quarta-feira, 6 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11200: Notas de leitura (462): Rosa no Pais das Flores da Luta, por Maria do Céu Mascarenhas (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 24 de Fevereiro de 2013:

Meus caros amigos e ex-camaradas de armas,
Dado o seu interesse, junto vos envio uma recensão da obra "Rosa no País das Flores da Luta" de Maria do Céu Mascarenhas relativo à sua experiência como professora cooperante na Guiné-Bissau, poucos anos depois da independência.
O livro é interessante na medida em que se trata de uma versão do conhecido livro "Alice no País das Maravillhas" do escritor inglês Lewis Carroll adaptado à realidade africana, ou, mais especificamente, à realidade bissau-guineense.

Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva
ex-Alf. Mil. de Infª. CCaç 2402,
ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999


UMA NOVA VERSÃO DE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS, NESTE CASO NA GUINÉ-BISSAU POUCO DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA

Francisco Henriques da Silva

Maria do Céu Mascarenhas publicou recentemente uma obra que estaria há muitos anos na forja e que por vicissitudes várias, que não importa adiantar, só agora viu a luz do dia. É um livro, a todos os títulos interessante, imaginativo, bem estruturado, num português escorreito e bem elaborado e que se refere a um período da história da Guiné-Bissau, logo após a emancipação plena, sobre o qual, infelizmente, muito pouco se escreveu, nem do lado português, nem do lado bissau-guineense. Torna-se, por estas razões, uma obra obrigatória para todos aqueles que se interessam pela Guiné-Bissau, o país onde tantos, de um e de outro lado, verteram o seu sangue; o país que marcou toda uma geração que por lá passou ou cujos familiares por lá deambularam de arma na mão e que prosseguiu, anos depois por caminhos erráticos senão ínvios. Estamos a falar de “Rosa no País das Flores da Luta” (Chiado Editora, Lisboa, 2012).

A autora segue muito de perto a estrutura da célebre obra de Lewis Carroll “Alice no País das Maravilhas”, adaptando-a ao cenário de um país africano tropical, neste caso a Guiné-Bissau, alterando o nome dos personagens, o desenvolvimento das cenas, com considerações sobre um sem número de aspectos da vida quotidiana e das suas próprias elucubrações e inserindo permanentemente um relato onírico ou semi-onírico (porque, a bem dizer, não se trata de um estado de devaneio permanente, nem tão-pouco desfasado do real) com uma narração factual. Para ilustrar bem estas diferenças, a autora opta pela utilização de duas tonalidades: negrito, para o estado de vigília e regular (ou normal) para os estados sonial ou para-sonial, que vai alternando ao longo de todo o texto. Finalmente, o livro é enriquecido com inúmeras fotografias a cores da autora.

Maria do Céu Mascarenhas apenas permaneceu na Guiné-Bissau um ano lectivo (1977-78), como professora cooperante, no antigo Liceu Honório Barreto, denominado Kwame N’Krumah, após a independência. É perceptível o seu grande amor pelas crianças e o próprio título assim o indica: as “Flores da Luta” seriam as crianças, numa frase que é comummente atribuída a Amílcar Cabral e que se repete, de boca em boca, assumindo-se que a autoria pertence ao ex-líder do PAIGC, sem que, todavia, exista, tanto quanto se sabe, qualquer referência explícita a tal expressão nos seus discursos ou na sua obra escrita.

Tal como no livro de Lewis Carroll, as incursões pelo “non sense”, pelo absurdo, são permanentes e a Guiné-Bissau, que hesitava ainda em dar os primeiros passos, já lá vão 35 anos, prestava-se, magnificamente, a isso mesmo. Neste particular, refira-se a obra do embaixador António Pinto da França, contemporâneo de Maria do Céu Mascarenhas, “Em tempos de inocência” que menciona precisamente e numa linguagem meramente factual (ou seja, sem recurso ao sonho), num livro de memórias, esses aspectos absurdos da vida quotidiana bissau-guineense.

Por outro lado, a autora, ao longo do livro, revela muita da sua experiência de vida, da sua formação académica e do seu pensamento: uma vida predominantemente urbana, uma educação forjada nas escolas portuguesas dos anos 50 e 60, o Portugal do salazarismo-marcelismo, o catolicismo mitigado pelo racionalismo, as ilusões, as esperanças e os mitos da sua infância e da sua juventude. Tudo isto diz muito às gentes da minha geração e constitui um ensinamento relevante às gerações que nos sucederam e que desconhecem, quase por inteiro o que foi aquela época.

Uma das imagens eventualmente chocantes para os leitores menos avisados, mas que infelizmente se inscreve no vale de lágrimas que é – e tem sido - a política cultural portuguesa em África. Má em tempos idos e não muito melhor, diga-se de passagem, nos dias que correm. A autora salienta que em 1977-78, “a única biblioteca digna desse nome em Bissau era a do Centro Cultural Francês uma demonstração de como a França sabia aproveitar uma área de influência cultural que Portugal, em tantos anos de administração, tinha negligenciado como se de um pormenor sem importância se tratasse.” (p. 90) e acrescenta que era o embaixador português, muito empenhado e dinâmico, quem já estava nesse momento a diligenciar no sentido da fundação de um Centro Cultural Português”. Tratava-se de Pinto da França que envidava esforços insanos para tal conseguir, acabando por lograr os seus intentos. Era o “minimum minimorum”, para um PALOP como a Guiné-Bissau.

Um dos capítulos, a meu ver mais impactantes e com maior vigor da obra, é o VII “Uma festa de loucos com nome de guerra”, ou seja na estrutura de Lewis Carroll ”A Mad Tea-Party”. Trata-se de uma deslocação a Mansabá que Maria do Céu Mascarenhas, olhando para um antigo abrigo dos militares portugueses, compreende, de algum modo, toda a tragédia da guerra de África, que está ali, naquele “bunker” abandonado: o isolamento, o desconforto, o sacrifício, o próprio temor da morte, o horror da guerra. Ouçamo-la, na descrição onírica: “Era um buraco inóspito. Qualquer condenado à morte dispõe de uma cela mais confortável, pensou Rosa, contraída, com um nó na garganta, e aquele aperto no estômago” (p. 95). E agora, descendo à realidade .”Ficara como que petrificada a imaginar os jovens que teriam encontrado recolhimento num tal covil, o tempo sem fim que teriam permanecido acampados na planura desesperante que se estendia em frente” (ib.). E em seguida, descreve o que se passava na “metrópole”, em que as pessoas cumpriam a agenda do seu dia-a-dia, num Portugal que paulatinamente ia prosperando, mas que ignorava, a “guerra distante e sem fim”. Nestas curtas pinceladas bem reais, Maria do Céu Mascarenhas dá-nos conta do que foi a guerra, a nossa guerra, o que passámos, o que sentimos e a indiferença a que fomos votados. Mais adiante, depois de se referir aos direitos das mulheres (atentos os padrões da sociedade da época) remata: “ Sim, igualdades, muito bem, mas na hora da verdade eram os homens que tinham de abandonar tudo aquilo de que gostavam, família, carreira, para irem para a guerra.”(p. 99). De facto, para quem visitasse os lugares da guerra, anos depois dos acontecimentos, era uma “Mad tea party”. Tudo aquilo não se quadrava, nem se podia quadrar, nos parâmetros do real.

Um outro capítulo particularmente interessante é o IX “A Lenda do Tocador de Corá”, em que a autora estabelece algumas distinções em termos de estruturas mentais e culturais entre bissau-guineenses e portugueses e entre duas épocas, a colonial e a actual, em que Rosa, a protagonista, diz: “Demo-vos um Deus em quem acreditar oferecemo-vos uma língua de civilização.” Ao que a sua interlocutora responde: “O tempo colonial felizmente já passou, não vamos discutir. O teu Deus, o Deus dos muçulmanos e os nossos irãs não se dão mal entre nós, e a língua portuguesa, mesmo quando por cá a falamos de outra forma serve-nos perfeitamente” (p. 133)...”Minhas amigas, fiquemos com a cultura portuguesa que, como se diz, o saber não ocupa lugar, alem de que inevitavelmente faz parte da nossa História, mas conheçamos também as nossas lendas, a história dos nossos povos antes da chegada dos europeus...” (ib.). A análise comparativa é interessante, mas, no meu entender, quase epidérmica, demasiado curta e parca de pormenores. Mereceria, quiçá, um tratamento um pouco mais aprofundado, talvez sob a forma de diálogo e optando por uma forma simplificada, mas o texto tal como está carece de mais explicações - coloco-me, bem entendido, na pele do leitor interessado que pretende ir mais além.

