quarta-feira, 1 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14426: Brunhoso há 50 anos (4): A Páscoa (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Brunhoso - Com a devida vénia


1. Em mensagem do dia 31 de Março de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), fala-nos da Páscoa de antigamente na sua terra natal, Brunhoso.


Brunhoso há 50 anos

4 - A Páscoa

A Quaresma era o inverno das nossas vidas de meninos e adolescentes, depois do Natal, festa tão diáfana, tão alegre, do menino Jesus e da Sagrada Família, com prendas se bem que pobres, à medida da nossa pobreza mas que sendo as únicas, eram fantásticas. No período entre o Natal e o fim do carnaval havia tantas brincadeiras de garotos, o lançamento do pião, a bilharda, o arranca trigo, a louta, as raparigas tinham o jogo da macaca e outras. Logo após a terça-feira de Carnaval, essa grande festa pagã, com tanto desvario e diversão, caímos, mal dormidos como que empurrados por pecados que não sei se tínhamos cometido nas festas carnavalescas, na quarta-feira de cinzas, com missa bem cedo, era dia de trabalho, em que o padre Zé nos punha a cinza na testa, enquanto repetia a mesma advertência em latim: "Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris" - "Lembra-te ó homem que és pó e em pó te tornarás". Em termos teológicos e filosóficos, esta será uma afirmação discutível, mas este blogue não é um concílio de bispos, nem uma ágora ou assembleia de filósofos.

Nesse dia todas as pândegas e excessos vínicos dos homens e rapazes, bem como as nossas brincadeiras de garotos passavam a ser pecaminosas por ofender ao sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo que tanto terá penado por nós, no Monte das Oliveiras, nas ruas de Jerusalém, na cruz, no gólgota ou calvário, há mais de 2000 anos.
Dias negros e sombrios, entre o Carnaval e a Páscoa, que iriam marcar as nossas vidas pela tristeza e pela culpa, para todo o sempre. Todos nós meninos, garotos e jovens, mais ou menos inocentes, tivemos que nos arrastar por esse túnel longo e escuro.

A Igreja ancestral, a velha Igreja institucional, pecaminosa e libertina, do poder imperial, temporal e espiritual, da Roma sagrada, depois confinada ao Vaticano, das guerras santas e cruzadas, da arte e da opulência, marcou-nos a alma com ferro em brasa, a nós filhos de Brunhoso e de tantas outras aldeias do vasto mundo, por pecados que ainda não conhecíamos.

A Igreja comandava a nossa vida espiritual dentro da moral rígida que esses bispos e padres formados na escolástica de S.Tomás de Aquino e no cantochão igualmente antigo, falando, nas igrejas, esse latim clássico que ninguém entendia, mas que dava mistério e pompa aos rituais solenes que se celebravam em igrejas e catedrais.

A quaresma, esse tempo de luto, em que o padre e toda a igreja se cobriam de roxo, era o tempo da penitência, da abstinência, das cruzes, das bulas, da desobriga tão exigente sobretudo para os homens que fugiam à confissão, como o diabo da cruz.

Para divertimento dos rapazes e exasperação das mulheres mais velhas, havia nessa época o ritual que numa noite, que não recordo, percorria toda a aldeia, que se chamava "o serrar das velhas" que imitando o barulho duma serra manual e fingindo um prolongado carpir, iam recitando quadras, das quais só recordo uma: "Estamos no meio da quaresma, sem provar o bacalhau, serramos esta velha, como quem serra um pau".
Achei sempre este ritual desumano e violento para as avós da nossa terra, não faço ideia qual será a sua origem.

Antes da Páscoa, no sábado de aleluia, o ambiente começava a desanuviar, deixavam de se ouvir as matracas que na semana santa convidavam os crentes para as cerimonias religiosas, para dar lugar a alguns toques de sinos, ainda tímidos.

Os sinos tocariam com entusiasmo e continuadamente a partir da meia-noite de sábado. Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitara e isso era motivo de júbilo para todos os cristãos. Os rapazes não iriam dormir nessa noite, atarefados em enfeitar o campanário da igreja com as melhores flores que encontrassem no campo, e em manter os sinos a tocar durante toda a noite e todo dia de Páscoa.

Saídos dos grandes fornos de lenha, esses grandes pães feitos de farinha, azeite, ovos, presunto, linguiça e toucinho, abençoados com gestos e rezas por essas sacerdotisas, nossas mãe, avós, irmãs, eram, continuam a ser, melhores, mais saborosos e mais divinos do que o pão ázimo da Páscoa dos judeus.

A festa da Páscoa já estava a ser preparada pelas mãos das mulheres que na sexta-feira ou sábado, faziam os folares.

Os fornos, aquecidos com giestas e estevas, eram como altares de fogo onde a alma dessas mulheres se elevava em preces de amor à família e a esse Deus que ressuscitava.

A Páscoa era a festa das flores, os rapazes davam o tom ao enfeitar o campanário, a festa do folar, a festa da primavera, a festa da renovação.

Os rapazes, os mais felizardos, vestiam fatos novos, tal como as raparigas, vestidos novos, nesse dia.

De muito novo e já adolescente, lembro-me de ir com amigos, amigas, irmãos, irmãs, primos e primas, a comer o folar pelos lameiros dos vales cheios de flores primaveris

Em Brunhoso, no tempo do padre Zé, que terá pastoreado a aldeia quase tantos como o Salazar governou o país, não havia visita pascal, ou compasso. Depois da morte dele, foi para lá um padre da terra que quis instituir essa cerimonia. No primeiro ano acabou por entrar em choque com a tolerância do povo que não lhe perdoou a facto de não ter entrado numa casa onde o homem e a mulher não eram casados.

Durante muitos anos não voltou a haver compasso em Brunhoso. A Páscoa, sempre a associei a prados verdejantes e floridos, ao renascer das folhas, das árvores e das flores, à grande festa da natureza, à festa da primavera festejada por muitos povos antigos e modernos de muitas culturas e religiões.

Pelo sabor do folar, pelo repicar dos sinos, pela família, a presente e a que já partiu, pela beleza renovada dos vales e dos montes, gosto muito de Brunhoso no dia de Páscoa, somente não fui lá em dois anos da minha vida, foram os dois anos que passei lá longe, na Guiné do nosso descontentamento mas que apesar disso nos deixou tantas saudades.

Boa Páscoa, um abraço.
Francisco Baptista

Fotos: Com a devida vénia a Brunhoso
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14399: Brunhoso há 50 anos (3): Festejos do Entrudo (Francisco Baptista)

Guiné 63/74 - P14425: Parabéns a você (882): Carlos Pedreño Ferreira, ex-Fur Mil Op Esp do COMBIS e COP 8 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Março de 2015 > Guiné 63/74 - P14417: Parabéns a você (881): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp do BART 2917 (Guiné, 1970/72) e Rosa Serra, Alferes Enfermeira Paraquedista do BA 12 (Guiné, 1969)

terça-feira, 31 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14424: Os nossos seres, saberes e lazeres (80): Berlim, cidade ainda hoje invisivelmente dividida: as marcas da guerra e do terror (Parte I) (Luís Graça)












Alemanha > Potsdam > Bassinplatz > 25 de março de 2015 > Memorial e cemitério militar russo, em Bassinplatz, na cidade de Potsdan, construídos em 1946, contendo os túmulos de 388 soldados e oficiais soviéticos mortos em abril de 1945 na luta pela conquista de Potsdam, a sudoeste de Berlim (mortos em combate ou posteriormente, na sequência de ferimentos graves em combate).

