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sábado, 12 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27007: A Nossa Poemateca (10): Ovídio Martins (Mindelo, 1928 - Lisboa, 1999), um grande poeta cabo-verdiano bilingue


Ovídio Martins
(1928-1999)

1. Nos 50 anos da independência de Cabo Verde , temos de dar também a palavra aos poetas. Ovídio Martins (Mindelo, 1928 - Lisboa, 1999) é a nossa escolha para a série "A Nossa Poeemateca".

Ovídio Martins (1928-1999) é considerado um dos poetas cabo‑verdianos de referência do século XX.  Claro que há outros que teriam de figurar numa antologia da poesia de Cabo Verde. Citemos, por exemplo:

  • Baltasar Lopes da Silva  (pseudónimo Osvaldo Alcântara) (1907-1989): um dos fundadores da revista "Claridade", historicamente um marco na literatura cabo-verdiana ao procurar valorizar a identidade e a realidade das ilhas. Poeta, prosador, ensaísta, é uma referência maior da cultura cabo-verdiana do séc. XX: "Chiquinho" é um romance incontornável para quem se quiser iniciar na literatura cabo-verdiana.
  • Jorge Barbosa (1902-1971): também outro "Claridoso" (figura central do movimento "Claridade"),  a sua poesia faz-se da melancolia e do isolamento do arquipélago, mas também da esperança e da resiliência do povo cabo-verdiano.

  • Manuel Lopes (1907-2005): outro  cofundador da "Claridade",  explorou, em prosa e poesia, temas como a seca, a emigração e a vida rural em Cabo Verde.  Obras de ficção como "Os Flagelados do Vento Leste" e "Chuva Braba" são obras de referência do romance  cabo-verdiano, abordando a resiliência e o sofrimento dos ilhéus face às adversidades. Menos conhecida é talvez a sua obra poética:  "Poemas de Quem Ficou", "Crioulo e Outros Poemas" e "Falucho Ancorado"... Viveu grande da vida em Portugal, mas nunca cortando o cordão umbilical com a sua terra.

  • Corsino Fortes (1933-2015): já de outra geração, o autor de "Pão & Fonema" e "Árvore & Tambor", trouxe uma linguagem mais moderna e política para a poesia cabo-verdiana.
  • Arménio Vieira (n. 1941): Prémio Camões (2009), é o mais conhecido internacionalmente; voz muito original, também de outra  doutra geração,  explora questões mais  existenciais e metafísicas, afastando-se dos temas mais tradicionais e insulares da literatura cabo-verdiana, inaugurados com a "Claridade" (1936).

Com exceção de Jorge Barbosa e Arménio Vieira,  nascidos na Praia, os restantees são todos nados e criados na capital cultural de Cabo Verde, Mindelo, onde surgiu o movimento "Claridade" (a que Jorge Barbosa também está profundamente ligado). Desta revista literária, "Claridade", sairam nove números, entre 1936 e 1960.

E, en passant, não podemos esquecer o pai da morna, Eugénio Tavares (1867-1930), um dos primeiros a utilizar e valorizar o crioulo como língua literária. Nem o expedicionário em São Vicente, na II Guerra Mundial, o furriel miliciano, leiriense,  Manuel Ferreira (1917-1992),  que se irá tornar um grande apaixonado, estudioso, crítico e divulgador da literatura cabo-verdiana: tem 15 referências no nosso blogue;  mais tarde,  capitão SGE,  será também ficcionista, autor de "Hora di Bai" (romance) e de "Morabeza" (contos).

2. Mas voltando a Ovídio Martins... A sua poesia  é reconhecida pela força militante,  intervenção cívica, crítica ao colonialismo e  afirmação da  identidade cabo‑verdiana. Mas também pelo lirismo amoroso.  Foi um escritor bilingue (português e crioulo de São Vicente). Faz a transição entre a poesia militante e a afirmação da cabo-verdianidade. 

Sobre Ovídio Martins, importa referir algumas breves notas biográficas:
´
(i) nasceu em Mindelo, ilha de São Vicente,

(ii) fez o liceu Gil Eanes onde teve como o professor Baltazar Lopes;

(ii) frequentou o curso de Direito em Lisboa, entretanto interrompido por razões de saúde; na sequência do tratamento começou a sofrer de surdez:

(iii) empenhou-se na luta (política) pela independência, foi amigo de Amílcar Cabral, quatro anosais velho, e membro do PAIGC;

(iv) preso pela PIDE, exilou-se nos Países Baixos;

(v) voltou à sua terra, com o 25 de Abril, onde trabalhou no ministério da educação;

 (vi) morreu em Lisboa, em 1999, vítima de doença neurológia.

 
Principais obras:

  • Caminhada (Lisboa, 1962), primeira coletânea de poemas.
  • Tchutchinha (1962) – conto/novela, editada em Angola 
  • 100 Poemas – Gritarei, Berrarei, Matarei – Não vou para Pasárgada (1973) (reunindo poesia em ambas línguas, incluindo temas de resistência e exílio);
  • Independência (1983)(reflete o período pós‑independência)

Eis uma seleção nossa, de poemas da obra "Caminhada" (1963)

 
o único impossível 

Para Baltazar Lopes 

Mordaças 
A um Poeta? 