Reveste-se de manifesto interesse, a passagem de Rosa, por uma escola internacional em Inglaterra, uns anos antes, em que o facto de ser portuguesa dá origem a algumas brincadeiras e dichotes de gosto duvidoso por parte de colegas estrangeiros. No fundo, é o eterno problema do nosso Portugal estar sempre na berlinda pelas mais variadas razões e quase nunca as melhores. Ao falarem-lhe em colónias, Rosa, candidamente, talvez sem compreender muito bem o alcance das graçolas, passa mentalmente em revista as ideias-força do Portugal da década de 60 que integravam o nosso subconsciente colectivo: “Ela, até então, só tinha ouvido chamar-lhes províncias ultramarinas, e possuía duas fotografias enviadas por um familiar Oficial do Exército, que com patriótica fé comandava tropas no norte de Angola, onde não sabia que algum tempo mais tarde haveria de perecer, nelas se viam soldados portugueses tratando ferimentos de crianças indígenas e acamaradando com elas, no âmbito de acções psico-sociais.” (pp. 148-149). Eu, próprio, fui várias vezes alvo de situações semelhantes, noutros contextos, compreendo, pois, muito bem onde a autora quer chegar.

Maria do Céu Mascarenhas fala-nos do conceito de Pátria, o que era, que significado tinha: “Achas que os rapazes que estão lá fora na guerra, em terras tão distantes da terra e da família deles, têm consciência nacional?” (p. 151) São interrogações importantes que todos os que têm sensibilidade política e sentido de portugalidade formulam. Os conceitos, aparentemente simples, tornam-se complexos e de difícil solução, atentos os parâmetros da época. O mundo apontava noutra direcção. As respostas começavam a pecar pela ambiguidade. Existiam outras soluções, outros caminhos, outras vias. Está, aqui creio todo o drama da geração de Maria do Céu Mascarenhas que é também a minha.

As deambulações pela história, em especial pela história colonial, mereceriam explicações mais pormenorizadas. Refiro-me à cobiça dos outros; ao Portugal, elo mais fraco do mundo ocidental; aos poucos quilómetros quadrados que nos sobraram na costa ocidental de África, ao porquê da mudança da capital de Bolama, uma cidade então moribunda e hoje morta e muitos, muitos outros temas, mas existem naturais limitações para a escrita e a extensão das explicações, o que é compreensível.

A aparente ausência de complexos em relação ao colonizador e até o amor a Portugal e aos portugueses está bem patente na visita à cidade de Gabú (antiga Nova Lamego) no Leste da Guiné-Bissau, em que os visitantes são, saudados de forma algo bizarra por um homem que se equilibrava num cabaço, tocava um apito e fazia a continência. “ Rosa, comovida, sentia-se num País das Maravilhas onde as coisas mais insólitas se tornavam possíveis, milagres de convivência que não saberia explicar, porque não os podia ela mesma totalmente compreender.” (p. 172).

É uma obra que deve figurar em qualquer biblioteca, que se lê com muito agrado e que, numa suave linguagem feminina, nos fala de nós, da nossa geração e do nosso relacionamento com o Outro, neste caso o bissau-guineense. Infelizmente, os rumos da História foram outros, embora, certamente, já perceptíveis quando Maria do Céu Mascarenhas por lá peregrinou.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 4 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11190: Notas de leitura (461): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11199: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (8): A falta de notícias na retaguarda

1. Em mensagem do dia 2 de Março de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a oitava colaboração para a sua série "Carta de Amor e Guerra".

Meus queridos editor e co-editores Luís, Carlos e Eduardo:
Uns percalços vivenciais atrasaram o envio de mais um "item" desta série.
Este tema de hoje estava já alinhavado e, assim, foi o que mais depressa pude arranjar.
Vamos lá a ver se recupero aquele atraso que estou a sentir (não tenho mais nada pronto).
Receio que o tema de hoje seja "mixuruca" para muitos. Para mim não é mas, como sempre, respeito totalmente o v/ "criterioso critério".

Para o valioso "trio de ataque" deste blogue
Um grande abraço
Manuel Joaquim


CARTAS DE AMOR E GUERRA

8. A falta de notícias na retaguarda

Quando se fala da guerra colonial é normal referir o sofrimento dos combatentes mas não é comum falar-se, ao mesmo nível, da dor suportada pelos seus entes queridos (pais, avós, irmãos, namoradas, etc.).
Dizer que os combatentes, a maioria, ligavam o seu maior ou menor sofrimento ao nível de perigo que corriam, é excessivo? Acho que não. Até podiam sentir “folgas” no perigo, quer dizer, podiam passar um ou outro período mais ou menos longo em que a situação de periculosidade era como que esquecida. Acrescia ser também natural que as preocupações quanto aos seus entes queridos pudessem ser sublimadas pela ideia de que estes não corriam perigo algum a não ser de doença ou de acidente (em que, normalmente, não se pensa). Ideia esta que os podia levar a menosprezar o valor da sua comunicação. E isto aconteceu muitas vezes.

Na retaguarda a situação era diferente: quem ficou queria notícias frequentes do seu combatente querido, de modo a amenizar a sua insegurança quanto à verdade da situação. Vivia como se ele estivesse constantemente em perigo, isto é, nunca poderia saber se ele estava doente, ferido ou morto quando nele pensava ou quando para ele escrevia.

Ver, como eu vi, um monte de cartas dirigidas a quem tinha falecido umas horas antes, é coisa que não se esquece. Foi uma visão brutal que me ficou marcada para sempre. Hoje me penitencio pelo sofrimento que provoquei junto dos meus entes queridos com as minhas falhas em dar notícia. Tenho a certeza que teria mitigado algum do sofrimento que a minha ausência lhes provocava.
Termos alguém muito querido numa situação perigosa, sem notícias dele em tempo real e sem se poder fazer nada para o proteger, deve ser amargurante: sempre à espera, qual lotaria “a contrario”, ansiando que os números sorteados não nos contemplem com um “prémio” de desastre, qualquer que ele seja, desde a “terminação” à “taluda”.

Segue-se um exemplo, na parte que me diz respeito:

Vale de Figueira, 27. Set. 1965 
(… … …) 
Vou-me contentando com as tuas notícias (embora poucas) (…). Depois, se não dizes mais nada, (…), que hei-de eu fazer? Levar a mal e zangar-me? Não. Não seria razoável. Então que fazer? (…) analisar bem a situação em que te encontras para não me atormentar a imaginar, (…) problemas onde os não há. 
(… … …) 


Vale de Figueira, 5. Out. 1965 
(… … …) 
Temo a distância. E eu, (…) nem sempre sei (…) manter a calma, agir com condescendência e benevolência que sempre me foram peculiares para [com ] o teu procedimento, (…). Por vezes o sofrimento torna-nos duros, incomunicáveis e sobretudo incompreensíveis. Mas (…), continua a dar-me notícias quando e como te for possível. 
(… … …) 


