segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15079: FAP (85): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte II





1. Continuação da publicação do artigo do José Matos, "A ameaça dos MiG na guerra da Guiné", Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352 > (*)

por José Matos

[Recorde-se que o José Matos é filho de um camarada nosso, o ex-fur mil José Matos, da CCav 677 (São João, 1964/66), já falecido em 1987, aos 45 anos; vive na região de Aveiro, é investigador independente, especialista em aviação militar; e é a partir de hoje o nosso mais recente grã-tabanqueiro, o  nº 701;L acaba de aceitar o nosso convite para se senta à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, honrando a memória do seu pai]


(Continuação)


O reforço da artilharia antiaérea

Entretanto, o Ministro da Defesa autoriza, por despacho de 14 de Agosto de 1970, o reforço do dispositivo antiaéreo na Guiné com uma bateria antiaérea, com comando em Bissau e um pelotão em Nova Lamego e outro em Aldeia Formosa [20]. Desta forma, é mobilizada a Bateria de Artilharia Anti-Aérea (Btr AAA) 3381, sob o comando do Capitão de Artilharia Victor Marçal Lourenço, que embarca para a Guiné em duas fases: a 1ª fase, em 13 Fevereiro de 1971, e a 2ª fase, em 26 de Maio do mesmo ano. Na Guiné, a bateria é fraccionada por Bissau, Nova Lamego, Aldeia Formosa e Nhacra. Estava equipada com metralhadoras quádruplas de 12,7 mm, peças de 40 mm e radar nº 4 Mark VI.

Também em 13 de Maio de 1971, embarcou uma bateria antiaérea pesada 3382 (peças de 94 mm), sob o comando do Capitão de Artilharia Joaquim Branco Evaristo para reforçar o dispositivo já existente em Bissau.

Finalmente, a 26 de Maio de 1971, embarca a Btr AAA 3434 sob o comando do Capitão de Artilharia Pereira da Costa, ficando a Guiné com três baterias de AAA [21]. No entanto, os voos não identificados continuam sobre a Guiné. Em 1970, os PERINTREP (relatórios periódicos de informação) do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (CCFAG) assinalam 38 voos não identificados, sendo que este número baixa ligeiramente no ano seguinte para 35 [22].

A caça aos MiG em Conakry

Em Novembro de 1970, as forças portuguesas na Guiné desencadeiam a operação “Mar Verde” contra a Guiné-Conakry, com o objectivo de derrubar o regime de Sékou Touré, capturar Amílcar Cabral e resgatar vários militares portugueses presos na capital guineana. Seis lanchas da Marinha são mobilizadas para esta operação, sendo constituída uma força embarcada de 400 combatentes formada por comandos e fuzileiros portugueses, além de elementos oposicionistas ao regime de Sékou Touré treinados pelas forças portuguesas.

A operação é desencadeada na madrugada de 22 de Novembro de 1970, sendo a força de ataque dividida em 15 grupos de assalto, tendo o grupo “Sierra”, comandado pelo Capitão Lopes Morais, a incumbência de atacar o aeroporto da capital e destruir os MiG da FAG, de forma a assegurar o domínio do ar durante o ataque.  Porém, Lopes Morais não encontra nenhum MiG no aeroporto e comunica o facto ao comandante da operação, o Capitão-Tenente Alpoim Calvão, que, perante a situação, dá ordem de retirada [23]. Segundo informações recolhidas no terreno, os MiG tinham sido enviados para Labé, no dia 20 de Novembro [24].

No palácio presidencial, depois da fuga de Sékou Touré para uma casa segura, o Secretário de Estado da Juventude, Alpha Abdoulaye Diallo, tenta organizar a resistência contra a força invasora e entra em contacto com o Capitão Sylla Ibrahima, responsável pela aviação militar, e pergunta por que razão os MiG não estão no ar, ao que Ibrahima responde que estão todos inoperacionais, mas compromete-se a tentar, pelo menos, pôr um a voar [25].

E é provavelmente esse caça que levanta voo de Labé para tentar interceptar as forças portuguesas ao início da manhã. Pilotado pelo Tenente Hady Canté, o MiG-17 sobrevoa a capital guineana a baixa altitude por volta das nove da manhã, quando as forças portuguesas já tinham embarcado, e detecta na baía de Conakry um barco que julga ser inimigo [26]. O piloto abre fogo de canhão sobre o navio que na verdade era o cargueiro cubano, Conrado Benitez, provocando ferimentos num membro da tripulação [27]. Depois deste episódio, o piloto ainda sobrevoa a grande altitude a força naval portuguesa, mas nada faz [28]. A acção do MiG mostra, no entanto, que a decisão de Calvão em retirar tinha sido acertada, pois as lanchas da Marinha não dispunham de qualquer defesa antiaérea e o raio de acção da aviação de caça portuguesa não permitia qualquer cobertura aérea sobre a capital guineana [29].

Os MiG sobre Bissau


Em Fevereiro de 1971, o próprio Comandante-Chefe da Guiné, General António Spínola, dá conta do sobrevoo de Bissau, a 13 de Fevereiro, por dois caças MiG-17. Em carta ao Ministro da Defesa, General Viana Rebelo, Spínola assinala que os dois MiG sobrevoaram a capital a baixa altitude, concluindo “que se tratava de um reconhecimento aéreo levado a efeito por pilotos altamente especializados, que, como é óbvio, devem ser russos”.

MiG 17F - Cortesia do portal Área Militar > Aviões e helicópteros....
[Edição: LG]
Spínola não identifica a origem dos aviões, nem a direcção dos mesmos, mas pede que sejam fornecidos “meios de detecção e alerta, e ainda material antiaéreo”, e pede também que a BA12 seja reforçada, no mínimo, “com um avião de bombardeamento de voo nocturno e que seja deslocada para a Guiné uma fragata equipada para luta antiaérea [30]. Estranhamente, o PERINTREP do CCFAG referente ao período em questão não faz qualquer referência a este voo.

Pouco tempo depois, a 30 de Março, Spínola emite uma directiva em que admite a possibilidade de ataques aéreos contra a capital guineense pelo país vizinho como retaliação pela operação “Mar Verde”, dando novamente conta do incidente ocorrido a 13 de Fevereiro com os dois MiG. Como medida de precaução, Spínola determina que a corveta “Jacinto Cândido”, já fundeada na Guiné, comece a ser usada na pesquisa de alvos aéreos que possam ameaçar Bissau [31].

Nesta altura, volta novamente a pensar-se na hipótese de enviar F-86 para a Guiné, depois destes terem sido retirados em 1964, em virtude de pressões americanas. Em Fevereiro de 1971, é decidido enviar seis caças destes para a Guiné, desmontados, sendo o transporte feito em aviões Noratlas [32]. A intenção é comunicada ao Comando da 1ª Região Aérea, que levanta problemas quanto à ida para Bissalanca de pilotos e mecânicos afectos à Esquadra 51, em Monte Real, e das consequências que essa deslocação podia ter na operação dos F-86 da unidade e na preparação de pilotos para o Fiat [33]. Uma preocupação que não é atendida pelo SGDN, que reforça a necessidade do destacamento, argumentado que o mesmo tinha merecido a concordância do ministro da Defesa [34].

Neste seguimento, dois pilotos qualificados em Sabre (Major Nazário Rodrigues e o Capitão Alberto Cruz) são destacados para embarcar para a BA12, e dois F-86 são desmontados, em Março, para seguir o mesmo caminho [35]. A Força Aérea envia mesmo a Bissalanca dois oficiais de Monte Real (Capitão José Nico e Tenente Jurado) para estudar as condições de apoio logístico que a base dispunha para operação do Sabre [36]. Mas, em Julho de 1971, o destacamento é cancelado, provavelmente, para não criar problemas com os EUA [37].

Em meados de Dezembro, Spínola volta a escrever a Viana Rebelo considerando, mais uma vez, que é possível um ataque aéreo a Bissalanca vindo da República da Guiné e que tal hipótese “exige que sejam efectuadas com a maior urgência obras de construção de abrigos para helicópteros e pontos de dispersão para os aviões Fiat G-91”, pedindo ao ministro que despache no sentido da adjudicação dos trabalhos [38]. Spínola revela ainda que irá ele próprio “autorizar a firma adjudicatária a iniciar desde já os trabalhos, antes de assinatura do contrato”. No seguimento desta carta, as obras arrancam na BA12 e são então construídos abrigos metálicos para o G-91, com paredes laterais de forte espessura cheias de terra, protegendo assim os aviões contra estilhaços e efeitos de sopro, ficando os aviões separados uns dos outros por estas paredes metálicas. Além de Bissalanca, são também construídos abrigos para o Fiat, em Nova Lamego.

Em busca de novos meios de defesa

Entretanto, em Dezembro de 1971, Viana Rebelo, desloca-se a Paris para tratar da renovação do acordo da estação de rastreio das Flores e dos problemas pendentes relativos ao fornecimento de material de guerra francês a Portugal. Rebelo encontra-se com o Ministro de Estado e da Defesa, Michel Debré, e manifesta a intenção de Portugal comprar mísseis antiaéreos Crotale [39].

Desenvolvido originalmente para a África do Sul, pela Thomson-CSF, o Crotale R440 era um sistema de defesa aérea contra ataques a baixa altitude e que, habitualmente, consistia em dois ou três veículos lançadores, equipados cada um com quatro mísseis, além de um radar de seguimento e um veículo de aquisição e vigilância, equipado com um radar de busca/designação de alvo.  Debré concorda que se iniciem as negociações preliminares sobre o Crotale, embora uma futura venda tenha sempre que ser analisada pela Comissão Interministerial de Estudos de Exportação de Material de Guerra (CIEEMG, na sigla francesa), uma comissão constituída por delegados de cinco ministérios e que decide a venda ou não de material bélico ao exterior.

Na mesma altura, a CIEEMG analisa também um pedido português para uma possível compra de dezoito caças Mirage III ou Mirage 5  [40]. A FAP não tem na Guiné qualquer avião interceptor capaz de fazer frente a uma ameaça aérea vinda do país vizinho e procura, por isso, um novo caça com capacidade de ataque e defesa aérea, embora a principal vantagem de um caça como o Mirage na Guiné seja a capacidade de retaliação sobre os países vizinhos.