Loucura! 

E por que não 
Fechar na mão uma estrela 
O Universo num dedal? 
Era mais fácil
Engolir o mar
Extinguir o brilho aos astros 

Mordaças 
A um Poeta? 

Absurdo! 

E por que não 
Parar o vento
Travar todo o movimento?
Era mais fácil deslocar montanhas com uma flor 
Desviar cursos de água com um sorriso 

Mordaças 
A um Poeta? 

Não me façam rir!... 

Experimentem primeiro 
Deixar de respirar 
Ou rimar... mordaças 
Com Liberdade

desesperança

Cinco séculos depois
do
achamento de Cabo Verde


Sol ou mar
Chuva ou música
Sejas tu uma cadência
ou uma noite que se perdeu
Traz nos teus braços
a distância
que nos separa
do sonho impossível
Olhos cheios de secas
e de oceanos
Cheios de mornas
e de pouco milho
As promessas viraram cansaço
e já nem as luas acreditam
Sol ou mar
Chuva ou música
Para vós as glórias do achamento
Para nós os sonhos em ampulhetas



chuva em cabo verde


Choveu


Festa na terra
Festa nas Ilhas
Soluçam os violinos choram os violões
nos dedos rápidos dos tocadores
«Dança morena
dança mulata
menininha sabe como vocês não tem»
E elas sabinhas
dão co’as cadeiras
dão co’as cadeiras


Choveu


Festa na terra
Festa nas Ilhas
Já tem milho pa cachupa
Já tem milho pa cuscus
Nas ruas
nos terreiros
por toda banda
as mornas unem os pares nos bailes nacionais
Mornas e sambas
mornas e marchas
mornas mornadas


Choveu


Festa na terra
Festa nas Ilhas
que cantam e dançam e riem
e choram de contentamento
Soluçam os violinos choram os violões
nos dedos rápidos dos tocadores
«Dança morena
dança mulata
menininha sabe como vocês não tem»
E elas sabinhas
dão co’as cadeiras
dão co’as cadeiras
dão co’as cadeiras



nôs môrte


Quem ê q’morrê
qond quel navio
desaparecê
na mar de canal?


Nós tude morrê um c’zinha

Quem ê q’morrê
qond quel bôte
tcheu de pêscador
perdê na nôte?

Nós tude morrê um c’zinha

E quel carta de lute
quem ê q’morrê
qond tchgá noticia de Son T’mê

Nós tude morrê um c’zinha


A nossa morte

Quem é que morreu
quando aquele navio
desapareceu
no mar do canal?

Todos nós morremos um bocadinho...

Quem é que morreu
quando aquele bote,
cheio de pescadores,
se perdeu na noite?

Todos nós morremos um bocadinho...

E aquela carta de luto,
quem é que morreu
quando chegou a notícia de São Tomé?

Todos nós morremos um bocadinho...


 


cretcheu


Calá, ca bô tchôra más 
’n ta tróbe um morninha 
que ta dobe ’ligria e paz 
que ta pobe sorrise na boca 

Calá ca bô tchora más 
nha amor ê forte carditá 
nha violão ê más doce 
q’cónte de seréna ta pintiá 

Calá ca bô tchora más 
bô ê morna morna ê bô 
e s’m perdebe mi era capaz 
de perdê tine perdê nha vida.

Cretcheu

Cala-te, não chores mais,
vou-te fazer uma morninha
que te traga alegria e paz
e te põnha  um sorriso nos lábios.

Cala-te, não chores mais,
o meu amor é forte, acredita,
e o meu violão é mais doce
do que um conto de sereia consegue  pintar.

Cala-te, não chores mais
tu és morna, morna és tu
e, se eu te perder, 
eu seria  capaz de perder o tino 
e perder a minha vida.

 


um r’bêra pa mar 

Tem um r’bêra ta corrê pa mar... 
R’bêra sem ága 
má tcheu de dor e raiva 
de desuspêre e agonia 
El ta tcheu de sperança
 inganóde e de promessa inrolóde na fume 

Tem um r’bêra ta corrê pa mar
R’bêra sem ága 
ma’l tem sangue 

Sangue daquês que morrê na terra-longe 
na traboi scróve 

Sangue daquês q’caí de rotcha 
pa ca morrê de fôme 

Sangue d’irmon que matá irmon 
pa inganá és dstine de séca 
dstine qu’ês marróne 
má dstine  que nó ca qrê 

Tem um r’bêra ta corrê pa mar...



Uma ribeira para o mar

Há uma ribeira que corre para o mar...
Ribeira sem água,
mas cheia de dor e raiva,
de desespero e agonia.
Está cheia de esperança,
enganosa e de promessas enroladas em fumo.

Há uma ribeira que corre para o mar,
ribeira sem água,
mas que tem  sangue.

Sangue daqueles que morreram na terra-longe,
em trabalhos escravos.

Sangue daqueles que caíram dos penhascos
para não morrer de fome.
Sangue de irmão que matou irmão
para enganar esse destino da seca,
destino a quer estamos amarrados,
mas é um destino
que nós não queremos.