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


Os russos foram os primeiros, dos Aliados,  a chegar a Berlim. A 30 de abril de 1945 um soldado soviético hasteava a bandeira vermelha no Reichtag. No seu bunker, a cerca de quilómetro e meio, Hitler suicidava-se uma hora mais tarde. Na manhã de 2 de maio, as forças alemãs, cercadas em Berlim, rendem-se aos russos...A cidade foi extensa e intensamente destruída. As marcas da guerra ainda hoje são dolorosamente visíveis para um turista atento como eu, que também participei numa guerra, embora dita de "baixa intensidade"... Na contra-ofensiva russa, seis milhões de soldados russos confrontaram-se, no final da guerra, com três milhões de alemães...

A cidade de Potsdam está, também, associada à  histórica Conferência de Potsdam que decorreu nesta cidade, entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945, e em que os três representantes dos vitoriosos aliados da Segunda Guerra Mundial (EUA, Grã-Bretanha e Rússia) decidiram o futuro da vencida Alemanha, que se tinha se rendido incondicionalmente, no dia 8 de maio de 1945.

Potsdam é hoje a capital do estado federal de Brandemburgo (, com cerca de 2,5 milhões de habitantes). Faz fronteira, a leste, com Berlim, formando a região metropolitana Berlim/Brandemburgo. Potsdam, com cerca de 150 mil habitantes,   deve a sua importância ao facto de ter sido residência dos reis da Prússia e ao seu imenso património histórico edificado. O conjunto, englobando 500 ha de parques e 150 edifícios erguidos entre 1730 e 1916, foi classificado como  Património Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1990. O parque Sanssouci [ do francês, "sans souci", sem preocupação, sem stress...] e em especial o palácio Sanssouci, construído por Frederico o Grande, rei da Prússia,  em meados do séc XVIII, é o ex-libris de Potsdam.

Para além de ser um dos lugares mais turísticos da Alemanha, Potsdam é também um importante centro de investigação e desenvolvimento.  Fica a menos de 30 km de Berlim. Adorei visitar o seu "bairro holandês", para além da visita obrigatória ao parque e ao palácio Sanssouci, residência de verão de Frederico o Grande.  No regresso à estação de comboio, para voltar ao hotel em Berlim,  fui surpreendido por este memorial da II Guerra Mundial [, fotos acima]... E confesso que senti um estranho calafrio ao ver este conjunto escultórico em bronze, de estetética tipicamente estalinista...

Um dos soldados empunha uma pistola metralhadora  Shpagin PPSH 41, de calibre 7,62 mm Tokarev. com tambor de 81 munições...

Veio de imediato à minha memória o som, que nos era tão familiar, da "costureirinha" na Guiné, no meu tempo (1969/71) (**).  Não foi o único arrepio que senti em Berlim, na semana em que lá estive, de férias. Voltava lá cerca de 15 anos depois, desta vez com mais tempo e vagar para descobrir Berlim e os seus  arredores... (LG)

Guiné 63/74 - P14423: Blogpoesia (410): Sobre um poema de Herberto Hélder (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

 
 
1. Em mensagem do dia 24 de Março de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), fala-nos de Herberto Hélder falecido recentemente. Homenageia também, e assim, todos os nossos camaradas que com a sua veia poética nos deliciam com os seus textos em verso.





Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Herberto Helder

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Um lindo poema, copiado directamente da internet, em homenagem aos seu autor, que partiu hoje e nos deixou uma obra poética imensa para todos nós e para as gerações futuras.

O meu pesar e homenagem também a todos os poetas da nossa Tabanca que pela sua própria sensibilidade estão mais próximos dele.

Ao nosso grande camarada Luís Graça que tem uma grande alma de homem e poeta e que nos tem ajudado tanto a respirar, através deste espaço amplo que criou para todos nós, através da sua poesia, da sua prosa, do seu estimulo e exemplo de combatente.

Um abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14421: Blogpoesia (409): Meu Soldado Herói (Mário Vitorino Gaspar)

Guiné 63/74 - P14422: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (3): Eu e o malogrado fur mil mec auto Joaquim Araújo Cunha, da CART 2715, em Amedalai, em junho de 1970, de bicicleta a pedal




Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca)  > Subsetor do Xime > Amedalai (tabanca em autofesa e destacamento de mílícias) >  Junho de 1970 > O velhinho José Nascimento (1ª foto de cima) e o pira Joaquim Cunha.

Fotos: © José Nascimento  (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de 24 de fevereiro último, enviada pelo José Nascimentoo (ex-fur mil art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) [, foto atual à esquerda] (*)


Caro amigo Luís Graça

Quando a minha Companhia saiu do Xime para Quinhamel, houve uma sobreposição de oito ou dez dias pela outra (CART 2715) que nos rendeu. Este espaço de tempo foi o suficiente para estabelecer uma certa amizade com um camarada de armas, a que nós vulgarmente apelidamos de "porreiro". Foi o furriel Cunha, mas nunca mais tive qualquer contacto com o rapaz, depois de deixar o Xime.

Mais tarde soube em Bissau que esta Companhia tinha sofrido uma grande emboscada em que tiveram vários mortos, entre os quais o furriel Cunha (**). Apesar desta amizade de tão pouca duração, foi como se um dos meus tivesse morrido e é com uma certa frequência que me vem à memória a imagem deste desditoso jovem militar.

Fur mil art, José Nascimento
 (CART 2520. 1969/71)
Por volta do ano de 1976, em casa de um dos meus irmãos que tinha o equipamento de fotografia e ao passar alguns negativos para a imagem real, pensando que era uma das minha fotos, surgiu-me à minha frente a imagem do Cunha a andar de bicicleta a pedal. Foi um nativo qualquer da população, que nos deixou dar uma voltinha.

Esta foto guardo-a com muito carinho. Foi tirada na tabanca de Amedalai, que ficava entre o Xime e Bambadinca, logo a seguir à Ponta Coli.

Em homenagem a este infortunado camarada e para que fique para a posteridade, quero publicar na nossa Tabanca Grande a sua fotografia.

Um grande abraço,

José Nascimento

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:



(**)  Furriel Mil Mec Auto Joaquim Araújo Cunha, nº 14138068; morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”; sepultado em Barcelos;

Vd. também postes de:

26 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10726: A minha CCAÇ 12 (27): Novembro de 1970: a 22, a Op Mar Verde (Conacri), a 26, a Op Abencerragem Cadente (Xime)...(Luís Graça)

8 de maio de  2012 > Guiné 63/74 - P9863: (De)caras (10): Relembrando o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, natural de Barcelos, que pertencia à CART 2715 (Xime, 1970/72), e que foi morto de morte matada em 26/11/1970 (José Nascimento, CART 2520, Xime, 1969/70)

(...) Comentário do nosso leitor e camarada José Nascimento, com data de hoje, ao poste P1317:

Sou o furriel Nascimento, da CArt 2520 [, Xime, 1969/70], a Companhia que foi rendida pela Companhia do Cunha, aCART 2715 [, Xime, 1970/72].

