|
A granada defensiva M26A1 m/63 (Luís Dias, 2010) (**) |
1. Quantos milhares de toneladas de munições, granadas, minas, bombas e outros engenhos mortíferos consumiu a guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial (1961/74) ? (*)Ninguém saberá responder a essa pergunta, nem do nosso lado nem muito menos do lado do IN de outrora...
Quando muito, há dados parciais das NT, para alguns anos e teatros de operações (nomeadamente, Moçambique, 1970, 1971 e 1972), no que respeita ao número e tipo de munições e granadas consumidas por (e/ou fornecidas a) o exército.
Lá teremos que recorrer, mais uma vez, a um estudioso como o ten cor na reserva, Pedro Marquês de Sousa, doutorado em história pela FCSH / Universidade NOVA de Lisboa (2014), autor do livro "Os números da Guerra de África"(Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 381 pp.). Escreve o Pedro Marquês de Sousa (op. cit., pág. 300):
" O fornecimento de munições às tropas era um dos grandes desafios para a logística militar, pelo elevado peso e volume deste tipo de cargas, cujo transporte exigia ainda medidas especiais de segurança."
Sabe-se, por outro lado, que "os depósitos de armazenamento em cada uma das frentes tinham de manter os níveis adequados em face do consumo elevado (sic) pelas unidades de combate". Só em Moçambique, por exemplo, existiam oito complexos logísticos (Lourenço Marques, Beira, Tete.Vila Cabral, Mocuba, Nampula, Porto Amélia e Mueda), cada um deles devendo ter um "stock" crítico de material de guerra (munições, granadas e minas) (Op cit., pág. 302).
Ignora-se, por exemplo, quantos complexos logísticos deste tipo (ou depósitos de munições) existiam no TO da Guiné e onde estavam localizados... Pelo menos, deveria haver um ou mais em Bissau...
2. Ficamos com uma ideia aproximada dos consumos médios de munições e granadas, também por via dos fornecimentos.
Veja-se, por exemplo, para o caso de Moçambique, e para o ano de 1972, um resumo das quantidades das principais munições e granadas fornecidas, em milhares de unidades (por arredondamento por excesso ou defeito) (Adaptado por nós, op cit, pág.301):
- Munições 7,62 mm > 2152,3
- Granadas de mão defensivas > 4,2
- Granadas de mão ofensivas > 41,8
- Granadas de morteiro 60 mm > 6,3
- Granada de morteiro 81 mm > 5,7
- Minas A/P (antipessoais) > 43,2
No entanto, o consumo em operações era muito superior a estas quantidades (Vd. Quadro 1)_
Com base nestes números (Moçambique, em 1970 e 1971), o autor faz (indevidamente, quanto a nós, já que a média estatística pode ser altamente enganadora) uma estimativa do consumo médio anual de munições e granadas de uma "companhia operacional do Exército" (tipo "companhia de caçadores") (Op cit., pág. 302):
- Munições 7,62 mm > 34000
- Granadas de mão > 260
- Granadas de morteiro > 200
- Granadas foguete bazuca 8,9 > 30
Embora o autor ressalve que estes "valores médios" (sic) "variavam naturalmente conforme a zona e a (...) condição" da unidade ou subunidade operacional (companhia de intervenção, companhia de quadrícula, etc.), achamos que são valores que tanto podem pecar por excesso como por defeito... Não nos parece, todavia, que se possam extrapolar, facilmente para um teatro de operações na Guiné, com as suas especificidades...
3. O consumo de munições podia variar conforme o tipo de acção do IN e a sua duração, o treino, a disciplina de fogo das NT, o armamento, a missão, etc.
Por exemplo, numa emboscada de vinte minutos, no mato, numa picada ou numa estrada, uma companhia ou destacamento (em geral, três grupos de combate), 60/70 (e nunca 90) G3 podiam despejar no máximo 4 carregadores de 20 cartuchos cada uma, o que daria uma média de 4800/5600 cartuchos...
Depois havia, por cada grupo de combate (estou a pensar numa companhia de intervenção como a minha, a "africana" CCAÇ 12), mais as seguintes armas com os respetivos apontadores e municiadores (estes também equipados, em geral, com a G3, enquanto o apontador levava uma pistola Walther 9mm):
- 3 apontadores de dilagrama (um por secção de 9 ou 10 elementos);
- 1 apontador + 1 municiadores de metr lig HK 21 (de fita);
- 1 apontador + 1 municiador de LGFog 8,9;
- 1 apontador + 1 municiador de LGFog 3,7;
- 1 apontador + 1 municiador de morteiro 60...
Em resumo, três Grupos de Combate (mesmo completos) nunca queriam dizer 80 ou 90 espingardas automáticas G3, uma arma poderosa e fiável, melhor que a AK47, na opinião do antigo sargento 'comando', com 4 comissões, na Guiné e em Angola, o nosso querido amigo e camarada, Mário Dias (***), e que tinha com uma cadência (teórica) de 600/650 tiros por minuto (****).
Por sua vesz, e desde que não encravasse, a HK 21 (melhor só a MG42, mas muito mais pesada, c. 12 kg.) podia despejar centenas de munições 7,62 mm na resposta a uma emboscada... Mas em geral a malta tinha que saber gerir as munições, para poder chegar ao quartel com segurança...
