua falta de confiança, não aceitava a solução, sujeitando-me,
obviamente, às respectivas consequências, ficando assim liberto do problema
que, responsavelmente, estava a tentar resolver.
Nunca tal me passou pela cabeça, pois a minha preocupação
era chegar o mais rapidamente a Guileje, donde tinha saído no dia 18 de manhã.
Estes 3 dias da minha ausência, foram um total desperdício. O Comando Chefe e o
seu Estado Maior ficaram muito mal na fotografia, ao proceder da maneira
displicente como trataram este assunto, sem atribuírem nenhuma prioridade à
situação, gravíssima, que se vivia em Guileje
Se os delegados, cuja comparência insistentemente pedira, se
tivessem deslocado a Cacine, no dia 19 MAI, aproveitando o meio aéreo que lá
foi fazer as evacuações, eu teria regressado a Guileje, o mais tardar, no dia
20 MAI. Mesmo sem a ida dos delegados, o Comando Chefe podia ter ordenado o meu
regresso imediato, o que não fez.
“Mas prova ainda
outra coisa: que a retirada já teria sido preparada do anterior, pois era
praticamente impossível organizar tal operação na hora. Será que estariam à
espera que Spínola autorizasse a saída? Até que ponto haveria acção subversiva
feita por eventuais infiltrados simpatizantes, idos da Metrópole? Eis duas
questões que seria interessante dilucidar.”
Mais uma vez o Sr. Ten. Cor. entra em dissertações que são
totalmente fantasiosas.
A retirada foi decidida, apenas quando regressei a
Guileje, ao fim da tarde do dia 21 MAI. Tal pode ser comprovado pelos militares
que lá estavam (que só ouviram, da minha boca, falar em tal hipótese, naquela
hora). Bem sei que, para o Sr. Ten. Cor. interessa muito mais o “jornal da
caserna” e, sendo assim, pode perguntar ao seu “apoiante”, ex-Soldado
Constantino Costa, que estava em Guileje, se eu abordei esse tema, anteriormente.
A decisão foi por mim tomada, sem pressão de quem quer que
seja. Depois de tomar a decisão, perguntei a todos os que estavam no abrigo em
que me encontrava, qual a opinião de cada um e todos manifestaram a sua
concordância. Podia aproveitar para afirmar que tive a aprovação dos que ouvi,
mas não o fiz, porque esta concordância foi “à posteriori” e porque prezo muito
a verdade.
A ideia de esperar que o Sr. General Spínola “autorizasse a
saída”, além de absurda, como podia ser expectável, se o que eu pedira era
reforço!
A ideia de “acção subversiva por eventuais infiltrados” não
me merece qualquer comentário. Como até agora, os argumentos do Sr. Ten. Cor.
não são convincentes (excepto o seu autoconvencimento, resolveu inventar a “teoria da conspiração”.
Repito: TOMEI A DECISÃO SEM PRESSÂO DE NINGUÉM. Se não percebeu, POSSO FAZER UM
DESENHO.
Espero que o Sr. Ten. Cor. tenha ficado dilucidado, sobre
estas duas matérias.
“Guileje tinha,
porém, um ponto fraco: não tinha um poço artesiano, que lhe fornecesse água
potável, a qual tinha que ser obtida a cerca de 2 Km…”
Esta afirmação do Sr. Ten. Cor., que se saúda, é muito
incompleta.
Além da falta de água, no quartel, que era um
condicionalismo inultrapassável, tinha outros pontos fracos. Vou referir
alguns:
- Só havia uma única ligação, por estrada, a Gadamael;
interdita esta, por acção do In (emboscada no dia 18 MAI 73), Guileje ficou
totalmente isolado.
- As outras guarnições mais próximas - Bedanda a Oeste e
Aldeia Formosa a Norte, não estavam em condições de prestar qualquer auxílio,
porque os respectivos itinerários eram dominados pelo IN e, há muito tempo, não
eram utilizados pelas NT.