Há uma ribeira que corre para o mar...



morabeza 

’M tá gostá de bô ser 
um spêce de porte d’abrigue 
Qond tempôral b’tasse mim 
dum conte pa ote 
’m tá tem certéza 
na bô morabéza: 
dôs bróce quente pa quecême 
dôs oi monse pa serenóme 
e um boca doce pa calentóme


Morabeza


Gosto que tu sejas
o meu  porto de abrigo
Quando a tempestade me sacode
de um lado para o outro,
eu tenho a certeza
da tua morabeza:
dois braços quentes para me aquecer
dois olhos mansos para me acalmar
e uma boca doce para me acalentar



In:  "Caminhada". 1ª edição. Lisboa:  Casa dos Estudantes do Império. Colecção de Autores Ultramarinos,  1963 (disponível em https://www.uccla.pt/sites/default/files/caminhada.pdf )


(tradução para português europeu,   com recurso à IA, revisão, fixação de texto, pontuação, na coluna do lado direito: LG... E a generosa supervisão  do jornalist, radialista e escritor, e nosso camarada de Cabo Verde, Carlos Filipe Gonçalves)







Fonte: (1975), "Diário de Lisboa", nº 18807, Ano 55, Sábado, 5 de Julho de 1975, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4405 (2025-7-12) (com a devida vénia...)


 

Guiné 61/74 - P27006: Convívios (1039): Rescaldo do XLIV Convívio do pessoal da CCAV 2639, levado a efeito no passado dia 21 de Junho de 2025, em Azoia - Leiria (António Ramalho, ex-Fur Mil Cav)


1. Mensagem do nosso camarada António Ramalho (ex-Fur Mil At Cav da CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71), com data de 11 de Julho de 2025:

Caro Luís, bom dia!
Espero que estejas bem assim como a tua família e os restantes Tabanqueiros.
Quando for oportuno agradeço-te que insiram no nosso blogue as imagens do nosso último encontro em Azóia, Maceira, Leiria, no passado dia 21/6/2025.
Desta vez o número de presenças foi muito reduzido, uns por questões pessoais, familiares ou de saúde.
Infelizmente alguns já partiram, contudo há uma nota que gosto sempre de realçar, regressamos todos os que embarcaram no UÍGE, com destino à Guiné, em 1969.
Para uns as suas melhoras, que regressem com brevidade, para os que já partiram que repousem em Paz!
O camarada José Pernão, 1.º Cabo Cripto, um elvense de gema, substitui com o seu Corno Africano, o Clarim João Linguiça, que não compareceu, no toque de reunir para o "rancho", bons momentos!
O camarada Rui Veríssimo propôs-se organizar o próximo encontro, vamos aguardar!

Um forte abraço para todos
António Ramalho (757)

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Nota do editor

Último post da série de 3 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26877: Convívios (1038): Fotorreportagem do 61º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Algés, 29 de maio de 2025 (Manuel Resende / Luís Graça ) - Parte IV

Guiné 61/74 - P27005: Parabéns a você (2394): Sargento Mor Paraquedista Ref, António Dâmaso da CCP 121 e CCP 123/BCP 12 (Guiné, 1969/70 e 1972/74)

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Nota do editor

Último post da série de 9 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26996: Parabéns a você (2393): Adriano Moreira, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro (1968/70) e Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa e Empada, 1968/70)

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27004: Efemérides (461): Foi inaugurado no passado dia 6 de Julho de 2025 um Memorial dedicado aos antigos Combatentes da guerra do ultramar da freguesia de Areias de Vilar, concelho de Barcelos (José Morgado, ex-Soldado CAR)

1. No seguimento desta mensagem enviada em 8 de Julho de 2025, ao Blogue, através do Formulário de Contacto, por José Morgado:

Não sei se há enquadramento e interesse em divulgar a inauguração de mais um Memorial para memória futura, dedicado a todos os ex-Combatentes da minha Freguesia de Areias de Vilar em Barcelos. O tempo exige que se registe os quantos passaram por Angola Guiné Moçambique, para que os mais novos saibam mais sobre a história da sua localidade.
Tenho imagens do memorial e da cerimónia que foi presidida pelo Núcleo da Liga dos Combatentes do qual faço parte, e demais entidades.

Cumprimentos,
José Morgado


Recebemos nova mensagem em 10 de Julho, do nosso camarada José Joaquim Martins Morgado, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da 2.ª CART/BART 6521/72 (, 1972/74):

Viva Amigo, Carlos Vinhal.
Sim, sou um Camarada de armas em tempo na Guiné, como Soldado Condutor nos anos 72-74 do BART 6521, localizado no Pelundo, e da 2.ª Companhia à qual pertencia, destacada na região de Có.
No decorrer do tempo como missão, houve vários ataques ao quartel e à estrada, das quais, numa delas houve baixas das nossas tropas, da parte da Milícia um morto e sete feridos graves. Das nossas tropas, um oficial, um sargento, um 1.º cabo e dois soldados feridos e evacuados para Bissau. Da população que viajava na coluna militar, houve 10 mortes e 13 feridos em estado grave.

No mesmo ano de 73, fomos mais uma vez atacados ferozmente à estrada, onde nos esperava o IN para atacar o grupo de Marcelino da Mata. Circulava apenas uma viatura entre Có e Bula sendo eu o condutor, onde sofremos uma baixa mortal do Grupo do Marcelino e 3 feridos evacuados para Bissau do aeródromo de Bula.

