1. Mensagem de Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 15 de Fevereiro de 2010:Caros Editor e Co-Editores
Junto envio este texto que foi motivado pelas lembraças despoletadas pelos posts do Eduardo relativamente à folha informativa "Presse", que julgo que no 'meu tempo' se chamava 'Presse Lusitana'.
Duma forma ou doutra o texto aqui vai e espero que sirva para conhecerem melhor outras actividades, para além daquelas que eram comuns à maioria dos 'operacionais'.
Um abraço
Hélder Sousa
HISTÓRIAS EM TEMPO DE GUERRA (9)
A “PRESSE LUSITANA”Os relativamente recentes artigos do Belarmino Sardinha sobre as Transmissões e as funções e trabalhos dos camaradas TSF e agora os artigos do Eduardo Campos com a apresentação de vários exemplares da “Presse” (Serviço noticioso para as Forças Armadas da Guiné – Notícias captadas da radiodifusão pelas Transmissões), fizeram recordar-me alguns aspectos da minha actividade nesse âmbito.
Devo dizer que não tinha comigo nenhum exemplar do meu tempo, nem de outro, coisa que agora já está resolvida por que o Eduardo fez questão de me presentear com três originais do ‘tempo dele’, o que muito me sensibilizou e que aproveito para agradecer publicamente.
Como entretanto podem ter reparado, o sub-título refere-se à “Presse Lusitana” que é como a minha memória recorda a designação do ‘meu tempo’, e não simplesmente “Presse”, como aparece nos documentos apresentados no Blogue. Posso estar a ser atraiçoado pelo desgaste do tempo mas era assim que me lembrava, por isso assim o indico.
Aliás, já em várias situações se tem verificado que as coisas foram mudando ao longo do tempo, na ocupação do terreno, na extensão territorial do conflito, nas diversas operações, etc., e também até já me apercebi, por textos colocados aqui no Blogue, que relativamente às Transmissões também houve modificações, adaptações a novas realidades operacionais.
No caso particular destas ‘folhas de notícias’, julgo recordar-me que houve camaradas de tempos anteriores ao meu que se referiram a procedimentos que não coincidiam com o que foi a minha prática, por isso nada melhor que relatar como foi comigo e deixar que cada qual faça as suas adaptações…
Não sei, não me lembro, onde é que a “Presse” era efectivamente produzida, ou seja, batida a ‘stencil’ e depois policopiada e distribuída, seria certamente ‘algures’ nas instalações do Agrupamento de Transmissões, mas tenho a certeza que, no meu tempo, a “Presse” era sempre composta por três grandes grupos de notícias, a saber: notícias do País, notícias do Desporto e a parte restante, para ocupar o espaço, notícias do Estrangeiro.
As duas primeiras partes, ‘do País’ e ‘do Desporto’ calculo que eram recebidas no Centro de Mensagens e era um serviço recebido ‘via Marconi’. Talvez também no início as notícias do estrangeiro viessem por ali, não sei, mas a partir do momento em que no Centro de Escuta desenvolvemos a parte de captação das diversas agências noticiosas ficámos com a tarefa de coligir umas quantas que depois um estafeta recolhia ao fim do dia. Afinal, havendo ‘fonte’ para as notícias do estrangeiro, sempre se poupavam tempos de ligação à Marconi, que não eram grátis…
Não me lembro de haver qualquer indicação de orientação ou critério para a recolha dessas notícias, pelo que quando estávamos de serviço íamos, a nosso bel-prazer, fazendo uma ou outra tradução (a maioria das captações estava em francês, mas também havia em inglês, espanhol e italiano) e quando o estafeta passava, levava o que havia.
Como era uma actividade que eu gostava, pois assim estava a par do que se passava no Mundo e muito mais informado que qualquer vulgar cidadão português, acabei por chamar a mim o grosso das traduções, já que o fazia durante qualquer que fosse o turno, e mesmo durante a folga deixei muitas vezes o ‘serviço’ adiantado bastando aos camaradas seguintes escrever mais umas poucas, se se dessem a esse trabalho.