A falha era óbvia e já tinha sido evidenciada em 1970, num relatório do comando militar em Bissau sobre a situação operacional e logística na Guiné e evolução prevista para o biénio 1970-71. Na parte da defesa antiaérea, o relatório exagerava na ameaça reportando, com elevada probabilidade, que a guerrilha já tinha “elementos treinados em pilotagem de aeronaves” e que dispunha “de meios aéreos ligeiros de transporte, nomeadamente helicópteros” e que, a breve prazo, poderia ter também “meios aéreos de outros países ou organizações internacionais intervindo abertamente no conflito”, o que nunca chegou a acontecer.  No entanto, assinalava de forma correcta a falta de um sistema de radar/caças interceptores capaz de garantir a defesa aérea do território e pedia a “construção de uma estação de radar e respectivo material electrónico”, além da “aquisição duma esquadra de interceptores Mirage 5 (mínimo de 16 aviões)”. O relatório defendia também uma rede de artilharia AA por vários pontos da Guiné, além do envio de mais radares AN/TPS-1D [41].

O documento chega ao conhecimento do Ministério da Defesa, em Lisboa, mas não tem qualquer consequência prática. A única decisão que o ministério toma, em 1972, é atribuir mais um radar AN/TPS-1D à Força Aérea, “com vista a uma melhor cobertura do território guineense e em reforço de um outro radar do mesmo tipo já em funcionamento,” contudo as fracas prestações deste equipamento fazem com que a FAP decline a cedência de novos radares AN/TPS-1D [42].


A visita de Costa Gomes


Em Janeiro de 1973, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), General Costa Gomes, visita a Guiné, com o objectivo de obter relatórios da situação dos diferentes sectores militares em todos os seus aspectos. A avaliação que faz da defesa aérea é negativa, pois considera que esta não existe e que “a precária operacionalidade dos meios de defesa aérea deixa a Guiné à mercê de um ataque aéreo inimigo” [43].

Um mês depois desta visita, Costa Gomes analisa a situação numa reunião da Comissão Conjunta dos Chefes de Estado-Maior, onde chama a atenção para o problema da defesa aérea e dos meios antiaéreos. Nas palavras do CEMGFA, o radar existente na BA12 “está inoperante e mesmo que esteja operacional não permite a referenciação em tempo oportuno. Os meios de defesa aérea só poderão actuar quando os objectivos estiverem já a ser sobrevoados. Quanto aos meios antiaéreos estamos a pretender adquirir mísseis Crotale para a Guiné e para Cabora-Bassa, mas sem radar de aviso este sistema é ineficiente.”

Em resposta, o CEMFA, General Tello Polleri, refere que para ele o problema é uma surpresa, pois nunca tinha sido apresentado ao EMFA. Menciona ainda que “nos estudos feitos não foram incluídos meios para a defesa aérea da Guiné. Foi prevista a aquisição de aviões Mirage – 12 para Angola, 12 para Moçambique e 8 para Metrópole”, mas nenhum para a Guiné. E, num comentário final, salienta que “seja qual for o avião e o radar utilizados não há possibilidade de interceptar os atacantes antes destes chegarem a Bissau. Para os interceptar antes era necessário os aviões estarem sempre em alerta no ar. Assim, julgava mais conveniente que a defesa dos objectivos principais fosse atribuída à artilharia antiaérea”  [44].


Os pilotos cubanos

Em Fevereiro de 1973, chegam os primeiros pilotos cubanos ao país vizinho e a actividade aérea sobre a Guiné aumenta de forma significativa ao longo do ano, embora não se possa estabelecer claramente uma relação de causa-efeito ente um facto e o outro. Os relatórios periódicos de informação registam 57 voos não identificados, nesse ano, enquanto, no ano anterior, tinham registado apenas quinze [45].

O apoio cubano à FAG surge depois da visita de Fidel Castro à Guiné-Conakry, em Maio de 1972. Consciente da importância estratégica que este país tem no apoio à luta da guerrilha na Guiné, Castro decide reforçar a assistência económica e militar ao regime guineano. Um dos receios de Cuba é que as forças portuguesas tentem novamente atacar Conakry para eliminar a retaguarda do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

De forma a precaver qualquer ataque, Havana decide então apoiar a FAG com pilotos e especialistas militares [46]. O primeiro grupo de quatro pilotos cubanos chega a Conakry na segunda quinzena de Fevereiro de 1973 [47]. Na altura, a FAG tinha apenas sete pilotos capazes de voar em jactos e uma taxa de operacionalidade muito baixa, estando os MiG praticamente parados [48]. Na verdade, os militares cubanos ficam surpreendidos com o desleixo que encontram na FAG. Vários dos equipamentos para a manutenção dos MiG não funcionam. O gerador de oxigénio para carregar a garrafa de oxigénio do piloto para voos a grande altitude foi levado para um hospital, os motores dos aviões apresentam problemas a nível dos injectores devido à má manutenção e metade dos MiG não tem os canhões a funcionar. Perante as dificuldades encontradas, os cubanos solicitam um reforço de pilotos e técnicos a Havana.

Um segundo grupo de quatro pilotos, acompanhados de vários técnicos, chega então a Conakry, a 8 de Maio de 1973 [49]. Os MiG-17F da FAG começam então a voar a partir da capital em missões de patrulha. Com a ajuda cubana, as instalações e a pista do aeroporto de Conakry são melhoradas para a operação dos caças e a FAG passa a ter dois MiG de prontidão com o objectivo de evitar incursões portuguesas em território guineano. Mesmo assim, a aviação portuguesa não se coíbe de atacar várias vezes Kandiafara, em meados de Setembro e ainda em Outubro, destruindo neste último ataque um batelão que fazia travessia do rio Kogon com armamento para o PAIGC, além de provocar outros estragos [50]. Estes ataques são realizados por aviões Fiat que actuam sem qualquer oposição, a não ser das antiaéreas de Simbeli e Kandiafara. Num destes ataques, a 20 de Setembro, é morto um oficial cubano, o Tenente Raúl Pérez Abad [51].

Além dos pilotos e técnicos militares, Cuba participa também na instalação de um radar de vigilância aérea P-37 e de um radar P-12, nos arredores de Conakry, com o objectivo de vigiar o espaço aéreo em torno da capital [52]. Posteriormente, um radar P-12 é deslocado para Kamsar, uma cidade industrial perto da fronteira com a Guiné, de forma a vigiar os voos da aviação portuguesa [53].

Outra ajuda importante de Havana é na ampliação dos aeroportos de Labé, no norte, e Kankan, no leste, de forma a permitir a operação de caças a jacto [54]. O aeroporto de Labé passa então a ser a base operacional dos MiG, que podem deslocar de Labé com carga máxima, depois da ampliação da pista. Os MiG passam, assim, a ser capazes de atacar Bissau a partir de Labé usando praticamente a sua carga máxima, o que representa um sério risco para a BA12 [55]. No quartel-general, em Bissau, as chefias militares temem um ataque aéreo inimigo. O que não sabem é que, do outro lado da fronteira, a grande preocupação das forças guineanas não é atacar a Guiné, mas sim defender-se de qualquer ataque que as forças portuguesas possam fazer.

Em Maio de 1973, a situação militar na Guiné agrava-se de forma significativa com fortes ataques da guerrilha a Guidage, Guileje e Gadamael e a questão da ameaça aérea volta novamente a ser discutida ao nível da hierarquia militar. Numa reunião de comandos militares em Bissau, a 15 de Maio, o comandante da ZACVG, Coronel Moura Pinto, salienta a “total inexistência de meios de detecção e intercepção, e a limitada eficácia da defesa com armas antiaéreas”. Moura Pinto considera que a Guiné necessita, no mínimo, de “um radar direccional de longo alcance que permita pelo menos detectar aeronaves que se dirijam ao espaço aéreo nacional, em ordem a evitar que sejamos colhidos de supressa”. O comandante da ZACVG julga também importante “o reforço das unidades terrestres de defesa antiaérea e ainda a disponibilidade de uma força suficientemente dimensionada de aviões” com grande capacidade de retaliação, que possa pesar na decisão dos países vizinhos de uma acção aérea contra a Guiné.

Por fim, Moura Pinto defende que o Exército deve ter mísseis terra-ar equivalentes ao Strela usados pela guerrilha, que possam defender as forças portuguesas de qualquer ataque aéreo [56]. Neste seguimento, reclama a compra de aviões Mirage para substituir os T-6 e os Fiat G-91, além de um radar de detecção, planimétrico e altimétrico, de longo alcance e de mísseis terra-ar do tipo Redeye [57].

Relativamente a esta última questão, as necessidades quantitativas calculadas para a Guiné apontavam para 205 mísseis a distribuir por várias unidades do Exército [58].

(Continua)
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Notas do autor:

[20] Informação n.º197/LM-5093 da 4ª Repartição do Estado-Maior do Exército (EME), Assunto: Defesa antiaérea da Guiné – Reforço de 1 Bat Art AA, 21 de Setembro de 1970, AHM/FO/029/1/351/51.


[21] Costa, António J. Pereira, Testemunho in Boletim da Artilharia Antiaérea Especial “60 anos da Artilharia Antiaérea em Portugal”, nº 3, II Série, Outubro de 2003, pp. 108-110.


[22] Diversos PERINTREP da Guiné, ADN/F2/SSR.002.


[23] Marinho, António Luís, Operação Mar Verde – Um documento para a história, Editora Temas e Debates, Lisboa, 2006, pp. 132-137.


[24] Calvão, Alpoim, De Conakry ao M.D.L.P., Editora Intervenção, Lisboa, 1976, p. 81.


[25] Marinho, op. cit., p. 136.


[26] Hernández, Humberto Trujillo, El Grito del Baobab, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2008, p. 95.


[27] Hernández, op. cit., p. 223.


[28] Marinho, op. cit., p. 142.


[29] Calvão, op. cit., p. 75.


[30] Carta do Governador da Guiné para o Ministro da Defesa Nacional, 14 de Fevereiro de 1971, ADN/F1/7/29/4.


[31] Directiva n.º 7/71 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, 31 de Março de 1971, AHM/DIV/2/4/161/9.


[32] Informação n.º 9/71 do Comando da 1ª Região Aérea, Assunto: Destacamento de F-86 para o Ultramar, 25 de Fevereiro de 1971, ADN Fundo Geral SGDN Cx.6292/2


[33] Informação nº 9/71 do Comando da 1ª Região Aérea, Assunto: Destacamento de F-86 para o Ultramar, 25 de Fevereiro de 1971, ADN Fundo Geral SGDN Cx. 6292/2.


[34] Nota n.º 555/RA da 1ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Constituição de destacamento de aviões F-86, 6 de Março de 1971, ADN Fundo Geral SGDN Cx. 6292/2.