Foi um mau tempo no ano 73, durante seis meses com bastantes movimentações de patrulhamento quer apeados quer de carro, durante a noite. Patrulhamento destinado aos treinos de formação do Grupo Alferes Marcelino da Mata, por todos sobejamente conhecido.


Falando agora do Memorial inaugurado no dia 6 de Julho de 2025, ele foi erigido a meu pedido, em nome de todos os Camaradas ex-Combatentes nas várias colónias ultramarinas, concretamente Angola, Guiné e Moçambique, desta freguesia.
Em fim de mandato e na hora certa, propus ao atual presidente da União de Freguesias de Areias de Vilar e Encourados, a edificação de algo que preservasse no tempo e na memória de quem com tanto sacrifício se debateu por uma causa, que hoje passados 51 anos do nosso regresso, morre no esquecimento das atuais gerações e de sucessivos governos! mas que não morra nos locais, nas famílias que com tanto sofrimento nos viram sair e que muitos já não voltaram mais.

Assim, o Presidente da Junta de Freguesia, José António Coelho, delegou-me para que construísse o projeto assim como o local a implantar.

Sendo eu formado com uma licenciatura e mestrado na área de Design Industrial, reuni objetivos para a construção com três pontos fundamentais. O primeiro em que não faltasse o nome de ninguém na inscrição que tenha ido ao ultramar, o segundo a recriação como prece das Mães à Sra. do Socorro, lugar onde foi edificado, porque era o local onde as Mães acorriam aos domingos rezando o terço. E em terceiro lugar na face central do Memorial a demonstração daquilo que fomos… o esboço de um soldado com uma arma.

Como sócio da Liga dos Combatentes e de outras, recorri a esta para a aquisição do brasão, que me foi oferecido, assim como todo o apoio necessário se fizesse falta.

Requeri para a inauguração a presença de uma força militar do Regimento de Cavalaria de Braga, e a presença do Liga dos Combatentes do núcleo de Braga, que não falta da força militar por razões evocadas não foi possível estarem presentes sendo assim a inauguração foi presidida pelo Excelentíssimo presidente da Liga de Braga Coronel António Manuel Estudante Mendes de Oliveira acompanhado por mais 2 oficiais, o Presidente da Freguesia Sr. José António Coelho e membros da assembleia da união de freguesias da UAV.

A cerimónia iniciou-se às 16h00 com Missa pela comunidade e por todos os ex-Combatentes já falecidos presidida pelo nosso Pároco Reverendo Walter Torres, onde esteve presente a comunidade das duas freguesias Areias de Vilar e Encourados.

Inauguração às 17h00 onde se aguardava a presença anunciada do Presidente da Câmara de Barcelos Dr. Mário Constantino, o que não veio a acontecer.

Num âmbito pessoal e geral, fico satisfeito por ter levado ao fim esta minha pretensão da edificação deste Memorial, por estarmos na Guiné praticamente ao mesmo tempo dois irmãos, sendo eu mais novo.

Algum pormenor que faça falta, é só dizer que estarei à disposição!
Com elevada estima, subscrevo-me,
Abraço,
José Morgado

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Nota do editor

Último post da série de 30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26970: Efemérides (460): Rescaldo da cerimónia de inauguração do Memorial em homenagem aos Combatentes de Leça da Palmeira caídos em campanha na guerra do ultramar

Guiné 61/74 - P27003: Notas de leitura (1818): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 2 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
No meu livro "Guiné, Bilhete de Identidade, A Presença Portuguesa na Senegâmbia", que se publicou em 2024, procurei no texto da contracapa resumir os primórdios da nossa presença na região, deste modo:
"Tudo começa por um conjunto de navegações: dobrado o Cabo Bojador, descoberta a Angra dos Ruivos, o Rio do Ouro, a Pedra da Galé, o Cabo Branco e Arguim, Nuno Tristão chega à Terra dos Negros, ultrapassa a Terra dos Pardos, reclama-se que chegámos à Etiópia Menor - não estávamos longe do Níger (pensava-se). Anos depois, talvez em 1446, Álvaro Fernandes chega à enseada de Varela (curiosamente uma praia na fronteira norte da Guiné-Bissau). Não se assentam arraiais, pois não há condições de ocupação. Vai começar o comércio e um conjunto de viagens que permitirão conhecer a complexidade daquele mosaico étnico, predominantemente entre o Cabo Verde (hoje Senegal) e a Serra Leoa, região que passará a ser designada por Senegâmbia. Os navegantes exploram rios, como o Gâmbia, o Senegal, o Geba, o Grande de Bolola. O comércio circunscreve-se às rias e rios, começa a surgir uma comunidade luso-africana que colaborará neste comércio de homens e mercadorias, comércio feito com as chefaturas africanas.".
Achei por bem pesquisar obras de incontestável valor historiográfico para melhor se entender o como da nossa presença na região, ninguém como Vitorino Magalhães Godinho podia servir para primeiro guia. Recomendo a quem se interessa por este estudo o seu livro que está atualmente a ser comercializado com o título "A Expansão Quatrocentista Portuguesa", Publicações Dom Quixote.