Durante o período de sobreposição estabeleci uma relação de amizade com o Cunha. Quando soube da sua morte [, em 26 de novembro de 1970,] senti uma grande mágoa. 

De vez em quando a sua imagem vem à minha memória. Guardo uma foto dele tirada na tabanca de Amedalai, que quero publicar na nossa Tabanca Grande. (...)

(...) Comentário de L.G.:

Numa segunda feira, triste, chuvosa, depois das aulas, depois do tardio jantar, às 22.30, abro a caixa do correio e vejo o teu lacónico comentário a um poste já velho de mais de cinco anos e meio... Senti um estranho arrepio de frio que me atravessou o corpo de uma ponta à outra, ao ler a tua evocação do Cunha.

Parece que ainda estou a vê-lo... O Cunha, o Joaquim de Araújo Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis corpos que não estava desfeito pelos rockets. Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o nosso guia e picador Seco Camarà. A imagem que retenho dele, era de alguém que caíra, exausto, em cima do capim... Quando cheguei à sua beira, ainda lhe dei uma bofetada, sacudindo-o energicamente:
- Acorda, meu sacana!

Como garante o Guimarães (da CART 2716, do Xitole), o Cunha que fez a recruta com ele e foi mobilizado para a Guiné no mesmo Batalhão (BART 2917), "deve estar no céu porque era um homem bom". Não acredito no céu, mas, se ele existe, o Cunha e todos os valorosos combatentes, como ele, que eram bons e que eram jovens e que morreram de morte matada, só poderão estar no céu... Nunca esquecerei também a última cerveja que bebi com ele, às tantas da madrugada, escassas horas antes daquela fatídica emboscada. Ainda hoje não consigo perceber por que é que fomos obrigados, pelo comando de Bambadinca, a fazer aquela maldita operação, com um nome de código esotérico... Três dias depois da invasão de Conacri!... E sobretudo a razão por que cometemos erros fatais no seu planeamento e condução...

O Cunha era natural de Outeiro, freguesia de Carreira, concelho de Barcelos. Está sepultado no cemitério local.

José Nascimento, camarada da CART 2520, com quem devemos (a malta da CCAÇ 12) ter feito algumas operações em conjunto, no Xime, obrigado pelo teu comentário e, antecipadamente, pela foto que nos vai enviar contigo e o Cunha. (...)


(...) Comentário dea nossa leitora Ana Silva:

Ana Silva disse...

(...) Sou sobrinha do Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha. Apesar da mágoa, a minha mãe gostou muito de ler estas palavras e perceber que era acarinhado pelos colegas. Temos, ainda, guardadas todas a fotografias pelo que teremos todo o gosto em as partilhar. Obrigada. Cumprimentos para todos. (...)

Guiné 63/74 - P14421: Blogpoesia (409): Meu Soldado Herói (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 21 de Março de 2015:

Caros Amigos e Camaradas
Neste sábado 21 de Março – Dia Mundial da Árvore, da Floresta e Poesia.
Agora mesmo me lembrei ser o Dia Mundial da Poesia, fui à luta, sem armas, apontei para o teclado, após o almoço e disparei.
 Saiu isto…

Um abraço
Mário Vitorino Gaspar


Meu Soldado Herói

Mário Vitorino Gaspar

“O Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate".
Antero de Quental, Sonetos

O Soldado Herói renasceu,
soluços arejados, ténue nevoeiro…
Corre, voa, voa primeiro…
Sorri beijos de nudez, voa ao céu.
És poesia, flor do poeta que passa.
Meu Herói Soldado de raça.

És alma, onda e luz,
tudo que gosto e gozo,
semente do grito valoroso,
nesta terra que reduz
as vozes e sons de quem exprime.
Meu Herói! És elo bem sublime!

Neste vazio de oca solidão,
nutres pelo inimigo, tua presa,
amor e sílaba de acesa tristeza.
A guerra existe! E será razão?
Seja extinta, está na hora
de amar, amar e sem demora!

Viaja nas nuvens, voa, anda cá:
Liberdade, Paz… Chegou o dia!
Deus… Deus, bem nos olhos lia
nos céus azuis, longínquos de lá...
Soldado, o sonho da paz, espera!
Nutres paixão e amor… e venera.

Canta, sorri cheiros de flores,
dá beijos e beijos de amor tanto!
Musicalidade, lágrimas de encanto,
cheiros de rosas floridas de amores.
Colorido volume de cor pintado:
Meu heróico guerreiro Soldado...

Decretada a paz, suculenta verdade
sumarentos rios e correntes de prata.
O mundo assinará pinceladas na acta:
– Paz, amor e sonoro suco da liberdade!
O Soldado ria o coração… E apertava
nas mãos os sonhos que sonhava.

Vamos escrever voos de aves no ar,
rir e pintar pétalas entre os espaços…
Soldado bebe sumo de beijos e abraços.
Ama sempre e semeia o verbo amar,
navega nos versos de marés cantando.
Corre, salta e pelo mundo voa amando.

Soldado! A arma que rói vida. Sei…
Tira-lhe os suores, e bem arrumada.
Não esqueças, jamais a vejas humilhada,
diz perto dela: descansa sempre te amei...
Meu Soldado olha os céus lá em cima.
Paz, Amor e Liberdade nos anima.

Anos somados. Velhos como os trapos?
Sonhar amigos perdidos, gravados na memória
Será conhecida e não esquecida sua história.
Homens de honra, pais, avôs e ainda aptos.
Negaremos Praça ao Soldado Desconhecido!
Lembrado só e sempre como Soldado querido!
____________

Nota do editor

Último poste da série de 4 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14403: Blogpoesia (407): "Saio sempre de madrugada" (J.L. Mendes Gomes)

segunda-feira, 30 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14420: E as nossas palmas vão para... (10): João Crisóstomo e António Rodrigues, amigos da causa de Aristides de Sousa Mendes (Parte II)



Título da reportagtem feita pelo jornal "Defesa da Beira", 1/10/2004




S/l> S/d > O presidente da República Jorge Sampaio, tendo à sua esquerda o João Crisóstomo e à sua direita o António Rodrigues




1. Segunda parte da mensagem de 31 de janeiro último, enviada pelo João Crisóstomo (*) [, aqui na foto com a sua esposa, Vilma, do lado esquerdo, com outro casal amigos da causa de Aristides Sousa Mendes; foto: cortesia da Fundação Aristides de Sousa Mendes]


Em 2004 eu queria que o nosso herói Aristides [de Sousa Mendes] fizesse parte da Galeria dos Heróis no prestigioso Museum of Jewish Heritage em Nova Iorque ─ depois de ter lançado a ideia de lembramos com relevância o dia 17 de Junho. o que foi feito com uma série de acontecimentos do Vaticano à China, de Portugal a Timor Leste , num total de 22 países durante essa semana…

Abrindo aqui um parênteses: para isto foi importante a ajuda do Secretariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na altura sob a direção do Sr. Embaixador Rocha Páris em Lisboa, e da Fundação Internacional Raoul Wallenberg em Nova Iorque, que muito me facilitaram os necessários contactos: nessa semana houve 34 missas, muitas delas celebradas por cardeais e outras eminentes figuras da Igreja Católica; serviçøs religiosos em sinagogas, e outros acontecimentos em colégios, universidades e outras instituições de cultura e ensino…

Ao 17 de Junho eu chamava "dia de Acção de Graças”, mas depois, por sugestão da dra Mariana Abrantes, começamos a chamar " O dia de Consciência", nome com que ficou a ser chamado desde então.