[35] Informação fornecida ao autor pelo Capitão Alberto Cruz.


[36] Informação fornecida ao autor pelo Tenente-General José Nico.

[37] Verbete n.º 1597/RA da 1ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Constituição de destacamento de aviões F-86, 8 de Julho de 1971, ADN Fundo Geral SGDN Cx. 6861/3.


[38] Carta do Governador da Guiné para o Ministro da Defesa Nacional, 16 de Dezembro de 1971, ADN/F1/7/29/4.


[39] Memorando da Comissão Luso-Francesa, Assunto: Acordo Luso-Francês sobre os Açores e fornecimentos de material de guerra francês, 16 de Outubro de 1972, ADN/F1/7/31/19 e processo da visita do MDN a Paris, em 1971, ADN Fundo Geral Cx. 7093.


[40] Nota n.º 137 da Direcção da Europa para o Ministro, 18 de Dezembro de 1973, Archive du Ministère Affaires Étrangères, Europe 1971-1976 – Portugal – Caixa 3501.


[41] Estudo da situação operacional e logística do teatro de operações da Guiné e evolução prevista para 1970-1971, capítulo VI, Bissau, 1970, ADN/F3/17/36/28.


[42] Informação nº 187 da 3ª Repartição do EMFA, 19 de Julho de 1972, SDFA/AH, 1ª Região Aérea, Cx. 64.


[43] Relatório da visita do CEMGFA à Guiné, Janeiro de 1973, ADN/F3/17/37/59.


[44] Acta da reunião da Comissão Conjunta dos Chefes de Estado-Maior, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, 6 de Fevereiro de 1973, ADN/F3/10/23/38.


[45] Diversos PERINTREP da Guiné, ADN/F2/SSR.002.


[46] Gleijeses, Piero, Missões em Conflito. Havana, Washington e África, 1959-1976, Editorial Caminho, Lisboa, 2004, p. 309.


[47] Hernández, op. cit., p. 110.


[48] Hernández, op. cit., pp. 50-51.


[49] Hernández, op. cit., pp. 55-56.


[50] Carta do Comando-Chefe das Forças Armadas na Guiné para o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Assunto: Acção no exterior, Bissau, 14 de Outubro de 1973, ADN/F3/17/35/18.


[51] Hernández, op. cit., p. 237.


[52] Hernández, op. cit., p. 58.


[53] Hernández, op. cit., p. 191.


[54] Hernández, op. cit., p. 195.

[55] Informação nº 33931/GC do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Aeroporto de Labé (Guiné-Conakry), 5 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9.


[56] Acta da reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973, Bissau, AHM/DIV/2/4/314/2.


[57] Anexo D da acta da reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973, Bissau, AHM/DIV/2/4/314/2.


[58] Anexo C da acta da reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973, Bissau, AHM/DIV/2/4/314/2.

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Nota do editor:

Vd, poste anterior da série > 6  de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I

domingo, 6 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15078: Libertando-me (Tony Borié) (33): O Sonho Americano (3)

Trigésimo terceiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 1 de Setembro de 2015.




“American Dream”

Capítulo III

Companheiros, lembram-se do último episódio, a habilidade do “Capitão Gancho” para lidar com os seus homens era lendária, na idade de vinte e nove anos foi nomeado para o posto de capitão, sobrevive quase vinte anos como um corsário, vulgo “pirata”, comandando homens em batalhas ferozes, principalmente contra Espanhóis e Portugueses.

Em 1592, o navio do “Capitão Gancho”, no mar das Índias, abordou uma grande nau portuguesa, ele, sabendo como os marinheiros portugueses eram bons guerreiros, talvez os maiores rivais, pelo menos no mar das Índias, fez um discurso aos seus homens, que mais tarde ficou famoso. Disse:
- Marinheiros, chegou o momento que tanto desejávamos, podemos aqui terminar os nossos dias, vai ser vida ou morte, vamos com coragem tomar esta “Carraca” e destruir estes nossos rivais Portugueses.
Toda a tripulação que se encontrava a bordo, motivada pelas palavras do seu comandante, lutaram com sucesso e capturaram o navio Português, durante uma longa e sangrenta batalha naval. Para quem não sabe, as “Carracas” eram umas famosas naus Portuguesas, que por altura do século XV, faziam o “roteiro de Malaca”, eram consideradas umas naus muito avançadas para a época, pois os marinheiros portugueses andavam encostados à praia, ao longo do Atlântico, nas costas de África e, com estas naus de três mastros, aventuraram-se ao largo do oceano. Assim inventaram as “Carracas”, que era uma fusão com algumas modificações das naus que navegavam encostadas a terra no Atlântico e no Mediterrâneo. As mais famosas eram a São Gabriel e a Flor do Mar. Mais tarde vieram umas naus maiores, os “Galeões”.

Dizem que saíam do Porto de Lisboa todos os anos de 3 a 4 “Carracas” com destino a Goa, na então Índia Portuguesa, com alguma prata, (a Europa não produzia prata, cremos que a proveniência desse produto devia ser o Brasil ou qualquer colónia na América do Sul, dos aliados Espanhóis), para trocar por algodão e especiarias e, também iam até à ao reino de Ming China, à procura de seda e, mais tarde, com a aquisição de Macau, a coroa Portuguesa começou a enviar “Carracas” regularmente ao Reino de Ming China e até ao Japão. Assim sendo, usavam as “Carracas”, que era um tipo de navio utilizado no transporte de mercadorias, referenciadas em documentos dos séculos XV e XVI, criadas pelos Portugueses especificamente para as viagens oceânicas, até então só usadas no Mediterrâneo.
As “Carracas” eram navios de velas redondas e borda alta que possuíam três mastros. Os primeiros exemplares tinham uma capacidade de 200 a 600 toneladas, mas na época em que os portugueses as utilizaram na carreira da Índia, atingiu valores de 2000 toneladas.


Mas continuando com a história do “Capitão Gancho”, uma das principais responsabilidades, já como almirante das viagens a Virgínia, foi disciplinar os homens no seu comando, por meio de eloquência e, claro, pelo exemplo, em vez de punição física, numa época em que as chicotadas e enforcamentos no mar eram coisa comum, usados por outros capitães de mar para fazer cumprir suas ordens.

Também tratava os índios com respeito, tentando ganhar a sua cooperação através do comércio, ao invés de usar a força física para subjugá-los, como nos fazia o nosso professor Silvério, lá na velha escola do Adro, na então vila de Águeda, ou por exemplo, ao contrário de John Smith, e outros líderes militares da colónia de Virgínia, ele não atacava os índios para roubar o abastecimento de alimentos a partir deles, nem os escravizava como os Espanhóis e Portugueses haviam feito rotineiramente na América do Sul e Central.

Os colonos ingleses, na altura, estavam constantemente preocupados com a possibilidade de que os Espanhóis, ou Portugueses, iriam atacar as suas vulneráveis colónias. Esta preocupação, em grande parte era baseada no massacre atroz de colonos “huguenotes franceses”, principalmente por soldados espanhóis, ocorrida em 1565, em Fort Caroline, Florida, perto do lugar onde vivemos. O massacre foi ordenado por Dom Pedro Menéndez de Avilés, o governador espanhol da Flórida, que fundou a colónia de St. Augustine, que foi o primeiro assentamento europeu permanente na América do Norte. Soldados espanhóis surpreenderam os facilmente submetidos colonos “huguenotes”, em grande parte desarmados. Colonos, homens, mulheres e crianças, foram levados em pequenos grupos para trás das dunas de areia, onde cada colono foi atravessado com a espada e deixado para ali até morrer.

Cerca de 350 marinheiros e soldados “huguenotes”, espalhados por uma tempestade prolongada no mar, foram capturados por soldados de Menendez nas praias da Flórida, por aqui, mesmo perto de onde vivemos, onde nós muitas vezes andamos à pesca e, também foram mortos, atravessados pela espada, pois os espanhóis consideravam os “huguenotes franceses” de ser infiéis, porque não eram católicos, mas politicamente, este massacre tinha a intenção de alertar os outros europeus, não os Portugueses, porque estes eram quase aliados, que o Novo Mundo pertenciam à coroa Espanhola.

A história conta-nos que um grupo de “huguenotes”, que praticavam a religião “protestante”, sob a liderança de Jean Ribault em 1562, estabeleceu uma pequena colónia em Fort Caroline, no ano de 1564, às margens do rio St. Johns, no que é hoje a cidade de Jacksonville, no estado da Florida. A colónia foi a primeira tentativa de assentamento europeu permanente, até aos dias de hoje, na parte continental dos Estados Unidos, mas o grupo sobreviveu apenas um curto período de tempo, pois em Setembro de 1565, num ataque contra a nova colónia espanhola em St. Augustine, também no estado da Florida, foi um “tiro que saiu pela culatra”, quando os navios franceses foram atingidos por um grande furacão, quando se preparavam para atacar o acampamento espanhol em Forte Matanzas, onde nós todos os fins de semana, logo que esteja bom tempo, costumamos caminhar, por um período de aproximadamente duas horas, na areia, pois faz massagens nos pés, onde centenas de soldados franceses eram presos, consoante davam à praia, rendendo-se às forças espanholas numericamente inferiores, lideradas por Pedro Menendez, que sem qualquer contemplação procedeu ao massacre dos “huguenotes” indefesos, tendo os espanhóis dizimado a guarnição de Fort Caroline.

Voltando à colónia de Jamestown, lá no norte, localizada no que hoje é o estado de Virgínia, foi esta a razão que, para evitar um massacre semelhante, os colonos ingleses, por volta do ano de 1607, foram aconselhados por ordens seladas da Companhia da Virgínia, para construir a sua colónia mais para o interior, ao longo de um rio, em vez de ser um posto avançado e foi assim que nasceu a colónia de Jamestown, na costa da Baía de Chesapeake. As ordens especificavam que um posto avançado devia ser estabelecido na foz do rio, ocupado por olheiros, “para que, quando qualquer frota fosse vista, eles poderem vir dar o aviso".

O “Capitão Gancho”, sendo um audaz corsário, sabendo da estratégia de ataques, saques e abalroamentos, seguindo ou não as ordens da Companhia da Virgínia, escolheu um local para a colónia, 40 milhas a montante da Chesapeake Bay, às margens do rio James. Além disso, ele manteve um posto de vigia localizado no que é actualmente o Forte de Old Point Confort, pois os vigias poderiam aconselhar a colónia de Jamestown da chegada de navios, viajando a pé para Jamestown, mais rápido do que um navio à vela pode navegar rio acima.