- Impedido o reabastecimento, por estrada, dependíamos
totalmente do que havia em Guileje. Pelo facto de se aproximar a época das
chuvas, na qual a estrada para Gadamael ficava intransitável, tinha sido já
feito um grande esforço de abastecimento. Mesmo assim, ainda estava em Gadamael
(e em Bissau) um grande volume de materiais, necessários para sobreviver
durante 6 meses.
- Em virtude das sucessivas flagelações do In (37 em 80
horas), as munições, especialmente de Artilharia e Morteiros (10,7 e 81),
estavam a chegar ao fim, não obstante a preocupação de poupar, desde a primeira
hora. Quando acabassem, só por acção exterior, não dependente do Comando do COP
5, chegaria a Guileje o respectivo reabastecimento.
- Relativamente ao material de Artª., o que se passou foi o
seguinte: em 24 JAN 73 (3º. dia da minha estadia em Guileje), enviei uma nota
para o Grupo de Artª. nº. 7 (GA7) em Bissau, com conhecimento ao Sr. Chefe de
Estado Maior do Comando Chefe e à Repartição de Operações, propondo a
substituição das 3 Peças de 11,4 cm (as que estavam em Guileje) por 3 Obuses de
14 cm.
A razão desta proposta era o conhecimento que eu tinha da existência de
poucas munições de 11,4 e muita dificuldade na sua aquisição. Na proposta
sugeria ainda que, mesmo depois de ser efectuada a substituição do material de
Artª., se ainda existissem munições de 11,4 em Guileje, se mantivessem as Peças
de 11,4, conjuntamente com os Obuses de 14, só regressando aquelas a Bissau, no
final da época das chuvas. Desta forma, o aquartelamento ficaria com um reforço
de Artª., durante o período de isolamento.
Mesmo em tempo de guerra, a burocracia emperrava tudo. Foi
por isso que, em I8 MAI 73, isto é, praticamente passados 3 meses da data da
minha proposta, a situação do material de Artª. era: estavam em Guileje 2
Obuses de 14, tendo um deles chegado avariado; o 3º. Obus estava em Gadamael, a
aguardar a próxima coluna de reabastecimento. Entretanto, as 3 Peças de 11,4 já
tinham saído de Guileje. Quando era necessário o maior apoio de fogo de Artª.,
estávamos reduzidos a 2 Obuses e um deles avariado.
Como eu não estava
sempre em Guileje, porque as guarnições de Gadamael e Cacine também estavam nas
minhas preocupações,
além das minhas ausências, resultantes de ordem superior ( lembro-me que me
desloquei para participar, naquela altura, para participar numa reunião de
Comandantes da Zona Sul), não tomei conhecimento da ordem para as Peças de 11,4
regressarem a Bissau (deve ter sido recebida na minha ausência). Se a tivesse
recebido, seguramente que não as tinha deixado sair sem, no mínimo, terem
chegado a Guileje os 3 Obuses de 14.
Além de o apoio de Artª. estar diminuído, em número de bocas
de fogo, a sua eficiência era muito menor. Devido à orografia do terreno da
Guiné, com poucas elevações, a regulação do tiro de Artª. só era eficaz quando
feita por observação aérea. Enquanto que o tiro das Peças de 11,4 tinha sido
regulado, em JUN 72, por avião, relativamente aos Obuses de 14 tal procedimento
não foi possível, devido à restrição dos meios aéreos.
- Não evacuação de feridos, garantida pelo Sr. General
Spínola (a partir do quartel), na sua última visita a Guileje, em 11 MAI 73,
perante formatura geral. O Sr. General foi, no mínimo, muito imprudente, ao
fazer tal afirmação, porque nessa data, a Força Aérea já tinha decidido que
nenhum meio aéreo se deslocava a Guileje (e não me parece aceitável que o Sr.
Comandante Chefe não tivesse conhecimento dessa decisão).