Lisboa, 18 – Outubro – 1965 
( … … … ) 
As saudades são muitas, meu amor. É justamente quando preparo tudo para me dedicar à leitura ou para te escrever que o sossego e o isolamento do meu quarto avivam a lembrança de tudo o que me deixou. Essas recordações surgem mais nítidas, mais agudas, e fico liquidada. 
Ou sonho acordada contigo ou tenho tanta vontade (…) de correr para junto de ti que tudo aqui me parece odioso. Que ninguém me venha falar! Chego a ser cruel, violenta, mal-educada. Acabo sempre por chorar, por ficar abatida e enervada. Não sou tão forte como supunha e como tu imaginas. Sinto-me mesmo mais frágil, mais inútil do que nunca. Ora para que isso não aconteça é preciso que exija de mim mesma um esforço de vontade em grau mais ou menos heróico. (…). 
Mas eu vejo-te tão longe! Tu que és parte da minha vida. Tu que és complemento indispensável à continuidade da minha existência válida (…). 
(… … …). Meu Amor querido, (…), lutei para não deixar, para não te expor o que se estava passando comigo. Mas agora que estou sem notícias tuas é-me impossível resistir por mais tempo. 
(… … …)


Lisboa, 24-Outubro-1965 
Não sei porquê mas continuo sem notícias. Afinal, vives ou não vives meu M.? Há quinze dias que espero umas palavras tuas mas em vão. Já deixo de esperar para não sofrer cada dia mais desilusões. Não podes, ou não queres fazê-lo, é o que deduzo (…). 
(… … …) 
E já lá vão duas semanas, meu querido. (…) não acredito que não escrevas por de algum modo estares ressentido comigo. (…). Se algum problema surgisse, expor-mo-ias para que o discutíssemos e chegássemos a um possível acordo. Disso tenho a certeza. Mas também é certo que não deixo de estar preocupada. Mesmo com as tuas cartas semanais os dias sem ti parecem-me mais longos, sombrios, sem sentido. Agora (…), com falta de notícias, navego em mar largo sem rumo certo, vivo na escuridão.


Assim não. Não pode ser, meu querido. Não suporto esta situação desesperada em que vivo actualmente. (…) sem nada saber de ti, se isto assim continuar eu afirmo-te convictamente que não aguento. (…). 
Gostar – o simples facto de gostar de alguém – desperta poderes estranhos e emocionantes. Quanto mais gosto de ti, com mais confiança posso agir mas também mais te desejo ou, pelo menos, mais desejo algo que me fale de ti. 
Diz-me o que queres, querido! Farei tudo para te agradar. Nenhuma realização me parece impossível, não há derrotas que não possam ser superadas quando desejo, de corpo e alma, ajudar-te e buscar nessa ajuda força para mim, acreditar que a vida vale a pena ser vivida e essa crença ajudará a transformar isso numa realidade. Mas num momento tudo pode ser desfeito e todas as nossas esperanças, quais nuvens de fumo, dispersas pelo vento. 
(… … …) 
P.S. Suplico-te que me expliques o que se está passando. Quero saber a verdade. Sou a tua D.


Vale de Figueira, 8 - Nov. 1965 
(… … …) 
(…) a tua D. não vive o dia a dia alheia, insensível à dor de que são feitos os teus dias (…). É guerra. É sacrifício, incerteza em cada minuto que se segue. É duro como duras são as palavras que me dirigiste. E a guerra torna os homens duros, ásperos, insensíveis. Não era minha intenção criticar-te e parece-me que o não fiz. Aliás não havia razão que o justificasse. Compreendo muito bem que é impossível uma brevidade regular na expedição do correio. Nem tão pouco escreves quando queres mas apenas quando podes. Seria egoísta se não compreendesse isto mas tenho a certeza de que não o sou. (…). E muito menos insinuei afastamento ou esquecimento do teu lado. Só o teu mau humor poderia levar-te a deduzir isso. Não me lembro bem do que te disse mas mostrei-me preocupada apenas pelo facto de pensar que qualquer deficiência física poderia ter sido o motivo dessa falta de notícias. 
(… … …) 


Vale de Figueira, 9-Fevereiro. 1966 
Meu M. querido acho um pouco estranho não ter recebido notícias tuas (…). Esperava-as com ansiedade, (…). 
(… … …) 
Desculpa as minhas palavras de hoje, meu M. Estou descontrolada. Acredito que o atraso do correio não dependa de ti. (…). 


Lisboa, 1-Março-1966 
(… … …) 
(…), peço a tua benevolência para o facto de nem sempre saber controlar-me quando, por qualquer motivo, há um período mais longo sem informações tuas. 
(… … …) 


Vale de Figueira, 9-Março-66 
(… … …) 
Na nossa actual situação o que me interessa sobretudo é que semanalmente me dês testemunho de que ainda há vida nesse corpo tão massacrado, de que vais vivendo na esperança de ver chegar a hora do regresso. (…). (…) um “estou bem”, género telegrama, é uma felicidade para mim. É um lenitivo tão forte e um incentivo (…) para continuar a esperar. 
(… … …) 


Cacém, 4-Novembro-1966 
(… … …) 
(…) a preocupação e a angústia de que estou tomada ao riscar no calendário mais um dia, dias consecutivos, semanas, sem receber a retribuição dos meus contactos contigo. (…). É um período considerável sem receber notícias e não pode deixar de me afectar. 
(… … …) 


Cacém, 25.12.1966 
(…), com medo de uma decepção, rodo a chave na caixa do correio. Expectativa, enervação … mas zás! (…). Oh alegria, oh que felicidade, meu Amor. Que maravilhoso prémio de Natal quando os [dias] precedentes eram a escuridão, o silêncio. 
E o conteúdo será de molde a corroborar a alegria anteriormente manifestada, (…) ao encarar o envelope surpresa? 
Nervosamente (…) rasgo o envelope. Para a frente é que é o caminho (…). Os meus olhos buscam avidamente o final da carta. Talvez porque a maneira como estaria encerrada me daria já uma ideia do seu conteúdo. “Gracias”, meu M. querido. Estive feliz (…) no dia de Natal, na medida em que a felicidade é permitida e se pode viver longe dos que se amam. 
(… … …) 


Cacém, 16-Janeiro-1967
(… … …)
Acredito que nestas folhas de papel que semanalmente cortam a atmosfera transportadas num avião, voe cada um de nós para junto do seu Amor. (…). Eu iria agora mesmo, inteirinha, se pudesse ser transportada com um rótulo [selo?] de 2$50 na fronte.
Ah, meu Amor querido, cada vez com mais ardor te quero meu (…)

Técnica mista, Mario Coopé (pintor guineense). 
Imagem retirada de www.didinho.org, com a devida vénia.

Vê que até em sonhos sinto os teus contactos (…). Reflexo da necessidade insatisfeita que vivo de ti, motivada por esta maldita separação tão prolongada.
Se ainda sofresse de pudicícia exagerada diria que estava a ser tentada pelo Diabo. (…). Eu seria agora, aqui mesmo não tinha importância … (estou na cama), o mais completo diabrete.
Efusivamente, num frenesim de amor e de paixão que tu, agora, (…) me proporcionarias e eu correspondo, beijo-te (…).
(… … …)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11163: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (7): E a morte apareceu

terça-feira, 5 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11198: Convívios (496): Rescaldo do II Almoço da Tabanca Ajuda Amiga realizado no passado dia 28 de Fevereiro (Carlos Fortunato)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Fortunato (ex-Fur Mil da CCAÇ 13), dirigente da ONGD Ajuda Amiga, com data de 2 de Março de 2013:
 
Camaradas
Junto envio as noticias sobre o almoço da Tabanca Ajuda Amiga.
Iniciamos em Março uma campanha de recolha de cobertores e de bolas para as crianças. Os cobertores serão distribuidos em Portugal e na Guiné-Bissau, embora a maioria vá provávelmente para a Guiné-Bissau, para os antigos combatentes e alguns hospitais, e as bolas serão todas distribuidas na Guiné-Bissau.
Podem/querem apoiar esta campanha?
Se pudermos contar com o vosso apoio, faço um texto e envio.
Obrigado pela colaboração, que tem sido preciosa.

Um alfa bravo
Carlos Fortunato


Almoço da Tabanca Ajuda Amiga

Realizou-se no passado dia 28 de Fevereiro de 2013, o segundo almoço da Tabanca Ajuda Amiga, o qual contou com 20 presenças (no primeiro almoço tinham sido 13 os presentes).