Ao contrário de alguns líderes da colónia de Virgínia, ou das Companhias Mercantis de Londres, que estavam principalmente interessados em adquirir a riqueza rapidamente, o “Capitão Gancho” tornou-se comprometido com o desenvolvimento a longo prazo da colónia de Virgínia. Para atingir esse objetivo, deixou a sua esposa e quatro filhos, durante cinco viagens perigosas através do Atlântico, cada uma com duração de mais de seis meses. Ele, um corsário, vulgo “pirata”, cresceu sobre o mar e continuou no mar a maior parte de sua vida, morrendo quase no final de uma viagem longa para o Extremo Oriente, na ilha de Java e, tal como tinha perdido parte do seu braço numa luta de abalroamento a um navio Português ao largo de Cuba, aqui, dizem que foi ferido mortalmente, já com a idade de cinquenta e cinco anos, numa luta travada num ataque a uma “Carraca Portuguesa” que tentava regressar à Europa, carregada com especiarias, sedas, pedras preciosas e outros tesouros.

Numa época onde um homem era identificado pela sua carreira, como carpinteiro, ferreiro ou sacerdote, o capitão Christopher Newport, corsário, vulgo “pirata”, mais conhecido por “Capitão Gancho”, foi reconhecido como um marinheiro, um homem do mar, cuja história de vida nos fala da sua contribuição para o tal “American Dream”, que quer dizer mais ou menos, “Sonho Americano”.

(Fim)

Tony Borie, Agosto de 2015
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Nota do editor

Postes anteriores de:

23 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15030: Libertando-me (Tony Borié) (31): O Sonho Americano (1)
e
30 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15055: Libertando-me (Tony Borié) (32): O Sonho Americano (2)

Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I





"A Empresa da Revista Militar foi fundada no dia 1 de Dezembro de 1848 por um grupo de 26 Oficiais do Exército e da Armada, dirigido pelo então Tenente do Real Corpo de Engenheiros Fontes Pereira de Mello [1819-1887].

"A Revista Militar - com o primeiro número publicado em Janeiro de 1849 - foi um dos primeiros títulos da imprensa militar portuguesa, sendo actualmente o mais antigo Órgão da Imprensa Militar Mundial com publicação ininterrupta.

"Os estudiosos do seu acervo confrontam-se com a influência exercida pelos Fundadores e por grande parte dos colaboradores da Revista na dinamização das Forças Armadas, e do próprio País, desde 1 de Dezembro de 1848, quando se assinou o Contrato.

"O século em que vivemos tende, sem dúvida,
a consomar o grande pensamento humanitário,
que tem por base o predomínio da inteligência
sobre a força".

"(Tenente Fontes Pereira de Mello, Introdução, do Primeiro Número, Janeiro 1849)"

(Reprodução,. com a devia vénia, da página da Revista Militar, que está "on line" desde 17/2/2013)


1. O José Matos mandou-nos há dias (a 25 de agosto último), este seu artigo ("A ameaça dos MiG na guerra da Guiné"), para divulgação no blogue. 

Agradeci-lhe e dei-lhe os parabéns, dizendo.lhe que tinha "muito gosto em publicar o artigo no nosso blogue, em dois ou mais postes, já que é extenso", mas que precisava também da "autorização do editor (, a Revista Militar)"... Embora o artigo esteja "on line" na Net, insistismos na questão da autorização do editor. O autor respondeu-nos em 4 do corrente: "Olá, Luís. Pode avançar com a publicação do artigo....esta foi a reposta da RM: Não há qualquer problema desde que seja citada a fonte de onde é extraído o artigo, no caso em apreço a Revista Militar nº 2559 de abril de 2015, pp 327-352."

O José Matos é filho de um camarada nosso, o ex-fur mil José Matos, da CCav 677 (São João, 1964/66), já falecido em 1998. Em tempos (23/11/2008) publicamos um poste dele, em que procurava camaradas do tempo do seu pai. O nosso camarada Santos Oliveira respondeu-lhe e pô-lo em contacto com camaradas do seu pai. É sabido que muitos camaradas desse tempo não vão à Net nem conhecem o nosso blogue. De qualquer modo, espero que o José Matos, que mora na região de Aveiro,  tenha encontrado alguns camaradas que conheceram o seu pai. Investigador, especialista em aviação militar, o José Matos já nos tem mandado mais artigos ou links para artigo seus .  Recordo, por um exemplo, um anterior sobre o Mirage, em 16/10/2012:

 Caro Luis Graça: Como o tema dos Mirage na FAP já foi debatido uma vez no vosso blogue, aproveito para chamar a atenção que a revista inglesa Aviation Classics publicou este mês um artigo da minha autoria sobre o tema [vd. links aqui], que aconselho a quem se interessa pelo assunto. Julgo que a revista se vende em Portugal.  

 Vamos publicar o artigo, em português, sobre os MiG, em quatro postes, seguidos. E aproveitamos para convidar, formalmente, o José Matos a integrar a nossa Tabanca Grande. Ele sabe que os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são.  Por outro lado, tem fotos do seu pai, no TO da Guiné, que ele gostaria de partilhar connosco. A melhor maneira de honrarmos a memória do seu pai, é pedir-lhe que se sente, connosco, à sombra nosso mágico, fraterno, inspirador e protetor  poilão. Se ele aceitar o nosso convite, será o grã-tabanqueiro nº 701.


2. Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352 > A ameaça dos MIG na guerra da Guiné, por José Matos (Parte I)

por José Matos


No dia 26 de Julho de 1963, um caça português F-86F Sabre destacado na Guiné fazia um voo de teste na região do rio Corubal. A bordo do aparelho, o piloto esperava um voo calmo e sem incidentes, contudo, tem um encontro imprevisto. Enquanto testa o Sabre, avista à distância um jacto desconhecido e, quando muda de rota para tentar verificar a identidade do avião, este foge rapidamente, não permitindo a sua identificação. A única coisa que consegue perceber é que se trata, provavelmente, de um MiG ao serviço da Força Aérea Guineana (FAG) [1].

Este primeiro contacto com um caça guineano é muito raro, ao longo da guerra, embora o comando militar em Bissau receba, com frequência, das tropas terrestres, relatos sobre o avistamento de aeronaves não identificadas. Contudo, convém referir a este propósito, que estes relatos eram baseados em observações visuais feitas pelas forças terrestres, que nem sempre conseguiam identificar correctamente o que viam no céu, sendo difícil saber se os relatos correspondiam efectivamente a voos hostis.

Era sobretudo no sector oeste da colónia que se registava o maior número de avistamentos, o que leva o Exército a deslocar, para Mansoa, em Agosto de 1963, um radar móvel nº 4 Mark VI, que já estava na Guiné nessa altura. Trata-se de um radar de aviso prévio montado num atrelado e que pode facilmente ser deslocado. Durante cerca de um mês de funcionamento detecta oito alvos não identificados, todos a baixa altitude e a baixa velocidade, tratando-se muito provavelmente de helicópteros, sendo, no entanto, difícil de determinar qual a origem dos mesmos [2].

Atento à situação, o Exército já tinha enviado para a capital da Guiné, em Janeiro de 1962, um pelotão de artilharia antiaérea (AA) equipado com peças AA 40 mm Bofors M-42/60, de forma a garantir uma defesa antiaérea mínima contra qualquer acção aérea hostil [3]. Este envio de peças antiaéreas para Bissau, indicava já uma preocupação das chefias militares quanto a uma eventual acção aérea contra as forças portuguesas estacionadas na capital, que só podia ser protagonizada pela aviação militar dos países vizinhos.


Os testes com o radar AN/TPS-1D

Além do envio de armamento AA, o Exército estuda também a expedição de radares AN/TPS-1D, um radar ligeiro transportável, que o Exército Português tinha comprado, em 1960, mas que já estava obsoleto, nessa altura [4].

Nesse sentido, são feitos testes de detecção, na Escola Militar de Electromecânica, em Paço de Arcos, em meados de Maio de 1962, com vista a “avaliar as possibilidades de detecção do radar com aviões de pequena superfície reflectora”. Para o efeito, são usadas duas parelhas de jactos F-86F da base de Monte Real (BA 5), voando uma parelha à altitude de 20 mil pés e a outra a 5 mil pés. Conclui-se então que o radar “é susceptível de permitir a detecção de alvos aéreos de pequena superfície reflectora (parelha de aviões F-86F ou alvo equivalente) embora não garanta a continuidade de detecção quando se afasta, segundo uma linha de rumo que intercepta a estação de radar, dentro dos alcances das experiências (até 100 milhas)”.

Além disso, o AN/TPS-1D é também “capaz de fornecer resultados satisfatórios na detecção de aviões convencionais (de hélice) de média ou grande envergadura dentro dos seus alcances de operação (até 160 milhas).” Em suma, “na falta de equipamento mais adequado, os radares podem ser de grande utilidade no Ultramar para efeitos de vigilância aérea” [5].

Entretanto, no âmbito do Secretariado Geral da Defesa Nacional (SGDN), é dada prioridade ao estudo da defesa área de Cabo Verde e Guiné, em virtude do perigo que pode advir de possíveis ataques aéreos contra os aeródromos destes dois territórios, fundamentais nas ligações aéreas entre Portugal, Angola e Moçambique. Este trabalho é produzido por uma comissão que já existia no SGDN para o estudo da defesa aérea do Ultramar [6].

Em termos gerais, a comissão do SGDN considera que o Aerodrómo Base nº 2 (AB2), em Bissalanca, deve ser dotado de várias estruturas de controlo e comunicações para a gestão do tráfego aéreo civil, mas também para operar um sistema de artilharia antiaérea que seja credível. O estudo considera ainda que as estruturas a criar devem ser apoiadas por radares de vigilância do tipoAN/TPS-1D, além de radares tácticos ligados às baterias de artilharia AA e pelos respectivos meios de comunicação e apoio [7].

No entanto, o estudo aponta também várias limitações para a defesa aérea, que terá de incidir sobre um pequeno número de objectivos, não sendo possível aos F-86 conduzir intercepções por ausência de radares altimétricos. Além disso, “a vigilância exercida pelos radares de cobertura AN/TPS-1D não permitirá mais de 4 a 7 minutos de aviso prévio para aviões de jacto voando a 3000 pés e a artilharia AA disponível não poderá actuar em relação a aviões com velocidades superiores a 800 km/h e a altitudes acima de 2300 pés”.