Abraços do
Mário



Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 2

Mário Beja Santos

Escrevi um dia que a Guiné foi a primeira colónia do mundo moderno. Pura mentira, prova do que eu ignorava quanto à natureza dos primórdios da nossa presença naquela região da Costa Ocidental Africana. Afinal, andámos pelas rias e rios, um tanto pela orla marítima, a ocupação de território era ficção, pagávamos tributo às chefaturas para ali fazer trato comercial. Foi Vitorino Magalhães Godinho quem, de modo claro e inequívoco, numa obra que teve a sua 1.ª edição em 1962, intitulada A Expansão Quatrocentista Portuguesa, e agora reeditada em Publicações Dom Quixote, revelou como fazíamos comércio, nesta região que dava pelo nome de Senegâmbia, desde o rio Senegal até ao rio Geba, como vimos no texto anterior.

Retiramos da mesma obra um texto subsequente (páginas 338, 339 e 340), denominado Os Resgates ao Sul do Geba e na Serra Leoa, transcrição integral:
“Passados os rios Nalus, dos Pescadores e Pichel onde parece que não houve tráfico de grande importância, para o Sul, chega-se ao rio de Nuno. Aqui e nesse mesmo período, carregavam os portugueses muito marfim; também adquiriam escravos, mas em pequeno número. Em todo o litoral desde o Geba ao Cabo da Verga os negros vendiam algum ouro, mas principalmente muitos escravos; ficavam, em paga, com alaquecas, contas, estanho, lenços, manilhas de latão, panos vermelhos, e bacias como as de barbeiro.

A costa desde o Cabo da Verga até à Serra Leoa era de pouco trato. O único local onde atingia certa importância era o rio de Case (atual Skarcies). Aqui havia ouro muito fino, embora em pequena soma, e os indígenas vendiam escravos e colares de marfim, resgatando estas mercadorias por bacias de latão, alaquecas, panos vermelhos e lenços, que os cristãos lhes levavam.

No reinado de D. João II tentou-se estabelecer o comércio no rio de Bintombo, junto ao extremo ocidental da Serra Leoa. Chegou a edificar-se uma fortaleza na margem do rio a cinco léguas da foz, mas depois foi mandada derribar.

Não temos informações sobre as datas do início do trato com a Costa da Guiné desde o Geba até o começo da Serra Leoa. Mas esta Costa não foi descoberta antes de 1486 – então o ponto mais meridional atingido era o Biguba (correspondente ao Rio Grande de Buba) precisamente – e é provável que o tenha sido em 1460, pois Duarte Pacheco que até à morte de D. Henrique se descobrira até à Serra Leoa. Antes de 1469 já este trecho do litoral era bem conhecido e já deviam efetuar-se transações com os indígenas; na verdade, nessa data é incluído na concessão a Fernão Gomes.

A costa da Serra Leoa, que começa no cabo Ledo e acaba na mata de Santa Maria, foi descoberta por Pedro de Sintra e Soeiro da Costa, nos anos de 1461 e 1462. Segundo o Conde de Ficalho, em cuja esteira seguiram Fontoura da Costa e Damião Peres, ainda em 1469 seria mal conhecida – e por isso não daria lugar, por maioria de razão, a relações mercantis regulares – porquanto no contrato com Fernão Gomes é marcada a Serra Leoa como o termo dos descobrimentos de Pedro de Sintra e Soeiro da Costa. Mas a ilação talvez não seja fundada: pode o diploma (que aliás só conhecemos pela exposição que dele fez João de Barros) referir-se ao extremo oriental da Serra e não ao de Oeste, ao ter deixado à concorrência privada o trecho da Serra Leoa precisamente.

Desde que se iniciou o trato com os Bolões da Serra, que habitavam ao longo do mar, os portugueses compravam-lhes ouro – assaz fino, pois de quase 23 quilates, talvez o melhor de toda a terra da Guiné. Os Bolões obtinham ouro do sertão a troco de sala, recebendo em paga, dos cristãos, manilhas de latão, bacias como as de barbeiro, lenços, panos vermelhos, alaquecas, panos de algodão, etc. Nesta região da Serra Leoa, também há muita algália e marfim, alguma malagueta – de esplêndida qualidade – e papagaios pardos. Vejamos agora alguns dos resgates que os portugueses estabeleceram.

Navios pequenos subiam o rio das Gamboas, que desagua na Furna de Sant’Ana, até à povoação Harhaorche; aqui resgatava-se algum ouro e escravos por alaquecas, manilhas de latão, panos vermelhos, lenços e bacias de latão. Mais importante era o tráfico no rio das Palmas; também aqui os navios subiam o rio, passando por sete aldeias, até à grande povoação de Quinamo. Com as mercadorias que já enumerámos, podiam os portugueses carregar por ano 1500 dobras e mais de ouro e alguns escravos; os indígenas compravam o estanho por bom preço. Em compensação no rio das Galinhas não se comerciava.

Os Cobales da região de Cóia, à qual se chega subindo o curso do rio dos Manos (repare-se que temos vindo ao longo do mar de Noroeste para Sudeste), é que eram os grandes produtores do metal amarelo nesta área da Serra Leoa. Vendiam-no contra sal e estanho principalmente, embora aceitassem também as mercadorias de que tanta vez temos falado.

