Capa do livro. Ilustração de Augusto Trigo |
Autor: Joaquim Carlos Martins Fortunato
Capa e contra capa - ilustrações do mestre luso-guineense Augusto Trigo, pai da pintura guineense e grande ilustrador, a sua obra é uma referência
Página de abertura - ilustração do pintor guineense Ady Pires Baldé
Lendas balantas - ilustração do pintor guineense Ady Pires Baldé
Lendas bijagós - ilustrações do pintor guineense Ady Pires Baldé
Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela
A lenda de Sundiata Keita - ilustrações do mestre Augusto Trigo
A lenda de Djanqui Uali - ilustrações do mestre Augusto Trigo
A lenda de Alfa Môlo - ilustrações do mestre português José Ruy, um dos maiores ilustradores portugueses
A lenda da canoa papel - ilustrações do pintor guineense Lemos Djata;
Contos - ilustrações do mestre Augusto Trigo.
Paginação gráfica do miolo: João Filipe Feitor Pais
Edição: Ajuda Amiga/MIL/DG Edições
Impressão e acabamento: VASP DPS
1ª Edição: Fevereiro de 2017
ISBN: 978-989-8661-68-5
Reservados todos os direitos, de acordo com a legislação em vigor
Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento
ONGD - Organização Não Governamental para o Desenvolvimento
Site http://www.ajudaamiga.com
Nota
ortográfica |
3 |
Prefácio |
7 |
Prólogo |
9 |
Lendas
balantas |
11 |
Lendas
bijagós |
15 |
Lendas
mancanhas |
23 |
A lenda de
Sundiata Keita |
29 |
A lenda de
Djanqui Uali |
43 |
A lenda de
Alfa Môlo |
49 |
A lenda da
canoa papel |
55 |
Conto - A
lebre e o lobo no tempo da fome |
59 |
Conto - O
camaleão ganha a corrida ao lobo |
63 |
Conto - O
casamento do lebrão |
65 |
Conto - O hipopótamo
dá boleia ao lobo |
69 |
Conto - O
leão e o javali no tempo da sede |
73 |
Conto - O lobo e a lebre vão à pesca |
75 |
Conto - O lobo que queria comer os filhos da
lebre |
79 |
Conto - O menino e o patu-feron |
81 |
Breve
história do Império do Mali |
85 |
Breve
história do Império de Cabú |
89 |
Bibliografia |
93 |
Notas
Finais |
95 |
Foi com redobrado prazer e honra que acolhi o privilégio de ter sido convidado pelo meu amigo Carlos Fortunato para prefaciar o seu livro “Lendas e contos da Guiné-Bissau”, de resto, um livro em que se entrecruzam dois campos de pesquisa, em cujas intercessões torna-se possível divisar a constatação de que, infelizmente, persiste ainda um enorme muro de desconhecimento e de incompreensão que adejam África e, mais especificamente, sobre os guineenses e a Guiné-Bissau, donde a razão de ser do livro que agora o Fortunato dá à estampa, com o claro fim de reduzir os fossos de incompreensão existentes.
Com efeito, apesar de a longevidade deste período temporal ser relativamente longa, por nele perpassar o colonialismo e o pós-colonialismo, antecedidos ambos por um outro longo período de presença litorânea e comercial dos europeus em África, iniciada ainda no século XV, apesar disso tudo, como dizíamos, ainda não se proporcionaram, mesmo nos dias de hoje, formas mais clarividentes e mais racionais (entenda-se inteligíveis, eficientes e mesmo eficazes,) de propiciar um mais vasto interconhecimento sobre os guineenses e a Guiné-Bissau, os quais curiosamente personificam, pelo menos na obra em questão, a África. E a esta opção do autor, convém que se diga, não é alheia nem a sua vivência na Guiné e nem a sua ligação profunda com os guineenses e a Guiné-Bissau (dir-se-ia, a sua África), concorrendo tudo neste seu livro, para alicerçar uma visão de compreensão e entendimento do “outro” civilizacional.