Consegui, entretanto, convencer o director do supracitado Museu [“Museum of Jewish Heritage"] a aceitar a ideia, mas ficou condicionada a que eu conseguisse trazer para Nova Iorque por um ano ou dois, para ficar em exposição, o livro do "Registo de Bordéus" e o carimbo com que Aristides carimbava os passaportes.

Consegui que o MNE [Ministério dos Negócios Estrangeiros] aceitasse deixar vir o livro, mas faltava o carimbo (que no fim teve de ser substituído pela caneta de Aristides, já que não foi possível encontrar o carimbo). Mas na altura nós pensávamos que o carimbo existia em qualquer parte em Portugal. Aproveitei as minhas férias e, com o António Rodrigues, que sempre tinha sido o meu braço direito em todas as minhas campanhas e que tinha regressado de vez a Portugal, resolvemos procurá-lo.

Pedi o auxílio de Mariana Abrantes, de Luís Fidalgo e de António Moncada, neto do César (irmão gémeo de Aristides) em cuja casa suspeitávamos se encontrava esse carimbo. E lá andámos umas duas ou três horas, sem encontrarmos o carimbo.



No fim resolvemos "visitar" a casa de Aristides, que fica bem perto. Aí o António Moncada disse-nos que não, pois a casa não estava em condições de ser visitada por ninguém, pelo perigo que isso representava: havia um grande buraco no teto que havia caído (com uns quatro a cinco metros de diâmetro), e os "beams" (barrotes, é assim que se chamam, não é?), alguns deles ao caírem, fizeram buraco enorme em todos os andares até ao chã e outros barrotes, de todos os tamanhos, alguns enormes, estavam dependurados, numa imagem dantesca de ameaça e perigo.

Mas nós (eu e o António), que tínhamos vindo de tão longe, queríamos ver a casa de que tanto tínhamos ouvido falar ( a foto dela até fazia parte num artigo que escrevi em 1998 e que foi publicado em vários jornais) e insistimos com o Moncada e o Luis Fidalgo (que também como o Moncada era membro director da Fundação).

Finalmente acederam ao nosso pedido, mas que tudo seria por nossa conta e risco. Assim aceitámos. E lá entrámos, pés de mansinho, um após outro, olhando para o alto e para os lados com todo o cuidado. Verificámos que o enorme buraco estava situado mais ou menos no meio da casa, logo à entrada, mas com cuidado havia maneira de ver o resto da casa sem grande perigo.

Para nosso espanto apercebemo-nos que a casa parecia nunca ter sido sujeita a qualquer cuidado ou limpeza. E por respeito ao nosso herói nós resolvemos que a casa teria de ser limpa imediatamente e não sairíamos de Cabanas de Viriato sem que a casa de Aristides recebesse pelo menos uma limpeza geral.




Mais: começámos a pensar se não seria possível contratar um empreiteiro para consertar o telhado. Pensamos nós: se este buraco continuar assim, com as chuvas e ventos de inverno etc., a casa não vai aguentar mais do que dois ou três invernos… Viemos para fora para pedir autorização do que queríamos fazer e averiguar sobre empreiteiros locais, etc. Sucede que entretanto a nossa visita tinha despertado a curiosidade de alguns residentes de Cabanas; e, quando falámos sobre a ideia de reparar o telhado, falámos sobre orçamentos e viabilidades, etc.

Entre os presentes que tinham chegado ou estavam por perto foi-nos apresentado um empreiteiro, logo seguido de outro que também podia estar interessado e que nos podiam dar ideias sobre o que estávamos falando, dum possível conserto da Casa. Que era impossível reparar o buraco e não era possível fazer nada a não ser cobrir o telhado com uma "umbrella" de metal, até que fosse possível fazer uma reparação à casa toda. Essa cobertura de metal custaria pelo menos 20.000 dálares ( isto em 2004!), o que nós não podíamos dispender nem tínhamos disponível!




O António Rodrigues porém não se conformava, arguindo que se podia consertar o telhado, que a casa não precisava de cobertura nenhuma e que não era preciso gastar tanto dinheiro.

Perante a posição bem clara e declarada de que nada se podia fazer, o António Rodrigues, meio nervoso, deu-me um toque no braço de maneira a não ser ouvido por mais ninguém e diz-me: “Se eles não o podem fazer, então faço eu!”...

Eu, habituado a muitas outras ocasiões em que o António tinha feito "milagres" aqui nos EUA, apenas disse: “Eh pá, tu tens a certeza? Então estes que são profissionais acham que não há nada a fazer, tu achas que vais conseguir alguma coisa?!”… Ao que ele respondeu: “Deixa comigo. Eles estão a dizer que para consertar o teto têm de consertar a casa toda... Ora eu posso escorar tudo, partindo do chão até chegar ao teto e aí, depois de chegar ao teto, o telhado é fácil de consertar... Deixa comigo”.

Foi difícil de convencer, mas depois não só concordaram em nos deixar a "limpar a casa” que era tudo o que dizíamos ia acontecer, como toda a gente começou a oferecer os seus préstimos e ajudas: (i) um trator e um camião para levar as madeiras, pedras, tijolos, terra e lixo; (ii) além de virem eles próprios (e elas, pois se me lembro bem o trator pertencia a uma senhora que quando podia nos vinha ajudar) ao fim do dia para conduzir os mesmos; (iii) os escuteiros da escola queriam ajudar, o que tivemos de recusar pelo perigo de que não podiamos assumir a responsabilidade; (iv) o irmão da Mariana Abrantes, professor António Abrantes e sua esposa Ivone vieram-nos ajudar e connosco permaneceram até altas horas da noite para o que trouxeram holofotes para pudermos trabalhar de noite, como nós pedimos.




Os que não puderam ficar foram-se, mas o Luís Fidalgo (advogado, e director da Fundação) nos garantiu, e cumpriu!, arranjar-nos um seguro contra acidentes, para o caso de nos acontecer algo (o que bem podia ter acontecido, dado a nossa coragem e entusiasmo em fazer o que estávamos a fazer).

Foi durante essa primeira noite, conforme depois saiu em todos os jornais e na própria RTP que também fez cobertura do acontecido, debaixo de grossa camada de terra e estrume de ovelhas e de galinhas, tudo misturado com caliça das paredes, pedras e tijolos, que nós viemos a encontrar o que os media chamaram de "tesouro na casa de Aristides": "documentos inéditos "encontrados"; "documentação encontrada surpreende investigadora", etc etc.; cartas de Aristides à sua mulher, de seus filhos para outros que já tinham emigrado para o Canadá; uma cópia de um livro, escrito por A. S. Mendes ainda por abrir ( à maneira antiga, tinha de se cortar as páginas com um "abridor de cartas"); e muitos outros pedaços de documentos, alguns ainda intactos, mas a maioria que se desfaziam em pó nas nossas mãos ao simples tocar, revistas e jornais do tempo...

