Henrique Martins de Castro,
Soldado Condutor Auto,
CART 3521
Piche, Bafatá e Safim
1971/74
1. Apresenta-se o ex-Soldado Condutor n.º 10311971 Henrique Martins de Castro, residente em Bairro, V.N. de Famalicão.
Começo por contar uma pequena história da minha vida militar.
Assentei praça no ex-CICA1, no Porto, em 7 de Junho de 1971, e tirei a especialidade no RC6 do Porto.
Certo dia em instrução militar, sofri um acidente de que resultou 1 morto e oito feridos nos quais estava incluído. Prestaram-me os primeiros socorros no Hospital de S. João no Porto e passados poucos dias mandaram-me a conta. Como não fomos culpados no acidente e estávamos em instrução militar, competia ao Ministério do Exército pagar a conta, que eram 550 escudos. Como já estava mobilizado para a Guiné e nem sequer sabia se morria na guerra, não paguei a conta. Deixaram-me ir e vir da guerra e mandaram-me novamente a conta já com os respectivos juros de mora no valor de 850 escudos. Como não paguei, enviaram a conta para as finanças de V.N. de Famalicão para cobrança coerciva, mas como não queria pagar, perguntei o que me acontecia se não pagasse. A resposta foi:
- Vamos a sua casa e fazemos-lhe uma penhora.
Perguntei:
- O que é isso?
Resposta logo de pronto e, muito zangado perguntei:
- Vocês sabem o que eu precisava de ter quando vocês fossem lá a casa fazer a tal penhora?
Pergunta o funcionário em tom bastante agressivo:
- O que era?
Respondo eu ainda mais agressivo:
- Era uma p.... duma HK 21 carregada com uma fita de 500 balas, que eu dava-lhes a penhora!
... Mas lá acabei por pagar.
Fui mobilizado para a Guiné na ex-RAP2 de V.N. de Gaia. Depois de gozar os dez dias de mobilização, foi o BART 3873, juntamente com a CART 3521 num grande desfile, atravessando a ponte de D. Luís do Porto, ver ao Teatro Sá da Bandeira, gratuitamente a peça Uma Cama Para Toda a Gente, intrepetada pelo Camilo de Oliveira e pela Io Apoloni, salvo erro.
Depois seguimos para Lisboa, rumo a Santa Apolónia de comboio, embarcámos em 22 de Dezembro de 1971 no navio Niassa rumo à Guiné, onde chegámos a 29, passando a consoada e o dia de Natal no alto mar.
De seguida embarcámos numa LDG rumo a Bolama para tirar o IAO que durou mais ou menos um mês. Acabado este, fomos novamente de LDG rumo ao Xime onde havia uma escolta militar à nossa espera para nos levar até Piche.
Já em Piche, a malta da Companhia fazia colunas a Canquelifá, Buruntuma, Nova Lamego, Bambadinca, Bafatá, Galomaro, etc., operações, patrulhas e psíco - que para quem não sabe, era dar um certo apoio e levar medicamentos (mesinho).
Estivemos em Piche mais ou menos até Agosto de 1972, só o primeiro Gr Comb ficou em Piche adido ao BCAÇ 3883. A Companhia seguiu para Bafatá com o segundo, terceiro e quarto Gr Comb.
A Companhia ficou com terceiro e quarto Gr Comb adidos ao BCAÇ 3884 em Bafatá, o segundo foi reforçar para Galomaro o BCAÇ 3872.
O terceiro e quarto Gr Comb alternaram entre si, ficando um em Galomaro e outro em Cancolim até se juntarem à Companhia em Bafatá, em 24 de Dezembro de 1972. O quarto Gr Comb deixa Cancolim e o primeiro deixa Galomaro para irem reforçar a CCAV 3405 em Nova Lamego.
Em 8 de Março de 1973, a Companhia deixa Bafatá rumo ao Combis, perto de Bissau, ficando assim distribuída:
- um Gr Comb em Ponta Vicente da Mata,
- um Gr Comb e duas Secções em Safim e uma secção em João Landim, fazendo patrulhamentos apeados, fluviais, psicos, etc.
Em Piche no dia 28 de Fevereiro de 1972, faleceu, vítima de um acidente com arma de fogo, Joaquim Francisco Rodrigues que está sepultado em Passos-Pinho-S. Pedro do Sul (ver em Windows Internet Explorer em mortos na guerra do ultramar, pesquisa do Google).
Em 3 de Abril 1972, tambem em Piche, sofremos o segundo morto de nome: Agostinho Ferreira Mendes, vitima de um ataque de abelhas na Operação Topázio Maior que começou no 2 de Abril.
Em autêntico desespero com as abelhas, resolveu rebentar com as duas granadas de fumo que trazia para as abelhas fujirem, ficou com um joelho esfacelado e como se pode calcular mais desesperado, pegou na G3, disparou dois tiros, pondo fim à vida. Está sepultado no cemitério concelho de Castro Daire.