O estudo refere também a existência no inventário da FAG de alguns caças MiG-15, não havendo qualquer referência à existência do MiG-17 na ex-colónia francesa. No entanto, neste capítulo, existia alguma dificuldade em obter informações fidedignas sobre a existência ou não de jactos de combate no país vizinho. Em Setembro de 1962, uma informação do Ministério do Ultramar português dava conta que, numa parada militar em Conakry, realizada a 19 de Agosto desse ano, tinham desfilado onze caçasMiG-15, embora não tivesse sido possível confirmar essa informação [8].


A retirada dos F-86 da Guiné


Obviamente que a presença dos F-86 na Guiné tinha um efeito dissuasor em relação a qualquer tentativa de incursão aérea. Estes caças tinham chegado a Bissalanca, em Agosto de 1961, e eram usados em vários tipos de missões sobre a colónia, sendo o principal avião de combate da Força Aérea Portuguesa (FAP) na Guiné. Porém, os caças tinham sido cedidos a Portugal para a defesa da OTAN na Europa e os Estados Unidos começam a exigir que os jactos regressem à metrópole [9].

O assunto vai-se arrastando ao longo de 1963, sem que o governo português acate as exigências norte-americanas. O próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Franco Nogueira, tem uma longa conversa, em Junho de 1964, com o embaixador americano em Lisboa, George Anderson, em que o problema é novamente abordado. Nogueira argumenta que os F-86 não estavam na Guiné em operações, mas que serviam apenas como factor dissuasor contra possíveis ataques aéreos vindos dos países vizinhos. Anderson concorda com o argumento, mas considera que não era de prever qualquer ataque aéreo estrangeiro e que, “no caso de tal ataque, criar-se-ia uma situação política nova que alterava os dados do problema, mesmo para os Estados Unidos”. Nogueira pergunta então se “Washington tomaria uma posição de activa reacção contrauma agressão aérea provinda de fora”, ao que o embaixador americano responde que “não podia prever como reagiria o seu Governo, e muito menos assumir compromissos”. Anderson insistiu que o problema dos F-86 na Guiné “se tratava de uma questão de princípio” e que era um tema muito explorado pelos inimigos de Portugal, ao que Nogueira comentou que deviam de existir muitos no Departamento de Estado, “porque todos pareciam aferir a política dos Estados Unidos para com Portugal pelo que sucedesse aos F-86” [10].

Pouco tempo depois deste encontro, a pressão americana aumenta, de tal forma, ao ponto dos americanos se recusarem a fornecer sobresselentes para a Força Aérea, caso os portugueses não retirem os caças da Guiné [11]. Para resolver o problema, Lisboa manda retirar os F-86 e compra, na Alemanha, 40 aviões Fiat G-91 R/4 fabricados em Itália, mas ao serviço da Luftwaffe. No Verão de 1966, os G-91 já estão na Guiné em missões de reconhecimento e de apoio às tropas terrestres, mas nunca encontram qualquer jacto da FAG.

Ainda em 1964, são enviados para Bissalanca dois radares AN/TPS-1D para assegurar a vigilância aérea desta base, no entanto, em virtude da dificuldade na obtenção de peças sobressalentes, um dos radares é logo canibalizado para a manutenção do outro, ficando apenas um radar operacional [12]. Com a antena instalada numa torre metálica com cerca de 32 metros de altura, o AN/TPS-1D, porém, nem sempre funciona, devido a problemas de manutenção ou então devido a falta de energia nos geradores de apoio. Para colmatar estes problemas, são enviados outros dois radares do mesmo modelo para a Guiné, mas também acabam canibalizados ou então avariados [13].

Durante os períodos de funcionamento, o AN/TPS-1D faz várias detecções, mas que correspondem provavelmente a aviões civis transitando entre o Senegal e a Guiné-Conakry. O espaço aéreo da Guiné Bissau, acima dos 5 mil pés estava englobado na FIR [14] de Dakar e havia mesmo um corredor aéreo apoiado no VOR [15] de Bissau que vinha de Banjul, na Gambia, e passava à vertical da BA12. Não admira, por isso, que o radar detectasse alguns alvos.


A surpresa dos MiG
O MiG 17 - Cortesia de Wikipedia... [Edição: LG]


Como já foi dito, os Fiat de Bissalanca nunca encontram qualquer caça guineano, mas, em Abril de 1968, dois aviões ligeiros de ataque T-6G Texan são surpreendidos aparentemente por dois caças MiG, a poucos quilómetros de distância da fronteira com a Guiné-Conakry. O incidente ocorre no dia 24 de Abril, quando os T-6 voavam numa missão de escolta a uma coluna do Exército no corredor de Guileje, muito perto da fronteira guineana. Aos comandos dos T-6 iam o Tenente Arantes de Oliveira e o Alferes Oliveira Couto, e o voo decorria sem incidentes quando, subitamente, os dois aviões são surpreendidos pela passagem rápida de dois caças a jacto. Incrédulos, os pilotos observam os dois jactos de asas em flecha, a curvarem, para fazerem uma segunda passagem.

Um dos caças ascende ficando numa posição de ataque, enquanto o segundo passa novamente perto dos aviões portugueses de forma provocatória destabilizando os T-6 devido à deslocação de ar. Os portugueses não reagem e, após mais uma ou duas daquelas manobras, os caças desaparecem no horizonte. Os pilotos julgam inicialmente que foram surpreendidos por dois Fiat vindos de Bissalanca da BA12 e, quando finalmente aterram em Bissalanca participam a ocorrência ao comandante do Grupo Operacional da BA12, o Tenente-coronel Costa Gomes, porém, ao fazerem a descrição do que se passou, Costa Gomes diz-lhes que estão equivocados, pois nenhum G-91 tinha descolado naquele dia. Os dois pilotos percebem então que foram surpreendidos por dois MiG [16].


Medidas de defesa

Em Março de 1969, o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA) solicita à “BA12 um estudo urgente das medidas de protecção das aeronaves estacionadas contra eventuais ataques do exterior”, devendo o estudo ter em grande atenção a possibilidade da dispersão dos aviões, pois, em Bissalanca, estavam sempre demasiado juntos, devido ao elevado número de aviões estacionados na base. A preocupação do Estado-Maior da Força Aérea (EMFA) assentava no facto de surgirem, com alguma frequência, notícias sobre a possibilidade da guerrilha guineense ter meios aéreos e alguns pilotos para usar contras as forças portuguesas, nomeadamente contra Bissalanca [17].

Em resposta, o comando de Bissalanca refere que “as possibilidades de dispersão das aeronaves na BA12 são nulas, pois que as áreas consolidadas nem sequer são suficientes para todas as aeronaves existentes no arranjo normal do estacionamento” pedindo que, como primeira medida, sejam aumentadas as áreas de estacionamento. Refere ainda que “a execução dessa área de estacionamento deve ser, não como placa contínua, mas à base de placas para 1 ou 2 aviões, devidamente protegidos”.

Além destas medidas, os responsáveis da base preconizam ainda que, para protecção contra ataques aéreos do inimigo, deve ser montada “uma estação de radar mais adequada à detecção à distância”, além da aquisição de redes de camuflagem, do reforço dos meios de artilharia AA e a introdução de mísseis Sidewinder no Fiat, ou pelo menos, de um visor próprio para tiro ar-ar. Relativamente à ameaça aérea, o comando da BA12 considera que esta pode concretizar-se na forma de um avião isolado, partindo da República da Guiné (Boké ou Conakry) voando a baixa altitude, sendo provável que o ataque ocorra ao cair da tarde ou da noite [18].

Fiat G 91 R/4 , uma versão que equipaou a FAP na Guiné
durante a guerra colonial... Hoje peça de museu...
Cortesia de Wikipedia... [Edição: LG]
No seguimento deste estudo são enviados à Guiné quatro oficiais (dois da Força Aérea e dois do Exército) para, in loco, estudarem o problema da defesa aérea da colónia. Este grupo elabora depois um vasto relatório no âmbito do SGDN em que preconiza diversas medidas que, em linhas gerais, passam pela dispersão e protecção dos meios aéreos em abrigos ligeiros a construir; o reforço do serviço de incêndios da BA12 em pessoal e material; o provimento de material electrónico e de apoio para o bom funcionamento dos dois radares AN/TPS-1D, já instalados na base, e formação do pessoal especialista para operação destes equipamentos; a criação de um Centro de Aviso Aéreo (CAA) e de um Centro de Operações AA (COAA) e respectivas ligações telefónicas com os radares, torre de controlo e baterias AA; a efectivação do programa dos mísseis AIM-9B Sidewinder no G-91 e também uma eventual aquisição futura de mísseis antiaéreos ligeiros do tipo Redeye.

Em resposta a este estudo, o chefe da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea (EMFA), Coronel António da Silva Cardoso, submete ao CEMFA a “Informação nº 104” em que descreve as medidas preconizadas pela referida comissão procurando depois definir quais as medidas exequíveis sem grandes custos para a Força Aérea e quais as que exigem encargos vultosos. Silva Cardoso considera que o fornecimento de alguns componentes electrónicos e de apoio ao bom funcionamento dos radares já está em curso, no entanto, a satisfação de outras necessidades implicará custos não suportáveis pelas verbas normais da Força Aérea, como é o caso da protecção dos meios aéreos, o reforço do serviço de incêndios em pessoal e material, a criação do CAA e do COAA e o reforço da ZACVG com o pessoal necessário à operação dos radares e COAA.

No mesmo documento, Silva Cardoso informa também o CEMFA sobre os testes realizados nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA) para a instalação dos mísseis Sidewinder no Fiat e a mudança do visor de tiro usado pelo avião. “No que respeita ao visor, constatou-se ser possível equipar os G-91 com qualquer outro tipo diferente do que actualmente possuem”, procedendo-se à instalação de um visor giroscópico K-14 de origem americana. “Contudo, o material disponível apenas permitirá equipar 3 aviões e, por se tratar de material muito antigo, a aquisição de mais material não será fácil, mesmo através da USAF por intermédio do adido em Washington”, conclui Silva Cardoso.

Quanto à avaliação do AIM-9B no Fiat, nas condições tácticas previstas para o seu emprego na Guiné, os testes não conduziram a resultados satisfatórios. “Numa primeira fase dos testes de verificação de captação de radiação infravermelha produzida por aeronaves de motor convencional, constatou-se que o míssil não capta qualquer radiação quando apontado a aviões convencionais, monomotores ou bimotores, manobrando o avião nos sectores de cauda e entre o nível do mar e os 10 mil pés.