Tudo foi entregue no dia seguinte em dois sacos de plástico à Fundação na pessoa do dr. Luis Fidalgo na presença da dra Lina Madeira, uma autoridade em A. S. Mendes que veio de Coimbra a correr, e de vários correspondentes presentes.

Voltando à reparação "ad hoc" do telhado e dos buracos nos andares até ao chão... Eu fiquei com o António Rodrigues três ou quatro dias comendo na cantina do lar para idosos, de que o Luis Fidalgo era diretor, e dormindo as primeiras noites na casa do António e Ivone Abrantes, e depois num pequeno hotel local (ainda hoje não sei quem pagou a nossa estadia; o Luis Fidalgo disse-nos que estava tudo pago e não nos devíamos preocupar com isso). Tive de deixar o António sozinho e voltei aos EUA.


Fotos do jornal  "Defesa da Beira", 1/10/2004. Inmagens digitalizadas e enviadas pelo João Crisóstomo


O que o António fez e conseguiu depois, muitas vezes trabalhando sozinho, viajando todos os dias num camião bastante "usado" que um amigo dele lhe pôs ao serviço e onde trazia de sua casa ferramentas, materiais de construção como madeiras, barrotes, e tudo o mais que tinha e ele achava ser preciso para consertar a casa e o telhado... é coisa quase impossível de imaginar, não se tivessem visto os resultados.

A sua imaginação de arquiteto “ad hoc” - entre outros apelidos chamavam-lhe o "arquiteto sem canudo", "o milagreiro ambulante", "o americano maluco"...porque às cinco da manhã ele já estava, vindo de Aljubarrota, encarrapitado no telhado ou a trabalhar sozinho como um desalmado para remendar o que ele achava imperioso ser feito para que a casa aguentasse mais uns anos até se encontrar uma solução definitiva - levou-o a procurar nos arredores eucaliptos, telhas para o telhado ( iguais às outras do telhado, já difíceis de encontrar), materiais de construção, sobretudo barrotes e madeiras que precisava.

A sua franqueza e simplicidade desarmavam toda a gente que não podia negar o que ele queria, "para consertar a casa de Sousa Mendes"... Os troncos dos eucaliptos, não sei quantos, mas numa visita que fiz à Casa anos depois deparei com um bem grosso, barrando o meu caminho, escorando o andar superior, depois de rusticamente despojados dos seus braços/ramos, serviram para escorar os andares começando pelo chão...

E, um por um, cada andar foi escortado e consertado até chegar ao teto.... era preciso "ter a certeza” de que os barrotes originais no telhado å volta do buraco "ficassem bem ligados" para que tudo não fosse parar ao chão outra vez. E o António de vez em quando me falava nos anos seguintes nuns bons cabos que lhe faziam muita falta e que ainda estavam a escorar e segurar o telhado da casa de Sousa Mendes: “Quando consertarem de vez a casa, vou lá buscá-los, que eles ainda me fazem boa falta de vez em quando”…

E assim foi o que sucedeu. O António, acabado o teto, estava esgotado e só desejava e sonhava poder descansar. Faltava tapar as janelas com madeira para proteger um pouco mais da chuva e vento e ter a certeza de que as portas permaneciam fechadas. Assim pediu, como eu antes de me ir embora de volta aos EUA tinha já falado seria preciso fazer. Mas tal parece não ter sucedido.

A Casa ficou durante alguns anos em condições de ser visitada sem perigos dum barrote a cair na cabeça. Mas com o tempo e sem um "António'" a preocupar-se pela sua saúde, sujeita às intempéries, o telhado e o resto começou outra vez a cair aos bocados até que finalmente, quase no último minuto, a desesperada reconstrução das paredes, telhado e janelas, finalmente aconteceu..
Bem hajam quantos trabalharam e contribuíram para o que agora finalmente e felizmente vai já em bom progresso. Bem merecem uma placa em lugar de destaque. Mas nesta não se esqueçam de mencionar também o nome de António Rodrigues!

Não fora a intervenção "ad hoc", mas que veio a ser providencial, em 2004, deste apaixonado "arquiteto sem canudo" de Aristides de Sousa Mendes, não haveria nada a consertar mais, pois o que ainda restava e foi possível salvar, teria sem dúvida desmoronado completamente e tudo teria de ser reconstruido à base de fotos e memórias.


Nova Iorque, 31 de janeiro, 2015.

PS - Em anexo dois "recortes" de jornais : "Diário de Coimbra", de 8 de outubro de 2004; e "Defesa da Beira" 1 de Outubro 2004. As imagens [do jornal "Defesa da Beira"] parecem deixar muito a desejar, mas dão uma ideia do estado da casa com o seu enorme buraco, do teto ao chão;  e nos outros recortes, tens comentários do “Diário de Coimbra” sobre o que foram encontrar. 



António Rodrigues, ao "Diário de Coimbra, 8/10/2004.


Recorte do "Diário de Coimbra", 8/10/2004




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Guiné 63/74 - P14419: E as nossas palmas vão para... (9): João Crisóstomo e António Rodrigues, amigos da causa de Aristides de Sousa Mendes (Parte I)


S/l > S/d > O nosso camarada João Crisóstomo com Patrick Kennedy aquando da causa timorense.



S/l> S/d > O presidente da República Jorge Sampaio [, terceiro presidente eleito na vigência da República Portuguesa, depois do 25 de abril, entre 9 de Março de 1996 e 9 de Março de 2006], tendo à sua esquerda o João Crisóstomo e à sua direita o grande amigo do João Crisóstomo, António Rodrigues, os dois mordomos de profissão, em Nova Iorque, e fundadores do LAMETA - Luso-American Movement for East Timor Autodetermination.

Fotos enviadas por João Cristómo, juntamente com recortes do "Diário de Coimbra", de 8 de outubro de 2004.

Recorde-se que o João Crisóstomo: (i) é natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras; (ii) foi alf mil, na CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66); (iii) vive em Nova Iorque desde 1975, onde foi mordomo até ao início de 2015 (reformou-se agora); (iv) é um mediático ativista comunitário, tendo estado ligado à defesa de três causas que tiveram repercussão internacional e que nos dizem muito, a nós, portugueses (gravuras de Foz Coa, independência de Timor Leste e memória de Aristides Sousa Mendes); (v) foi um dos fundadores do Luso-American Movement for East Timor Autodetermination (LAMETA); e, não menos importante, (vi) é casado em segundas núpcias com a eslovena e querida amiga Vilma e, por fim, (vii) integra a nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010.



1. Mensagem de de João Crisóstomo a quem, desde já pedimos desculpa pelo atraso da respetiva edição:

Data: 31 de janeiro de 2015 às 14:00

Assunto: Aristides Sousa Mendes: Casa do Passal e António Rodrigues

Meu caro Luis Graça,

Foi bom falar contigo ao telefone e dar-te por telefone o abraço que gostaria de poder dar pessoalmente [ , por ocasião do teu aniversário]. Mas não perdemos pela espera, Se Deus quiser estarei aí umas semanas (em meados de Junho a fins de Julho). O convívio da minha família (de ambos os lados, Crispins e Crisóstomos) vai ser no dia 19 de Julho, dia em que celebraremos os 90 aninhos da minha irmã Maria Rosa (nascida a 11 de julho, mas "não dá" para ser nesse dia).