Dum modo geral não havia muito espaço para as ‘notícias do estrangeiro’ pelo que fosse qual fosse o conteúdo das notícias por nós coligidas no Centro de Escuta, não se corria muito risco da passagem de qualquer notícia menos ‘normal’.
No entanto, como sempre acontece nestas coisas, há sempre um dia em que não é assim!
Como já vos dei a entender, era minha convicção de que aquele território não era continuidade física de Portugal, que entendia como natural que aqueles povos aspirassem a uma independência, tal como os povos da península Ibérica se opuseram ao ocupante romano, tal como as tribos cristãs empreenderam a reconquista desse território peninsular, tal como os Portugueses se opuseram aos leoneses, aos castelhanos, aos franceses e até aos ‘aliados’ ingleses, pelo que, por simples acto de me rebelar contra a circunstância de estar ali, às vezes, pelo meio de notícias perfeitamente inócuas, metia um conjunto de notícias que não seriam as mais simpáticas para a orientação política do governo português e ao seu esforço de guerra, como por exemplo fazendo referência às decisões da ONU e a desastres crescentes ocorridos no Vietnam, tais como bombardeamentos, por engano, das próprias tropas americanas.
Ora então acontece que o maior problema ocorreu num domingo de 72, já não me recordo exactamente quando, mas que teve a ver com as eleições americanas que entretanto decorriam entre o republicano Nixon e o democrata MacGovern.
Tínhamos notícias de várias proveniências, como algumas vezes já referi, da APS (Argel Press Service), MAP (Magreb Árabe Press), MENA (Midle East News Agency), Reuter, France Press, etc., e também de algumas que íamos pesquisando, entre as quais a ‘Prensa Latina’ de Cuba.
Ora, nesse dia em causa, as comunicações da Marconi falharam pelo que o pessoal da “Presse” (ou Presse Lusitana) apenas tinha a tal folha proveniente da Escuta com as “notícias do estrangeiro” pelo que tudo o que eu tinha traduzido foi impresso e distribuído.
Entre outras coisas apareceu esta ‘pérola’, traduzida da ‘Prensa Latina’ que se referia, naturalmente, de modo pouco abonatório para o presidente Nixon, candidato republicano à reeleição. Dizia assim: “Mientras el Presidente Nixon se enfrascava en la Convención de Miami, el candidato MacGovern proseguía su campanha ….” . A minha tradução foi à letra, apenas coloquei o enfrascava entre aspas e foi assim que saiu.
No dia seguinte, após o Comando da Companhia se ter inteirado de que o redactor das ‘notícias do estrangeiro’ era eu, mandou-me chamar e procurou que lhe desse boas razões para aquilo ter saído assim. Foi o que fiz. O Sr. Comandante ‘compreendeu’ mas sempre foi avisando que talvez lhe fosse difícil defender a situação ‘mais acima’, porque aquilo tinha dado celeuma e havia ‘algumas vozes’ a propor inquérito com vista a possível punição.
Não aconteceu nada e o meu Comandante nunca me chegou a dizer como as coisas evoluíram, e eu também não lhe perguntei, no entanto, mais tarde, fiquei conhecedor da sua participação e envolvimento no “Movimento dos Capitães”, o que me fez perceber melhor porque é que ele ‘compreendeu’ as minhas ‘manhosas’ explicações.
Caros camaradas, desculpem estas reflexões sobre “memórias de tempos de guerra” que, espero, possam contribuir para o vosso melhor conhecimento das actividades ocorridas noutros locais, noutras funções e, como já uma vez escrevi, podem crer que a guerra se travou em muitas frentes… e de muitas maneiras! Até para criar condições para acabar com ela!
Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
Centro de Escuta
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Janeiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5636: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (8): Como fui parar ao Centro de Escuta