Aliás, neste livro, para além de ser patente e inequívoca a simbolização de África pela via da personificação da Guiné-Bissau e dos guineenses, torna-se também curioso a aferição da forma como o autor, deliberadamente, procede a transposição biunívoca entre um mundo da realidade vivida e experimentada (assaz estudada e, por isso, imensamente publicitada), e, essoutra, menos conhecida, mas nem por isso menos importante, mas prenhe de lendas e mitos nos quais também se entrecruzam umampostulação teórica e empírica estribada na efabulação e na qual pontuam – numa harmoniosa triangulação explicativa – os ensinamentos que dão corpo a profunda sabedoria popular, em suma, uma espécie inteligibilidade ética e racional negligenciadas e mesmo desprezadas, mas igualmente cosmológicas e mesmo ontológicas na interpretação do autor.
E é justamente sobre essa abissal dimensão do desconhecimento, que o autor nos propõe combinações curiosas de inteligibilidade alternativas, sumamente criativas como antídotos subsidiários em prol de uma compreensão mais simples e, porventura, mais solidária, discorrendo sintomaticamente os esteios temáticos, curiosamente, por narrativas e modalidades literárias que, longe de pretenderem subestimar a cientificidade das abordagens comuns sobre África, também privilegiam histórias transmitidas pelos griots (uma espécie de embaixadores andarilhos da cultura), para além do fabulário, dos mitos, dos mitos fundadores, das lendas, dos enigmas e outras formas de expressão cultural igualmente genuínas e que podíamos, legítima e cumulativamente, apelidar de “estruturas mentais”, parafraseando o Philippe Ariès, estudioso francês que, à semelhança de Michel Foucault, seu compatriota, logrou colocar em relevo a importância do estudo das mentalidades.
Esta é, a nosso ver, a escolha essencial que o autor privilegiou nesta linda obra em que, na verdade, a interpretação do real e/ou a sua representação (verdade ou crença) é frequentemente feita a partir dos sentidos e do conhecimento adquirido, numa roda vida de indagação incessante sobre o que é real, de facto, pois que na aceção do autor, na medida em que as nossas explicações, estribadas ou não na cientificidade das coisas ou na sabedoria popular, afiguram-se mais como um conjunto de normas do que evidências, na justa medida em que um facto ou um ato é-nos sempre apresentado – tal como uma certa cosmovisão africana – através de um campo enorme de intrincados contextos, passíveis sempre estes de suscitar inúmeras escolhas interpretativas, a partir de interface cultural que jaz entre a aprendizagem e o desejo de melhor conhecer e de melhor explicar as coisas, os fenómenos e a própria cultura.
Nesta despretensiosa obra do Fortunato, sobressai, com efeito, uma narrativa em que, por via de regra, a verdade ampara toda uma narrativa próxima da realidade, a partir de um inextricável e enorme manto de esplendor cultural e de grandeza histórica.
Leopoldo Amado
Conheci a Guiné-Bissau em 1969, quando ali prestei serviço militar, e uma parte de mim lá ficou, obrigando-me a lá voltar, e ligando-me a ela para sempre, como uma segunda pátria.
A Guiné-Bissau é um país cativante, pois o guineense faz de cada visitante um amigo, recebendo como mais ninguém o faz.
A Guiné-Bissau é o ponto de encontro de muitas culturas, e isso dá-lhe uma enorme riqueza humana e cultural. As lendas e os contos são uma pequena parte dessa riqueza.
A razão de ser do presente livro é, preservar o passado e promover a compreensão intercultural, mostrando alguns momentos de grandeza da história da Guiné-Bissau, alguns dos nomes que a marcaram e um pouco da sua cultura.
As lendas e contos apresentados neste livro, são histórias que continuam a ser contadas à volta da fogueira ou cantadas pelos artistas, povoando o imaginário de quem as ouve. As recolhas das lendas e dos contos foram feitas ao longo dos anos, em contactos que tive na Guiné-Bissau, e em Portugal junto dos imigrantes guineenses.
Este livro foi escrito a pensar nos jovens, e tem por isso uma escrita simples e muitas imagens. O estudo do período histórico onde se desenrolam as lendas, permitiu acrescentar informação adicional, complementando e enquadrando um pouco as mesmas.
Cabe-me por fim agradecer aos que empenhada e entusiasticamente colaboraram desinteressadamente na construção desta obra. Sem eles, ela não teria sido possível.
A todos, o meu muito obrigado.
O autor [Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga]
Segundo uma lenda balanta, durante a criação do Mundo, Deus colocou os primeiros balantas junto ao rio Mansoa, na tabanca (aldeia) de Mancalã, perto da cidade de Mansoa. Os balantas eram ali felizes e prosperavam - arroz, milho, feijão, óleo de palma, mangas, cajus, limões, nada faltava aos balantas.