Estes dois mortos não constam, como já me apercebi, na placa invocativa dos mortos do Ultramar na ex-RAP2, em V.N. de Gaia. O nosso terceiro morto de nome Octávio José Horta, era Primeiro Sargento Sapador e foi destacado para para outra companhia, morrendo a desmontar uma mina em 17 de Abril de 1973, como consta na placa invocativa dos nossos mortos em Safim, na Guiné-Bissau e na da ex-RAP2 em Gaia.
Embarcámos para a Metrópole com 27 meses e meio de Guiné, depois de sermos sucessivas vezes enganados. Adiaram-nos muitas vezes o regresso. Éramos para vir embora com 18 meses, passamos para os 21, dos 21 para os 24 e dos 24 para os 27. Quando no dia 28 de Março de 1974, embarcámos no navio Niassa, até julgavamos que era mentira. Foi a última viagem que o Niassa fez, chegando a Lisboa a 4 de Abril de 1974. Só nos sentimos seguros quando vimos o Cristo-Rei, nunca mais ninguém dormiu tal era a alegria. De manhã a emoção e a alegria eram tão grandes que havia centenas de militares a chorar por ver os seus familiares à espera. Eu também chorei e não tinha lá ninguém. Ainda hoje me arrepio e me emociono passados 34 anos, só em me lembrar desse dia.
Passados alguns anos tivemos um convite de alguém do BART 3873 e lá fomos 14 ex-militares da CART 3521, a um convívio, salvo erro no dia 10 de Junho de 1987, na Quinta da Paradela, em V.N. de Gaia. Nesse convívio, depois de comermos e de conversarmos sobre a guerra, lá fomos bebendo mais uns copos, sendo, no fim, nos oferecida uma medalha do BART 3873, alusiva ao encontro. Medalha essa que ofereci depois ao meu amigo Antunes, da 3494, que esteve no Xime juntamente com o nosso tertuliano Sousa Castro que pretenceu à mesma Companhia.
Como gostei deste encontro, organizei lá o encontro dos 25 anos de regresso da CART 3521. A concentração foi na ex-RAP2, depois houve uma missa por alma dos que faleceram lá e cá, a deposição de uma coroa de flores, oferecida por mim, aos nossos mortos, numa pequena cerimónia militar, prestada por um piquete, autorizada pelo senhor comandante a meu pedido. Houve um minuto de silêncio e o hino nacional como consta num filme que eu próprio fiz.
Comecei a organizar os convívios depois de 23 anos do regresso, ou seja no ano 1997, depois de um longo trabalho de pesquisa nos arquivos da ex-RAP2, autorizada pelo senhor comandante. Descobrimos, eu, o Sousa, o Vieira e um ex-sargento na reserva, os nomes e as residências dos ex-militares da CART 3521 aquando o seu regresso. Depois foi comunicar através dos telefones e lá se foi arranjando as direcções actuais. Deve-se muito ao Magalhães, que por trabalhar na PT, arranjou mais de cem contactos.
Sendo o organizador de todos os convívios, estou um pouco triste, porque cada vez mais há menos malta a aparecer. Dá-me muito trabalho e eu não ganho nada com isso, faço-o pelo gosto de ver a malta divertida e por ter a certeza que mais ninguém os faz.
No convívio dos 25 anos do nosso regresso, ofereci a coroa de flores de homenagem aos nossos mortos, o Sousa ofereceu uma colcha com o emblema da Companhia, o Vieira ofereceu centenas de t-shirts bordadas alusivas e o Magalhães ofereceu as medalhas também alusivas aos 25 anos do nosso regresso.
Brevemente vou contar uma pequena história sobre a minha ida à Guiné-Bissau, acompanha de algumas fotos.
É tudo por hoje.
Um abraço para todos os que lutaram na Guiné em especial aos da CART 3521.
Postal de Natal
Ponte de Caium em meados de 1972 na estrada que liga Piche a Buruntuma.
Hotel da malandrice > Foto tirada em Piche no abrigo dos condutores.
Abrigo dos condutores: em cima eu, em baixo o Botelho e o Simão.
Foto tirada no primeiro Encontro da CART 3521, passados 23 anos do nosso regresso à Metrópole, em Cucujães, Oliveira de Azemeis, no dia 4 de Abril de 1997.
2.Comentário de CV
Caro Henrique, estás apresentado. Sei que gostas de escrever embora tenhas algumas dificuldades técnicas com o computador. Como me disseste por telefone, és periquito nestas coisas da informática. Não desistas e vai insistindo, porque todos os dias aprenderás algo de novo. Nós cá também daremos uma ajuda.
Já mandaste umas fotos e um texto com a tua apresentação. Nada mal.
Recebe, em nome da Tabanca Grande, um abraço de boas vindas e votos de muita saúde.
Carlos Vinhal
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Nota de CV
Vd. poste de 15 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2947: O Nosso Livro de Visitas (17): Henrique Martins de Castro, CART 3521 (Piche, Bafatá e Safim, 1971/74)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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