O convívio não se restringe aos meus familiares, pois aproveito a ocasião para reunir também os meus amigos, a quem de outro modo não tenho possibilidades de dar um abraço. Entre estes estão os meus muito caros amigos "camaradas da Guiné", de quem recebo convites para reuniões, convívios, encontros, etc. e a que, dado o facto de viver em Nova Iorque, com pesar, raramente posso assistir.

O que segue é evidentemente longo demais para pôr no "Luís Graça & Camaradas da Guiné" [e dar a conhecer à ] Tabanca Grande... Mas eu vou-te contar o que, a meu ver, acho pertinente e que seria uma pena passar completamente ignorado.

Por amor da verdade e de dar o devido a quem o merece, gostaria que o nosso amigo António Rodrigues (que vai sempre comigo às nossas reuniões de camaradas da Guiné) não fosse esquecido agora que se fala tanto da Casa do Passal [, de Aristides Sousa Mendes] (*). E se em outro lugar tal não for mencionado, (estou a pensar enviar isto para a RTP,  em Portugal, que achas?), então sai pelo menos para os nossos amigos do blogue, que ficarão assim mais bem informados do que a maioria do resto do país sobre uma fase crucial da reabilitação da casa que foi de Aristides [Sousa Mendes] que agora, e ainda bem, é assunto de muito interesse para tanta gente.

Como eu não tenho nenhum poder de síntese e tenho de dizer com muito palavreado o que devia ser dito com metade das palavras, se achares que vale a pena falar nisto, podes sintetizar isso como fazem os que sabem escrever... Mas se achares que não é assunto para o teu/nosso blogue, está tudo certo. e não somos menos amigos por causa disso.

Casal do Passal,
com a devida vénia à Fundação Aristides de Sousa Mendes
Falaste-me da Casa do Passal,  como é chamada a casa de Aristides de Sousa Mendes, finalmente em vias de recuperação, com a certeza de não ruir mais completamente. Tenho seguido passo a passo, por telefone com muitas pessoas, e mesmo pessoalmente quando vou a Portugal, o caso da Casa do Passal ( assim como o estado da  Fundação, etc.)… Nem imaginas o meu alívio quando o governo concordou em "poupar" a Fundação.




Eu também ajudei um pouco com uma campanha internacional de certa força: recebi "feed-back" sobre respostas do Gabinete do primeiro ministro a pessoas e entidades estrangeiras em Paris, Eslovénia, Brasil etc (entre outras um "forward" por email duma dessas respostas), confirmando o que eu pensei: que seria relevante e eficaz uma pressão da comunidade internacional, como sucedeu (**).

Mas o que realmente me levou quase a chorar de emoção foi a decisão final de recuperarem a casa, começando agora pelo telhado, paredes e janelas da Casa do Passal, agora já em estado adiantado, a julgar pelas fotos que me enviam. E o resto virá a pouco e pouco.

Tenho pena de ver tudo isto sem que se dê um pouco de reconhecimento, pelo menos numa simples alusão a um facto crucial (pois se não se tivesse feito o que foi feito em 2004 não haveria já nada a recuperar), e de que foi protagonista e herói o nosso amigo António Rodrigues, cujo nome e importante contribuição são agora esquecidos e ignorados.

A história é como segue… (Tem paciência, mas se vou tentar ser breve não te posso explicar tudo, já que as coisas sucederam como acontece com as cerejas: umas traziam as outras)… Se puderes e quiseres fazer um apanhado disto, ótimo. Senão, paciência e eu continuarei a tentar encontrar alguém que possa preencher este vácuo.

E, para ti, se tiveres tempo e coragem de ler tudo isto, ficarás a pessoa mais bem informada... o saber não ocupa lugar (***).

Abraço, João Crisóstomo

(Continua)
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Notas do editor:

(*) "Num processo encetado em 2005, a Casa do Passal, localizada na Quinta de São Cristóvão, na freguesia de Cabanas de Viriato, concelho de Carregal do Sal, foi classificada como Monumento Nacional, conforme Decreto n.º 16/2011 de 25 de Maio, publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 101 — 25 de Maio de 2011". (Fonte: Fundação Aristides Sousa Mendes)

(**) Vd. poste de 6 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13247: Efemérides (160): O nosso camarada luso-americano João Crisóstomo reedita iniciativa de 2004: o próximo 17 de junho será o Dia da Consciência, em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, no 60º aniversário da sua morte.

(***) Último poste da série > 17 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13299: E as nossas palmas vão para... (8): Nuno [José Varela] Rubim, autor de vasta obra sobre a nossa história militar, com destaque para "A organização e as operações militares portuguesas no Oriente, 1498-1580"


Guiné 63/74 - P14418: Notas de leitura (698): “Elefante Dundum – Missão, testemunho e reconhecimento”, por João Luíz Mendes Paulo, edição de autor, 2006 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho de 2014:

Queridos amigos,

É a história de um sonhador, um militar visionário que acreditou que podia levar carros de combate para os trópicos. Os M5A1, velhos tanques da II Guerra Mundial, fizeram sucesso em Nambuangongo.

Mendes Paulo escreve uma narrativa aliciante, crónicas da sua vida de criança até à Guiné, onde arrumou as botas, e mudou de vida. Insistiu que podia levar os M5A1 para a Guiné, argumentou em vão, deram-lhe viaturas Chaimite, inadequadas.
Irá descrever, com imensa dor, a operação Mabecos, em fevereiro de 1971, foi o canto do cisne nos seus sonhos.

Elefante Dundum lê-se de um só sorvo, é prosa autêntica, não há para ali sinceridade remendada.
O senhor M5A1 fez muitíssimo bem em escrever este seu testemunho que fica para a história.

Um abraço do
Mário


O senhor M5A1: 
A história prodigiosa do Elefante Dundum (1)

Beja Santos


A obra intitula-se “Elefante Dundum – Missão, testemunho e reconhecimento”, por João Luíz Mendes Paulo, edição de autor, 2006. É uma narrativa que se devora como um livro de aventuras, o Major Mendes Paulo regista imagens da sua infância no Ródão, no Colégio Militar, na Academia, na Índia, em Moçambique, em Angola, na Guiné, onde voluntariamente pôs termo a uma briosa carreira militar. Explica o nome da obra:

“Elefante Dundum foi o nome dado pelos guerrilheiros nacionalistas da FNLA a uma máquina que surgiu imprevistamente em Nambuangongo e deu brado. Que feitiço, medo e sentir lhes provocou tão evocativo nome de batismo? Para os soldados portugueses, o Elefante Dundum era um cavalo de ferro, com lagartas e torre, cheiro a óleo e nome de mulher… esta é a história dos carros e combate M5A1, velhos tanques da II Guerra Mundial que a determinação e ousadia de um oficial do Exército fez resgatar à sucata, e dos homens que então se fizeram protagonistas construindo a aventura dos únicos carros de combate que participarem em ações de guerra em toda a história do Exército português”.