Paralelamente, a utilização dos G-91 em combate aéreo, equipados com Sidewinder, contra aviões do tipo MiG revela-se altamente duvidosa, porquanto as características de utilização do míssil estão em nítida desvantagem face às performances dos prováveis inimigos. Estas restrições de utilização dos Sidewinder contra aviões de maior performance assumem maiores dimensões se o combate aéreo se travar a baixas ou médias altitudes porquanto o míssil será inoperante. Daqui se deduz ser altamente duvidosa a utilização operacional dos G-91 equipados com Sidewinder” [19]. Em suma, Silva Cardoso desaconselha a utilização do AIM-9B no Fiat devido aos condicionalismos detectados nos testes.

(Continua)

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Notas do autor:


[1] PERINTREP n.º 9/63, de 4 de Agosto de 1963, Arquivo da Defesa Nacional (ADN) /F2/02/01/6.


[2] Perintrep n.º 13/63, de 25 de Setembro de 1963, ADN/F2/02/01/6.

[3] Processo P.2.103.1.5/62 do Chefe de Estado-Maior do Exército para o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, 11 de Janeiro de 1962, Arquivo Histórico Militar AHM/FO/29/1/351/51.


[4] Estrato do Relatório da visita à Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG) do Chefe da Secção de Comunicações, Coronel Albuquerque e Castro, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH), 1ª Região Aérea, Cx. 102, Processo 430.201.


[5] Relatório das experiências com o radar AN/TPS-1D, realizadas na Escola Militar de Electromecânica, em Paço de Arcos, 20 de Julho de 1962, AHM/FO/29/1/351/51.


[6] Memorando da 3ª Repartição de Operações do Estado-Maior do Exército sobre a Defesa AA de Cabo Verde e Guiné, 18 de Outubro de 1962, AHM/FO/29/1/351/51.


[7] Estudo da Defesa Antiaérea de Cabo Verde e Guiné, 1963, AHM/FO/29/1/351/52.


[8] Informação n.º 283/62 da 1ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Lisboa, 12 de Outubro de 1962, ADN F2/92/306/1.


[9] Nota nº 94 do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea para a Secretaria de Estado da Aeronáutica, 30 de Julho de 1963, SDFA/AH.


[10] Nogueira, Franco, Diálogos Interditos, Volume II, Editorial Intervenção, Braga, 1979, pp. 58-60.


[11] Matos, José, A saga do Sabre Mk.6, 1ª parte, Mais Alto nº 394, Novembro/Dezembro de 2011, pp. 37-38.


[12] Estrato do Relatório da visita à ZACVG do Chefe da Secção de Comunicações, Coronel Albuquerque e Castro, SDFA/AH, 1.ª Região Aérea, Cx. 102, Processo 430.201.


[13] Relatório da Secção de Radar da BA12, Bissalanca, 23 de Março de 1970, SDFA/AH, 1.ª Região Aérea, Cx. 102, Processo 430.201


[14] Flight Information Region.


[15] VHF Omnidirectional Radio Range.


[16] Informação fornecida ao autor pelo Alferes Oliveira Couto.


[17] Verbete n.º 1592/RB da 2ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Defesa Aérea da Guiné, 16 de Junho de 1969, ADN, Fundo Geral SGDN 6861/3.


[18] Informação n.º 169 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea para o CEMFA, Assunto: Medidas para protecção de aeronaves da BA12, 26 de Setembro de 1969, SDFA/AH, 1.ª Região Aérea, Cx. 102, Processo 430-201.


[19] Informação n.º104 da 3ª Repartição do EMFA para o CEMFA, Assunto: Defesa Aérea da Guiné, 28 de Abril de 1970, SDFA/AH, 1ª Região Aérea, Cx. 64.

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Guiné 63/74 - P15076: Parabéns a você (959): Mensagem de José Martins à tertúlia



1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de hoje, 6 de Setembro de 2015, dirigida à tertúlia:

A todos os camarigos que tiveram a gentileza de recordar o meu aniversário, já no “dia seguinte” vos quero enviar um abraço de reconhecimento, fazendo votos de que este Batalhão continue unido pelo maior espaço de tempo possível.





Abraço cada um de vós.
José Martins
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Nota do editor

Vd. poste de 5 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15074: Parabéns a você (958): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)

sábado, 5 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15075: Historiografia da presença portuguesa em África (63): Casamansa, setembro de 1858: apoio das autoridades portuguesas aos interesses franceses, objeto de hostilidade pelo "gentio local": portaria, de 30/9/1858, do visconde Sá da Bandeira, secretário de estado dos negócios da Marinha e do ultramar


Fonte: Portugal > Assembleia da República > Legislação régia >

"PORTARIA, 30 de Setembro de 1858

Portaria (pelo Ministerio da Marinha — Inedita) mandando ás auctoridades de Guiné que prestassem ás auctoridades e subditos dos estabelecimentos visinhos francezes todo o auxilio contra o gentio da Casamansa em compensação de igual serviço que já nos haviam feito. Supp

MINISTÉRIO DA MARINHA, Livro 1858"...


1. Comentário de LG:
Marquês Sá da Bandeira (1795-1876).... Foi uma dos
paladinos da abolição da escravatura .,
Cortesia de Wikipedia

1. 1. Como se vê, já em 1858, quase 30 anos antes da Conferência de Berlim (1884-85), a França e Portugal eram "aliados" (ocasionais) na África Ocidental...

Irão fazer "rectificações territoriais" em 1886:  Portugal cederá Casamansa, a França dá-lhe em troca a península de Cacine.

O pequeno e velho país, chamado Portugal, com pergaminhos "históricos" no que diz respeito às relações com esta parte de Áfrca, tinha um conflito com os ingleses, seus aliados no continente europeu, a propósito de Bolama. A posse da ilha era reivindicada por ingleses e portugueses, desde 1830... O território chegou a ser integrado na Serra Leoa, em 1860.


Uma comissão de arbitragem internacional.  presidida pelo então presidente dos Estados Unidos da América, , o general Ulysses S. Grant (1869-1877),  acabou por decidir, a 21 de abril de 1870,  atribuição da posse de Bolama a Portugal. A soberania portuguesa do território é restituída a 1 de outubro de 1870.

 As hostilidades para com os franceses, em Casamansa (*). reportadas acima, remontam a 1858. Era então governador de Cabo Verde  Sebastião Lopes de Calheiros e_Meneses. Por sua vez, era  capitão-mor de Bissau o Honório Pereira Barreto, que ia no seu 5º mandato (!) (18589-1859). O rei de Portugal, nessa época, era  o promissor jovem Dom Pedro V: reinou enter 1853 e 1861, ano em que morreu prematuramente,  aos 24 anos. Era o mais bem preparado,  do ponto de vista intelectual e cultural, dos reis da dinastia de Bragança.

Dom Pedro V era um convicto defensor da abolição do esclavagismo, tal como Sá da Bandeira, político e militar de grande vulto da época do liberalismo, e que assina a portaria acima reproduzida. Depois da "perda" do Brasil, os governos oitocentistas começar a preocupar-se com os territórios ultramarinos africanos...

O jovem rei presidiu à inauguração do primeiro telégrafo eléctrico no país (1855)  e do primeiro troço de caminho de ferro, entre Lisboa a Carregado (1856). É também no seu reinado que se iniciam as primeiras viagens regulares de navio, entre Portugal e Angola.  Tinha claras preocupações quanto à posição de fragilidade de Portugal, em África, face às grandes potências coloniais europeias, em especial a Inglaterra e a França e a que irá juntar, mais tarde, a Alemanha....

Como é sabido, foi no Congresso de Viena, em 1815, que o comércio de escravos foi condenado. Em  Portugal, o comérrcio de escravos é abolido em 1836, no ultramar (já tinha sido abolida a escravatura, na metrópole e na ìndia, no tempo do marquês de Pombal, em 1761), mas o tráfico continua,  clandestinamente, feito tanto por portugueses como franceses e outros.

Sá da Bandeira decretou a abolição da escravatura a 29 de Abril de 1858, impondo contudo um prazo máximo de 20 anos para o fim da escravidão em todo o território sob administração portuguesa.  O fim oficial da escravatura é, pois, 1878... (...) "Em 1875, poucos meses antes de morrer, Sá da Bandeira tivera o ensejo de assistir à aprovação, nas Cortes, de um projecto de lei que emancipava os libertos das colónias. Tratava-se do culminar de um percurso de décadas que o então marquês percorrera com persistência e obstinação, ainda que muitas vezes isolado ou quase isolado". (Vd. João Pedro Marques, Investigador Auxiliar do DCH/IICT > Sá da Bandeira e o problema da escravatura).

1. 2. Sobre Casamansa, atualmente,  escreveu em 2008 José Horta, leitor de Português na Universidade Cheikh Anta Diop, Dacar, Senegal  (UCAD):

(...) "Casamansa e a vizinha Guiné-Bissau constituem um território com uma identidade própria, cujas populações fazem parte de um mesmo conjunto étnico e linguístico, o grupo sub-guineense (...)  A separação foi o resultado do acordo luso-francês, de 1886, no qual Portugal renunciou à bacia do rio Casamansa, incluindo o porto de Ziguinchor, e a França, em contrapartida, abandonou a área de Cacine.

"Os vestígios da presença portuguesa no passado são visíveis, por exemplo, em algum do património arquitectónico de Ziguinchor, mas sobretudo pelo facto de uma parte da população autóctone (geralmente identificada com a comunidade cristã) ter como língua materna um crioulo de base lexical portuguesa, afim do guineense, que constitui um forte factor de identificação e coesão. Curiosamente, no Senegal, estes crioulos, e sobretudo o cabo-verdiano, são muitas vezes confundidos com o Português, acreditando-se que se trata de uma mesma língua.»

(In:  nº 128 · 30 de Julho de 2008 · Suplemento do JL n.º 987, ano XXVIII, reproduzido na página do Instituto Camões)
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 Notas do editor:

Guiné 63/74 - P15074: Parabéns a você (958): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15071: Parabéns a você (957): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CCAC 2339 (Guiné, 1968/69)

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15073: Notas de leitura (753): “Etnia, Estado e Relações de Poder na Guiné-Bissau”, por Carlos Lopes, Edições 70, 1982 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Sendo absoluto, ou quase o silêncio das artes plásticas sobre as guerras que travámos em África, a partir de 1961, parece-me ter todo o sentido referir aqui os desenhos de Melício, artista que eu desconhecia, apresentados numa exposição que realizou em 1997.