O trato da Serra Leoa andou arrendado anteriormente a 1502: num ano teve-o Pêro de Évora por 600 000 reais; noutro ano o arrendatário foi António Fernandes; de outra vez arrematação fez-se por 640 000 reais. De 1510 a 1513 os rendeiros foram Joham de Lila e Joham de Castro, que pagavam anualmente 535 000 reais; da vintena do comércio de 513 quintais de pau vermelho nos três anos entregaram ainda à Coroa 25 quintais, 2 arrobas, 19 arráteis e quarta. Logo a seguir aparece-nos o trato da Serra Leoa arrendado a uma parçaria capitaneada por Cristóvão de Haram, a qual pagou 1 817 000 reais por três anos, ao que parece.

Da costa da Guiné desde o rio Senegal até o extremo oriental da Serra Leoa os portugueses importavam anualmente, durante o período de prosperidade deste comércio, o total de pelo menos 3500 escravos, consoante nos informa o Esmeraldo. Este número é bastante plausível, se nos lembrarmos de que havia pelo menos 14 resgates principais, e que só do Senegal provinham uns 400. Mas entre 1505 e 1520 já este tráfico não era tão volumoso, a aceitarmos a tendência para a diminuição indicada pela mesma fonte.

Não conhecemos a média anual do ouro proveniente da mesma totalidade da costa. Conquanto cada resgate de per si não fosse geralmente de grande volume, deviam totalizar soma considerável, pois só do Gâmbia vinham para Portugal por ano 5 a 6000 dobras; dos restantes pontos do trato devia vir bem mais de outro tanto.

Eram estas duas as principais mercadorias que os portugueses adquiriam do Senegal à mata de Santa Maria. Em segundo plano aparecem o marfim, a algália, o algodão. De menor importância, a malagueta (por ser em pequena quantidade) e os papagaios.”
.

Deixamos para próximo texto o regime do comércio da Terra dos Negros. No seguimento desta obra de Vitorino Magalhães Godinho iremos a outro livro deste grande historiador, que tem o título Documentos Sobre a Expansão Portuguesa, editado em 1943 para transcrever um documento de Duarte Pacheco e outro de João de Barros.


Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011)

(Continua)
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Notas do editor:

Vd. post anterior de 4 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26984: Notas de leitura (1816): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 1 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 7 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26992: Notas de leitura (1817): “Os Caminhos da Morte”, por Manuel da Costa; Nimba Edições, 2023 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27002: Facebook...ando (88): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte VI: Passando por Bambadinca, Bambadincazinho...






Foto nº 1, 1A  e 1B > Mercado de Bambadinca que se estende ao longo da antiga estrada que atravessava a localidade e o aquartelamento (seguindo para sul: Mansambo, Xitole, Saltinho)... Era uma estrada coberta de poilões, onde se situava, de um lado e do outro o reordenamento de Bambadincazinho e a antiga missão do sono onde as NT todas as noites faziam segurança próxima ao aquartelamento (que distava menos de 1 km deste local). 

São visíveis na foto, do lado direito, pelo menos três  moranças com telhado de zinco que pertenciam ao antigo reordenamento do tempo do BCAÇ 2852 (1968/70) e da CCAÇ 12 (1969/71).




Foto nº 2 e 2A  > Bambadinca: mercado e do lado direito vêr-se a antena retransmissora que ficava no centro do antigo quartel das NT (e que continua a ser quartel, agora das Forças Armadas da Guiné-Bissau)... 

Por outro lado, são bem visíveis, no lado esquerdo, os postes de eletricidade e as antenas parabólicas... Bambadinca foi pioneira, na eletrificação, com a construção de uma central solar híbrida...

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Maio de 2025 > Fotos do álbum do João Melo (com a devida autorização do autor e vénia do editor LG...)

Fotos (e legendas): © João de Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Melo (ou João Reis de Melo), ex-1º cabo op cripto, 
CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74):


(i) é profissional de seguros, vive em Alquerubim, Albergaria-a-Velha;

 (ii) viaja regularmente, desde 2017, para a Guiné-Bissau, em "turismo de saudade e de solidariedade" (em que distribui material pelas escolas de Cumbijã, e apoia também, mais recentemente, o clube de futebol local); 

(iii) regressou há pouco tempo da sua viagem deste ano de 2025; 

(iv) fez uma visita demorada à Amura e ao atual Museu Militar. em plena zona histórica (Bissau Velho); 

(v) tem página no Facebook (João Reis Melo)

(vi) tem cerca de duass dezenas e meia de referências no nosso blogue para o qual entrou em 1 de março de 2009.


1.  Na sua viagem, em maio passado,  de Bissau a Cumbijã,  no sul, na região de Tombali, o nosso grão-tabanqueiro João Melo passou por Bambadinca e teve a gentileza de tirar fotos, que agradecemos... Bambadinca era a porta do Leste.

