quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3261: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (7): o meu amigo e conterrâneo Jaime Brandão (J. Mexia Alves)

Monte Real > Base Aérea nº 5 > 25 de Fevereiro de 1988 > O Cap Pil Av Jaime Brandão, mais o seu amigo e conterrâneo Joaquim Mexia Alves, preparando-se para um passeio de... A7.

Foto: ©
Joaquim Mexia Alves (2008). Direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves (*):

Caros Luís, Virgínio e Carlos:

Aqui deixo uma história para a série "Gloriosos Malucos...." (**)

Tenho de informar que não tenho a certeza se já a contei e se foi publicada, porque é tanta coisa que a memória já não dá.

Os meus camarigos farão o favor de verificar.

Conto então uma história na Guiné com o Fur Mil Pil Av Jaime Brandão, da minha terra de Monte Real, e de quem sou amigo desde as nossas infâncias.

Mal a minha companhia chegou ao Xitole, e ainda com os camuflados cheios de goma, foi-nos ordenada uma operação em larga escala, com desembarque, salvo o erro, no Fiofioli, Corubal, atravessando depois em direcção ao Mansambo, enquanto outros seguiriam em direcção ao Xime, se bem me lembro.

Era uma operação de três dias em que saimos do Xitole em viatura direitos ao cais do Xime, para embarcarmos numa LDG que nos levou para passarmos a noite em Portogole, de onde na manhã seguinte partimos para o desembarque no rio Corubal.

Poupo-vos os pormenores da operação, até porque a minha memória está um pouco apagada, para vos contar o episódio com o Jaime Brandão.

Quando estavamos a desembarcar no Portogole, passou por cima de nós, voando baixo, uma DO 27, que depois deixámos de ver.

Já depois do desembarque e quando ia a caminho de me mostrarem o lugar onde iríamos pernoitar, aparece-me o Jaime Brandão pela frente, que eu não via desde Monte Real, desde adolescentes, já lá iam uns anos largos.

Calculam o meu espanto!

Disse-me ele que sabia ser a minha companhia que estava ali a desembarcar e assim, declarando uma porta aberta, salvo o erro, aterrou em Portogole apenas para me dar um abraço e já agora porque não, bebermos uma cerveja, finda a qual ou as quais, ele continuou para Bissau e eu lá fiquei sem dormir, bastante à rasca, porque a coisa no outro dia não prometia nada de bom.

Mas tudo correu bem e no final da operação, calculem bem, que pouco depois de ter chegado ao Xitole, nem sei se já tinha tomado banho, aparece outra vez o Jaime Brandão para saber se eu estava bem e se tudo tinha corrido bem.

Encontrámo-nos mais umas vezes na Guiné, das quais recordo uma já contada no blogue, em que ele foi a Bambadinca buscar-me para eu ir cantar fados a Nova Lamego! (***)

Aqui fica para a posteridade!

Envio uma fotografia em que estou com o Jaime Brandão, nessa altura Cap Pil Av, preparando-nos para um passeio de A7 no dia 25 de Fevereiro de 1988, que me foi oferecido pela Força Aérea, a pedido da esquadra 302, (salvo o erro), Os Falcões, por causa da minha boa relação e amizade com todos eles.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

2. Comentário do L.G.:


Joaquim: Vejo que continuas em forma... A história é uma delícia, só possível numa guerra como a nossa, entre tugas da Guiné... No Vietname ou no Iraque, era capaz de dar tribunal militar... Em suma: um belíssima história de amizade e de camaradagem... Foste/és um sortudo. Não te conhecia (mas imaginava...) esse teu lado de "glorioso maluco das máquinas voadores"... Mais inclinado para os ares do que para os mares (Vd. foto ao lado, tu, no Niassa, a caminho do degredo)... Aliás, pergunto-me: com a base ali ao lado, ali tão perto de casa, em Monte Real, por que é que não foste para os aviões ? Ou será que não havia cockpits com as tuas medidas de basquetebolista ?

Aquele abraço, extensivo ao teu amigo Brandão. Luís

_________

Notas de L. G.:

(*) O Joaquim Mexia Alves foi alferes miliciano de operações especiais, tendo passado, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, por três unidades no TO da Guiné: (i) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas); (ii) ingressou depois no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) ; e (iii) terminou a sua comissão na CCAÇ 15 (Mansoa). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Pel Caç Nat 52 estava na altura afecto ao mesmo batalhão.

Ao seu currículo, ainda podemos acrescentar: (i) organizador do nosso III Encontro Nacional, (ii) letrista e cantor de fado, e (iii) grande, grande, grande... camarigo.



Vd. poste de 19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)

(**) Vd. último poste da série: 1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3259: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (6): Alguns esclarecimentos (Jorge Félix)

(***) Vd. poste de 16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

3 comentários:

paulo santiago disse...

Lembro-me,agora que falaste,dessa
operação.Estava em Bambadinca,a
pista foi prolongada para permitir
a aterragem e levantamento dos T6.
Penso que também participaram
militares recem chegados do Bat.de
Galomaro.Foi uma operação que utilizou grandes meios,humanos e
materiais.O Polidoro Monteiro falou
comigo dias antes para saber a
possibilidade de preparar dois
gr.s combate de milícias para ir
guarnecer o Xime.Lembro-me que
houve uma ou mais evacuaçôes devido
a problemas de desidratação.Constou
que um dos evacuados,foi tanta a
sede e a falta de água,tinha bebido
mijo(?)
Deve ter sido uma bela sensação
voar num A7.
Abraço
P.Santiago

Luís Graça disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís Graça disse...

Não fiques espantado, Paulo. Eu vi homens, desesperados, beber o seu próprio mijo... Op Tigre Vadio. Março de 1970. Pus isso em verso, em "O Relim não é um poema"...


(...) Eu sofri,
que a dor não para dá
para partilhar.
Sofri brutalmente a desidratação,
o esgotamento físico.
A insolação.
O absurdo.
A desumanidade.
Tive miragens.
Bebi o próprio mijo,
esgotado o soro.
Mastiguei as ervas do orvalho,
esgotada a água.
Desesperei,
perdida a esperança.
Bebi sofregamente a água choca dos charcos.
Amparei os mais desgraçados do que eu.
Transportei os nossos feridos.
Consolei os mais desesperados.
Fiz as minhas obras de misericórdia,
segundo o Evangelho de São Mateus.
Não deu nenhum tiro de misericórdia
porque nunca dei nenhum tiro em combate.
Mesmo cristãmente,
odiei o PCV,
Bambadinca,
as fardas, os galões,
a tropa, a guerra,
Herr Spnínola,
a Guiné.

Um homem,
mesmo o cristão que eu não sou,
tem que odiar
para sobreviver.

(...)

Fonte: Blogpoesia >

http://blogueforanadaevaodois.blogspot.com/2006/07/blogantologias-ii-30o-relim-no-um.html