Está assim definitivamente lançado este momento do convívio que ocorre na ultima 5ª feira de cada mês na cantina da Associação de Comandos, sediadas no Regimento de Artilharia de Costa, 3ª Bateria, na Laje, em Oeiras.

A divulgação efectuada neste nosso blog foi muito importante, para o sucesso desta iniciativa. e por isso este sucesso, é também de todos os que estão envolvidos neste blog.

O almoço é também um acto de solidariedade, e quem quis deu o seu donativo para a ONG Ajuda Amiga, apoiando o projecto de envio do contentor anual de ajuda humanitária e de apoio ao desenvolvimento para a Guiné-Bissau, o total somou 33 euros (um contentor vai seguir no segundo semestre deste ano, e outro no inicio de 2014).

No almoço foi comunicado o lançamento de duas campanhas de angariação de:
- Cobertores
- Bolas para crianças

Os bens podem ser entregues na Junta de Freguesia de S. Francisco Xavier, que em colaboração com a Ajuda Amiga está a realizar esta iniciativa.

A junta de Freguesia é na Rua João de Paiva, nº 11, 1400-225 Lisboa, e funciona das 10h00 às 18h00.

Os bens podem igualmente ser entregues durante os almoços da Tabanca Ajuda Amiga, o qual será no próximo dia 28 de Março.

Aproveitamos para divulgar alguns endereços onde foram publicadas noticias relacionadas com os almoços da Tabanca Ajuda Amiga:

http://pt-pt.facebook.com/pages/Tabanca-Ajuda-Amiga/156733857807547 http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/02/guine-6374-p11056-convivios-490.html http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/01/guine-6374-p11019-ser-solidario-140.html http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/02/guine-6374-p11152-convivios-494-ii.html http://ajudaamiga.com.sapo.pt/noticias.html


Joaquim Lourenço, António Ortet, Eugénio Gravata

Carlos Lisboa

José Diniz, Carlos Pinto

Jorge Rosales

António Bartolomeu, Nuno Bartolomeu, Manuel Patrício

Fernando Paiva, Fátima Paiva, Armando Pires, Carlos Silva

Renato Sousa, Hugo Ferreira, Ilídio Vaz

Manuel Joaquim, António Bartolomeu

Carlos Rodrigues, Carlos Fortunato
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Nota do editor

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11165: Convívios (495): XVI Encontro do pessoal da CCAÇ 4150 - "Os Apaches do Norte", dia 14 de Abril de 2013 em Lousada (Albano Costa)

Guiné 63/74 - P11197: Do Ninho D'Águia até África (56): Contava os dias e ia sobrevivendo (Tony Borié)




1. Quinquagésimo quinto episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:





DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA - 56



Nos últimos dois meses de comissão, o Cifra era uma pessoa diferente, e algumas vezes complicativa. Mas o seu trabalho foi sempre feito rigorosamente e com honestidade.

O aquartelamento estava práticamente acabado, todo rodeado de arame farpado, com os postes em cimento, pintados de branco, um branco que não era branco, pois por baixo tinha todas as cores, mais as cores do sangue, da amargura e do medo que o Cifra sentiu em muitos momentos, mas que ajudou a pintar.


Uns meses antes de acabar a comissão, o Comandante, um dia, chama-o ao seu gabinete, manda-o sentar, e numa conversa bastante franca, entre outras coisas, diz-lhe:
- Ouve com atenção, fizeste um grande trabalho neste aquartelamento que muito contribuiu para o sucesso de muitas operações, vou dar-te um louvor e propor outros para uma possível promoção, para que continues no exército de Portugal.

Ao que o Cifra lhe respondeu, também com sinceridade:
- Meu comandante, meta os elogios onde quiser, deixe-me ir embora, e em paz, pois quando me vir livre desta, não me vou meter em outra. Sinceramente, não tenho vocação para a guerra.

O comandante deu-lhe um louvor, do qual está uma cópia em cima, dizendo entre outras coisas que “revelava excepcionais qualidades de trabalho, ajudava os seus companheiros, era muito educado, aprumado, metódico e inteligente, e depressa se tornou digno da confiança, consideração e amizade dos seus camaradas e superiores”, e onde também, entre outras coisas menciona que o seus amigos Tchena Imbalá, Ionna Indegame e Canjura Turé, tinham trocado de número. Mas não menciona que andava quase sempre com a garrafita de coca-cola nas mãos, que continha tudo, menos coca-cola, que fumava cigarros feitos à mão, que roubava vinho e pão ao cabo rancho, que era o bom do “Arroz com pão”, às vezes roubava álcool ao Pastilhas, fugia desenfiado para a capital da província, no carro dos doentes, andava quase sempre na tabanca, para onde levava comida, umas vezes restos, que pedia ao sargento da messe, ou ao cabo do rancho, outra vezes roubada, para as pessoas suas amigas, andava sujo e a barba crescida, durante os dias de folga das suas tarefas. Que ele e o seu grupo de amigos, bebiam, fumavam e faziam toda a espécie de poluição sonora, atormentando os restantes companheiros, e andavam sempre metidos em problemas no dormitório. Tinham má fama e qualquer coisa que de mal acontecesse, era o grupo do Cifra, tudo isto entre outras coisas, que o Cifra não vai dizer, porque senão ainda vão chamar o D. Afonso Henriques e questioná-lo porque é que andou à guerra com a mãe e fundou o Estado Portucalense!

Também não menciona que nos últimos meses de estadia em cenário de guerra, o seu estado normal, fora dos dias em que estava de serviço, pois nessa altura executava as suas tarefas com toda a precisão e honestidade, era de uma pessoa, quase sempre sobre influência, para não se lembrar do cenário de guerra em que estava metido, para esquecer toda a sua angústia, medo e desespero, que chorava compulsivamente vários minutos, sem poder controlar, quando se lembrava que ia abandonar as pessoas amigas da tabanca e o seu grupo de companheiros, que já considerava família, mas não podia esquecer a sua verdadeira família, que tinha deixado em Portugal.


Mas o comandante deu-lhe este louvor, porque foi seu amigo desde o dia em que se encontraram, quando o Cifra o cumprimentou, no tal acampamento junto ao rio, perto do cais de desembarque na capital da província, com as botas e a farda amarela cobertas de lama, e o Cifra, todo picado dos mosquitos e já com manchas vermelhas na pele do seu corpo. Este mesmo comandante auxiliou-o passado uns anos, já na vida civil, pois o governo de então não lhe dava a caderneta militar, nem o passaporte, e o Cifra queria sair de Portugal, na companhia da sua esposa e companheira.


Era discriminado no País que defendeu, por ser de família pobre, de agricultores honrados, mas na vila a que pertencia, a sua aldeia do vale do Ninho d’Águia, diziam que era uma família “do contra”, e por tal motivo não tinha acesso a emprego decente, a crédito para ter uma casa, criar uma família e dar educação aos seus filhos, como era sua intenção assim como da sua companheira.

Emigrou. Eram outros tempos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11180: Do Ninho D'Águia até África (55): O fim aproximava-se, mas havia desespero (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11196: Estórias do Juvenal Amado (46): Este gajo não tem uma cunha, tem um barrote

1. Em mensagem do dia 22 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872,Galomaro, 1971/74), enviou-nos mais uma das suas estórias.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

46 - ESTE GAJO NÃO TEM UMA CUNHA, TEM É UM BARROTE

O Passos e o Ferreira eram como as p….. andavam sempre aos pares. Assim quando resolveram meter férias para vir à Metrópole, fizeram de forma a virem e regressarem juntos. Cá, o Ferreira foi para Viseu e o Passos para Matosinhos.

Quando chegaram a Bissau apresentaram-se nos Adidos. Logo por sorte o Passos conhecia lá um tipo de Matosinhos que estava na secretaria e tinha um quarto no bairro do Pilão. Escusado será dizer que o Ferreira e o Passos nunca dormiram nos Adidos, apenas deixaram lá a farda num cacifo do camarada que se encarregava de evitar que fossem escalados para os serviços de linha.