Spínola enviará Mendes Paulo a Lisboa para resgatar vários M5A1 que seriam destinados a região de Piche. Lisboa indeferiu, era armamento cedido pela NATO, desculpas de mau pagador, no mais pechincheiro mercado do armamento mundial encontrava-se esta pseudo-sucata a preço de saldo. Em contrapartida, foram viaturas Chaimite para Bissau. A seu tempo se falará do assunto.

O Major Mendes Paulo desvela-se, é homem que não tem rebuço na transparência, expõe sentimentos íntimos, é mesmo ternurento, arranca a sua prosa com se estivesse movido pelo estro poético:

“A primeira imagem é de um cão grande, malhado de branco e preto e que se chamava Tejo. Ele era grande e eu pequeno porque conseguia montá-lo sem tocar com os pés no chão. Ainda nem andava na escola. Atrás da casa havia uma serra enorme que acabava no Penouco, uma parede redonda e branca que se via cá de baixo”. 

E um dia vai para o colégio militar, para ele um tempo muito bonito, vê-se que guarda as melhores recordações. A seguir a carreira das armas, a Cavalaria está-lhe no goto, cavalos e máquinas, blindados Fox, tanques M-47. E em janeiro de 1959 é mobilizado para Goa. Em março de 1961, em Valpoy, o tenente Mendes Paulo, que vai regressar, finda a sua comissão deixa escrito algumas recomendações para o novo comandante, destaco:

“Os tempos movem-se ao sabor das políticas e um dia também podemos ficar sem Goa. Se tal acontecer podem mudar os governos, mudar a política, mas o nome de Portugal, a religião cristã, a boa relação com todos, não mudará na memória dos goeses nem na longa história comum”.

Na Academia Militar encontra pela primeira vez os carros de combate ligeiros designados por M5A1. Não será amor à primeira vista, ficará como amor serôdio. E em março de 1963 é mobilizado para Moçambique, CCAV n.º 570. Em 1965, a FRELIMO está a desencadear as hostilidades, o capitão Mendes Paulo tem muito orgulho na sua CCAV n.º 570. Regressa e teve que acompanhar as terras que pertenciam a um tio em Sarnadas e Ródão, vê-se que não desgostou. Volta ao convívio com os M5A1 em Beirolas, está de novo colocado na Academia Militar. Congemina como pode aplicar os M5A1 na guerra africana, faz exposições, há muitas objeções, que os carros eram velhos, se aqueciam aqui, nunca iriam aguentar climas mais quentes, rebate essa argumentação. É mobilizado para Angola no BCAV nº 1927, lá vão os M5A1, chegarão a Nambuangongo. Os Elefantes Dundum entram na guerra, têm nome de mulheres: Milocas, Gina, Licas. Rádio Brazzaville diz cobras e lagartos destas máquinas, Mendes Paulo tem a cabeça a prémio. João Medina, na sua História de Portugal, deixará uma referência a estas máquinas insólitas nas guerra dos trópicos:

“… os cavaleiros deitaram mão de todos os seus dotes para manterem a tradição e darem vida nova a velhas autometralhadoras Fox do tempo 2.ª guerra e conseguiram até, embora isso seja raramente referido, utilizar no Norte de Angola, carros de combate! Um capitão diligente conseguiu vencer a burocracia e as más-línguas e levar consigo tanques M5A1, exatamente iguais aos que os canadianos haviam utilizado na conquista de Paris aos alemães”.

Mendes Paulo frequenta o curso de oficial superior, a seguir é promovido a Major e mobilizado para a Guiné com o BCAV n.º 2922, é o oficial de operações. O batalhão vai operar a partir de Piche, vasto território onde cabem Canquelifá e um destacamento em Dunane; no eixo norte, Cambor era também importante; em caso de ataque, a artilharia de Piche podia alcançar Cambor e a de Canquelifá chegava a Dunane. E escreve:

“No eixo Leste era Piche, Ponte Caium, Camajabá e Buruntuma. Ponte Caium dependia da Companhia de Piche, Camajabá da de Buruntuma, mais uma vez meia dúzia de homens-soldados comandados pelos alferes. Ponte Caium tinha de ser rendida a cada três semanas pela necessidade de géneros e água, mas também – talvez acima de tudo – porque seria esse o máximo de tempo que, psicologicamente, o destacamento podia aguentar. Ainda hoje quando me dizem que estiveram na Guiné e conheceram Leste eu costumo perguntar: - Como era Ponte Caium? Se me dizem que era o maior ‘buraco’, uma ponte com trinta metros de comprimentos, dois abrigos à entrada e dois à saída, dia e noite passado nos limites do espaço, do tempo, na expetativa do ataque – quando este começava, já estavam cercados por todos os lados porque ali não havia milícias nem tabanca, nem pista de aviação ou possibilidade de retirada…”.

Descreve também Piche: era um quartel novo, com razoáveis instalações para a CCS e para mais duas companhias operacionais. Tinha água canalizada e gerador elétrico, era bem melhor que Nambuangongo. O primeiro ataque foi para nos testar. Vieram pela pista de aviação com morteiros 82, RPG-7, metralhadoras pesadas e as inevitáveis Kalash e PPSH. Apesar de todas as recomendações anteriores, foi um festival de fogo-de-artifício. As instalações do quartel incluíam trincheiras, base de fogos do morteiro 81, três peças 11,4 e as habituais casernas, messe, cozinha e posto de socorros, tudo rodeado por arame farpado, com a respetiva Porta de Armas. A povoação de Piche envolvia o quartel do lado Sul e todo o perímetro da povoação era protegido por abrigos enterrados, 13 ao todo, em ligação com as trincheiras, com holofotes, metralhadoras e contacto via telefone e rádio para o posto de comando. Em caso de ataque, só os tais abrigos da periferia abriam fogo, quando atacados diretamente ou à ordem, para alvos já referenciados”.

Buruntuma estava dias e noites inteiras debaixo de fogo dos morteiros 120, retaliava-se com os morteiros 107, os nossos maiores morteiros. Ocorre um ataque brutal a 25 de novembro de 1971. Dois dias depois, Spínola aterra num Dornier na pista de Buruntuma. Manda juntar todo o pessoal, milícias e população. Nesse momento seis Fiat G-91, rasam Kandica, e depois ouviram-se enormes rebentamentos em Sofá, a base do PAIGC. Spínola falou às populações locais: - "Viram o que aconteceu? Agora vão dizer aos do lado de lá que se tornam a fazer outro ataque com morteiros, mando o dobro dos aviões e o dobro das bombas!”

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14411: Notas de leitura (697): "Império Ultramarino Português", Empresa Nacional de Publicidade, 1950 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14417: Parabéns a você (881): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp do BART 2917 (Guiné, 1970/72) e Rosa Serra, Alferes Enfermeira Paraquedista do BA 12 (Guiné, 1969)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Março de 2015 > Guiné 63/74 - P14410: Parabéns a você (880): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf do BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70); Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732 (Guiné, 1970/72); Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974) e Maria Dulcinea, Amiga Grã-Tabanqueira (Bissorã, 1973/74)

domingo, 29 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14416: (Ex)citações (269): O poeta Herberto Helder (1930-2015) que eu "conheci"... (António Graça de Abreu)




Dedicatória autografada de Herberto Helder (1930-2015) ao António Graça de Abreu, no seu livro "Poesia Toda", editado em 1990. O autor de “A Morte Sem Mestre”, seu último livro, publicado em vida (2014),  agradece aqui a oferta do livro "Poemas de Li Bai" (1990), traduzido do chinês para portuguguês,  que valeu ao nosso camarada, ele próprioo poeta, o Prémio Nacional de Tradução do Pen Club Português e da Associação Pirtuguesa de Tradutores (1991).