Já publicámos três fotos anteriormente (*), temos agora mais duas, que ajudam a perceber como a atual vila se expandiu sobretudo para sul / sudeste, a partir da antiga pista de aviação e do reordenamento de Bambadincazinho. (**)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Cresceu imenso em 50 anos, e nomeadamente ao longo da estrada que segue para o sul (Xitole, Saltinho, Quebo...), numa extensão de 3 quilómetros. À esquerda, ao alto, uma curva do rio Geba. No mapa vem assinalada a igreja católica de Bambadinca, no coração do antigo quartel (que ficava num pequeno planalto) (ao lado da igreja, ficava a secretaria da CCAÇ 12, 1969/71, e por detrás a antena de telecomunicações)... À direita, a grande bolanha de Bambadinca. À esquerda e a norte ficava o rio Geba Estreito. É visível também a central solar híbrida que deu vida a Bambadinca.

Fonte: Cortesia do  ©2025 Google Maps



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá : Setor L1 (Bambadinca ) > Carta de Bambadina (1955) > Escala dr 1/50 mil > Pormenor >    Já em 1955, Bambadinca era uma importante povoação do leste, posto administrativo da circunscrição (concelho) de Bafatá, com campo de aviação, posto sanitário, correio, telégrafo e telefone, escola pública, casas comerciais (incluindoo a Gouveia) e porto fluvial... Ficava no regulado de Badora, e tinha importantes núcleos populacionais de fulas, balantas e mandingas.

A 12 km do Xime (que ficava a sudoeste), Bambadinca era o principal porto do Rio Geba Estreito. Era também um importante nó rodoviário, placa giratória para o coração do leste (Bafatá, Nova Lamego e fronteira com o Senegal e com a Guiné-Conacri, na altura - em 1955 - ainda não indepedentes, sendo "chão de francês"...). 

Para o sul, partia a estrada que ia até ao limite sul da região de Bafatá, o Saltinho, na margem direita do Rio Corubal). Do outro lado, já era a região de Quínara e depois a região de Tombali... Antes da guerra, tinha havia a estrada que vinha de Bissau a Bambadinca, através de Porto Gole. Já no final da guerra, havia uma estrada alcatroada, quase pronta, ligando, Bissau a Bambadinca, via Jugudul, e que seguia para o sul (em 2008, fiz este percurso até Quebo, a caminho de Guileje... o alcatrão acabava em Mampatá / Quebo)..

Em 1969, tinha duas companhias (CCS/BCAÇ 2852, CCAÇ 12), 1 Pel Mort (-), 1 Pel Rec Daimler, 1 Pel Caç Nat, 1 Pel Int... ou seja, mais de 400 homens em armas. Para uma população de 2 mil habitantes (núcleo urbano). 

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27001: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/69) (4): A carta de condução, tirada na Escola de Condução Angélica da Conceição Racha


Crachá da CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 , "Brutos" (Tite e Fulacunda, 1968/69),
grão-tabanqueiro nº 905, ex-fur mil at inf CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69) (*)


Joaquim Caldeira, ex-fir mil at inf,  CCACÇ 2314, "Brutos", TIte e Fulacunda, 19689/609; nosso grão-tabanqueiro nº 905, ex-fur mil at inf CCAÇ 2314 

Fotos (e legendas: ©  Joaquim Caldeira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


A CARTA DE CONDUÇÃO

por Joaquim Caldeira (*)


Decorria o verão de 1969 e a situação política não alterara em nada a situação militar.

Era muito difícil sair dos buracos que nos estavam reservados. Só com uma forte justificação tal era consentido.

Mas forte justificação tinha eu quando solicitei autorização para me deslocar a Bissau a fim de fazer exame de condução, o qual tinha sido requerido havia mais de seis meses.

Deferido. Só faltava transporte para a cidade e marcar a data do exame, depois de ter alugado viaturas para tal.

E lá fui, desta vez não me lembro de que meio de transporte nem como decorreu. Sei que marquei o exame para o dia seguinte –
tinha prioridade por ser bicho de mato – e só faltava alugar a viatura. 

Desloquei-me à Escola de Condução Angélica da Conceição Racha (**), onde era instrutor um antigo soldado condutor que passara por Fulacunda e com quem eu fizera amizade.

Aluguei um camião com atrelado e uma mota para o exame das duas modalidades.
À hora marcada, o Paulo, o tal condutor, estava com as viaturas preparadas eis que chega o alferes examinador.

Comecei pelo código, a que respondi muito satisfatoriamente, depois das lições que o Durão me deu e que complementei com uma leitura rápida do livro e, passado nesta fase, passei à prática, obtida sem consentimento do Fernando Almeida.

– Um apito é para fazer dois oitos para a esquerda. Dois apitos são para fazer dois oitos para a direita. Três apitos são para regressar a este local e acabar o exame. 
Depois, passamos ao exame do camião   disse o alferes.

E lá vou eu, fazendo tudo muito certinho, regressando ao local de partida aos três apitos. Aí, quis brilhar. Lembrei-me de passar uma rasteira ao alferes e, quando quis travar para parar, a mota não parou. Entrou pela escola dentro.

– Azar, nosso furriel. Depois de uma prova tão boa não o posso passar. Deu muito nas vistas.

Fiquei vacinado e nunca mais pensei na mota. Fiquei-me pela carta de tractor com reboque.

Era assim. Agora, um pouco diferente. Vejam como circular nas rotundas.

Joaquim Caldeira


(**) Segundo a Wikipedia, citando a agência Lusa, em 2013 seria a escola de condução mais antiga da Guiné-Bissau.