Já na resposta aos ataques ao quartel, destacamento ou tabanca em autodefesa, de uma hora, cada G3 podia facilmente consumir 8 ou mais carregadores, de 20 munições cada... Milícias e civis em autodefesa tinham muito menos disciplina de fogo do que os miliatres...
Por outro lado, nas flagelações à distância (com morteiro 82 e 120, canhão s/r, foguetões 122 mm), era disparatado fazer tiro com a G3 (cujo alcance prático era de 300 metros)... Mas a verdade é que não havia cão nem gato (sem ofensa para nenhum camarada...) que não aproveitasse para fazer o gosto ao dedo, entrincheirado nos abrigos ou valas...
No mato, nos golpes de mão ou ataques das NT a objetivos IN (acampamentos, bases, etc.), a história era outra, e a disciplina de fogo era fundamental.
E depois havia a instrução e o treino na carreira de tiro... Não me lembro de alguma vez ter sido feito tiro na carreira de tiro de Bambadinca, depois de nós termos vindo do Centro de Instrução Militar de Contuboel em 18 de julho de 1969... Nem me lembro, no meu tempo, de haver restrições ao consumo de munições 7,62 mm... Tal como não me lembro quantas munições 7.62 mm levava (e quanto pesava) o respetivo cunhete de madeira... Pode ser que algum dos nossos quarteleiros se lembre... (e tenha fotos que nos possa facultar).
Pedro Marquês de Sousa cita, nas páginas 302/303 do seu livro, a Op Nó Górdio, que decorreu no Norte de Moçambique, de 1 de julho e 6 de agosto de 1970, que terá envolvido mais de 8 mil militares, e uma complexa logística. Aponta para os seguintes consumos nessa operação: - Géneros alimentícios > 590 toneladas;
- Rações de combate > 260 toneladas / 130 mil rações;
- Gasolina > 340 mil litros;
- Gasóleo > 460 mil litros;
- Munições > 158 toneladas.
4. Sabe-se que uma companhia (160 homens, em média) precisava de cerca de 880 toneladas de abastecimentos ao fim de uma comissão de 22 meses (40 em média por mês), incluindo 15,4 toneladas de munições (0,7 t por mês), o que em termos relativos representava apenas 1,75% do total (*****).
Enfim, ainda falando de consumos de munições, granadas, minas, etc., não temos números relativamente à artilharia no CTIG (no final da guerra, havia mais de uma centena de obuses 10,5e 14 e peças de artilharia 11,4, espelhados pelo território), nem relativamente à FAP e à Marinha...
Pode ser que alguma camarada destas armas satisfaça a nossa curiosidade (que é meramente intelectual, ao fim destes anos todos)...
Falaremos, entretanto, de alguns consumos parcelares da FAP (bombas, cartuchos, foguetes, napalm...) num próximo poste desta série.
__________
(...) É muito vulgar e frequente tecerem-se comentários depreciativos à espingarda G3, quando comparada à AK47. Em minha opinião, nada mais errado. Analisemos, à luz das características de cada uma e da sua utilização prática, os prós e contras verificados durante a guerra em que estivemos empenhados em África:
Comprimento: G3 - 1020mm | AK47 - 870mm;
Peso com o carregador municiado: G3 - 5,010Kg | AK 47 – 4,8Kg;
Capacidade dos carregadores: G3 – 20 cartuchos | AK47 – 30 cartuchos;
Alcance máximo: G3 – 4.000m | AK47 – 1.000m;
Alcance eficaz (distância em que pode pôr um homem fora de combate se for atingido):
G3 – 1.700m | AK47 – 600m;
Alcance prático: G3 – 400m | AK 47 – 400m
(...) Se, por um lado, temos mais tiros para dar sem mudar o carregador, por outro lado esse mesmo facto leva-nos facilmente, por uma questão psicológica, a desperdiçar munições. E todos sabemos como o desperdício de munições era vulgar da nossa parte apesar de os carregadores da G3 serem de 20 cartuchos.
O usual era, infelizmente, “despejar à balda” sem saber para onde nem contra que alvo. Sem pretender criticar a maneira de actuar de cada um perante situações concretas, eu, durante todas as acções de combate em que participei ao longo de 4 comissões, o máximo que gastei foi um carregador e meio (cerca de 30 cartuchos). Por tal facto, em minha opinião, a dotação e capacidade dos carregadores da G3 é mais que suficiente, além de que os próprios carregadores são mais maneirinhos e fáceis de transportar que os compridos e curvos carregadores da AK47. (...)
(****) Vd. poste de 23 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5690: Armamento (2): Pistolas, Pistolas-Metralhadoras, Espingardas, Espingardas Automáticas e Metralhadoras Ligeiras (Luís Dias)
(*****) Vd. poste de 11 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22707: A nossa guerra em números (4): Cada militar necessitava em média, por mês, de 240 kg de abastecimentos (no essencial, víveres e artigos de cantina, mais de 70%)... O consumo "per capita" mensal de outros artigos era o seguinte: 50 kg de combustíveis; 4,4 kg de munições; 3,1 kg de medicamentos; 1,6 kg de correio... E, miséria das misérias, tínhamos direito a... 520 gramas de víveres frescos por dia!