1. Mensagem que nos enviou o António Graça de Abreu [, foto atual à esquerda], com data de 24 do corrente:

A propósito da morte do poeta Herberto Helder, fui buscar as palavras que sobre ele, e sobre quase todos nós, escrevi em Bissau, em 15 de Abril de 1974.

Eis o texto no meu Diário da Guiné (Lisboa. Guerra e Paz Ed., 2007), pags. 212/213. cinco dias antes de regressar a Portugal, com a comissão terminada:


Bissau, 15 de Abril de 1974

A noite passada não dormi, foi uma directa à moda antiga, não para estudar mas para ler. Às onze e meia da noite meti-me a sério numa cavalgada informe, com sentido, pela “Construção do Corpo” e a “Poesia I”, toda, de Herberto Hélder. Li, reli, li outra vez. Com prazer e enfado, semi-cilindrado pela magia dos versos. Herberto, hermético e luminoso, às vezes confundindo, aclarando, fluindo, enlevando no caudal do rio das palavras. Assim:


Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.


(…)

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se a boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbadas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.


Capa do Diário da Guiné (2007)
Às cinco e meia da manhã, nem ponta de sono. Tinha de ir fardado de alferes ao hospital para o último tratamento ao meu famoso dente. Quando o dia nascia, parti à descoberta dos homens que nunca leram um livro, que nada sabem de poesia mas que, a seu modo, são sábios como o Herberto Hélder.

A Bissau negra acordava para mais um dia. Saí para a rua, doze quilómetros desde a casa do Luís até ao hospital. Fiz tudo a pé e não tomei o caminho costumeiro. Atravessei Bissau, Bandim, pelos bairros pobres de que ignoro o nome, pelas ruelas de saibro e imundície, pelo meio das misérrimas tabancas dos africanos. É a parte maior da cidade quase desconhecida pelos brancos, onde os portugueses, excepto as patrulhas da Polícia Militar, não têm o hábito de entrar. Eu, alferes, branco, a percorrer de madrugada os caminhos habitados pelos homens de pele negra, filhos de África, meus amigos.

Os meninos à minha volta, a curiosidade das gentes, o olhar fixo dos mais velhos. Ninguém me fez mal, mas adivinhei um mundo a borbulhar no castanho brilhante dos olhos deste povo! Da subserviência, “b’dia m’alferi”, à surpresa, ao desprezo. O que é isto, um alferes branco, um intruso nas nossas tabancas às seis e meia da manhã?!... Os negros acordavam, lavavam-se, davam de mamar aos filhos, cozinhavam, limpavam as casas humildes. A vida renascia.

Caminhei pela paisagem das gentes negras de Bissau. Eles não sabiam, mas eu estava ali para me despedir, para os levar comigo nas arcadas da alma, para sempre.



Depois conheci melhor o poeta Herberto Hélder. Eis uma peça raríssima, saída da sua pena. Herberto era pouco dado a elogios, mas escreveu-me em Setembro de 1990. Eis as suas palavras:

19.Set.90

Prezado António Graça de Abreu

Muito grato pela oferta dos “Poemas de Li Bai” que principiei agora a ler (a introdução) atentissimamente. Gostaria de poder retribuir já a sua gentileza mas só em Novembro sairá a minha poesia toda. Nessa altura terei muito gosto em enviar-lhe um exemplar. Conto que saiba perdoar-me a desigualdade da permuta.

Penhorado pela sua atenção, afectuosamente,

Herberto Helder




Fotos: © Antrónio Graça de Abreu (2015). Todos os direitos reservados.
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Guiné 63/74 - P14415: Agenda cultural (385): Em Aveiro, no passado dia 26 de Março: Apresentação do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas” (Miguel Pessoa)

Com a devida vénia à Tabanca do Centro e ao nosso camarada Miguel Pessoa, reproduzimos o poste versando a apresentação do livro "Nós Enfermeiras Paraquedistas", levada a efeito no passado dia 26 de Março em Aveiro. 


Integrada nas cerimónias do dia da Unidade do RI 10, efectuou-se em Aveiro, no passado dia 26 de Março, a apresentação do livro “Nós, Enfermeiras Paraquedistas”. A sessão decorreu nas instalações do Centro de Congressos de Aveiro, cedido para o efeito pela Câmara Municipal de Aveiro.

Como tinha já sucedido na apresentação original em Novembro, no Estado Maior da Força Aérea, a sessão contou com a presença do Professor Adriano Moreira (autor do prefácio do livro) e do TCor. Aparício, que fez uma apreciação da obra. Igualmente presentes várias enfermeiras paraquedistas co-autoras deste livro.

Na mesa, presentes ainda o Presidente da Câmara de Aveiro, Engº José Ribau Esteves, o Comandante do RI 10, Cor José Carlos de Almeida Sobreira, a Enfermeira Rosa Serra, coordenadora do livro, e o Dr. Vitor Raquel, da “Fronteira do Caos Editores”.

Embora não estivesse exageradamente preenchida, a sala contou com a presença de alguma gente jovem e, naturalmente, de combatentes da guerra de África. Dos envolvidos nas actividades dos blogues, registámos a presença de elementos da Tabanca Grande, vários deles ligados igualmente à Tabanca do Centro – Jorge Picado (capitão miliciano em Mansoa, Mansabá e Teixeira Pinto), José Armando Ferreira de Almeida (então Furriel, contemporâneo do Luís Graça em Bambadinca), Carlos Prata (capitão em Cafal Balanta e Bissorã), Manuel Reis (alferes em Guileje), Miguel Pessoa (tenente na BA12).



Igualmente várias enfermeiras “tabanqueiras” presentes - Rosa Serra, Giselda Antunes e Aura Rico Teles – para além das enfermeiras Eugénia Espírito Santo Sousa, Natércia Pais, Ana Maria Bermudes, Octávia Santos, Natália Santos e Maria de Lurdes Costa Pereira (nomes de solteiras, pelos quais eram conhecidas na época).

Como já tinha sucedido na sessão anterior, os dois convidados fizeram apresentações de grande interesse e qualidade, que foram bastante apreciadas pelos presentes.

E, no âmbito das comemorações do dia da Unidade, os presentes ainda puderam apreciar uma sessão de música que se seguiu a esta apresentação, proporcionada pela Banda Militar do Porto.

A próxima apresentação do livro, inicialmente prevista para 9 de Abril, devido a comemorações que irão decorrer nessa data foi passada para 16 de Abril, às 15H00, nas instalações da Messe da Batalha, no Porto.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14390: Agenda cultural (388): Apresentação do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas", dia 26 de Março de 2015, pelas 18h00, no Auditório do Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, Cais da Fonte Nova, Aveiro (Miguel Pessoa)