Com as suas enormes pás os balantas lavraram as bolanhas (1), construíram diques e ouriques, e o verde encheu os seus arrozais.
Os espíritos malignos espreitavam, e viam com inveja a felicidade dos balantas, pois Deus ao criar o Mundo colocou na terra espíritos bons e espíritos maus, afastando-se e deixando os homens à sua sorte.
Junto ao rio Mansoa, vivia um espírito maligno, o qual com inveja da felicidade dos balantas fez um dia transbordar a água do rio, o que destruiu as suas casas e inundou com água salgada as suas plantações.
Foram assim os balantas obrigados a abandonar as suas terras, e a espalharem- se pelo mundo.
Esta é a lenda, que explica a razão de os balantas se terem separado, dando origem a vários subgrupos.
A dispersão dos balantas por diversas regiões, segundo o historiador Carlos Lopes (2), ocorreu a partir da região do Óio, na qual Mansoa se inclui, existindo assim uma certa convergência com o que é referido na lenda.
Os balantas teriam partido do Óio, à procura de outros terrenos adaptados ao seu tipo de rizicultura, acabando por se instalar num território mais vasto, que vai desde Casamansa até ao rio Corubal.
O nome da tabanca de origem dos primeiros balantas varia consoante, a pessoa que conta a lenda.
A organização tradicional da sociedade balanta, sempre foi pouco hierarquizada, dado não aceitarem a existência de reis ou outras figuras semelhantes.
A única figura tradicional que representa o poder é o chefe da tabanca, o qual ouve o conselho dos homens grandes.
A organização dos balantas e a sua força, derivam dos seus sentimentos de igualdade, solidariedade e unidade. Não existem classes ou castas, nunca tiveram escravos ou servos e não aceitam que um membro seja evidenciado ou destacado.
O subgrupo dos balantas-mané foge à regra do que foi dito anteriormente, pois durante um breve período de tempo possuíram reis, mas a tirania e crueldade do último rei levou-os a regressarem à organização tradicional, convictos que uma só pessoa nunca deveria ter tal poder.
Os balantas-mané também chamados de balantas-bejaa (3), são balantas com ligações à etnia mandinga, e a sua cultura mostra essa ligação.
Os balantas-mané estão concentrados no sul do Senegal e na zona de fronteira da Guiné-Bissau.
Grandes trabalhadores, os balantas destacam-se também pelo seu espírito guerreiro. A palavra “balanta”, é uma palavra de origem mandinga, que significa “aquele que resiste”, foram assim designados face à sua resistência ao domínio mandinga.
Apesar do que foi dito anteriormente, apresenta-se a seguir uma breve história, de um nome que se destacou.
Na tabanca balanta de Kone, perto de Bula, nasceu um menino muito franzino, mas que, apesar do seu pouco peso e tamanho, era resistente.
Um dia, sem ninguém perceber porquê, um porco agarrou-o pela roupa com os dentes e largou a fugir para o mato com o menino.
As mulheres apontavam para o porco e gritavam:
- Kumba Yalá, kumba Yalá - em balanta, o porco é chamado de kumba, Yalá era o dono do porco.
Veio gente acudir aos gritos de kumba Yalá. Todos corriam atrás do porco do Yalá, mas este continuou a correr sem ninguém o conseguir fazer parar, e acabou por desaparecer no mato, deixando para trás os seus perseguidores.
A sua mãe N´Tutituti já desesperada pensava o pior, mas, depois de muito procurar o menino foi encontrado ileso, assim como o kumba do Yalá, que estava perto dele, e que afinal só o tinha querido levar a “passear”.
A partir desse dia, as pessoas que passavam pela tabanca perguntavam pelo menino do kumba Yalá.
E assim, seguindo a boa tradição balanta, em que são os acontecimentos que devem dar o nome às pessoas, ficou o menino com o nome de Kumba Yalá (4).
O menino cresceu, jogou futebol no Louletano, licenciou-se em filosofia, tornou-se um poliglota, um político, e no ano 2000 tornou-se no 8º Chefe de Estado da Guiné-Bissau. O nome de Kumba Yalá sempre o acompanhou, mesmo quando se converteu ao islamismo e mudou de nome.
Figura polémica e marcante da política guineense, Kumba Yalá, era também conhecido como o homem do barrete vermelho, do qual nunca se separava.
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