Nos Adidos, quando apanhavam a malta em trânsito do ou para o mato, metiam-nos em tudo que era escala onde pontificavam os reforços, os piquetes e cabos de dia. Não havia volta a dar, era dia sim dia não.
Bom, aqueles dois ou três dias até embarcarem na TAP para os 35 dias da praxe, foram passados entre copos e paródia, isto para não falar do resto.

O Silva, o Ivo, com o Passos ao colo, e o Ferreira

Quando embarcaram, o amigo do Passos disse-lhes:
- Companheiros, calha-vos a regressar num Domingo, dia em que a secretaria dos Adidos está fechada, por isso podeis regressar só no avião de Segunda Feira e aproveitais assim mais um dia. Eu depois trato dos papéis.

Assim foi, avisaram a transportadora e passada que foi a licença, eles desembarcam em Bissau um dia depois do que deveria ter sido, com a agravante de ninguém saber do individuo da secretaria.
Tiveram que apresentar as guias de marcha a outro, que lhes disse logo que eles estavam em falta, e que o facto da secretaria estar fechada não os ilibava, pois o que contava era o registo do desembarque e eles segundo o dito, tinham desembarcado um dia depois. Lá arranjaram umas desculpas esfarrapadas e trataram de regressar ao batalhão em Galomaro.

Enganaram-se ao pensar que aquilo tinha ficado por ali. Quando chegaram a Galomaro já estavam com o tenente Raposo à perna, que tinha já recebido as informações de Bissau, e as ordens eram para levantar um auto.
O capitão já tinha ido para Bissau, não regressando mais à Companhia, tendo o tenente assumido o comando interino da CCS, tornando-se mais tarde efectivo.

O Ferreira foi o primeiro a ser chamado. Quando o tenente lhe disse que eles poderiam ser obrigados a cumprir a comissão, mais um dia, e que esse dia, depois nunca se saberia quando era, ficou tão acagaçado que a primeira coisa que lhe veio à cabeça, foi a carta de apresentação que Passos tinha e era assim como um tratamento de choque contra as adversidades de percurso que existem sempre na tropa. Vai daí, dizer que se tinha que falar com o comandante, pois o Passos tinha uma carta de apresentação de um “tipo cheio de estrelas”, foi um sopro de tempo. A lógica do Ferreira era só uma: se o Passos não se lixar, eu também não me lixo.

De pé: o tenente Raposo, o 1º Sargento do Batalhão, o Caramba e o 1º Sargento Silva da secretaria. De cócoras o Santos. Na camioneta: o Ermesinde e o Aljustrel

A famosa carta tinha o efeito nos problemas que o Imodium tem nos desarranjos intestinais. Para com eles na maior parte dos casos. Assim como uma varinha mágica.

O Passos entretanto quando vai à presença do tenente Raposo já estava de sobreaviso sobre a “trovoada” que aí vinha. Voltou à baila o nome do “padrinho estrelado”, que já tinha funcionado no caso da cantina tendo logo o condão de serenar os ânimos.

E assim foi, o caso ficou por ali, o tenente passou a chamar o Passos amiúde para lhe fazer recomendações que seriam normais um pai fazer a um filho. O Passos era pois aconselhado a andar na linha, por que sim e por que não, mas a coisa “amaciou” para não se falar mais no assunto.

Isto de não se saber com quem se estava a lidar até causava calafrios e podia facilmente tirar o sono a um homem que fazia desta vida o seu ganha pão, lá pensava para com os seus botões o bom do nosso tenente.

Passado para aí um mês, o Passos foi chamado à secretaria. Diz-lhe o tenente:
- Tens aqui um documento de amparo de pais. Temos que rever que dinheiro estás a mandar para lá, pois eles precisam de ajuda.

O 1º sargento Silva que sabia mais daquilo num pé que o resto da secretaria junta, estava de parte diz a gozar:
- Qual quê meu tenente, isso é amparo de pais sim, mas é para esse gajo ir daqui para fora.

O tenente fez um ar incrédulo e o sargento acrescentou com ar manhoso:
- É mesmo, o gajo vai mais cedo para casa, a comissão acabou para ele - e acrescentou:
- Ele não tem uma cunha... tem é um barrote.

E foi verdade, o Passos livrou-se do resto da comissão, embarcando de vez em Janeiro de 1973 num Nordatlas da Força Aérea a caminho de casa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10584: Estórias do Juvenal Amado (45): A cachaça do senhor Pereira de Lima

Guiné 63/74 - P11195: Facebook...ando (24): Armando Pires e João Rebola, fadistas de Bissorã: o reencontro, 43 anos depois, em Lisboa, no Arquivo Geral do Exército


 
Lisboa > Arquivo Geral do Exército, no  antigo Convento de Chelas (, sito o largo de Chelas, em Chelas, Freguesia de Marvila, Concelho de Lisboa)  > 22 de fevereiro de 2013 > O reencontro de 2 velhos amigos, camaradas de armas e companheiros de fadistagem em Bissorã... 43 anos depois: Armando Pires (Miraflores, Carnaxide, Oeiras) e João Rebola (Senhora da Hora, Matosinhos)... E tudo graças ao nosso blogue... É caso para dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!"...

Foto: © Armando Pires (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região do Oio > Bissorã > BCAÇ 2861 > Messe de sargentos > Numa das sessões de fados aos sábados:  da esquerda para a direita, João Rebola, Armando Piores e Vilas Boas...

"Sou o João Manuel Pereira Rebola, ex-furriel mil. que cumpriu desde 15/11/68 a 20/08/70, a sua comissão na Guiné. Mas foi em Bissorã que conheci o furriel enfermeiro "ribatejano e fadista", Armando Pires e que ao fim de 40 anos nos reencontrámos!!!

"O Armando, durante o tempo em que a minha companhia, a CCaç 2444 - "Os Coriscos", permaneceu em Bissorã, todos aos sábados, na messe dos sargentos do BCAÇ 2861, cantava fados como ninguém e tinha como acompanhantes o Vilas Boas e eu, que me encontro à sua direita, na foto, que confirma o epíteto de furriel fadista. Aqui está a prova real!"   (Excerto do poste  P10821). 

Foto: © João Rebola  (2012). Todos os direitos reservados.


1. Texto do Armando Pires, publicado em 22 de fevereiro último na  página do Facebook da Tabanca Grande::

Há três anos atrás, escrevi ao Carlos Vinhal pedindo-lhe que me ajudasse a encontrar alguém de "Os Coriscos", a CCAÇ 2444, com quem eu estiveram de finais de 69 a meados de 70, em Bissorã.

Não demorou uma semana (onde é que está a novidade? não costuma ser assim?), recebi um e-mail de um camarada cujo nome, lamentavelmente, não retive, a dar-me o contacto telefónico de um tal João Rebola, que ele pensava ter pertencido a essa companhia.
- Está lá?
- Estou sim, muito boa noite. É o sr. João Rebola?
- Sou sim, diga.
- Ó sr. Rebola, o senhor pertenceu a uma companhia de caçadores, a 2444, que tinha o lema de "Os Coriscos"?
- Pertenci sim, mas porque é que pergunta?
- Sabe, eu gostava de falar consigo...
- Mas olhe lá, quem é que lhe deu o meu telefone?
- Fui eu que escrevi para o blog do Luís Graça...
- Luís Graça? Não conheço ninguém com esse nome.
- Pois, mas não foi ele, foi através dele que apareceu um camarada nosso...
- Sim, mas diga lá o que é que quer, que eu já estava de saída com a minha mulher para ir jantar.
- Bom, é que eu também estive em Bissorã, estive lá na mesma altura que a vossa companhia lá esteve, por acaso voltei lá em 1998, e gostava de falar...
- Mas olhe lá, você é o Armando Pires?
- Sou - respondi-lhe de pronto, convencido que ele relacionava o ano de 1998 com as reportagens que eu fizera para a rádio, aquando do golpe militar liderado pelo Ansume Mané.
- Então tu não te lembras de mim?
- Não estou ver, sabe. Já lá vão tantos anos.
- Ó pá, sou o Rebola, o furriel que te acompanhava a cantar o fado, lá do bar de sargentos, em Bissorã.
- Sinceramente, peço-lhe desculpa... não estou a ver - respondia-lhe eu, meu incrédulo, meio titubeante...
- Não te lembras, pá? Mas olha que eu tenho fotografias comprovativas.