O livro de Carlos Lopes, um dos mais significativos pensadores da Guiné-Bissau, produziu em 1980, na sua fase académica, este estudo que, a despeito de incompreensíveis dislates para um investigador universitário, é ainda hoje uma referência obrigatória para o estudo dos desmantelamentos do ideário do PAIGC, após a independência.

Um abraço do
Mário


A guerra colonial vista por Melício

Beja Santos

Foi uma exposição que se realizou no Museu República e Resistência, em 1997, intitulada “A Guerra Colonial”, desenhos de Melício. Melício (1957-) é escultor, designer e pintor, membro da Sociedade Nacional de Belas-Artes, professor de Artes Plásticas. Participou num número apreciável de exposições individuais, coletivas nacionais e internacionais.

Ninguém ignora que é escassíssimo o número de artistas plásticos que tenham ou se têm dedicado ao tema da guerra. Pela gama de desenhos que vêm publicados no catálogo desta exposição, e que tive acesso numa feira de promoções da Livraria Municipal, na Avenida da República em Lisboa, vê-se perfeitamente que Melício se documentou, viu inúmeras fotografias, observou posturas, quer dos combatentes portugueses quer dos guerrilheiros, as minas anticarro, os golpes-de-mão, os descarrilhamentos de comboio, as evacuações, são plausíveis. Melício, no final, e após revelar imagens de extrema crueldade, mostra a paz com imagem de um pássaro, é seguramente a resposta que o artista dá à guerra, à dor, ao silêncio e à morte. Como escreve Diva Morazzo na apresentação do catálogo: “A vitória do primeiro cavaleiro do Apocalipse conotada com imagem do pássaro-esperança-paz é preconizada pela capacidade potencial do traço crítico de Melício”. Vejamos agora uma amostra do seu desenho.




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Etnia, Estado e Relações de Poder na Guiné-Bissau (1), por Carlos Lopes

Beja Santos

“Etnia, Estado e Relações de Poder na Guiné-Bissau”, por Carlos Lopes, Edições 70, 1982, foi o primeiro trabalho de sociologia política, após a independência, assinado por um guineense. Foi inicialmente publicado pelo Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento, em Genebra. Um professor desta instituição explica o que se pretende: uma explicação que permita compreender como é que uma luta de libertação nacional acabou por conduzir ao controlo do poder político económico pela burocracia do aparelho de Estado. Carlos Lopes afirma que o seu trabalho estava pronto muito antes do golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, as suas conclusões não teriam sido influenciadas pelo golpe de Nino vitorioso. Ao virar da década de 1980 assistia-se a um refluxo dos movimentos de solidariedade na Europa, desencantados por não se reconhecerem ou reverem nos ideais dos dirigentes de muitos movimentos de libertação. Para a publicação das Edições 70, Carlos Lopes apresenta igualmente justificações: “O objetivo era mostrar que as contradições hoje existentes na Guiné-Bissau, ao nível do poder, eram a consequência lógica do afrontamento de duas conceções distintas: uma, ligada à experiência de conjugação e técnica originada na luta armada; a outra ligada à ideologia do aparelho de Estado nascido após a independência”. Carlos Lopes afirma que o seu exercício utiliza o aparelho conceptual marxista.

O seu primeiro olhar é sobre a história da Guiné, do passado remoto à independência. Na origem dos povos guineenses, revela-se um autor documentado, aliás a sua tese de doutoramento, anos mais tarde, andará à volta desta temática, e ainda hoje não foi ultrapassado. Tendo em conta este rigor, que é esperável de um trabalho universitário, não se compreende como é possível um autor deste gabarito de vez em quando asnear e deixar-se levar pela propaganda do PAIGC do tempo da luta, sem nenhum recurso ao contraditório. Vejamos um só exemplo: “Os portugueses sofrem a maior derrota militar na batalha da ilha de Como, no Sudoeste do país. Este ataque durou cerca de três meses e saldou-se pela morte de 650 homens”. Pouco aceitável é também o recurso à patranha de que Spínola mandara infiltrar o PAIGC de informadores, colaboradores diretos da PIDE, procurando explorar os incidentes, prometendo-lhe promessas de lugares de relevo num futuro Estado de cariz neocolonial. Afirmar isto na ausência absoluta de documentos, mesmo ainda sem haver acesso aos arquivos da PIDE/DGS, surpreende num investigador universitário. O PAIGC, aquando da independência, considerava que a principal vitória não fora a luta contra os portugueses mas antes a capacidade de construir uma nova sociedade, com novas relações, uma outra vida cultural, ao mesmo tempo que se lutava.

Outro despautério que desequilibra a investigação, e convém dizer liminarmente de que se trata de um trabalho ousado e incontornável para os estudos sobre a Guiné-Bissau, é a apresentação de um mapa referente a 1969, dando conta da evolução da guerra. Como todos nós nos recordamos, a propaganda do PAIGC não era peca nos números quanto ao controlo do território: era afirmado na rádio, nos comunicados e nos areópagos internacionais que cerca de dois terços do território eram controlados pelo PAIGC. Veja-se o mapa. Todo o Sul, com exceção de Bolama e dos Bijagós era considerada região libertada, mas também o Corubal, e a região de Boé; a região do Gabu era dada como zona ainda sob o controlo português; a região de Bambadinca era zona contestada, tal como um povo do território do Norte, acima do Gabu; todo o território da região de Farim até Mansoa era zona libertada; Susana, S. Domingos, Cacheu, Canchungo e Bula eram regiões contestadas; a península de Bissau e as ilhas próximas eram dadas como zonas ainda sob controlo português. Basta este mapa para se perceber o dislate da propaganda dos dois terços controlados e os números depois apresentados, em perfeita colisão. No entanto, o investigador não se pronuncia sobre a enormidade que salta à vista.


Passando para a racionalidade étnica, o autor procede ao estudo dos Fulas, aproxima esta etnia dos Mandingas e dos Manjacos, trata-se de uma sociedade vertical ao contrário das sociedades horizontais (caso dos Papéis e dos Balantas), sonda a sua vida socioeconómica e cultural e releva que em meados do século XX coexistiam diversos modos de produção no mesmo território, uns dentro do modo capitalista outros baseados em práticas de subsistência e troca. E em apartado novo explica as novas relações sociais surgidas após a luta armada. Amílcar Cabral, o ideólogo do PAIGC apostava na participação cada vez mais alargada da população, num novo tipo de relações que se desenvolvessem em todos os escalões da atividade social; dessa nova realidade social faziam parte “os armazéns do povo” onde se podia permutar produtos; criaram-se infraestruturas de saúde, deu-se prioridade à justiça popular. Era, no fundo, a aplicação prática do conceito que Cabral tinha para a mobilização para a nova cultura: o desenvolvimento da luta armada e a consolidação de novas estruturas sociais onde a exploração do homem pelo homem já não tinha lugar, era assim que se estava a criar a nova consciência associada ao processo revolucionário.

O autor analisa seguidamente a racionalidade do Estado. Havia o Estado numa perspetiva étnica: os Fulas fundamentavam o poder na sua religião, tal como os Mandingas; o Estado colonial funcionava num quadro típico do modo de produção capitalista; e havia o Estado surgido da luta pela independência que retirava a sua substância e as suas caraterísticas dos dois precedentes. O Salazar insistia que não havia discriminação entre os portugueses e os indígenas. Um dos mais importantes vultos da historiografia colonial, Charles Boxer, admirado e detestado pelas autoridades do Estado Novo, dizia sem rebuço que o império português fora sempre uma talassocracia dependente do comércio com o Oriente (especiarias), a África Ocidental (escravatura) e o Brasil (tabaco, açúcar e ouro). O autor revela fundamentação sobre o tráfico de escravos, as estruturas do estado colonial e como veio a ser introduzido o modo de produção capitalista na Guiné. Em contraposição, documenta a organização do PAIGC e de imediato, passando para a independência mostra como esta orgânica se revelou inadequada e ao arrepio dos sonhos de Amílcar Cabral. E tece críticas sem qualquer tipo de macieza:  
“O primeiro Governo nacional foi criado ainda durante a luta. Compreendia, entre outros, dirigentes que foram integrar o Governo cabo-verdiano formado depois da independência assim como membros da direção política do partido. A hierarquia posta em prática no seio do PAIGC, na base da participação e da contribuição à luta armada e política vinha a assentar sobre a do aparelho de Estado. A estrutura governamental privilegiava as decisões de natureza coletiva (…) Desde a independência e da tomada de controlo da administração que apareceram graves lacunas. A falta de conhecimentos em matéria de administração faziam-se cruelmente sentir dentro de certos meios responsáveis. Alguns destes optaram pela solução de facilidade e recorreram ao apoio dos antigos funcionários coloniais. Estes iniciam uma rápida ascensão no aparelho administrativo e alguns atingem mesmo o lugar de diretores-gerais ou de secretários-gerais nos ministérios. A sua influência era tanto mais forte quanto é certo que alguns ministros se demitiam das suas responsabilidades, ocupados que estavam noutras tarefas. A médio prazo, esta política do deixa andar permitiu o regresso de relações administrativas caraterísticas do período colonial”. E dá mesmo exemplos da rápida desagregação: “O que nos parece mais grave ainda é que certos ministérios chegaram mesmo a destruir o funcionamento democrático interno que os militantes do PAIGC privilegiavam. Um dos exemplos mais conhecido em Bissau é o de Fernando Fortes, cofundador do PAIGC, ex-comissário dos Correios e Telecomunicações, cuja atitude se assemelhava à de um colono do antigamente”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15058: Notas de leitura (752): “O Guardião”, por Fernando Antunes, Edição de Setembro de 2011 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15072: (Ex)citações (289): A propósito de Casamansa: a Guiné-Bissau não devia alimentar orgulhos caducos e tem a obrigação de respeitar as fronteiras coloniais existentes, se quiser continuar a existir como país.

1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P15066 (*)


[Cherno Naldé: natural de Fajonquito, setor de Contuboel, região de Baftá, fez a sua formação universitária  na Ucrânia (ex-União Soviética) entre 1985/90 e depois em Portugal (Pós-graduação no CEA - Centro de Estudos Africanos /ISCTE); é quadro superior em Bissau, onde vive]

Caro amigo Luis,

Bem que gostava de fazer uma apreciação crítica o conteúdo sócio-cultural e ideológico dos artigos apresentados sobre Ziguinchor e suas gentes por apresentarem grandes similitudes com as realidades sócio-culturais das chamadas 'praças' vs 'presídios' na actual Guine-Bissau, infelizmente o tempo escasseia.