Na sequência da emboscada do dia
18 MAI 73, foi pedida a evacuação dos feridos, no pressuposto de que seria
satisfeita, conforme se pode constatar no período anterior. O que aconteceu foi
que nenhum helicóptero apareceu e, um dos feridos graves (um cabo metropolitano)
faleceu, cerca de 4 horas depois. Foi um “grande murro no estômago” para todos
nós, ficando a confiança na palavra do Sr. Comandante Chefe fortemente abalada,
bem como o moral de todo o pessoal.
Como fica escrito, tinha muito
mais que um ponto fraco, (qual era a falta de água potável).
“…a FA garantia apoio
pelo fogo de dia, com os “ Fiats” e de noite com um “C-47” modificado, em
bombardeamento de área…
Realmente a FA prestava apoio de fogo, através dos Fiat G-9,
quando as condições atmosféricas o permitiam. Depois do aparecimento dos
mísseis terra-ar Strella do In, os aviões voavam acima dos 3.000 pés, por uma
questão de segurança, empregando bombas mais potentes.
Relativamente ao C-47, transcrevo parte do depoimento da
testemunha, Sr. Cor. Pil Av. Lemos Ferreira (folhas 106 a 108 do processo):
“…tendo perguntado ao
Guileje se necessitava de mais alguma coisa foi-lhe pedido o envio de um avião
durante a noite para a zona do Guileje para funcionar como ligação de
comunicações, tendo-lhe sido respondido que o que fosse possível fazer se
faria;… no próprio momento do pedido de Guileje, entrei em contacto com o Centro
de Operações Aero-Tácticas, para que vissem a viabilidade de aprontar um C-47
equipado com flairs iluminantes e
granadas de Morteiro 81, tendo sido informado estarem os C-47 indisponíveis por
falta de sobressalentes, não havendo qualquer hipótese de pôr um em serviço;
esta informação, porém, não foi transmitida ao Guileje.”
Portanto, mesmo nos assuntos respeitantes à Força Aérea, o Sr.
Ten. Cor. está mal informado! O C-47 nocturno foi uma miragem.
“Que o PAIGC estava ainda longe de querer
assaltar a povoação, já que só deu pela evacuação três dias depois (entrando
quase todos em coma alcoólico depois de esgotado o stock de bebidas existente…).”
Em virtude de o 3º. Corpo de
Exército (CE) do PAIGC se encontrar na mata de MEJO (mensagem IMEDIATO, - 19H00horas
do dia 20 MAI da REP/INFO), era quase certo que no dia 22MAI completasse
o cerco ao quartel, desse lado. Aliás, na tarde do dia 21, já tinha actuado, flagelando
elementos da população que tinham tentado reabastecer-se de água na bolanha,
junto ao aquartelamento, tendo sido metralhados pelo avião pilotado pelo Sr.
Cor. Lemos Ferreira.
No Simpósio Internacional de
Guileje (1 a 7 MAR 2008), um elemento daquele CE, informou que, no dia 22 MAI,
de manhã, veio fazer reconhecimento junto do quartel (já tínhamos retirado), o
que confirma o que afirmei no parágrafo anterior.
A razão por que só deu pela
evacuação três dias depois, só o PAIGC pode esclarecer. Seguramente, porque foi
surpreendido.
Quando cheguei a Gadamael,
comandando a retirada, já lá se encontrava o Sr. Cor Durão, que enviou uma
mensagem RELÂMPAGO, às 12H15 para o Comando Chefe a comunicar o que
tinha acontecido. Esta mensagem, terminava assim:
“…QUANDO CHEGADA GADAMAEL PORTO FACE DESTRUIÇÕES HAVIDAS VERIFICO SER
IMPOSSÍVEL REOCUPAÇÂO TEMPOS PRÓXIMOS”.
Às 13H05, seguiu outra
mensagem:
“ REF M/… 221215… SUGIRO DESTRUIÇÃO COMPLEMENTAR GUILEJE POR MEIOS
AÉREOS”.
A resposta foi a seguinte (às
18H40):
“REF..SEXA JULGA PREMATURO BOMBARDEAR GUILEJE COAT EXECUTA
BOMBARDEAMENTO AREA CIRCUNDANTE…”
Não consegui obter, no Estado
Maior da Força Aérea (Arquivo Histórico), elementos relativos a este
bombardeamento, determinado pelo Sr. Comandante Chefe.