Bom, por pouco a mulher do João Rebola ficava sem jantar e eu sem cara para tanto espanto pelo sucesso do reencontro. Uma semana depois, o correio entregou-me uma encomenda, na qual vinha um fotografia com o Rebola a tocar e eu a cantar, lá no bar de sargentos em Bissorã.
Essa foto é a que ele publica na sua apresentação ao nosso Blog, e que podem ver no P10821. Dela, da foto, e dessas noites de fado em Bissorã, hei-de falar-vos proximamente. Porque hoje, do que vos quero dar conta é do nosso reencontro. Desde aquele dia, desde aquele conversa inicial, muitas outras conversas tivemos ao telefone e naquela modernice chamada Skype.
Mas ali, corpo a corpo, olhos nos olhos, ainda não tinha acontecido. Até que hoje, sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2013, o João Rebola, que, já me esquecia de dizer, vive na Senhora da Hora, [Matosinhos,] veio a Lisboa e eu fui com ele, ao Arquivo-Geral do Exército, levantar a Medalha das Campanhas, e ali mesmo, nos claustros do velho convento que hoje instala o dito Arquivo, indiferentes à chuva (chuva civil não molha militares, não e?), eu e o João Rebola, como a foto testemunha, demos aquele abraço, mais do que um abraço de amizade, um abraço com 43 anos a pesar na saudade.
E graças a quem, digam lá?

  

Guiné 63/74 - P11194: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (3): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes III/IV): Buba e Aldeia Formosa, de 30/7 a 9/8/1968


Guiné >Região de Quínara > Buba > 1968 > Domingo de de Páscoa >  1º Cabo Enf Teixeira, da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)


Guiné >Região do Cacheu > Ingoré > 1968 >  1º Cabo Enf Teixeira, da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)

Fotos: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados



1. Continuação da publicação do "diário" do José Texeira (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) (*), o meu "diário de guerra", que publicámos no nosso blogue, na I série, entre janeiro e março de 2006 (**).

[Toto à direita, Farosadjuma, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 2011]


São apontamentos que o Zé foi escrevendo num caderninho, durante a sua comissão na Guiné (1968/70). É um notável documento humano onde,
 para além de dados factuais (colunas, operações, baixas, topónimos...),  também vêm ao de cima as dúvidas, as contradições e a angústia do português, do homem, e  do cristão (praticante que ele sempre foi). Nesse Agosto de 1968, em Aldeia Formosa (hoje, Quebo), o Zé escreve, dilacerado pelo absurdo daquela guerra: "Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo". Vem também ao de cima o poeta que ele é: veja-se a ternura de poema que ele escreveu sobre "As Mãos de Minha Mãe".


Aldeia Formosa, 28 de Julho de 1968

Ontem Aldeia Formosa voltou a ser atacada. Três vezes numa semana é muito.

Hoje fui fazer uma coluna a Gandembel. Tudo correu bem. O IN não atacou nem colocou minas na picada. Só tivemos uma tempestade de chuva. Começamos por ouvir um ruído assustador que se aproximava de nós. De repente surge uma forte ventania que nos arrastava, seguida de uma tromba de água que transformou a picada num rio. Um quarto de hora depois tudo desapareceu e voltou o sol quente que rapidamente nos secou.

Pouca antes de chegar a Gandembel vimos o IN atacar um Fiat das FAP que se incendiou, tendo o piloto saltado de pára-quedas.[***]

Passei no sítio onde há pouco tempo se deu uma terrível emboscada que roubou seis vidas. Quinze fornilhos colocados em série num local onde a tropa ao sentir as primeiras balas da emboscada se esconde. Doze rebentaram no momento em que se iniciou a emboscada e ceifaram seis vidas. Foi uma sorte não ter lá ficado toda a Companhia.

Quando chegamos a Gandembel fomos saudados pelo IN com um pequeno ataque ao aquartelamento, sem consequências. Os camaradas que estão aqui estacionados  [, CCAÇ 2317] dizem que comem disto todos os dias e mais que uma vez. Como é terrível...

Encontrei em Gandembel  o Mário Pinto, meu colega de escola [, foto à esquerda, Buba, 1968], contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à "estrada da morte" impedindo o IN de fazer os abastecimentos.
-Será verdade que vamos ficar nesta zona por muito tempo ?

Odeio... Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles... O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...

Pergunto-me se quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de "bom biaje", se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha, prontos a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?

Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN porque é traiçoeiro,porque mata.

Aldeia Formosa, 30 de Julho 1968

Ontem o IN voltou a atacar Aldeia Formosa. Meia dúzia de granadas de morteiro, que caíram bem longe. Que quererá o IN com estes pequenos ataques ?


As Mãos de minha mãe

As mãos de minha mãe!
Mãos belas e puras,
Mãos de santa.
Mãos que sofreram, trabalharam,
Mãos que se sacrificaram,
... Para que não me faltasse o pão.
Mãos calejadas, doridas,
Sangrentas, mesmo.
As mãos de minha mãe !...

Era pequenino,
Talvez ainda não compreendesse
As mil carícias que me faziam,
Todo o amor que me dedicavam
Mas já sentia o calor dessas mãos.
Já sentia o seu amor,
O seu carinho.
Parece que sentia mesmo,
O enorme esforço dessas mãos.
Os sacrifícios de minha mãe.
O trabalho a que se votava,
A fome que passava
Para que nada faltasse
À criança
Que no berço dormia feliz,
Embalada com tanto amor.

... Como são belas
As mãos de minha mãe !...


Aldeia Formosa, 1 de Agosto 1968

É dia de correio, mas pelos vistos o avião já não vem. Ontem aterraram dois Dakotas com páras e espera-se outro hoje. Mau sinal. Ou me engano muito ou em breve vamos ter "manga de chocolate".

No dia de S. João, enquanto me divertia em Ingoré nas marchas improvisadas do S. João, o pessoal da Companhia 2382 viu arder tudo o que trouxeram da Metrópole, aqui ao lado em Contabane, num ataque inimigo. Felizmente só tiveram 4 feridos. Que rico S. João !

Aldeia Formosa, 2 de Agosto 1968

A guerra é triste... Na estrada da Chamarra ia-se dando mais um drama. Vinte e sete abrigos de três homens e dois fornilhos a serem montados, eram a espera para a Secção que vem todos os dias a Aldeia buscar víveres. Quatro milícias passaram perto e avistando o IN abriram fogo. Três acabaram as munições e fugiram, o quarto, sozinho pôs o IN em fuga. Não fora os milícias e nesse dia a Secção podia ser apanhada à mão.

Pouco tempo antes o IN tinha tentado a sorte no mesmo local. Dizem que um nativo de 12 anos ao ver um branco com farda diferente da do nosso exército lhe apontou a Mauser e matou-o. Era um cubano que junto com outros tinha uma emboscada montada. O miúdo tentou avisar Chamarra e conseguiu-o, mesmo depois de ter apanhado um tiro de raspão no nariz.

Crianças na guerra, será possível ? Que futuro para esta gente que cresce no ódio, na guerra ?.

Aldeia Formosa, 4 de Agosto 1968

Ontem foi comemorado pelo IN o V Aniversário da implantação da luta pela independência da Guiné [ou não seria, antes  o IX Aniversário da Revolta  do Cais do Pinjiguiti, em 3 de agosto de 1959?, LG]. No sector de Buba a festa começou cerca das 22 horas com um ataque a Mampatá com quatro canhões sem recuo e terminou às 3.30 horas em Aldeia Formosa.

Às 22 horas iniciaram em Mampatá. Às 22.30 acordaram Aldeia Formosa com algumas morteiradas e continuaram em Gandembel, Guileje e Buba. Às 24 h recomeçaram em Aldeia Formosa com pequenos intervalos até as 3.30 h., não fazendo feridos.