Adaptou-se aos novos tempos, e depois independência da ex-colónia portuguesa, passou a denominar-se também por Escola de Condução 3 de Agosto. 

Dá ainda aulas em viaturas da época colonial. O parque automóvel é constituído essencialmente por viaturas bastante antigas

A escola já pertenceu a um português, migrado na ex-colónica portuguesa, de seu nome Telesfório Américo Racha. Tendo mais tarde pertencido a Augusto Soares, entretanto falecido. Actualmente o proprietário é João Augusto Soares, de 59 anos, irmão do anterior dono e conhecido em Bissau como “mestre Joãozinho”.

Guiné 61/74 - P27000: S(C)em Comentários (74): o telegrama fatal: (...) Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho (...) ocorrido dia (...) Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências" (...)


João Carlos Vieira Martinho, natural de Sobreiro Curvo, A-dos-CVunhados, Torres Vedras, ex-fur mil cav,  EREC 8740/3, Bula, morto em combate em 25/5/1973.


Fotos (e legendas): © Eduardo Jorge Ferreira  (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Exemplo, acima,  de um telegrama enviado à família de um militar,  morto em 25/5/1973, no CTIG, o fur mil cav João Carlos Vieira Martinho, natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras, com data de 26 de maio de 1973, às 12h32, assinado pelo Comandante do Depósito Geral de Adidos, Ajuda, Lisboa. 

"Nº 602787. Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho furriel miliciano João Carlos Oliveira 
[lapso, Vieira ] Martinho ocorrido dia 25 corrente Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências

"Comandante Depósito Geral de Adidos,
Lisboa".

Era o fatal telegrama (*)... Todos temíamos que um dia pudesse chegar também a nossa casa um de igual teor.... Como chegou à casa do José António Canoa Nogueira, do José Henriques Mateus, do João   Carlos Vieira Martinho e de tantos outros nossos camaradas mortos durante a guerra colonial.



Arsénio Marques Bonifácio da Silva (1951 - 1972), sold at inf, CCS/BCAÇ 12 (Angola, 1972).
Morreu ao fim de 3 meses, vítima de uma mina A/P, em 4/9/1972


2. O outro telegrama que a família do morto (neste caso o lourinhanense Arsénio Marques Bonifácio da Silva)  recebia, a seguir,  era do mesmo teor, frio, seco, impessoal, burocrático, desumano (**):

"Nº 604830.  Renovando condolências solicito V Exa informar-nos via telegrama máxima urgência se deseja transladação militar falecido por conta Estado caso afirmativo caberá V Exa adquirir local para depósito corpo indicando cemitério destino segue ofício elucidativo. Comando Depósito Gerak Adidos Lisboa"



Fotos (e legendas): © Jaime Bonifácio Marques da Silva  (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


3. O Jaime Bonifácio Marques da Silva já aqui reconstituiu os trâmites burocráticos da morte, incluindo a comunicação da morte (ou do desaparecimento)  de um militar,  durante a sua Comissão no Ultramar (*):

O comandante da unidade ou subunidade a que pertencia o militar em questão, comnunicava  via rádio as circunstâncias da ocorrência ao superior hierárquico; por sua vez, encaminhava o "assunto" para o departamento responsável, o Depósito Geral de Adidos (DGA), na Ajuda, em Lisboa:

A partir desse momento todas as formalidades eram da competência do DGA, a quem incumbia:

(i) informar todos os departamentos governamentais e das Forças Armadas com responsabilidades na condução da guerra;

(ii) enviar um "telegrama à família", via CTT, a dar a notícia ("nunca as Forças Armadas de Portugal enfrentaram diretamente as famílias para lhes darem essa notícia, escudaram-se nos carteiros, mas isso é outra história!");

(iii) realizar o funeral na respetiva Província onde ocorreu o acidente (por vezes, sobretudo nos primeiros anos da guerra, os militares eram sepultados nos cemitérios locais);

(iv)  mandar transladar o caixão chumbado com o corpo do militar para Portugal e realizar o funeral no cemitério da sua freguesia (até 1968 as famílias dos militares tinham que pagar ao Estado as despesas da transladação);

(v) tratar de enviar à família a mala com o seu espólio (quase sempre, era o melhor amigo que realizava esta "operação"); e,

(vi) tratar da documentação a enviar à família para que esta pudesse receber a "pensão de de preço de sangue", quando tinha direito (nem todas as famílias, apesar da morte dos filhos no Ultramar, tiveram direito a essa "pensão").

Em relação ao telegrama enviado aos pais do Arsénio Marques Bonifácio Marques da Silva, seu primo duplo (os pais de um e outro eram irmãos), a irmã mais nova do Jaime, então com 18 anos em 1972, a Esmeralda, disse-nos que foi ela quem recebeu o telegrama diretamente da mão do carteiro, na via pública, à porta do estabelecimento dos tios, no lugar do Seixal, Lourinhã.  O carteiro nem sequer entrou no estabelecimento, evitando desse modo o "odioso" de ser o mensageiro da desgraçada, numa terra em que toda a gente se conhecia.
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(**) Último poste da série > 8 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26994: S(C)em Comentários (73): Filhos do vento, náufragos do império: e tudo o vento levou... (Domingos Robalo / Luís Graça)