Também não tenho nenhuma
informação sobre a vigilância sobre Guileje, até o PAIGC lá entrar; esta
deveria ter sido determinada, em minha opinião, por motivos óbvios; se não foi,
é mais um erro grave, como igualmente foi a decisão de não bombardear Guileje,
a não ser que o Sr. Comandante Chefe tivesse a intenção de determinar a
reocupação, o que não se verificou.
Talvez o Sr. General Pil. Av.
(Ref) da Força Aérea António Martins de Matos, que na altura era Tenente Pil.
Av. na Base Aérea de Bissau, possa responder às seguintes perguntas:
- Qual foi o bombardeamento
efectuado sobre a área circundante de Guileje, no período 22/25 MAI 73,
determinado pelo Sr.Comandante
Chefe.
- Qual a vigilância da Força
Aérea sobre Guileje, no mesmo período, no sentido de detectar o momento em que
se verificasse a entrada do PAIGC, que seria uma oportunidade ímpar para
provocar ao In baixas incontroláveis. Isto no caso de aquela vigilância ter
sido determinada.
- Em sua opinião, qual foi a
razão por que não foi detectada a entrada do PAIGC, em Guileje, no dia 25 MAI
73. Se tivesse sido detectada, também não teria havido o “coma alcoólico”,
referido pelo Sr. Ten. Cor. Brandão Ferreira.
“…e escreveu um livro com a sua versão dos eventos…”
Não Sr. Ten. Cor., o meu livro
não é a minha “versão dos eventos”, mas tão só A VERDADE DOS FACTOS, que é o
subtítulo do livro, e “contra factos não há argumentos”. Não conheço nenhuma
versão ou factos diferentes e, se alguém tem esse conhecimento, é a altura
própria de tornar público o que sabem
sobre este assunto.
Para terminar este comentário,
que já vai longo e que, mesmo assim, não aborda todas as questões postas pelo
Sr. Ten. Cor. Brandão Ferreira (posso voltar ao assunto se o Sr. Ten. Cor. não
ficou devidamente dilucidado), quero afirmar o seguinte:
Não me considero louco nem
inconsciente. Por isso, ao tomar a decisão de retirar de Guileje, nas
circunstâncias conhecidas, sabendo que não teria aceitação do Comando Superior
e que iria sofrer as respectivas consequências, entre as quais, se não tivesse
acontecido o 25 de Abril de 1974 (25/4 para o Sr. Ten. Cor.), teria sido o meu
julgamento e, cumprida a pena máxima, a minha exclusão do Exército, teria que
haver uma situação muito grave, para não hesitar na decisão que adoptei. Esta
era o perigo iminente de, tanto a guarnição militar quanto a população, sofrer
mortos e feridos em número incalculável e, os que restassem, serem feitos
prisioneiros pelo PAIGC e posteriormente expostos à comunicação social em
Conacri.
E, para mim, a segurança de
todos, que era a minha missão e a vida humana não têm preço.
Foi por isso que não hesitei,
sabendo o que me esperava, abdicando do interesse pessoal que, naquelas
circunstâncias, não tinha a mínima relevância.
Para quem achar este cenário
exagerado, terá oportunidade de verificar, na 2ª. Parte do comentário ao artigo
em análise que, entidades do Escalão Superior, fizeram a mesma previsão.
A enorme diferença entre o Sr.
Ten. Cor. Brandão Ferreira e a minha pessoa, relativamente a Guileje, é que eu
estava lá e o Sr. Ten. Cor. conhece Guileje do mapa; ao ter visto este, “junto
à fronteira”, das duas uma: ou precisa de mudar de lentes, se usa óculos ou
então terá que procurar Guileje num mapa em que a sua localização esteja
correcta, por exemplo a c
arta militar de escala 1/50.000. [, disponível aqui, neste blogue].
Cumprimentos
Alexandre da Costa Coutinho e Lima
Cor. de Artª. Ref.