Hoje o Senhor concedeu-me a graça de ouvir a missa pela telefonia. Sinto-me outro, mais [?, ilegível]... Hoje é dia de correio. Para completar esta boa disposição é preciso que venhas também até mim com a tua confiança.

Ouvi o Spínola dar as boas vindas à tropa vinda da Metrópole. Segundo ele, o tempo de Comissão é de 21 meses.


Buba, 8 de Agosto de 1968

A Guerra e . . . a minha "paz"

Avisto a Selva,
Do outro lado, o mar...
Corpos negros,
Corpos brancos.
Almas assassinas
Que destroem, matam.
Não sabem amar.
Quando entro na guerra,
Esqueço quem sou.
Deram-me uma arma
Tenho que lutar...
Que coisa terrível !
Marca espíritos,
Destrói sentimentos,
Origina ódios.
Mais que tudo isto,
Ensina a matar !...
Mas se eu matar
E a "pátria" o afirma,
Em defesa dos "inocentes"
Buscando a "paz",
Porquê este remorso
Se quero somente amar !?

Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968

Cheguei à uma da madrugada de Buba. Tinha partido para baixo em coluna no dia 6. Desta vez o IN não apareceu. Fomos e voltámos pela estrada de Nhala.

Estava com medo desta coluna, depois do que aconteceu na última, mas o Senhor protegeu-me, a mim e aos meus colegas de aventura.

Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem. (****)

Os homens não ouvem a voz de Deus, abafam a tua voz com o matraquear das armas. Matar pessoas, porquê ? ... E aquele corte de orelhas, vitorioso !?... Como se fosse um animal ! E se fosse, quem deu ao homem tal direito ?!...

Que faço eu nesta guerra ?... Curo uns e procuro matar outros para salvar a pele? Que culpa tenho eu que os homens não se amem ?!... Me queiram matar sem eu lhes fazer mal nenhum ?!...

Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo.



Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhe de região de Quínara, e da estrada Buba - Mampatá - Quebo - Chamarra - Gandembel [junto ao rio Balana, não  constando o topónimo]
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 28 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11168: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II): Buba-Aldeia Formosa, 39 horas dolorosas para fazer uma picada, de 35 km, em 24/25 de julho de 1968

(**) Vd. I Série, o último poste de 19 postes > 14 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

(***) Vd. poste de 21 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

(****) Julgo que a milícia em causa era a da Aldeia Formosa, comandada pelo alferes de 2ª linha Aliu Candé, ou Aliu Sanda Candé:

Vd. poste de 4 de dezembro de 20009 > Guiné 63/74 - P5406: Os nossos camaradas guineenses (16): A morte do Aliu Sanda Candé (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P11193: Em busca de ... (217): Faltam 4 elementos para completar a lista nominal dos 184 camaradas que integraram a CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72)... Um deles é o Carlos Alberto de Oliveira Rodrigues... Quem saberá do seu paradeiro ? (Ricardo Lemos, Matosinhos)


Guiné > Subsetor de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Furriéis Rico [Ricardo Lemos] e Pedroso, e Alferes Correia...

Foto: © Fernando Barata (2007). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Ricardo Lemos, nosso leitor (e camarada) com data de 4 do corrente:

Data: 4 de Março de 2013,  21h30

Assunto: Procura de um camarada da Guiné (*)

Caro camarada Luís:

Sou um ex-combatente da CCaç 2700, que esteve na Guiné em 1970-1972.

O meu nome é Ricardo Lemos, ex-furriel mecânico.

E-mail: ripele@netcabo.pt

Tenho trabalhado, já lá vai um ano na reconstituição de uma lista de camaradas que pertenceram à 2700,
ou que por lá passaram algum tempo.

A nossa lista é constituida por 184 elementos, tendo já falecido 28 camaradas.

Estão quase todos referenciados, com moradas, telefones, e-mail, etc. Ainda nos faltam 4 elementos. Este "ainda" é muito bom...

Lembro-me de ver no teu blog o nome de CARLOS ALBERTO DE OLIVEIRA RODRIGUES [Vd. poste P1150, de 26/2/2007] (**).

Este camarada pertenceu à 2700, a partir de Novembro de 1971. Portanto, esteve connosco durante 4 meses. Devia ter sido colocado na nossa Companhia, a substituir um soldado nosso que faleceu em Outubro de 1971, em combate.

Este é um dos camaradas que nos falta saber o seu paradeiro. Será possível uma ajuda do camarada Luís?

Com os melhores cumprimentos,
Matosinhos, 4 de Março de 2013
Ricardo Lemos

2. Comentário de L.G.:

Ricardo, sê bem vindo!...E obrigado por recorreres ao nosso blogue para tentar localizar um antigo camarada teu, da CCAÇ 2700, do qual não parece haver rasto...Mas comecemos por um detalhe: Tu eras/és o Ricardo Pereira Lemos, fur mil manut auto, mais conhecido, na Dulombi do teu tempo, pelo fur mil Rico... Certo ?... E meteste-te na louvável mas hercúlea tarefa de juntar, pelo menos num lista nominal, todo o pessoal que passou pela CCAÇ 2700, ao todo 184 camaradas, dos quais 15% já morreram...E faltam-te os contactos ou os paradeiros de 4 (quatro!), incluindo o Carlos Alberto de Oliveira Rodrigues, que faz parte do vosso recomplemento em novembro de 1971, a 4 meses do final da comissão... 

Ficamos sensibilizados pela tua iniciativa, que contará certamente com o apoio de camaradas tão ativos como o Fernando Barata, o primeiro de vocês - se não me engano - a entrar para o nosso blogue. Aliás, é o Fernando Barata que refere o nome do Carlos Alberto, num dos seus postes sobre a história das unidade (**)... Não temos, infelizmente, mais nenhum elemento informativo, no nosso blogue, sobre o camarada que procuras,. Mas aqui fica o teu pedido. Espero que alguém te possa ajudar e o que o próprio Carlos Alberto, se por acaso nos ler, dê sinais de vida... Pesquisando na Net (Google="Carlos Alberto de Oliveira Rodrigues", com aspas...), é possível que encontres alguma pista, mesmo que ténue... 

Constatando, por outro lado, que o teu ilustre nome não consta, como grã-tabanqueiro, nos nossos públicos ficheiros (leia-se: não és ainda membro da nossa Tabanca Grande... ), ficas desde convidado a tratar, com o o nosso editor Carlos Vinhal, teu conterrâneo e vizinho, da papelada para um entrada em grande, pela porta grande do nosso tabancaql... (Como sabes, a pertença ao "clube" dos amigos e camaradas da Guiné custa apenas duas fotos tipo passe, uma antiga e outra atual + uma história, basta um simples apresentação... Como todos somos poucos, e cada  vez menos - pela lei natural da vida - , para partilhar e preservar as memórias daqueles tempos e lugares, contamos contigo, camarada!).
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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 2 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11181: Em busca de ... (216): O meu professor, em Afiá, Aldeia Formosa, o ex- 1º cabo Abeltino José Rocha (Sori Baldé, secretário executivo da ONG ADI - Associação para o Desenvolvimento Integrado)

(**) Vd, poste de 26 de fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1550: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (2): A nossa gente

(...) Em Setembro é recompletado o quadro com a chegada do soldado José Luís da Silva Navalha. Igual situação se passa, em Novembro, com a chegada dos soldados Carlos Alberto de Oliveira Rodrigues e José da S. Alves. Por outro lado, o Furriel João Costa é transferido para a CCAÇ 14 do BART 3844, experimentando sentido inverso o 1.º Cabo António Fernando da Silva, vindo da CCAÇ 3327. (...)

segunda-feira, 4 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11191: Memória dos lugares (221): Gandembel: fotos de 1968 (Idálio Reis), 2008 (Luís Graça) e 2011 (Carlos Afeitos) (Parte II)


Foto nº 13 (Luís Graça, 2008)


Foto nº 14 (Luís Graça, 2008)


Foto nº 15 (Luís Graça, 2008)


Foto nº 16  (Luís Graça, 2008)



Foto nº 17 (Luís Graça, 2008)


Foto nº 18 (Luís Graça, 2008)


Foto nº 19 (Carlos Afeitos, 2011)


Foto nº 20 (Carlos Afeitos, 2011)


Foto nº 21 (Carlos Afeitos, 2011)


Foto nº 22 (Idálio Reis, 1968)


Foto nº 23  (Idálio Reis, 1968)


Foto nº 24  (Idálio Reis, 1968)


Foto nº 25  (Idálio Reis, 1968)

Guiné - Bissau > Região de Tombali > Gandembel > Fotos de três épocas:  1068 (Idálio Reis), 2008 (Luís Graça) e 2011 ( Carlos Afeitoas).