A Casamansa é a grafia antiga, portugues,  que, pouco a pouco, por influência do francês passou para Casamança aà francesa (Casamance) e acabou por ser a grafia oficialmente adoptada nas diferentes línguas e nas cartas geográficas modernas.

A terminologia ou conceito oportunista de "fijus de terra" que é prática corrente em toda a região foi desde sempre fonte de discórdia, de intrigas e de instabilidade social e política cujos efeitos nocivos podemos encontrar quase em todas as organizações, agrupamentos (os famosos Gan) ou partidos políticos como o PAIGC, FLING e outros.

Penso que o prefixo "mansa" estaria ligado ao poder tradicional (autoridade) na altura derivado ou por extenão do poder longínquo do Mansa de Mali e nao é sinónimo de mansidão como o pretende Torcato.

O declinio da aristocracia crioula em Ziguinchor, de certo modo, também, está relacionada com o declínio e pauperizacção dos centros de cultura crioula da Guiné-Bissa,  fruto do retrocesso desta desde a independência.

Quanto a interferência "guerreira" no Casamansa,  a pequena Guine-Bissau não fica a dever em nada ao vizinho Senegal, pois o tráfico de armas e de alianças duvidosas estão na origem da maior parte dos conflitos que ocorreram nos últimos anos.

Pessoalmente, sou de opinião que a Guine-Bissau não devia alimentar orgulhos caducos e tem a obrigapção de respeitar as fronteiras coloniais existentes,  se quiser continuar a existir como país. (**)

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Igreja católica nos arredores de Ziguinchor. Cortesia de Wikipedia
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15066: Em bom português nos entendemos (12): Casamança ou Casamansa ? Como se deve grafar este topónimo do Senegal ? A resposta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

(...) Comentários de LG:

Uma chamada de atenção para a página "República Cultural Lusófona" (RCL)... onde se (re)descobrem inesperadas comunidades onde a lusofonia parece estar viva ou ainda não morreu (...)

Sobre Ziguinchor, capital da região de Casamansa, pode ler-se o artigo "Ziguinchor, a vila crioula do Senegal"... Desconhecem,os o autor, mas aqui vão uns excertos, com a devida vénia (. A revisão e fixaçãon de texto é nossa):

(...) "Ziguinchor foi fundada pelos portugueses no sec. XVII, em 1645, na margem sul do Rio Casamansa. O seu nome deriva da expressão portuguesa 'cheguei e choram', porque os nativos pensavam que os vinham escravizar. Esta feitoria fora aí sediada para comerciar com o reino de Casamansa o qual era um aliado dos portugueses.

"Segundo as crónicas este era o reino mais amigo dos portugueses, ao longo da costa da Guiné. O rei vivia à moda europeia, com mesa, cadeiras e roupas ocidentais, na sua corte habitavam muitos portugueses onde comerciavam e faziam cortesia ao rei. No entanto o progressivo desleixo por Portugal de África, a favor da Índia e depois do Brasil,  deixou esta zona praticamente abandonada. Cedo a feitoria se transformou num mero presídio, praticamente vazio...

"Hoje Ziguinchor é a capital da provincia senegalesa de Casamansa que luta pela sua independência do norte.

(...) "A população era constituida pelos fijus di terra que ainda hoje se auto-intitula a verdadeira população de Ziguinchor. Esta população era constituída por descendentes de portugueses e mulheres Diola, e ainda hoje mantêm os apelidos portugueses como Alfonso, Barbosa, Carvalho, da Silva, Fonseca, só para citar alguns. Para além dos fijus di terra são ainda distinguidos os fijus di fidalgu, a aristrocracia de Zinguinchor que se distinguem pelo prestígio nobiliárquico que exibem.

"Os fijus di terra eram os proprietários da terra, destinguiam-se dos outros grupos étnicos pela língua crioula, pela religião católica pelas maneiras, hábitos e roupas europeus. Talvez a característica mais sonante desta população fosse o bem conhecido domingo de Ziguinchor em que a população vai à missa e se passeia elegantemente de paletó e chapéu pelas ruas e jardins de Ziguinchor. Daí que, para os franceses, os crioulos tivessem sido os interlocutores por excelência com o resto da população. E tiveram eles mesmo de aprender o crioulo, língua que era bem mais fácil que as outras línguas nativas para um europeu. Mesmo os funcionários do norte que os franceses mandavam vir devido ao facto de serem mais escolaralizados que os sul, aprendiam rapidamente a falar o crioulo, este era o mais falado pela população, e até as outras etnias aprendiam a língua crioula por ser a língua do comércio, devido não só à proximidade com a Guiné-Bissau e ao contrabando que se fazia entre os dois países, mas ainda ao comércio do mercado local que atraía os camponeses do interior.

"Os laços com a Guiné-Bissau são muito fortes, desde familiares, sociais, religiosos e étnicos, de tal forma que em 1985,  num questionário, 70% repondeu já ter visitado a Guiné-Bissau. E, mesmo apesar do crioulo de Ziguinchor ser do tipo de Cacheu,  a influência do de Bissau faz ainda sentir-se aqui. Para além dos fijus di terra vieram da Guiné-Bissau principalmente durante a guerra colonial muitos refugiados, os manjacos, os  manés e os papeis, para reforçar a população crioula. Nas familias mais abastadas costuma-se ainda casar com membros das famílias de Bissau ou Cacheu.

"Numa pirâmide que ilustrasse a estrutura social de Ziguinchor poderiamos colocar quatro bases: na mais alta os fijus di fidalgu a seguir os fijus di terra,  de seguida os manjacos, vindos da Guiné-Bissau, e por fim as outras etnias locais. " (...)

(...) "Nos censos de 1963, dos 42.000 habitantes de Ziguinchor, 35.000 falavam o crioulo (83%), e 30.000 tinham o crioulo como lingua materna (71,4%).

"Depois de 75 anos de domínio francês e de 37 anos de independência,  os crioulos de Ziguinchor ainda são conhecidos como "les portugais" - portuguis, na população local. No entanto o crescimento da cidade e o aparecimento dos subúrbios tirou a terra aos fijus di terra, deixando-os na pobreza. 

"Depois da independência a situação alterrou-se por completo, os crioulos eram vistos como cúmplices dos franceses. Os cargos públicos ocupados pelos crioulos foram substituidos pelos funcionários vindos do norte que falavam wolof, e assim começou o declínio da população crioula de Ziguinchor que fora sempre a maioritária. De tal modo que em 1985 apenas 37% da crianças que iam para a escola falavam em crioulo. (...)

"As diferenças étnicas e culturais entre os povos de Casamansa, da qual Ziguinchor é a capital, e os do norte maioritariamente wolof [, islamizados,] são bastante grandes. Há já alguns anos que Casamansa luta pela sua independência (desde 1982). Muitos historiadores veem neste fenómeno uma herança dos conflitos luso-franceses sobre o território e que nomeadamente a Guiné-Bissau e o Senegal herdaram. São sabidas as interferências das tropas senegalesas em território guineense mas há ainda a ter em conta a grande ligação afectiva que liga as populações de Casamansa e da Guiné-Bissau. Esta última tentou servir de mediadora no conflito armado dos rebeldes do MFDC (Movimento das Forças Democráticas de Casamansa) mas a neutralidade da Guiné-Bissau nunca foi muito segura e a verdade é que o exército guineense tem fornecido armas ao movimento liderado por um padre de origem crioula,  Sengor (Senhor).

"Os fijus di terra acabaram por apoiar os rebeldes e tem ainda por isso sido exterminados culturalmente. Por outro lado enfrentam uma senegalização imposta. Ser-se crioulo era um estatuto privilegiado que tem começado a desaparecer, pois passou a ser secundário em relação aos wolof que anteriormente nem sequer existiam na região. (...)"

(**) Último poste da série > 3 de agosto de 2015 > oesGuiné 63/74 - P14964: (Ex)citações (288): Estações dos CTT na Guiné (Jorge Araújo)

Guiné 63/74 - P15071: Parabéns a você (957): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CCAC 2339 (Guiné, 1968/69)



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Nota do editor

Último poste da série >  3 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15067: Parabéns a você (956): Luís Gonçalves Vaz, Amigo Grã-Tabanqueiro

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15070: Estórias cabralianas (89): Os filhos do sonho (Jorge Cabral)

Foto de Jorge Cabral.
Cortesia de JERO
1. Mais um história, surpreendente, do "alfero" Cabral... Acabada de chegar...

Estórias cabralianas (89) > Os Filhos do Sonho

por Jorge Cabral


Grande escândalo em Missirá. A bela bajuda Mariama, apareceu grávida. Sobrinha do Régulo e há muito prometida a um importante Daaba de Bambadinca, era preciso averiguar..,

Reuni com o Régulo e chamámos a rapariga, Após um interrogatório cerrado, ela, muito a medo, esclareceu: 
 O pai era o Alfero… 
 Mas quando e onde? 
 É que uma noite sonhei com ele…

O Alfero riu, mas o Régulo pareceu levar a sério e apontou mesmo outros casos, que tinham acontecido no passado…Felizmente eu estava a acabar a comissão, mas nunca esqueci o episódio... E quando começava um ano lectivo, avisava sempre as alunas:
– Nunca sonhem com o Professor…

Ultimamente, por via do Facebook, ganhei vários amigos empresários da Guiné, que me fazem propostas de negócios…Um quer construir uma discoteca em cada Tabanca, outro uma pista de gelo a norte de Finete, e outro ainda um viveiro de sardinhas no Mato Cão…Não me lembro das mães deles, mas certamente, quando eram bajudas,  sonharam com o Alfero…Trata-se de um gene cabraliano…

J. Cabral

[ex-alf mil at art, cmdt do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71]
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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15054: Estórias cabralianas (88): A bebé de Missirá (Jorge Cabral)


(...) Só no início de julho de 1969, quando o Pelotão se preparava para ir para Fá é que descobri que além dos vinte e quatro soldados africanos, contava com as respectivas mulheres, filhos, cabras e galinhas… Instalados, o quartel virou tabanca, animada com as brincadeiras das crianças e os risos das mulheres. Todos os soldados fulas eram casados e alguns com mais de uma mulher, pelo que existiam sempre grávidas e partos. (...)