Carlos Afeitos, professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), é nosso mais recente membro da Tabanca Grande, com o nº 606 [, foto à esquerda]. Está na neste momento a fzer um metrado em Inglaterra. Já nos mandou fotos dos restos de alguns dos nossos aquartelamentos (Gadamael, Gandembel, K3).

O Idálio Reis não precisa de apresentação: foi um dos bravos construtores e defensores de Gandembel e ponte Balana (CCAÇ 2317, 1968/79). Luís Graça, por seu turno, passou por estes sítios em 1 de março de 2008, de visita ao sul da Guiné.

Recorde-se que Gandembel, tal como outras guarnições militares no sul, foi abandonada - em 28 de janeiro de 1969 - por ordem expressa do Com Chefe, 292 dias depois do início da saua construção e após 372 ataques e flagelações. (LG).

Guiné 63/74 - P11190: Notas de leitura (461): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Dando continuação à transcrição de folhas policopiadas cuja data desconheço, a verdade é que referem o Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, embora seja de supor tratar-se de um espetáculo de cantares Mandingas para o qual foram compilados vários textos e onde não terá sido alheia a mão de Manuel Belchior, um funcionário ultramarino que trabalhou na Guiné e com uma missão claramente cultural, juntam-se agora elementos que têm a ver com lendas Mandingas ao serviço de música do Korá.

Braima Galissá confirmou que o pai viera a Portugal onde deu espetáculos, é de supor que estes textos tenham tido essa proveniência.

Um abraço do
Mário


Lendas Mandingas ao serviço de músicas e canções

Beja Santos

Dando continuidade às referências feitas aos Mandingas numas folhas policopiadas que foram editadas pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, com data desconhecida, refere-se hoje um extrato do livro “Grandeza Africana”, de Manuel Belchior, um funcionário ultramarino que é autor de obras de divulgação, sobretudo da cultura Mandinga.


A canção de Quelé Fabá

Quelé Fabá, a tua lança ficou em Baria.
Tu não tinhas medo da morte.
Quelefá Sané, filho de Mariama Nanki,
porque era o teu almoço e o teu jantar.
Os cobardes, esses vivem mais,
mas nunca terão música para dançar.(1)
(Da canção de Quelé Fabá)

Quelé Fabá Sané, natural de Badora, era o maior guerreiro das terras de Bafatá e Gabu. Ninguém o igualava em temeridade e destreza. Tão alto subia a sua fama que, vários régulos, quando empenhados em guerras, pediam o seu concurso.

Um dia, Demba, senhor de Baria e seu amigo, chamou-o para o auxiliar a combater um chefe vizinho poderoso. Pôs-se Quelé Fabá a caminho, acompanhado de sua mulher, Fendabá, mas antes de partir jurou na sua tabanca que, nem na guerra, nem tão pouco na viagem, voltaria a cara para trás.

A certa altura necessitaram de atravessar um rio e, na canoa, o herói esqueceu-se do juramento feito. Para melhor conduzir o barco, ficou de frente para o ponto de partida. Vendo isto, Fendabá gritou: “Que desgraça! Lembra-te do juramento!”.

Entristeceu Quelé Fabá e disse que o seu esquecimento era de certo presságio de que iria morrer na luta. Implorou a mulher que voltassem para casa, mas o guerreiro ponderou-lhe que perder a vida era uma desgraça mas que perder a honra seria muito pior.

Ficou Fendabá aflita e, chegados que foram a Baria, contou em segredo a Demba o que acontecera, pedindo-lhe que poupasse o amigo a uma morte certa, afastando-o da guerra por meio de qualquer pretexto hábil.

Assim fez Demba, amigo verdadeiro, que incumbiu Quelé Fabá de uma missão distante, garantindo-lhe que não iniciaria a luta antes de ele regressar.

Quando o campeão credulamente seguiu ao destino que lhe fora designado, o régulo partiu para a guerra. Causou espanto em Baria o ato de Demba que, sem motivo conhecido, assim desprezava o concurso de homem tão valente, e a explicação que a alguns ocorreu foi a de que pretendia roubar ao seu amigo uma nova glória.

Por isso, uma bruxa velha e má foi no encalço de Quelé Fabá e, quando o encontrou, disse-lhe que Demba partira para a guerra e por inveja o havia afastado.

Lembrou-se o guerreiro do episódio da canoa e da aflição de Fendabá, concluindo que esta e o amigo se haviam combinado para o salvar. Então, repeliu com desprezo a intriguista, regressou precipitadamente a Baria e dali correu ao campo de batalha.

Quando lá chegou, Demba morrera e os seus homens lutavam já sem esperanças de vitória. Lançou-se Quelé Fabá com ímpeto na refrega e mudou o curso da luta, mas, quando o inimigo ia ser vencido, eis que uma lança adversa o fere de maneira grave.

Admirados com o que acontecera ao herói, que todos supunham invulnerável, os trovadores que animavam os combatentes de Baria gritaram, aflitos:
- Como foi isso, Quelé Fabá? O teu guarda de corpo, o teu chifre mágico, permitiu que fosse assim ferido?(2)

A esta pergunta o próprio chifre respondeu:
- Cada pessoa tem o seu dia para morrer e este é o dia de Quelé Fabá. Por isso, eu não o pude proteger.(3)

Pediu que o guerreio que lhe ligassem fortemente a ferida para o sangue não se escapar muito depressa. Voltou à contenda como um leão esfaimado e desbaratou os últimos inimigos. Depois, caiu exausto e disse aos bardos:
- Até ao meu último suspiro cantem as canções de guerra que eu tanto amei.

Isso fizeram.

Quando sentiu que a morte estava próxima, perguntou-lhes:
- Que vão vocês fazer para que o meu nome fique na memória dos homens?

Então o mais velho dos cantores respondeu por todos:
- Morre em paz. Nós vamos lembrar-te como nunca o foi outro guerreiro. Faremos uma canção que louve os teus feitos e terá o privilégio de ser a primeira que todo o trovador aprenderá. Essa será a canção de Quelé Fabá.(4)
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(1) - Aos grandes guerreiros, os “judeus” dedicavam uma composição musical. Nas vésperas de uma batalha, ao som de cada música, o respetivo guerreiro dançavam diante dos outros e dizia o que se propunha fazer no combate

(2) - Guardas de corpo são amuletos que podem ser usados em diversas partes do corpo, pendentes do pescoço, na cintura, nos braço e nos tornozelos. Nos africanos islamizados são versículos de Alcorão dentro de uma caixinha de metal ou de coro. Quelé Fabá era, porém, um Mandinga animista (soninqué) e, por isso, usava um chifre. 

(3) - Os amuletos conservam sempre o seu prestígio, mesmo que a morte venha ao encontro do seu possuidor porque neste caso ou se considera que o guerreiro não tinha o coração puro e não merecia por isso a guarda de corpo, ou, então, na hipótese presente de um verdadeiro herói, chegara a sua hora derradeira. 

(4) - Tive a curiosidade de perguntar ao contar que me narrou esta lenda se de facto fora a canção de Quelé Fabá a primeira que aprendera. Respondeu-me afirmativamente.



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Nota do editor:

Vd. poste anterior de 1 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11174: Notas de leitura (460): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (1) (Mário Beja Santos)